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SILVEIRA. Os territórios corporativos da globalização (Tradução em português)

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TRADUÇÃO: 
SILVEIRA, Maria Laura. Los territorios corporativos de la globalización. [En línea]. 
Geograficando, v. 3, n. 3, p. 13-26, 2007. Disponível em: <http://www. 
fuentesmemoria.fahce.unlp.edu.ar/art_revistas/pr.3665/pr.3665.pdf>. 
 
 
Os territórios corporativos da globalização 
 
 Maria Laura Silveira 
 
Resumo 
 
Cada período histórico pode ser visto como uma ordem socioespacial, um 
momento de formação socioespacial, que requer um esforço de análise mais complexo a 
cada dia, em duas dimensões importantes. Primeiramente, podemos analisar o que está 
lá, os estoques do território usado, o território como é hoje usado a partir de uma 
articulação entre as principais variáveis do tempo; isto é, o complexo da chamada 
tecnociência, mas também com o conteúdo da informação e, certamente, o conteúdo 
financeiro. Estas são as variáveis que revelam a face hegemônica do espaço e cuja 
análise mostra o funcionamento dos territórios. Em seguida, devemos estar atentos ao 
movimento; isto é, como o território está sendo usado e como ele poderia ser usado. Em 
outras palavras, uma olhada nas possibilidades do período histórico em que vivemos, 
que podem ou não se tornar estoques. O espaço atual, dominado pela ciência e 
tecnologia, cuja dinâmica responde aos totalitarismos de informação e finanças, poderia 
também ser o resultado de outras possibilidades e combinações, que começam 
timidamente a surgir como modos de vida e de trabalho. 
Palavras-chave: território usado, território corporativo, tecnociência. 
 
Introdução 
 
Cada período histórico pode ser visto como uma ordem socioespacial, um 
momento de formação socioespacial, que requer um esforço de análise - mais complexa 
a cada dia - em duas dimensões importantes. Primeiramente, podemos analisar o que 
está lá, os estoques do território usado, o território como é hoje usado a partir de uma 
articulação entre as principais variáveis do tempo; isto é, o complexo da chamada 
tecnociência, mas também com o conteúdo da informação e, certamente, o conteúdo 
financeiro. Estas são as variáveis que revelam a face hegemônica do espaço e cuja 
análise mostra o funcionamento dos territórios. Em seguida, devemos estar atentos ao 
movimento; isto é, como o território está sendo usado e como ele poderia ser usado. Em 
outras palavras, uma olhada nas possibilidades do período histórico em que vivemos, 
que podem ou não se tornar estoques. O espaço atual, dominado pela ciência e 
tecnologia, cuja dinâmica responde aos totalitarismos da informação e finanças, poderia 
também ser o resultado de outras possibilidades e combinações, que começam 
timidamente a surgir como modos de vida e de trabalho. 
Daí a proposta de Milton Santos de entender o espaço geográfico como 
sinônimo de território usado, isto é, como um grupo solidário indissolúvel e 
contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações. Está definição inclui, 
certamente, a dimensão política da ideia de território que existe há muito tempo, mas 
enfatiza especialmente a maneira pela qual o território é usado, com objetos e com 
formas de trabalho que podemos chamar de técnicas, e com ações políticas que, de 
acordo com sua força e poder, determinam os usos e combinações. Eles são os atores na 
cooperação e no conflito, como Hägerstrand já disse, outro grande geógrafo que 
também estava procurando uma discussão substantiva sobre o assunto de nossa 
disciplina. 
A partir dessa perspectiva, podemos entender cada região a partir dos objetos 
que estão lá e que tendem a fornecer funções diferentes, mas, ao mesmo tempo, a partir 
das ações submetidas ao regulamento das instituições e empresas, cujo peso está 
crescendo no período atual. Por quê? como o título deste artigo, porque o poder das 
empresas adquiriu tal vigor que podemos falar sobre o território corporativo ou uso 
corporativo de território. 
 
Divisão de trabalho sobreposta 
 
O território utilizado é constituído, então, pela base material e pela vida que o 
encoraja, em cooperação e conflito. Cada empresa constrói sua base material ou utilizar 
aquela que já existe para realizar seu trabalho, para cumprir os mandamentos de sua 
vida corporativa. Cada uma tem uma forma particular de combinar os objetos que 
precisa para exercitar sua ação e um caminho particular de organizar as ações para 
colocar tais objetos em funcionamento. Estes são pontos e áreas que a empresa 
seleciona e que compõem sua base material da existência. É a sua própria divisão de 
trabalho: uma verdadeira topologia, tantas vezes confundida com as necessidades da 
Nação. Não Haveria então uma única divisão territorial do trabalho em nossos países e 
regiões, mas uma sobreposição ou uma rede de divisões de trabalho. Por quê? portanto, 
estamos diante de um conceito plural. 
Assim, o território nacional, que se torna uma rede de topologias corporativas, 
aponta a importância da escala na abordagem à ação. Mas aqui procuramos um conceito 
renovado de escala, entendendo-o como escala de tempo. Mesmo com o risco de 
simplificar demais a análise, poderíamos dizer que há um punhado de corporações cuja 
topologia excede as escalas nacional e cujo território é o planeta, e um grande grupo de 
empresas, cujas ações não ultrapassam as fronteiras nacionais. Evidentemente há um 
conjunto de situações intermediárias, de grupos nacionais a pequenos empresas de 
bairro, como é o caso do circuito inferior da economia urbano. 
Esse é o retrato do trabalho coletivo no território nacional que é dado em 
cooperação e conflito, uma organização complexa e às vezes difícil de desvendar e 
estudar em suas partes. São observados, por exemplo, novos conflitos entre o 
agronegócio e as formas tradicionais de agricultura nos países, entre o domínio dos 
hipermercados que dominam o setor varejista e as pequenas lojas de bairro em nossas 
cidades. Todo um conjunto de situações geográficas que dão indicações de que esta rede 
de divisões de trabalho não são feitas sem formas de cooperação, que são, ao mesmo 
tempo, altamente conflitivas. 
A cooperação é o outro lado da divisão territorial do trabalho. É o que a 
inteligência do capital une após a separação territorial pela técnica de um período 
histórico. Orientado por sua sofisticação e por equações de lucro complexas, a técnica 
contemporânea permite dividir as etapas de produção em todo o planeta, leva a uma 
complexa e extensa unificação material e imaterial desses processos. 
Mas cooperação também é competição: entre empresas poderosas, entre estes e 
outros subordinados, entre empresas e Estado nos seus diversas segmentos. As empresas 
hegemônicas têm o propósito de influenciar decisões sobre as novas infra-estruturas de 
um porto e as utilizações que vai fazer esse porto, nas estradas que devem ser 
construídas e como será utilizado, na prioridade de tais estradas versus a necessidade de 
estradas bairros. Dessa forma, a maior questão explicativa seria saber quem, em certas 
circunstâncias, regula quem. Quando vemos que a Cargill, juntamente com três ou 
quatro outras empresas do agronegócio, controla a produção e a circulação (em sentido 
amplo) do suco de laranja no Estado de São Paulo, ou quando a Coca-Cola compra 
metade do suco de laranja produzido Noroeste da Argentina, outras empresas podem 
continuar a existir, mas a pergunta é quem governa quem naquele espaço regional e 
nacional. 
Não é exagero dizer que hoje, na divisão territorial do trabalho do mundo 
globalizado, o poder das empresas regula a vida política da nação, impondo suas 
respectivas topologias no território nacional e forçando a formas de cooperação; isto é, 
modernizar as infra-estruturas, aumentar a velocidade e a fluidez materiale normativa, 
exigências que as pessoas tomam como verdadeiras necessidades nacionais. 
 
Territórios empresariais e privatização do território 
 
Como as empresas adquirem tal vigor na regulação dos territórios nacionais, 
nossas nações se tornam ingovernáveis. É impressionante que os governos não 
percebem ou compreendem as causas de tal ingovernabilidade e, pelo contrário, 
insistem em formular políticas setoriais. Dessa forma nós estamos cada vez mais longe 
da verdadeira compreensão e resolução de problemas regionais que vêm desses grandes 
círculos de cooperação, tecidos pelas grandes corporações cujo território é o mundo. As 
regiões abrigam apenas alguns estágios das divisões territoriais do trabalho dessas 
empresas e da cooperação que eles exigem. A condição sine qua não é a modernização 
da região, cuja população tende a ser convencida da necessidade e inevitabilidade desse 
processo que assegurará sua participação nos mercados mundiais, como se afirma. 
Imponente como princípio político da macroeconomia das nações, a fluidez do 
território é, de fato, um fato da microeconomia das empresas. Por essa razão, 
geralmente começa a ser normativo. Em vários países da América Latina, a reforma 
regulatória precedeu a implementação de sistemas modernos de objetos e, ainda mais, a 
fluidez ideológica ou simbólico era anterior à fluência normativa. Essa enteléquia 
chamou a opinião pública e, com isso, a convicção social sobre a necessidade de 
reforma. 
A fluidez do território é a causa e conseqüência da difusão de atividades na 
modernidade, e requer a cooperação entre empresas, entre empresas e Estado nos seus 
diferentes níveis, entre as empresas e a sociedade. Essas topologias de uma geometria 
variável unem pontos e áreas distante sob a mesma lógica particular, a produzir o que 
chamamos de solidariedade: isto é, uma interdependência organizacional e não 
necessariamente uma interdependência social ou contígua. 
Os sistemas de objetos que, nas regiões, poderiam ser vistos como sistemas de 
engenharia, permiti que a cooperação, que vai da estrada moderna e concessionada à 
fibra óptica, passando por um conjunto de redes mais ou menos material, mais ou 
menos imaterial, como o sistema de televisão digital e seus respectivos imperativos 
técnicos e políticos. Um conjunto de sistemas de engenharia que são, em grande parte, 
construídos com recursos públicos, mas cujo uso privado nos autorizaria a falar de uma 
verdadeira privatização dos territórios nacionais. 
Infelizmente, esse não é o único problema político sério que enfrentamos. 
grandes empresas arrastam, em sua lógica, outras empresas agrícola, industrial e de 
serviços, e influenciam fortemente o comportamento do poder público, indicando 
formas subordinadas de ação que jogam a vida econômica, social e territorial na arena 
do mercado. Frequentemente, partidos políticos, mesmo aqueles que são mais 
progressistas ou com boas intenções, propoem ações que não deixem de ser 
subordinadas, porque, entre outros aspectos, a forma de existência no território é 
ignorada. 
Essas formas de ação, mediadas por sistemas de objetos, permitem adjetivar o 
uso do território como corporativo, bem como as cidades, já que nelas há processos 
idênticos com a modernização de certos porções e o abandono de outros. A implantação 
de grandes corporações em áreas modernas requer processos de renovação e 
implementação de políticas que tratam a cidade não como um todo, mas como parcelas. 
E cada vez mais, a convicção é que as áreas modernizadas arrastarão os outros em seu 
crescimento. É sobre mais heranças ou menos reconhecível em diferentes escalas da 
antiga teoria dos pólos de crescimento. 
Agora: esse território usado não é apenas o conjunto de topologias de grandes 
empresas, mas existem atividades de vários tipos; quer dizer, empresas de diferentes 
tamanhos e diferentes forças. Todos juntos constituem o que Milton Santos, inspirado 
por Perroux, chama de espaço banal. Este aqui é o espaço de todos os atores, 
independentemente de sua força, e todo o espaço. Uma recomendação de método, 
porque não é apenas sobre o espaço industrial ou agrícola ou turístico. 
Existem algumas empresas que estão fortemente relacionadas com o território, 
com a sociedade local, com as virtualidades sociopolíticas do lugar. Tomando os 
sistemas de objetos que estão lá e dando-lhes outros usos ou usando técnicas do passado 
com novos conteúdos. É um processo de verdadeira horizontalização de certas partes do 
território que, nas cidades, constitui o circuito inferior da economia. Enquanto isso, 
encontramos, em paralelo, essas grandes corporações, porque elas dominam as variáveis 
determinantes do tempo. Essas empresas são produtoras e usuárias da tecnociência, 
produzem as informações necessárias para elas mesmas e para essencialmente 
convencer os outros de sua superioridade, e comandar as fontes financeiras. 
Daí a sua condição de globalidade e hegemonia. Se estabelecem nos lugares, 
relações absolutamente verticais e, quando parecem horizontais, são muitas vezes falsas. 
Essas relações verticais, ligadas a seu poder econômico e político, são explicados pela 
efemeridade de suas equações para lucro, é o circuito superior, como podemos chamá-
lo no campo das cidades, que entrelaça relações absolutamente funcionais. São 
empresas que exigem o que precisam, extorquindo quando as condições se tornam 
insuficientes ou saem quando não têm perspectivas satisfatórias. Assim, nas áreas mais 
modernas do campo, os mandamentos de empresas estão crescendo e implacáveis, como 
a escolha de sementes fertilizantes ou simplesmente o uso de transgênicos, o controle de 
espécies ou a concessão de créditos a taxas inferiores às dos bancos, contratos de 
exclusividade, assistência técnica, transporte e logística, que hoje eles adquirem tanta 
relevância. Isto é, um processo de divisão do trabalho e de maior cooperação. 
Isso cria uma expansão quantitativa e qualitativa da produção: rendimentos e 
qualidades dos produtos agrícolas no centro-oeste brasileiro ou nos pampas argentinos 
são frequentemente mais altos que no Canadá e os Estados Unidos. Tudo contribui para 
embotar os espíritos e alimentar o pensamento único porque, na verdade, nós crescemos 
e produzimos com qualidade, embora a circulação seja extremamente restrita. Aqui 
voltamos à ideia de cooperação, porque isso é feito com laços corporativos, desde a 
compra de um ramal ferroviário que passa a ser usado exclusivamente pelos grandes 
negócios a fenómenos menos visíveis, como oligopólios e oligopsonias, dos quais 
nossos países são verdadeiros laboratórios. É o caso de hipermercados que encurralam 
pequenos produtores com regras de qualidade, quantidade e preços de compra ou, como 
em Votuporanga e Mirassol, a de um polo moveleiro no Estado de São Paulo, cuja 
produção de leitos é inteiramente adquirida por uma importante cadeia de venda de 
móveis e eletrodomésticos, Casas Bahia. Pequenas empresas e medianas de ambas as 
cidades aumentam sua produção e qualidade, mas são mais dependente dessa economia 
corporativa e global. 
Os mecanismos de crescimento econômico são, desse modo, duplamente 
perverso Por um lado, eles criam concentração da terra, proletarização, desemprego 
estrutural, entre tantos problemas, mas, por outro lado, gerar o confusão das mentes 
porque com um país que cresce é mais difícil apontar o equívoco O preço do 
crescimento é que as próprias regiões, especialmente as mais modernos, já não 
controlam o seu destino e, desta forma, o conteúdo político contraditório, dos quais 
também participam certos partidos políticos de base local que acabam produzindo falsas 
horizontalizações. É o etnocídio de quefala Thierry Gaudin, parafraseando o Robert 
Jaulin de La paix blanche; isto é, um país, uma região pode crescer economicamente 
matando sua cultura, seu modo de trabalhar, seu sistema de objetos autênticos, 
endógenos e participando, cada vez mais, da globalização do mercado, do mercado de 
commodities ao preço da alienação de suas trabalho e a vulnerabilidade de seus 
habitantes. 
 
Lógica territorial das empresas 
 
Cada empresa, cada ramo de atividade produz uma lógica territorial, cuja 
manifestação visível é uma topologia; isto é, esse conjunto de pontos e áreas de 
interesse para o funcionamento da empresa que, certamente, excede à própria assinatura 
e é projetada em outros atores sociais. Eles são os pontos essenciais para o exercício de 
sua atividade, como no caso da indústria automotiva. Se a topologia é uma manifestação 
visível, a lógica territorial das corporações têm um lado que tende a ser invisível. 
Podemos identificar nas fazendas modernas do Centro-Oeste brasileiro, plantas 
de processamento de soja ou a produção de aves em Santa Catarina e o porto por onde 
exportam. É a topologia da empresa, mais ou menos visível. Os movimentos entre os 
fixos são os fluxos; isto é, o circuito espacial da produção de soja, que também pode ser 
reconhecido e até representado cartograficamente. Esses pontos e áreas de interesse são 
efêmeros e podem mudar, formando topologias nervosas. Em outros termos, os 
territórios ficam nervosos mas, de alguma forma, isso piora porque a topologia não é 
dada apenas pelos campos e seus estágios de transformação até atingir suas docas 
privadas no porto de Santos, é projetado em fornecedores, compradores e distribuidores; 
isto é, não é necessariamente construído, como no passado, sobre relações de 
propriedade. Esse novo conjunto de atores, qualificados e às vezes bem pagos, são 
convidados a subordinar formas de ação e, embora possam está conscientes de sua 
subordinação, geralmente não têm outra alternativa. 
No entanto, a compreensão do lado invisível da lógica territorial torna-se mais 
complexa. É o conjunto de operações que envolve lugares, o sistema de estoque da 
própria empresa, o que lhe confere uma posição vantajosa numa escala global e torna 
possível, graças à técnica contemporânea, uma comunicação em tempo real e a 
utilização de instrumentos financeiros a tal ponto aperfeiçoados que o dinheiro e a 
informação estão confusos. Como você procura por um posição vantajosa em escala 
global, a lógica territorial da empresa em lugar também é global. Por isso, esta ideia da 
guerra global de lugares. O Rio Grande do Sul disputou com o Estado da Bahia a 
localização de uma fábrica da Ford, mas o que vemos na realidade é uma 
ingovernabilidade persistente ao nível dos Estados, dos Municípios, da Federação. A 
empresa especulou sobre qual seria a situação mais vantajosa em escala global e, por 
isso, usou os benefícios fornecidos pelo Estado da Bahia. 
E se tentássemos uma lógica menos dependente da ordem global, uma lógica 
que nos permitiria outras opções e comportamentos territoriais? Talvez não chegaríamos 
a tais comportamentos particulares e egoístas, muitas vezes mascarados por pesquisas e 
políticas que, insistindo na ideia de setor, fazem aparecer, lado a lado, empresas de força 
muito desigual. 
Aqui vale a pena dizer uma palavra sobre o mercado interno, sobre o qual 
devemos levar em conta dois aspectos. Por um lado, as teorias da economia do mercado 
internacional, para o qual o mercado nacional continua sendo um residual e, portanto, 
somos aconselhados a não dar muita importância porque, se fosse para crescer, poderia 
prejudicar nossa participação no mercado internacional. Por quê? Por outro lado, parece 
que há boas intenções em relação ao alargamento do mercado interno, mas há muitos 
problemas de interpretação. Freqüentemente, a ideia de desenvolvê-lo está ancorada na 
citação internacional da moeda, para um único recurso natural ou para uma mercadoria 
e, como temos controle total sobre essas variáveis, a construção não é sólida, mas 
efêmera. Em outros momentos, o eixo proposto para o mercado interno é o da 
integração entre países vizinhos a partir de um sistema de objetos ou mesmo de uma 
empresa. Não necessariamente fortaleceremos o mercado em si, mas podemos nos 
integrar com os mercados vizinhos dessa maneira. O risco de o fracasso é recorrente 
quando a ideia de totalidade está ausente. 
Muitas vezes falamos sobre o mercado interno e realmente o que é feito é uma 
profunda internacionalização do consumo interno. Esquecemos que grandes 
corporações globais ou mesmo nacionais dominam os mecanismos de comércio 
atacadista e varejista, propaganda e crédito. Os indicadores de consumo crescem sem 
chegarmos ao desenvolvimento, porque trata-se apenas de aumentar o consumo, mas 
também de cuidar de formulários para que a produção de todos os tamanhos e todas as 
velocidades possam ter seu lugar. Quando o consumo doméstico, seja de 
eletrodomésticos ou móveis, quer se trate de informação, é gerido por algumas empresas 
internacionais, pode até crescer, mas isso não significa que o mercado interno seja 
fortalecido. Quem formula políticas, quem tem a responsabilidade do governo pode 
deixar sua visão ser ofuscada porque está lidando com grandes empresas e, assim, 
considera-los legítimos interlocutores na discussão da nação. No entanto, não é muito 
interessante que seu local de nascimento seja nacional quando sua lógica territorial é 
profundamente global. 
Talvez uma maneira de exorcizar esse risco seja insistir na idéia de um 
território usado por toda a sociedade, independentemente da sua força, como ponto de 
partida e como ponto de chegada da análise e política de Estado. O risco de não fazê-lo 
é reimaginar que o controle parcial de certos pontos, a existência de uma produção 
especializada e internacionalizada numa região, a predominância de lógicas externas, a 
consideração de aspectos particularizados que, certamente, arrastam outros interesses e 
fazem mais vulneráveis os territórios, mais tarde nos levarão ao desenvolvimento e 
justiça socioespacial. Nada mais infeliz. 
Quando uma grande empresa é instalada em uma localidade, equação de 
emprego e estrutura de consumo, incluindo tanto o consumo mais produtivo ligado ao 
campo e à indústria como consumo e consumo intangível, tais como educação, cultura e 
entretenimento; mas também a construção e uso de infra-estrutura, a composição do 
orçamento e a estrutura das despesas públicas. Tudo tem que estar preparado para a 
implementação da corporação. Também muda o comportamento de outras empresas e a 
imagem devido aos impactos no comportamento individual e coletivo, especialmente 
quando a cidade é pequena. E, além disso, o Estado, em níveis diferentes, começa a 
fazer uma série de acrobacias para que a empresa ser instalada e depois permanecer, 
uma vez que todos os dias irão inventar formas de extorsão para manter ou ampliar suas 
vantagens. A isto nós chamamos de uso hierárquico do território, porque os contextos 
são expandidos, a região e a cidade crescem, essa parcela do território nacional participa 
mais abertamente da globalização, mas com um uso diferenciado e hierárquico de 
recursos públicos e sociais. Predominam a ordem global e os eventos hierárquicos, que 
subordinam as outras formas de eventos, as outras formas da vida e do trabalho. 
Se esse uso hierárquico já é um problema em si, sua seriedade real aparece 
diante de nossos olhos quando a vemos em seu movimento. O uso hierárquico do 
território não é permanente, nem mesmo durável. As condições da empres são 
rapidamente alcançadas - a partir da produção de densidades técnica e regulatória, e 
rapidamenteperdida, porque a voracidade do capital cria uma insatisfação permanente e 
faz do Estado um refém de sua lógica A consequência imediata é um processo de 
desvalorização e reavaliações sucessivas e frenéticas das porções do território. 
 
Solidariedade orgânica, solidariedade organizacional 
 
O território pode ser entendido, também, pela existência de solidariedades 
orgânica e organizacional. A antiga definição de região, que devemos a Vidal de La 
Blache, enfatizou os processos auto-contidos nos limites de uma parte do território. 
Houve uma alusão que, nos confins de uma região, encontraríamos uma articulação ou 
interdependência contígua entre atores locais, uma interdependência orgânica. No 
período da globalização, isso parece ser brutalmente substituído por outra forma de 
interdependência, que é a solidariedade organizacional (M. Santos). É uma 
interdependência que não está confinada aos limites da região e que, em realidade, não 
conhece fronteiras, mas cobre o planeta. 
O uso hierárquico do território, que parece substituir tais relações de 
contiguidade, dá novo sentido à ideia de Jean Gottmann, quando refere-se ao território 
como abrigo e como recurso. Pequenas empresas, que dependem da contiguidade, usam 
o território como um abrigo porque está na contiguidade onde elas podem produzir e 
desenvolver um mercado para o seu trabalho. Pelo contrário, as grandes empresas usam 
o território como uma plataforma para obter lucro; para elas, o território é apenas um 
recurso em sua equação e não a condição de sua existência. Esta é a solidariedade 
organizacional, fundação do uso hierárquico do território, porque as grandes 
corporações usam bens públicos privilegiados e bens hierarquicamente privados, 
atualizando o que, na década de 1970, Topalov definiu como socialização capitalista. 
Com um papel central na produção e uso do território e da economia, as 
grandes corporações são, muitas vezes, parte e juiz do conflitos que eles próprios criam 
com outras empresas, com o Estado e com a sociedade. Mas, graças à produção 
científica de formas de convicção social, garante a legitimidade de seu comportamento. 
Diariamente a mídia nos apresenta, com uma lógica binária, um problema de assuntos 
atuais, em que devemos assumir uma posição a favor ou contra. Tais eventos atuais 
geralmente envolvem interesses corporativos: discursos travestidos de informação. 
Outras formas de condenação são normalizações sobre todos os aspectos do 
trabalho e da vida; isto é, regras que cuidam da higiene, da qualidade, dos processos 
agrícolas e industrial. Em nome da eficiência, crescimento, segurança e de tantos outros 
epítetos hoje apresentados como valores, os comportamentos são justificados violência 
social e territorial. No entanto, essa ordem significa uma desordem para a maioria da 
sociedade e o território de uma nação. Diante disso, novas formas de convicção ainda 
mais sofisticadas são produzidas. 
Hoje, a chamada responsabilidade social corporativa, face moderna e menos 
generosa da antiga filantropia, procura evitar esse transtorno causado pela ausência 
social do Estado e pelo "tudo vale" das assinaturas. O cuidado com o meio ambiente e o 
ensino à distância são, entre muitos, algumas iniciativas. Quando o Banco Bradesco, no 
Brasil, realiza campanhas na educação, além dos juízos de valor que podem ser 
formulados em conteúdos e formas, não há poder soberano para exigir duração. O dia 
em que o Bradesco decidir encerrar sua política social, ninguém pode exigir que não 
faça isso. Isso mostra, mais uma vez, que o papel da produção e distribuição de bens 
universais pertence ao Estado e não pode ser transferida para outros agentes. 
Essas formas de convicção frequentemente mascaram as formas de escassez e a 
guerra global de lugares; isto é, uma guerra global de empresas por lugares 
"produtivos". Os lugares são arranjos de materialidades, culturas, normas, formas 
fiscais, sindicatos, etc .; ou, em outras palavras, tecidos verdadeiros que atraem ou 
rejeitam certos locais corporativos. O crescimento, o fim do desemprego e da 
emigração, a modernização só pode ocorrer quando se aceita adaptar-se a esse tecido. 
Se as regras do município são rígidos, eles devem mudar; se o conteúdo do ensino não 
for adequado, eles devem ser reformados; se as infraestruturas são poucas, tem que 
construir uma que funciona. Tudo isso tem um custo social e o velho conceito marxista 
de produção desnecessário é completado com outra circulação desnecessária; isto é, a 
circulação de dinheiro, a produção de normas e formas políticas que assegurem fluência. 
Em suma, o chamado território "flexível" torna-se profundamente instável, ao ritmo da 
turbulência mundial e de uma velocidade necessária apenas para essas mesmas 
empresas. É uma ordem permanentemente dissolvida, uma ordem para essas empresas e 
uma bagunça para a sociedade. 
Especializações territoriais produtivas são criadas - regiões de soja, milho, 
trigo, fabricação de móveis ou produção de têxteis - que são produtos das divisões 
territoriais particulares do trabalho e que exigem do Estado uma forma de ação 
subordinada. Isso se manifesta administrando os conflitos que ocorrem entre as 
corporações e suas topologias, sejam preparar os lugares para essas divisões de trabalho 
em particular a formação de clusters ou sistemas produtivos locais. Menos presente é o 
papel do Estado que procura liderar uma divisão territorial do trabalho nacional, 
genuíno e endógeno. 
Os resultados desse processo social são frequentemente desarticulados, 
ingovernabilidade, um retorno à economia do arquipélago, embora sobre bases técnicas 
e científicas. Solidariedade organizacional, definida por uma interdependência mecânica 
de padrões implacáveis e exigentes de fluidez, procurando substituir a solidariedade 
orgânica; isto é, interdependência dos atores que surge de sua existência no lugar, a 
contiguidade, a construção e reconstrução local relativamente autônoma, busca de um 
destino comum. 
Talvez devêssemos olhar intensamente para as pistas desses fenômenos novo, 
de outras lentes que terminam com as formas de subordinação de pensamento. Talvez a 
solidariedade orgânica tenha adquirido outras formas que, às vezes, se tornam mais 
visíveis em crises. De tempos em tempos, o meios de comunicação nos mostram outras 
formas de trabalhar e viver e, mais tarde, eles param de mostrá-los, o que nos leva a 
pensar que morreram. A falta de visibilidade não significa que eles não existem e é 
mesmo uma vantagem porque eles não folclorizam essas manifestações incipientes. 
Quem tem mais força impõe formas de usar o território e contar as história do 
presente. É necessário analisar tudo isso. Mas sem esquecer os atores que têm outras 
manifestações existenciais, às vezes efêmeras. Eles estão lá para que procuremos a coisa 
sistemática que existe neles, para que possamos entender a maneira como o território é 
usado em contiguidade, onde outras divisões de trabalho que não são necessariamente 
modernas coexistem. É urgente que cheguemos a uma interpretação geográfica e, em 
seguida, num discurso, capaz de codificar o que já existe e não pode ser visto, e 
imaginar outras possibilidades que pode vir. 
Nesse sentido, pode ser importante aceitar o conselho que a quase um século, 
Camille Vallaux nos deu para dizer que era necessário fazer uma geografia útil, mas não 
utilitária, uma geografia inocente, mas não ingênua, porque preocupada em procurar a 
verdade. 
 
Bibliografia 
 
GAUDIN, Thierry (1999) Economia cognitiva: uma introdução. San Pablo, bolsa de 
estudos. 
GOTTMANN, Jean (1975) "A evolução do conceito de território". Em Ciências Sociais 
Informações 14, nº 3/4. Hägerstrand,Torsten (1975) "O terreno apropriado da geografia 
humana". Em: CHORLEY, Richard (comp.) Novas Tendências em Geografia. Madri, 
Instituto de Estudos da Administração Local. 
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do IV Encontro Nacional da ANPUR, Salvador de Bahia. 
SANTOS, Milton (1994) "O Retorno do Território". Em: SANTOS, Milton; de 
SOUZA, Maria Adélia A. e SILVEIRA, Maria Laura (comp.) Território. Globalização e 
Fragmentação. San Pablo, Hucitec-ANPUR. 
SANTOS, Milton (1996) A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 
San Pablo, Hucitec. 
TOPALOV, Christian (1973) Les Promoturs imobiliers. Paris, Mouton. 
VALLAUX, Camille (1923) Les sciences géographiques. Paris. 
VIDAL DE LA BLACHE, Paul (1922) Princípios da Geografia Humana. Lisboa, 
Cosmos. 
 
Notas 
1 Conferência realizada em 23 de maio de 2006 no Departamento de Geografia, 
Faculdade de Humanidades e Ciências da Educação, Universidade Nacional de La 
Plata.

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