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Entrevista_ José Miguel Garcia Medina, advogado e professor

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Entrevista: José Miguel Garcia Medina, advogado e professor
A instituição de um filtro que permita ao Superior Tribunal de Justiça julgar apenas o que entender 
relevante vai inaugurar uma situação desafiadora para o modelo federativo brasileiro: os temas que não
forem admitidos terão a última palavra dada pelos 33 tribunais de apelação e estarão sujeitos a
interpretações díspares. Esse cenário vai impactar a federação brasileira e, a depender de como for
conduzido, pode ameaçar a unidade do Direito federal.
Spacca
Quem avisa é o advogado, professor da Universidade Paranaense e colunista da revista eletrônica 
Consultor Jurídico, José Miguel Garcia Medina. Em sua visão, para mitigar riscos, o STJ deve se
dedicar aos temas substancialmente federais — aqueles que dizem respeito aos fundamentos e à
estrutura do direito federal e que, nessa condição, precisam de uniformidade.
Um exemplo simples é a definição do que é um casamento a partir da interpretação do Código Civil.
Será muito problemático se diferentes tribunais entenderem de maneiras distintas. Por outro lado, a
sociedade pode muito bem conviver com posições diferentes sobre responsabilização em acidentes de
trânsito, tema que é regulado por outra lei federal, o Código Brasileiro de Trânsito. "Se você entende que
questões substancialmente federais vão ter relevância e as demais formalmente federais não terão, você
já tem um norte", diz.
Na prática, esse cenário ainda não existe. A Emenda Constitucional 125/2022 prevê que o STJ só se
dedique aos casos em que os recorrentes demonstrarem a relevância das questões de direito federal
infraconstitucional. A negativa da análise dependerá de manifestação de dois terços dos membros do
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órgão competente para o julgamento. Há, ainda, alguns temas de relevância presumida. A 
implementação do filtro, no entanto, depende da edição de uma lei regulamentadora pelo Congresso 
Nacional.
Medina concorda com a urgência que o STJ tem pedido na tramitação do tema no Legislativo. Inclusive
para dissipar a visão de que o tribunal terá absoluta discricionariedade para escolher o que julgar.
"Estamos diante de um novo modelo federativo, mas não podemos permitir que haja um rompimento da
unidade do Direito federal. A preocupação é essa. Algumas balizas vamos ter que observar, sob pena de
quebrar todo o Direito federal", disse.
Lei a entrevista:
ConJur — Com o filtro da relevância, o STJ terá o formidável poder de fazer a própria agenda. Isso 
significa que deixará de ter a última palavra na interpretação de determinados assuntos. Quais são as 
consequências desse novo cenário?
José Garcia Medina — O viés de quem tem analisado a relevância da questão federal tem a ver com
quantidade de processos e com precedentes. Não tenho duvida de que a alteração constitucional, à
semelhança do que ocorreu com a repercussão geral no Supremo Tribunal Federal, tem a ver com esses
dois pontos. Mas tenho tentado enfatizar que não é apenas isso que está em jogo. Assim como houve no
Supremo uma grande transformação no modo de controlar constitucionalidade das leis, algo parecido vai
acontecer com o Superior Tribunal de Justiça. Com todo respeito, não se deu a devida atenção ao tema.
Entendo que vamos ter um novo recurso especial. E não apenas isso, mas também um novo STJ, porque
vamos ver uma alteração no modo de atuação do Tribunal e, assim, também um novo modelo federativo
brasileiro.
ConJur — De que maneira?
José Garcia Medina — A Emenda Constitucional que criou o filtro da relevância não alterou o artigo
22 da Constituição, que trata dos temas que necessariamente têm que ser objeto de lei federal. E a partir
do momento em que o STJ deliberar que determinados assuntos de direito federal não têm relevância,
eles continuarão existindo na vida das pessoas. Os tribunais dos estados e os Tribunais Regionais
Federais vão ser a última instância a definir o sentido da lei federal em relação a esses temas.
Imagine que você está trabalhando como advogado no setor jurídico de uma grande empresa ou de uma
instituição que tenha atuação em todo o território nacional. A depender do assunto, será possível
verificar se é caso de ajuizar ação em São Paulo e não no Paraná, por exemplo. Isso porque, em relação a
determinado tema do direito federal, a jurisprudência de um tribunal é mais favorável que a de outro.
Nos casos em que for franqueado optar entre um local ou outro, como não há mais o STJ dando a
palavra final, então será possível escolher. Vamos ter que aprender a conviver com soluções diferentes
de tribunais diferentes e isso será válido, embora a lei federal seja a mesma para todos. É algo que vai
fazer parte da nossa realidade.
ConJur — Haveria alguma forma de mitigar o problema?
José Garcia Medina — Quando se estuda o Direito constitucional, há uma parte da doutrina que diz
que há normas que são substancialmente constitucionais — que não poderiam ser tiradas de lá de
maneira alguma. E há outras delas que estão na Constituição, mas não precisariam. Elas estão lá por uma
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opção do constituinte. Essas seriam as normas formalmente constitucionais. Tenho a impressão que
podemos fazer um paralelo para dizer que alguns assuntos são substancialmente federais, porque dizem
respeito aos fundamentos e à estrutura do Direito federal.
Por exemplo: o que é casamento? Não se pode permitir que cada tribunal tenha uma definição diferente.
Outro exemplo é a definição da questão de saber se o produtor rural sem inscrição na junta comercial
poderia pedir recuperação judicial, um tema julgado há pouco tempo pelo STJ. É um assunto que não diz
respeito a um fundamento, àquilo que está na base do Direito federal, mas está na estrutura. É como um
tijolo na parede. Se não estiver bem colocado, ele não abala a construção, mas vai criar uma rachadura.
Em questões como essa, me parece que há relevância. O STJ precisa decidir e uniformizar a
interpretação dessa norma da lei federal.
ConJur — Nem todo tema tem esse impacto. Inclusive a defesa feita pela criação do filtro da 
relevância envolve inúmeros exemplos em que o STJ é chamado a decidir temas importantes 
exclusivamente para seus casos concretos.
José Garcia Medina — Em determinados assuntos não tem problema o STJ não dar a palavra final. Um
exemplo é dos acidentes de trânsito. O STJ pode chegar à conclusão de que não tem problemas se
Tribunais de Justiça adotarem critérios diferentes para dizer quem deve ser responsabilizado à luz da lei.
Conseguiríamos conviver com isso, porque não vamos estar diante de algo que está na base do Direito
federal. É uma questão acidentalmente federal. Embora formalmente prevista na lei federal, poderá ter
um sentido diferente em cada estado se o STJ disser que não tem relevância. Agora, imagine se o STJ
entende que uma questão sobre determinado tributo não tem relevância. Então cada tribunal poderá
decidir de maneira diferente sobre esse tributo? Claramente não. O STJ deve se dedicar aos temas
relacionados aos fundamentos e à estrutura do Direito federal infraconstitucional.
ConJur — Não há regras que definam se uma questão é substancialmente federal ou formalmente 
federal. Isso é um problema?
José Garcia Medina — Não seria melhor que o constituinte derivado alterasse o artigo 22 da
Constituição para dizer, por exemplo, que as regras sobre acidente automobilístico agora são estaduais?Talvez seria a melhor saída, mas não foi o caminho escolhido. Ele preferiu atribuir ao STJ essa
incumbência. Mas se você entende que questões substancialmente federais vão ter relevância e as demais
formalmente federais não terão, você já tem um norte. E os ministros, se seguirem esse norte, vão
otimizar o próprio trabalho.
ConJur — Nesse sentido, o STJ não teria discricionariedade absoluta para decidir os temas que deve 
julgar?
José Garcia Medina — O STJ não pode simplesmente fechar as portas e deliberar que sua atuação vai
ser excepcionalíssima. Embora eu tenha a impressão de que temos condições de conviver com alguma
maleabilidade pelo fato de o Tribunal A decidir diferente do Tribunal B sobre mesmo assunto, há
questões que colocam em risco a unidade do direito federal. E os ministros também pensam assim. Eles
sabem que o STJ tem um papel a desempenhar. E não estão confortáveis com a ideia de que têm que ter
absoluta discricionariedade. Tenho convicção de que não querem isso.
ConJur — Como lidar com a possibilidade de divergência de interpretação dos tribunais de segundo 
grau em determinados temas se a existência dessa divergência é uma das causas de admissão do 
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recurso especial, prevista no artigo 105, inciso III, alínea "c" da Constituição?
José Garcia Medina — Sempre que houver divergência, é possível colocar em algum grau de risco a
unidade do direito federal. O problema é definir a partir de que momento essa unidade passa a estar em
risco. Tenho a impressão de que é possível formular alguns critérios a fim de que se observe o cabimento
do recurso especial. Sempre haverá relevância no caso da alínea "c"? É uma saída. A meu ver, realmente
há relevância da questão federal sempre que houver divergência entre tribunais sobre o tratamento de
alguma matéria. Mas nada impede que o legislador decida qualificar essa divergência.
ConJur — Qualificar como?
José Garcia Medina — Que a divergência seja apontada entre, por exemplo, cinco tribunais. Ou que
seja registrada dentro de uma determinada proximidade no tempo — por exemplo, no ultimo ano, para
evitar que se cite decisão de 15 anos atrás como forma de apontar a divergência. Perceba que é possível
estabelecer, com alguma margem de segurança, alguns critérios a serem observados. Estamos diante de
um novo modelo federativo, mas não podemos permitir que haja um rompimento da unidade do Direito
federal. A preocupação é essa. Algumas balizas vamos ter que observar, sob pena de quebrar todo o
Direito federal.
Dizer que o STJ será discricionário ao definir o que vai julgar como relevante é perigoso. Nem o STJ vai
ter vantagem nisso. Se não há segurança sobre quais questões podem ser julgadas, todas serão julgadas,
até para que se diga quais delas têm relevância ou não. Os ministros vão trabalhar sem fim só para
discutir se há ou não relevância em cada questão. Por esses e outros motivos, tenho defendido que o
Legislativo deve disciplinar logo o assunto em lei federal. A Emenda Constitucional da relevância acaba
de completar um ano de vida. Mas, enquanto não houver lei federal disciplinando a matéria, o STJ não
poderá aplicar o requisito.
ConJur — O norte que se tem ao prever o funcionamento do filtro da relevância é o da repercussão 
geral no Supremo Tribunal Federal, onde essa definição sobre o que deve ser julgado ajudou a dar 
razoabilidade ao trabalho. Haveria alguma diferença para o STJ?
José Garcia Medina — O STF atua diretamente no controle de opções politicas do Legislativo e do
Executivo. E quando ele delibera sobre a constitucionalidade de leis ou até de atos do Executivo, como
vimos no curso da pandemia, o STF não tem como fugir, ainda que queira, da analise de alguns aspectos
que são políticos. Isso não acontece com o STJ. Outra diferença é que o STF, com muita frequência, diz
que determinado assunto, embora esteja ligado a uma disposição constitucional, causa apenas violação
reflexa ou indireta à Constituição. E daí manda converter o recurso extraordinário em recurso especial, e
envia para o STJ decidir. O STJ atua como se fosse um "irmão" do STF, e decide temas federais
constitucionais que o STF não quer julgar, por considerar que a constitucionalidade seria apenas reflexa
ou indireta. Então acaba não havendo lacuna nesse ponto, já que temas que o STF entende que não têm
repercussão geral também acabam sendo julgados pelo STJ. O STJ não tem um tribunal "irmão" e,
portanto, não pode fazer isso para disciplinar sobre questões federais que não tenham relevância.
Hoje, quando uma determinada causa chega ao STF, não se sabe se ele vai querer decidir sobre ela ou
não. E por que isso? Porque o Supremo atua como ator politico. Se esse parâmetro faz sentido para o
STF, para o STJ, não. O STJ não tem a mesma preocupação politica. E o papel do STJ, desde o inicio,
diz respeito à unidade do Direito federal. Esse é o papel do STJ.
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