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A CONTRIBUIÇÃO DAS ABELHAS NA POLINIZAÇÃO DO MARACUJÁ 
 
Prof. Dr. EVANDRO CAMILLO 
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP 
Depto. de Biologia 
Av. Bandeirantes 3.900 
14040-901 Ribeirão Preto SP 
e-mail- ecamillo@ffclrp.usp.br 
 
 
 A polinização é um fator de produção de suma importância em várias culturas agrícolas. Além 
do aumento no número de frutos vingados, a polinização quando bem realizada, também leva a um 
aumento no número de sementes, melhora a qualidade dos frutos e diminui os índices de malformação, 
aumenta o teor de óleos e outras substâncias extraídas dos frutos, encurta o ciclo de certas culturas 
agrícolas e ainda uniformiza o amadurecimento dos frutos diminuindo as perdas na colheita (Williams 
et al. 1991). Enquanto que em inúmeros países a utilização de processos de polinização tem sido um 
dos responsáveis pela produtividade e rentabilidade da agricultura, no Brasil pela falta de padronização 
e estudos sobre o assunto, temos como conseqüência culturas mal polinizadas com baixos índices de 
produtividade, altas porcentagens de perdas e pouca rentabilidade (Freitas 1994). 
 Entre as plantas comercialmente cultivadas no Brasil, com problemas relacionados à 
produtividade, destaca-se o maracujá amarelo (Passiflora edulis f. flavicarpa) (vide mais adiante) o 
qual, além de apresentar alto grau de auto-incompatibilidade (às vezes também ocorre 
incompatibilidade cruzada), mostra também um insucesso muito grande na polinização pelo vento (seus 
grãos de pólen são grandes e pesados) (Akamine & Girolami 1959, Nishida 1963). Devido a isto, os 
agentes polinizadores naturais possuem acentuada importância na polinização do maracujá amarelo e, 
dentre eles, as abelhas do gênero Xylocopa (mamangavas de toco) são as mais eficientes (Akamine & 
Girolami 1959, Nishida 1963, Ruggiero 1973, Frankie & Vinson 1977, Camillo 1996, 1997, 1988, 
2000, 2003). 
 A cultura do maracujá tornou-se importante a partir da década de 70 e, atualmente, ela é 
realizada comercialmente, em aproximadamente 650 municípios de 23 estados brasileiros, incluindo o 
Distrito Federal. O Brasil é o maior produtor mundial de maracujá, vindo a seguir a Colômbia, Peru e 
Equador (produção mundial = 350.000 t). Por meio de uma uniformização (cada fruto = 60g) chega-se 
à conclusão de que o Brasil produz 201.000 t, aproximadamente 57,4% do total mundial (IBGE 1998). 
 Em relação ao número de frutos a produção brasileira é de 3,4 bilhões de frutos, sendo 
Pará, Bahia, São Paulo, Sergipe, Ceará, Minas Gerais e Alagoas os maiores produtores. Apesar de São 
Paulo ser o quarto estado em relação ao total de área plantada, ele é o que a maior produtividade média 
no número de frutos por hectare. Pela falta de padronização ocorrem diferenças marcantes entre a 
produtividade dos estados, por exemplo, enquanto São Paulo produz 148.259 frutos/ha o Rio de Janeiro 
produz somente 21.877 frutos/ha. A área plantada de 38.522 ha coloca o maracujazeiro no rol dos 
cultivos intermediários em termos de fruteiras, considerando-se citros (900.000 ha), caju (650.000 ha) e 
banana (600.000 ha), no primeiro escalão, vindo a seguir manga (60.000 ha), abacaxi (43.000 ha) e 
maracujá (38.522 ha) (in Cunha e Cardoso 1998). 
 Como visto, a produtividade brasileira ainda é muito baixa na maioria das regiões 
produtoras e, portanto, torna-se imperativo o desenvolvimento de programas racionais de polinização 
baseados em conhecimentos da eficiência dos agentes polinizadores utilizados e nos requerimentos de 
polinização de cada cultura. Com o intuito de colaborarmos com um possível aumento na produtividade 
 
 
 
 
do maracujá amarelo estamos realizando, desde a algum tempo, pesquisas em relação a um possível 
incremento da população de seus polinizadores naturais em áreas desejadas. 
 Antes de mostrarmos os resultados obtidos com este estudo, vale a pena ressaltar que as 
abelhas do gênero Xylocopa (mamangava de toco) constroem seus ninhos em madeira morta, seca e 
mais ou menos apodrecida, sem rachaduras ou fendas. As espécies vegetais utilizadas para nidificações, 
são as mais variadas possíveis, estando relacionadas com a disponibilidade e regiões de ocorrência. Em 
nossa região a madeira preferida foi eucalipto e pinheiro. Cada ninho é construído por uma única fêmea 
e consiste de um sistema de galerias, geralmente escavadas na mesma direção das fibras da madeira. As 
células (local onde os imaturos são criados), dispostas linearmente nas galerias, possuem o formato de 
barril sendo fechadas por partições (paredes) construídas com serragem. O número máximo de 
indivíduos produzidos por uma única fêmea mãe chega a 9, sendo o número de machos e fêmeas filhas 
aproximadamente igual. Nidificações ocorrem o ano todo, com maior freqüência dezembro/janeiro e 
agosto/setembro. Após a emergência os filhos permanecem no ninho materno por, aproximadamente, 
30 dias, sendo alimentados pela fêmea mãe ou irmã mais velha. A partir deste período as fêmeas filhas 
iniciam a procura de substratos (locais) para construírem seus próprios ninhos, solitariamente. Ocorrem 
casos onde uma ou mais fêmeas irmãs permanecem no ninho materno, reusando-o na presença ou não 
da mãe (ela pode ter morrido ou ter sido expulsa do ninho pelas filhas). Assim, podemos ter uma 
associação de fêmeas irmãs reutilizando o ninho materno, onde cada uma delas tem seu próprio 
conjunto de galerias (uso comunal do ninho). Os ninhos estabelecidos em substratos de grande porte 
podem ser reusados por várias gerações (vários anos) desde que ele forneça condições para que a cada 
geração, novas estruturas (galerias e células) possam ser escavadas (Camillo 1979, 2003, Camillo & 
Garófalo 1982, 1989, Camillo et al. 1986). 
 Foram realizadas até agora 3 experimentos visando um incremento da população de 
Xylocopa aumentando assim, a porcentagem de polinização em plantações comerciais de maracujá. 
 A primeira tentativa para se obter este possível aumento da população de Xylocopa foi 
realizada na década de 1980. Ninhos foram coletados na natureza, em diversos locais na região de 
Ribeirão Preto, SP. e transportados para o laboratório. Porém, antes do transporte os mesmos foram 
observados por um certo período de tempo, para termos a certeza de que estavam ativos ou mais 
precisamente estavam sendo aprovisionados. No laboratório os ninhos foram abertos com auxílio de 
material de carpintaria, com os adultos presentes sendo liberados para o campo e os imaturos sendo 
retirados e colocados, individualmente, em caixinhas de isopor para que continuassem a se 
desenvolver. Obviamente, se o imaturo estivesse em fase de alimentação, o resto da massa de pólen era 
transportada juntamente. 
 Ao mesmo tempo, tocos de madeira eram selecionados a partir de substratos que já 
vinham sendo utilizados para a nidificação ou de outras partes que apresentavam todas as 
características necessárias para que a nidificação ocorresse. Assim, estes tocos medindo cerca de 50 cm 
de comprimento e diâmetros variando de 8 a 20 cm, foram perfurados (diâmetro semelhante ao dos 
ninhos) de maneira a imitar o início de um novo ninho (± 5 cm de profundidade). Os furos foram feitos 
no sentido horizontal ou oblíquo (substrato em posição vertical) com diâmetros semelhantes aos ninhos 
naturais. 
 Após a emergência dos adultos no laboratório, as fêmeas foram marcadas com tinta e 
logo em seguida foram colocadas naquelas perfurações (canal de entrada de um novo ninho) 
juntamente com uma pequena massa de pólen a qual, quando necessário era substituída. Após isto, a 
entrada do ninho foi parcialmente fechada com uma tela plástica para se evitar a saída do indivíduo e os 
mesmos foram colocados sob coberturas existentes próximas ao laboratório. Depois do impacto inicial 
e das tentativas de abandono, as fêmeas foram se acalmando e depois de alguns dias, os ninhos foram 
sendo abertos. Algumas delas, de imediato voaram e não mais retornaram enquanto que a maioria 
 
 
continuou a construçãodo ninho, produzindo, normalmente seus descendentes. O sucesso desta técnica 
atingiu 67%. 
 Convém salientar que esta técnica apresenta alguns problemas como: a destruição de 
ninhos naturais, perda de indivíduos com o manuseio e com a proliferação de fungos, massa de pólen 
adequada, madeira não muito apropriada causando abandonos. Porém, todos estes empecilhos podem 
ser transpostos com a devida observação e manuseio dos ninhos e seus ocupantes. 
 Uma segunda técnica, mais simples, foi pesquisada mais recentemente quando 
colocamos em nossa área de experimentação, sob coberturas existentes, pequenas vigotas de Pinus spp 
perfuradas (mesmo diâmetro dos ninhos naturais) e bem secas, medindo 10x10x50 cm. As perfurações 
(± 8,0 cm) foram feitas no sentido das fibras (feitas no topo da vigota ou longitudinalmente), contra as 
fibras (± 5,0 cm) (lateralmente ou transversalmente) e oblíquas (± 5,0); ocorreram ainda perfurações 
comunicantes como, por exemplo, uma transversal e uma longitudinal. Dos inúmeros ninhos colocados, 
em 30 a 40% (dependendo da época) foram construídos ninhos, sendo os mesmos reusados por várias 
gerações. Os mais utilizados foram aqueles apresentando uma perfuração contra as fibras da madeira 
(horizontal) em comunicação com uma vertical (no mesmo sentido das fibras). Mais uma vez, alguns 
problemas surgiram como: madeira adequada (pinheiro e eucalipto) e a existência de uma população 
natural de Xylocopa no local. 
 Uma terceira técnica constitui-se na colocação de ninhos-armadilha próximos ou 
mesmo, no interior de plantações de maracujá e, vem sendo testada experimentalmente. Estes ninhos-
armadilha consistiam de gomos secos de bambu (taquara) de diversos comprimentos e diâmetros 
semelhantes aos dos ninhos encontrados na natureza, fechados em uma das extremidades pelo próprio 
nó. A outra extremidade, serrada, ficava aberta, portanto, permitindo a livre entrada e saída dos 
indivíduos. Desta forma, tínhamos um verdadeiro tubo e porque não uma simulação real de uma 
possível galeria. 
 Estes ninhos-armadilha ficavam em posição horizontal, inseridos em suportes (tijolo 
baiano - 9 furos) os quais foram colocados em prateleiras sob coberturas (ranchos). No experimento 
piloto, realizado na FFCLRP-USP em Ribeirão Preto, SP, foram colocados 583 ninhos-armadilha 
distribuídos em 4 ranchos. Durante o período de estudo (um ano e meio) foram obtidos 151 ninhos de 
X. frontalis construídos em gomos de bambu cujos comprimentos variaram de 15,6 a 27,4 cm (x= 21,6 
± 2,9 cm) e os diâmetros de 1,6 a 2,2 cm (x= 1,9 ± 0,1 cm). As maiores freqüências em relação aos 
comprimentos ocorreram entre 17,7 e 25,0 cm e em relação aos diâmetros entre 1,8 e 2,0 cm. 
 Para que esta técnica obtenha o sucesso desejado, os ninhos-armadilha não utilizados 
devem ser substituídos todo o ano. Deve-se levar em consideração também, a espessura das paredes dos 
gomos de bambu, pois foi observado que a maior freqüência esteve compreendida entre 3,1 e 4,0 mm. 
 Além do baixo custo, esta técnica facilita a concentração de ninhos em áreas desejadas, 
pois os mesmos podem ser transportados e manuseados mais facilmente. 
 
Referências Bibliográficas 
 
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	Referências Bibliográficas