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Defeitos dos negócios jurídicos - primeira parte Os defeitos dos negócios jurídicos maculam a manifestação de vontade das partes, a qual, como regra, deve ser livre e espontânea, requisitos estes de validade de todos os negócios jurídicos. O Código Civil prevê seis espécies de vícios do consentimento: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão (estes cinco são também chamados de vícios do consentimento) e fraude contra credores. Os vícios do consentimento provocam uma manifestação de vontade que não corresponde com a vontade íntima do agente. O negócio jurídico eivado de tais defeitos é anulável, a teor do que dispõe o art. 171, II CC. 1. Erro ou ignorância Consiste numa falsa representação da realidade. O agente engana-se sozinho, sem a interferência de terceiros. O Código Civil equipara os efeitos do erro à ignorância. Erro = ideia falsa da realidade Ignorância= completo desconhecimento da realidade 1.2 – Espécies 1) Erro substancial ou essencial: recai sobre circunstâncias e aspectos relevantes do negócio. Deve ser determinante à realização do negócio jurídico, isto é, se o agente conhecesse a realidade não praticaria o ato. - Erro acidental: oposto ao essencial, ou seja, refere-se à circunstância não determinante, secundária. Se conhecida a realidade, mesmo assim o negócio seria realizado. - Características do erro substancial: a) erro sobre a natureza do negócio (error in negotio): quanto à categoria jurídica. Ex: a intenção é de alugar, mas no contrato está escrito vender. O agente quer praticar um ato, mas pratica outro. b) erro sobre o objeto principal da declaração (error in corpore): a manifestação da vontade recai sobre objeto diverso do desejado. Ex: o agente adquire quadro pensando ser de pintor famoso, porém é de seu aprendiz. c) erro sobre algumas das qualidades essenciais do objeto principal (error in substantia ou error in qualitate): a razão determinante do negócio jurídico é a suposição de que o objeto possui uma qualidade, que depois se descobre inexistir. Ex: o agente adquire um relógio dourado, imaginando ser de ouro maciço, mas na realidade é apenas folheado a ouro. d) erro quanto à identidade ou à qualidade da pessoa (error in persona): negócios jurídicos intuitu personae, negócios de liberalidade, e casamento. Deve influir na manifestação de vontade de modo relevante, e somente será considerado essencial quando não se puder identificar a pessoa ou a coisa a que se refere a declaração de vontade. Ex: doação à pessoa que o doador pensa ser seu filho. e) erro de direito (error juris): é o falso conhecimento, ou interpretação errada, da norma jurídica (art. 139, III, CC). O Código Civil permite a alegação de erro de direito quando não implicar na recusa à aplicação da lei, e for o único motivo da realização do negócio jurídico. - Erro substancial e Vício Redibitório Vício redibitório é erro objetivo sobre a coisa, que contém um defeito oculto (artigos 441 a 446 CC). O agente que aliena um objeto deve garantir que este sirva para a utilização a que se destina. Uma vez comprovado a existência de um defeito oculto, cabem ações edilícias, visando à rescisão do contrato ou pedir o abatimento do preço. O erro substancial quanto às qualidades essenciais do objeto é subjetivo, pois recai na manifestação da vontade do agente. A ação anulatória é a solução para estes casos, visando anular o negócio jurídico viciado. 2-) Erro escusável É o erro justificável, desculpável. Há um critério padronizado de “homem-médio” para aferição da escusabilidade, comparando-se a conduta do agente com a média das pessoas (senso comum). 3-) Erro real O erro deve ser efetivo, causando prejuízo concreto para o interessado. 4-) Erro obstativo ou impróprio É aquele que tem relevância ao ponto de obstar o negócio jurídico, inviabilizando-o. A doutrina equipara o erro obstativo aos vícios do consentimento, dando- lhes o mesmo tratamento (anulação do negócio jurídico). 1.3 - Falso motivo O art. 140 CC trata do erro sobre os motivos. Motivos = razões subjetivas, consideradas irrelevantes para a apreciação da validade do negócio jurídico (elemento acidental). Em regra, o erro sobre os motivos não vicia o ato, exceto quando houver previsão expressa quanto aos mesmos, os quais passam a caracterizar elementos essenciais do negócio. 1.4 – Transmissão errônea da vontade Ocorre quando o agente declarante não se encontra na presença do declaratário, e se vale de interposta pessoa para a transmissão de vontade. Se houver divergência entre o pretendido e o que foi transmitido, caracteriza-se vício, e consequente anulação do negócio jurídico. Deve ser apurado se houve culpa (in eligendo ou in vigilando) por parte do emitente da declaração. Caso afirmativo o erro será inescusável, não podendo ser o ato anulado. 1.5 - Convalescimento do erro Se a parte que seria prejudicada se propõe a executar o ato conforme a vontade real do manifestante, o erro deixa de ser real, pois ausente o prejuízo, não havendo que se falar em anulabilidade do negócio jurídico (art. 144 CC). Diz-se, nestes casos, que houve o convalescimento do erro. 2 - Coação Coação é a ameaça ou pressão injusta, que o agente coator exerce sobre alguém, visando a forçá-lo a praticar ato ou realizar um negócio jurídico. A coação torna defeituosa a manifestação de vontade, devido ao temor que ela inspira. 2.1 – Requisitos da coação a) Causa determinante do ato: significa que deve haver, necessariamente, uma relação de causalidade entre a coação e o ato praticado pela vítima, ou seja, o negócio somente foi praticado devido à ameaça grave ou violência, que incutiu à vítima fundado receio de dano à sua pessoa, sua família ou a seus bens. b) Deve ser grave: para constituir vício de consentimento a coação há de ser de tal gravidade que chegue a causar na vítima um fundado temor de dano (moral ou patrimonial) a bem relevante. O critério para aferição da intensidade da gravidade não é o do homem médio, mas sim o caso concreto (condições particulares da vítima – art. 152 CC). Art. 153 CC – não se considera ameaça o simples temor reverencial c) Deve ser injusta: ilícita, contrária ao direito, abusiva. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, por exemplo, o locador quando ameaça propor a competente ação de despejo contra o locatário inadimplente. d) Deve o dano temido ser atual ou iminente: atual e inevitável. Aquele prestes a se consumar, pois se o dano for evitável, ou mesmo impossível, não há que se falar em coação. e) Ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima, ou à pessoas de sua família: sofrimento físico, cárcere privado, incêndio,etc. Art. 151, parágrafo único: o juiz decidirá conforme as circunstâncias. 2.2 – Espécies a) Coação absoluta ou física e coação relativa ou moral - Coação absoluta: não há qualquer consentimento ou manifestação de vontade. Há emprego de força física. O Código Civil não reconhece como vício de consentimento, pois o negócio praticado sem qualquer manifestação de vontade seria inexistente. - Coação relativa ou moral: constitui vício de vontade, pois a vítima pratica o ato para não correr o risco de sofrer as conseqüências, havendo, portando, manifestação de vontade. b) Coação principal e coação acidental - Coação principal: quando é a causa determinante do negócio - Coação acidental: é a que influencia as condições da avença, mas sem ela o negócio assim mesmo se realizaria, em condições menos desfavoráveis. Não constitui causa de anulação do negócio, mas sim obriga o ressarcimento do prejuízo sofrido. 2.3 – Coação exercida por terceiro Só vicia o negócio jurídico permitindo sua anulação se a outra parte, que se beneficiou, conhecia ou deveria ter conhecimento da coação. Deve haver cumplicidade entre o beneficiárioe o terceiro, autor da coação. Tanto o beneficiário como o terceiro responderão pelas perdas e danos (art. 154 CC).