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Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público: 
reflexões sobre as relações entre religião e 
sociedade
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fabrício Roberto Costa Oliveira
Reinaldo Azevedo Schiavo
Ramon da Silva Teixeira 
Mauro Rocha Baptista
Luiz Ernesto Guimarães 
Cáio César Nogueira Martins (Orgs.)
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público: 
reflexões sobre as relações entre religião e 
sociedade
1° Edição
Editora
Campinas / SP
2020
Copyright D7 Editora 
Copyright Organizadores
Proibida reprodução total ou parcial. Os infratores são processados na 
forma da lei.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Oliveira, Fabrício Roberto Costa, Schiavo, Reinaldo Azevedo, 
Teixeira, Ramon da Silva, Baptista, Mauro Rocha, Guimarães, Luiz 
Ernesto, Martins, Cáio César Nogueira Cristianismos, Sociabilidade & 
Espaço Público: reflexões sobre as relações entre religião e sociedade/ 
Campinas, SP: D7 Editora
1 - Ciências sociais
ISBN - 978-65-86317-81-7
65-86317 CDD - 300
1º Edição
www.d7livros.com.br
Fone: 3273.1426
R. Th omas Alves Brown, 151 - Vila João Jorge
Campinas - SP - 13041-316
Fabrício Roberto Costa Oliveira
Reinaldo Azevedo Schiavo
Ramon da Silva Teixeira 
Mauro Rocha Baptista
Luiz Ernesto Guimarães 
Cáio César Nogueira Martins (Orgs.)
“(...) quando se considera uma religião apenas como uma ‘força política’ entre 
outras, sem levar em conta o simbolismo verbal e ritual que encerra, não é 
possível compreender o peso e o lugar da religião na política”.
Regina Reyes Novaes.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO........................................................................... 9
1. Ensino Religioso e Estado laico: a tensão entre o STF e a BNCC
............................................................................................................ 16
Mauro Rocha Baptista
2. A Romaria dos Trabalhadores e Trabalhadoras: a
ressignificação de práticas do catolicismo como espaço para 
mobilizações sociais.......................................................................... 35
Luiz Ernesto Guimarães; Fábio Antônio da Silva & Alexandre Rodrigues Faria
3. O ativismo político na Dimensão Sociopolítica da Arquidiocese
de Mariana/MG................................................................................ 52
Edson Lugatti S. Bissiati; Lara B. Leporati & Gustavo Antonio O. dos Santos
4. Transmissão do saber fazer via comunidade e família: o caso do
Mobon na Zona da Mata mineira................................................... 71
Lívia Rabelo
5. Movimento da Boa Nova e a lógica simbólica da comunicação
popular entre missionários sacramentinos e católicos de 
comunidades rurais.......................................................................... 90
Ramon da Silva Teixeira
6. Religião e política na Renovação Carismática Católica: análise
de um grupo de oração em ano não eleitoral..................................109
Luiz Ernesto Guimarães; Jamile A. da Costa Moreira & Deomario L. Machado
7. Entre Religião e Política: As especificidades de uma candidatura
evangélica à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.................124
Willelm Martins Andrade Jardim
8. Religião e Política na IURD: Um estudo da Folha Universal no 
ano eleitoral de 2018........................................................................140
Caio César Nogueira Martins & Fabrício Roberto Costa Oliveira
9. Memória e religião: Uma análise sobre o papel da religião na 
socialização de refugiados venezuelanos........................................161
Caroline Nascimento Lehmann & Juliana da Silva Santos
10. O Espiritismo em Ponte do Cosme: um estudo de caso............188
Vitor Cesar Presoti & Reinaldo Azevedo Schiavo
Autoras e autores.............................................................................207
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 9
APRESENTAÇÃO
Fabrício Roberto Costa Oliveira
Ramon da Silva Teixeira
Reinaldo Azevedo Schiavo
Este livro é fruto de esforços coletivos de pesquisadoras e 
pesquisadores do Grupo de Estudos da Religião da Universidade 
Estadual de Minas Gerais (UEMG) - Unidade Barbacena. Crendo que 
é com o intercâmbio de conhecimentos e de perspectivas entre 
estudiosas e estudiosos que a pesquisa social avança, é importante 
mencionar também que alguns dos capítulos que o leitor terá em mãos 
foram escritos por parceiras e parceiros de nosso Grupo de Estudos, que 
frequentemente mantém o diálogo conosco e contribuem para nossas 
pesquisas.
O Grupo de Estudos foi formado em 2014, por iniciativa do 
professor Reinaldo Azevedo Schiavo e estudantes da UEMG. Naquele 
contexto, Reinaldo chegava à Universidade como docente e 
doutorando. Como pesquisador, está empenhado em investigações 
sobre o campo da religião desde a graduação. Deste modo, o intuito de 
Reinaldo foi estimular entre seus estudantes a iniciação em pesquisas e 
experiências acadêmicas que fossem instigantes e catalisadoras de 
novas oportunidades de aprendizado, distintas das experiências de sala 
de aula e, ao mesmo tempo, conectadas a elas, potencializando-as.
Além dos estudos no grupo, o professor considerava 
fundamental que estudantes da UEMG divulgassem as pesquisas e 
possuíssem experiências de intercâmbios acadêmicos. Com tal 
propósito, convidou o professor Fabrício Roberto Costa Oliveira, que 
participava de um grupo de estudos da religião na Universidade Federal 
de Viçosa (UFV), para que propusessem um Grupo de Trabalho (GT) 
no âmbito do I Congresso Nacional de Ciências da Religião 
(CONACIR), organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência 
da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPCIR / UFJF),
em 2015, no campus da UFJF.
O GT sob o título “Cristianismo e Espaço Público: aspectos 
políticos e sociais” desde então fez parte de todas as edições do evento. 
Isto é, como espaço de diálogo e troca de ideias, pontos de vistas, 
10 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
reflexões e pesquisas, o GT promoveu intercâmbio entre estudantes 
de diversas regiões do país nos anos de 2015, 2016, 2018 e 2019. Em 
todas as edições contamos com a participação de estudantes de 
graduação, pós-graduação e professores de diversas universidades 
brasileiras. Neste período, diversos estudantes que passaram 
pelos grupos de pesquisas de ambos os professores e pelo 
mencionado GT do CONACIR ingressaram em cursos de pós-
graduação para darem continuidade às suas pesquisas. Nessa 
esteira de bons frutos, não poderíamos deixar de mencionar que 
o GT rompeu as fronteiras de Minas Gerais e, sob a coordenação de 
Lívia Rabelo e Ramon Teixeira, o mesmo foi aprovado e então 
realizado durante a XIII Jornada de alunos do Programa de Pós-
graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense 
(PPGA/UFF), em 20191.
No segundo semestre de 2017, coincidentemente o ano em que 
não houve o CONACIR, foi o período em que a Unidade Barbacena 
recebeu um reforço importante em sua frente de ensino e pesquisa das 
Ciências Humanas e Sociais. Em outras palavras, o professor Fabrício, 
que já estabelecia interlocuções junto à UEMG, tornou-se professor 
efetivo da Unidade Barbacena. No mesmo concurso, tivemos a sorte de 
ter aprovado o professor Luiz Ernesto Guimarães, que também 
desenvolvia pesquisas sobre as relações entre religião e política, além 
dos professores Reinaldo e Mauro Rocha Baptista, que já atuavam na 
UEMG, também terem se tornado professores efetivos da instituição. 
Assim, no início de 2018 nos reunimos junto ao Grupo de 
Estudo com o objetivo de estimularmos a produção acadêmica e a 
reflexões sobre religião, algo que redundou em diversas iniciações 
científicas e trabalhos de conclusão de curso. A qualidade dos trabalhos 
e a dedicação do grupo são ratificadas com a publicação deste livro. 
Destarte,este livro é a materialização da potencialidade do 
grupo em promover reflexões a respeito de problemáticas relacionadas 
à religião. O livro possui dez capítulos com temáticas diversificadas – 
que, em maior ou menor medida, abordam questões sobre Cristianismo 
no plural e suas relações com a sociabilidade e o espaço público. Em 
1 Com o tema “Reflexões antropológicas: contribuições e desafios na construção de 
saberes”, o evento ocorreu entre os dias 11 a 14 de novembro de 2019, no campus da 
UFF, em Niterói. 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 11
suma, todos os textos possuem o propósito comum de apresentar 
reflexões densas sobre problemáticas contemporâneas, tendo a religião 
como foco analítico. Ressalta-se que todos os trabalhos foram 
plenamente apresentados, analisados e discutidos entre os pares, seja no 
âmbito do próprio Grupo de Estudo da UEMG, seja no âmbito do 
CONACIR2.
O capítulo 1, intitulado “Ensino Religioso e Estado laico: a 
tensão entre o STF e a BNCC” traz uma reflexão pautada na 
necessidade de abordarmos a temática da laicidade e suas implicações 
para o ensino básico no Brasil contemporâneo. Trata-se de um texto que 
revela como o Ensino Religioso (ER) é compreendido por diferentes 
segmentos da sociedade brasileira. Por um lado, revela a maneira com 
que o judiciário brasileiro aborda tal problemática, por outro, como a 
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem definido as diretrizes 
do ER. Enfim, trata-se de uma importante contribuição para a reflexão 
sobre o ensino de religião e suas consequências para a formação do 
alunado, e para a sociedade como um todo. 
O capítulo 2, “A Romaria dos Trabalhadores e 
Trabalhadoras: a ressignificação de práticas do catolicismo como 
espaço para mobilizações sociais”, de Luiz Ernesto Guimarães, Fábio 
Antônio da Silva e Alexandre Rodrigues Faria, insere-se no campo dos 
estudos sobre as relações entre fé e política por meio da observação-
participante da referida romaria, organizada pela Dimensão 
Sociopolítica e diversos grupos ligados às Comunidades Eclesiais de 
Base (CEBs) e à Teologia da Libertação da Arquidiocese de 
Mariana/MG. No texto, ao refletirem sobre a prática litúrgica – que 
mistura “elementos das romarias tradicionais, passeatas de protesto e 
novas formas de espiritualidade em torno das comunidades de base 
(CEBs), todas marcadas, mais ou menos, pela união de dois pólos: a fé 
e a política” (ADAM, 2002, p.53), trata-se de um texto 
interessante ao revelar como um evento desta espécie, mais ligado ao 
catolicismo popular e “da libertação”, recebe e integra a presença de 
agentes católicos “mais conservadores”, ligados a um catolicismo mais 
 
2 Isto é, os trabalhos reunidos neste livro foram submetidos ao escrutínio de diversos 
pesquisadoras e pesquisadores, dos mais variados níveis, durante o IV CONACIR, 
com o tema “Religião e Democracia: desafios no espaço público”, ocorrido de 8 a 10 
de outubro de 2019, em Juiz de Fora. Assim, versões preliminares dos textos foram 
publicadas nos anais do evento.
12 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
tradicional. Todo esse movimento de observação e análise dos 
pesquisadores nos faz refletir sobre a complexidade que envolve a 
prática litúrgica. 
Ainda nesse contexto da Arquidiocese de Mariana, o capítulo 3, 
“O ativismo político na Dimensão Sociopolítica da Arquidiocese 
de Mariana/MG”, escrito por Edson Lugatti Silva Bissiati, Lara 
Bortolusci Leporati e Gustavo Antônio Oliveira dos Santos, aborda a 
III Assembleia da Dimensão Sociopolítica da Arquidiocese em busca 
da análise da complexidade das interações entre os diferentes agentes 
e grupos católicos envolvidos na realização e na participação no 
evento. Especificamente, utilizando a abordagem dramatúrgica 
(GOFFMAN, 1985) para enquadrar os “dados”, os pesquisadores 
partem da partição observante do referido evento, considerando todos 
os seus momentos programados para demonstrar como a atuação 
religiosa e política de agentes da Arquidiocese de Mariana estão 
imbricadas em processos complexos, que associa fé e realidade 
concreta. Enfim, a contextualização do referido evento e a descrição e 
análise de suas atividades revelam interessantes associações entre 
aspectos materiais e simbólicos, que envolvem expressão da fé e 
atuação política de um grupo que possui proximidades com o Partido 
dos Trabalhadores (PT). 
O capítulo 4, “Transmissão do saber fazer via comunidade e 
família: o caso do Mobon na Zona da Mata mineira”, de Lívia 
Rabelo traz um estudo minucioso da constituição de agentes sociais 
engajados na militância político religiosa do Movimento da Boa Nova 
(Mobon). Ancorada em conceitos antropológicos a autora demonstra 
como o saber fazer, com o qual as lideranças religiosas e políticas da 
Zona da Mata tiveram contato através do Mobon, transmitido de 
geração em geração, tanto dentro de casa quanto nas comunidades de 
base formadas, revelam-se fundamentais para a construção social destas 
pessoas e fundamentais para o desenvolvimento de suas práticas. 
Também analisando atividades do Mobon, o capítulo 5, 
“Movimento da Boa Nova e a lógica simbólica da comunicação 
popular entre missionários sacramentinos e católicos de 
comunidades rurais”, de Ramon da Silva Teixeira, é um estudo 
detalhado e profícuo de como o Mobon tem, na utilização da linguagem 
popular, um de seus principais mecanismos de transmissão de 
concepções religiosas aos agentes do meio rural. Trata-se de um texto 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 13
com descrição profunda, recheado de imagens e interessantes reflexões 
analíticas. 
O capítulo 6, “Religião e política na Renovação Carismática 
Católica: análise de um grupo de oração em ano não eleitoral”, de 
Luiz Ernesto Guimarães, Jamile Aparecida da Costa Moreira e 
Deomario Lauriano Machado, trata-se de uma reflexão sobre um Grupo 
de Orações vinculado à Renovação Carismática Católica (RCC), que 
procura não revelar suas simpáticas e/ou vínculos políticos partidários. 
Embora, as reflexões atentas dos pesquisadores revelaram uma sintonia 
entre as concepções religiosas do grupo e pautas mais moralistas e 
grupos mais à direita no espectro político brasileiro. O fato da análise 
estar focada em um período fora do tempo da política (PALMEIRA; 
HEREDIA, 2010), isto é, terem sido realizadas a partir de situações 
ocorridas em um ano não eleitoral, torna o texto ainda mais instigante.
O capítulo 7, “Entre Religião e Política: As especificidades de 
uma candidatura evangélica à Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro”, de Willelm Martins Andrade Jardim, é fruto de uma reflexão 
atenta e fecunda a respeito da candidatura de uma mulher evangélica da 
IURD, no Rio de Janeiro. Texto que parte de uma análise complexa do 
discurso da candidata, em um contexto eleitoral, torna-se útil como 
mais um estudo que revela as tensões existentes entre os campos 
político e religioso. Em síntese, como o próprio autor escreve, com a
observação da atuação da candidata durante sua campanha para 
deputada estadual “podemos acompanhar como a articulação dos 
discursos é elaborada, como [ela] lida com os constrangimentos de 
sistemas diferenciados (político e religioso), e com as fronteiras 
antagônicas construídas no contato com os demais sujeitos envolvidos 
na disputa”.
O capítulo 8, “Religião e Política na IURD: Um estudo da 
Folha Universal no ano eleitoral de 2018”, é uma reflexão de Caio 
Cesar Nogueira Martins e Fabrício Roberto Costa Oliveira. O texto 
fornece ao leitor uma análise de notícias do jornal “Folha Universal”, 
um dos veículos de divulgação das concepções religiosas e morais da 
Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Devido a amplitude do 
jornal, os pesquisadores focaram nos Editoriais e nas reportagens 
diretamente vinculadas às eleições presidenciais de 2018. Assim, 
analisaram ao todo 51 edições do jornal, publicados durante o período 
pré-eleitoral, eleitoral (1º e 2º turnos) e pós-eleitoral. Deste modo, o
texto revelacomo o posicionamento de agentes do jornal frente às 
 
 
14 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
candidaturas e o conteúdo do jornal vai se transformando ao longo do 
período estudado. Os autores são produtivos em demonstrar, a partir de 
uma questão preeminente no debate atual – quais fatores explicam a 
eleição de Jair Messias Bolsonaro a presidente –, como as matérias do 
referido jornal constituem um forte capital político, econômico e 
político, que podem ter contribuído com este fato. 
O capítulo 9, “Memória e religião: Uma análise sobre o papel 
da religião na socialização de refugiados venezuelanos”, de Caroline 
Nascimento Lehmann e Juliana da Silva Santos, é muito interessante ao 
revelar processos sociais complexos que envolvem religião e 
sociabilidade de refugiados venezuelanos que procuram se estabelecer 
em solo brasileiro. As narrativas dos atores enriquecem o texto e 
mostram importantes dilemas humanitários transnacionais que 
implicam em fenômenos locais. 
Ao fim, refletindo sobre outra interessante faceta da 
religiosidade em Barbacena/MG, Vitor Cesar Presoti e Reinaldo 
Azevedo Schiavo apresentam o capítulo 10, “O Espiritismo em Ponte 
do Cosme: um estudo de caso”. O texto trata-se de uma reflexão 
interessante sobre a presença de um histórico centro espírita em um 
pequeno distrito rural do município de Barbacena. Notadamente, os 
pesquisadores abordam a formação do centro “Amor a Verdade, que se 
confunde com a história da consolidação formal do espiritismo 
kardecista no Brasil, e revelam importantes aspectos da trajetória do 
grupo do distrito onde está situado o centro em um contexto 
majoritariamente católico. 
Nossa expectativa, assim, é que esse livro possa contribuir para 
os estudos sobre religião e suas mais diversas intersecções, além de 
colaborar com reflexões sobre a nossa sociedade. Esperamos também 
que tal inciativa seja inspiração para que outros pesquisadores 
divulguem seus trabalhos e potencializem o debate e as reflexões sobre 
o campo das ciências humanas e sociais, colocando em evidência a 
importância das Universidades e do ensino público para o pensamento 
reflexivo e crítico. 
 
Boa leitura! 
 
 
 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 15
Referências Bibliográficas
ADAM, Júlio Cézar. Liturgia como prática dos pés: A Romaria da 
Terra do Paraná: reapropriação de ritos litúrgicos na busca e libertação 
dos espaços de vida. Estudos teológicos, v. 42, n.3, p. 52-69, 2002
GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana.
Petrópolis: Vozes, 1985.
PALMEIRA, Moacir; HEREDIA, Beatriz M. de. Política 
ambígua. Rio de Janeiro, Relume-Dumará: NUAP, 2010.
16 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
1 
Ensino Religioso e Estado laico: a tensão entre o 
STF e a BNCC 
Mauro Rocha Baptista 
Introdução 
A história recente do componente curricular de Ensino 
Religioso (ER) tem reproduzido a mesma tensão social que podemos 
observar em outros ambientes públicos no que se refere à relação entre 
a religiosidade dos indivíduos e a laicidade do Estado. O legislativo, por 
exemplo, discute temas conturbados como a legalização do aborto, a 
partir de um choque entre os argumentos conservadores da chamada 
“bancada da Bíblia” e as propostas laicas do feminismo. O debate não 
atende ao princípio laico de afastamento entre os interesses religiosos e 
as necessidades estatais, creditando à religião funções superiores às 
destinadas, por exemplo, à saúde pública. 
Enquanto isso na gestão da cultura se enfrenta com resistência à 
possibilidade de uso de recursos públicos para promover shows gospéis, 
como os estipulados pela prefeitura do Rio de Janeiro no réveillon. A 
virada do ano é assumida como um evento tipicamente pagão, para o 
qual não poderiam ser destinados recursos que não para rituais 
profanos. Paradoxalmente, a sociedade brasileira ainda recorre aos 
conceitos religiosos para formular sua legislação básica, mas, parece se 
assustar com a destinação de recursos para entidades religiosas. Como 
se ao vetar a legalização do aborto não se estivesse destinando recurso 
público para valorização de ideais religiosos. Essa relação demonstra o 
quanto nos falta de amadurecimento social para compreender o sentido 
de um Estado realmente laico. 
O ER tem vasta história na educação brasileira, contudo sua 
presença na constituição cidadã de 1988 (BRASIL, 2017a, art. 210) não 
foi um ponto pacífico. Neste caso o embate foi vencido pelos mais 
tradicionalistas, fiéis à ideia de um ER catequético, que conseguiram 
manter a sua obrigatoriedade no ensino público como uma condição 
para a plena formação moral dos cidadãos, derrotando os mais 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 17
progressistas que desejavam que a educação pública não tivesse 
qualquer vínculo com valores religiosos. Porém, essa vitória foi 
condicionada a que a matrícula não fosse compulsória. Facultando a 
matrícula o legislador tentava garantir que o Estado laico não estaria 
obrigando os discentes a se vincularem a uma formação de cunho 
religioso. A realidade educacional, infelizmente, não possibilita que 
esta garantia seja assumida em sua plenitude. Em geral, apesar da 
facultatividade ser garantida, a ausência de opções para quem escolha 
não se matricular no ER acaba desmotivando essa hipótese. Embora não 
obrigatório ao aluno, ele é de oferta obrigatória e acaba se tornando a 
única opção disponibilizada pela escola.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 
mais conhecida como, LDB) de 1996, acrescenta um limite ao formato 
do ER que é a vedação de quaisquer formas de proselitismo (BRASIL, 
2017b, art. 33). O ER, que tradicionalmente estava vinculado ao 
catecismo das confissões cristãs, deve deixar de ser confessional. Ao 
formular as diretrizes gerais para a educação, a LDB define o 
direcionamento que deve ser seguido pelo ER, porém, não indica quais 
devem ser os conteúdos abordados. Na prática a LDB qualifica o 
método e não o currículo. Negando o proselitismo a LDB nega o 
confessionalismo como método de ensino, mas ao mesmo tempo 
também indica que a proposta ecumênica, ou inter-religiosa, na qual as 
religiões buscam suas interfaces, também mantém uma defesa 
proselitista, sobretudo, da cristandade.
O ideal de um Estado laico passa a ser exigido efetivamente no 
ER a partir dessa vedação metodológica, uma vez que, ao não poder ser 
proselitista, nenhuma temática é negada, o que se nega é o tratamento 
dogmático dos temas. Tratar de religião de forma não proselitista 
significa tratá-la como tema a partir de um método laico. Neste sentido 
cresce a importância da Ciência da Religião enquanto metodologia 
própria para esse tratamento laico da religião. Embora a LDB não 
apresente essa discussão metodológica, ela pode ser compreendida 
como pano de fundo do processo de amadurecimento do papel do ER 
em um Estado laico.
Enquanto a área se reconfigurava para assumir um papel mais 
afim à laicidade proposta pela constituição cidadã, um acordo entre o 
Brasil e a Santa Sé em 2010 reascendeu o debate sobre o 
confessionalismo no ER. Conforme esse acordo seria garantido pelo 
Brasil o ER católico e de outras confissões religiosas (BRASIL, 2017e, 
18 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
art. 11). Contra essa posição o ministério público entrou com uma Ação 
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que passou a ser debatida no 
Supremo Tribunal Federal (STF). Concomitante a esse debate no STF, 
a área avançava em seu ímpeto de formatar um método embasado na 
Ciência da Religião, que culminaria na proposta presente na Base 
Nacional Comum Curricular (BNCC). 
Dito isto, a intenção deste texto é apresentar uma revisão 
cronológica das disparidades entre a forma como o STF tratou o tema e 
a síntese gerada pela área na BNCC. Com este intuito retomaremos uma 
série de artigos publicados a partir de pesquisas feitas no âmbito da 
Universidade do Estado de Minas Gerais e colocadas em práticana 
Escola Estadual Adelaide Bias Fortes entre 2017 e 2020. 
Desta forma, nesse capítulo, primeiramente será apresentado o 
contexto do debate estabelecido no STF a partir de 2010, objeto central 
do artigo “O Ensino Religioso em questão”, publicado em 20183. Em 
seguida organizaremos em tabela a perspectiva social desenvolvida em 
audiência pública de 2015 sobre o tema, fruto de análise apresentada 
em 2019, no Congresso Nacional de Ciência da Religião4. No terceiro 
tópico apresentaremos suscintamente as propostas das duas primeiras 
versões da BNCC, de 2015 e 2016, – analisadas nos artigos “O Ensino 
Religioso e a nova Base Comum Curricular (BNCC)”5, a partir de sua 
relação com o Currículo Básico Comum de Minas Gerais (CBC); e, no 
ainda inédito, “Espaço da religião na educação básica no contexto da 
nova BNCC”, escrito em parceria com o professor Fabrício Roberto 
Costa Oliveira. 
O item seguinte é dedicado ao voto do ministro-relator Luís 
Roberto Barroso em 2017, já discutido no artigo da Paralellus 
(BAPTISTA, 2018), no qual o relatório é confrontado com o voto 
contrário do ministro Ricardo Lewandowski. Na sequência 
contrapomos o relatório ao acórdão desenvolvido pelo ministro 
Alexandre de Moraes, ainda não analisado em nossas pesquisas. Então 
é apresentada a versão final da BNCC homologada em 20 de dezembro 
de 2017 e sua discrepância com a decisão do STF findada três meses 
antes. 
3 Cf. Baptista (2018). 
4 Cf. Baptista (2020). 
5 Cf. Baptista (2019). 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 19
1. Ensino Religioso no STF
O Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar 
sobre a forma do ER pela ADI 4.439/DF, impetrada pelo Ministério 
Público Federal em 30 de julho de 2010 (BRASIL, 2017f) contra o 
artigo 11 do decreto nº 7.107 de 11 de fevereiro de 2010, que firma 
acordo entre o Brasil e a Santa Sé. O que é questionado pela ADI é a 
posição de que, pelo acordo com a Santa Sé, seria garantido o ER 
público como confessional, o que feriria a laicidade do Estado. 
Conforme o texto do decreto:
A República Federativa do Brasil, em observância ao 
direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da 
pluralidade confessional do País, respeita a importância 
do ensino religioso em vista da formação integral da 
pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões
religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina 
dos horários normais das escolas públicas de ensino 
fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural 
religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição 
e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de 
discriminação (BRASIL, 2017e) .
Ao apresentar o ER vinculado ao pensamento católico, ou ao 
de outras confissões, o acordo indica que o objetivo do ER estaria 
vinculado a uma formação dos alunos para um maior desenvolvimento 
de sua fé. No contexto do decreto, o ER é pensado exclusivamente 
como algo associado às confissões da qual provêm o alunado, devendo 
reafirmar estes valores originais. Neste sentido a confessionalidade do 
ER estaria distante de tudo o que seria posteriormente proposto pela 
nova BNCC (BRASIL, 2018a), a qual prevê um contato mais direto 
com a diversidade.
A ADI, historicamente anterior aos debates da BNCC, é 
bastante incisiva ao negar a possibilidade de um ER confessional:
A escola pública não é lugar para ensino confessional e 
também para interconfessional ou ecumênico, pois este, 
ainda que não voltado à promoção de uma confissão 
específica, tem por propósito inculcar nos alunos 
princípios e valores religiosos partilhados pela maioria, 
20 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
com prejuízo das visões ateístas, agnósticas, ou com 
religiões com menor poder na esfera sócio-política 
(BRASIL, 2017f). 
Muito longe de representar uma crítica à existência do ER a 
ADI demonstra conhecimento do desenvolvimento desta disciplina e 
prescreve que o que não pode ser tolerado são os modelos catequéticos 
e ecumênicos do ER, porque estas metodologias não podem evitar o 
proselitismo. Uma crítica que vai em direção à posição assumida pela 
BNCC ao negar o “viés confessional ou interconfessional” em favor de 
um modelo associado aos avanços da Ciência da Religião a partir do 
qual se visa atender “a abordagem do conhecimento religioso e o 
reconhecimento da diversidade religiosa no âmbito dos currículos 
escolares” (BRASIL, 2018, p. 432). À sua forma a ADI conclui que “a 
única forma de compatibilizar o caráter laico do Estado brasileiro com 
o ER nas escolas públicas é através da adoção do modelo não
confessional” (BRASIL, 2017f). Por isso seria inconstitucional o 
decreto que fala em ER católico, uma vez que o ER só poderia se 
realizar plenamente sendo não confessional. 
2. A Audiência Pública sobre ER
Para emitir seu parecer a respeito da ADI, o ministro Luís 
Roberto Barroso convocou em 15 de junho de 2015 uma audiência 
pública com a participação de 31 entidades selecionadas entre 227 
instituições religiosas, educativas e políticas, que se cadastraram. No 
quadro expositivo abaixo procuramos indicar de forma sintética as 
entidades envolvidas, seus representantes e sua posição quanto ao ER, 
sendo esta última dividida entre (i) “nenhum ER deveria existir no 
Estado” – neste caso algumas entidades se manifestaram inicialmente 
dessa forma e depois indicaram o que seria a posição mais desejável 
entre as outras duas possibilidades, a saber –, o (ii) ER “confessional” 
e (iii) “não confessional”. 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 21
Entidade/ Representante Posição com relação ao ER
Nenhum Confessional Não 
confessional
Confederação Nacional dos 
Trabalhadores em Educação / Roberto 
Franklin de Leão
https://www.youtube.com/watch?v=mN
mrmjzN5-c&t=872s
A disciplina poderia 
ser absorvida pelas 
humanidades. 
Contra o ER em 
espaço público
Conselho Nacional de Secretários de 
Educação / Eduardo Deschamps
https://www.youtube.com/watch?v=cO7
UqCsV2CI
Com ênfase na 
formação de 
professores
Confederação Israelita do Brasil / Roseli 
Fischmann
https://www.youtube.com/watch?v=4s34
N8bT5Yc
Sem ônus para o 
Estado
Conferência Nacional dos Bispos do 
Brasil / Antônio Carlos Biscaia
https://www.youtube.com/watch?v=od-
dLovtA3A
Diferença entre o 
espaço paroquial e 
o escolar
Convenção Batista Brasileira /
Vanderlei Batista Marins
https://www.youtube.com/watch?v=tC_
RZT9Hg8I
O ER é uma 
herança do 
colonialismo e 
império. 
Federação Espírita Brasileira / Alvaro 
Chrispino
https://www.youtube.com/watch?v=lH3B
hQTFHzU
Melhor seria 
nenhum...
...De cunho 
moral
Federação das Associações 
Muçulmanas do Brasil / Ali Hussein El 
Zoghbi
https://www.youtube.com/watch?v=Dvp
z8kI9ri8
Com ênfase na 
formação dos 
professores
Federação Nacional do Culto Afro-
Brasileiro e Federação de Umbanda e 
Candomblé de Brasília e Entorno /
Antônio Gomes da Costa Neto
https://www.youtube.com/watch?v=inMi
7bXO2ok&t=21s
Com ênfase na 
formação dos 
professores
Igreja Assembleia de Deus –
Ministério de Belém e Convenção 
Geral da Assembleia de Deus no Brasil
/ Abiezer Apolinário da Silva
Douglas Roberto de Almeida Baptista
https://www.youtube.com/watch?v=Dy4
PCkWH14Q
Frisando a
necessidade da
matrícula 
facultativa
Convenção Nacional das Assembleias 
de Deus – Ministério de Madureira /
Ivan Bomfim da Silva
https://www.youtube.com/watch?v=kRK
XD57Vnn0
O espaço mais 
próprio para o ER 
seriam as próprias 
igrejas
Liga Humanista Secular do Brasil /
Thiago Gomes Viana
https://www.youtube.com/watch?v=Jf3q
nKuwXT8
Preferencial-
mente...
...Na 
impossibilidade 
Sociedade Budista Brasileira / João 
Paulo Nery Rafael
Optou por não se manifestar, mas indicou uma necessária 
tolerância entre os credos.
QUADRO 1 – POSICIONAMENTO INSTITUCIONAL NA AUDIÊNCIA 
PÚBLICA
 
22 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público
https://www.youtube.com/watch?v=mA3
6vaReRLs
Centro de Raja Yoga Brahma Kumaris /
Tereza Cristina Bernardes de Carvalho
https://www.youtube.com/watch?v=cyJPyB2cAl4
Ensino de valores 
no lugar do ER...
...Além das 
várias religiões, 
também os 
valores
Igreja Universal do Reino do Deus /
Renato Gugliano Herani
https://www.youtube.com/watch?v=x6V
zAAtXN9c
Ensino sobre, e 
não da religião
ANIS – Instituto de Bioética, Direitos 
Humanos e Gênero / Débora Diniz
https://www.youtube.com/watch?v=Jba-
jz_1dtA
Com maior 
regulamenta-
ção pelo MEC
Observatório da Laicidade na Educação
/ Luiz Antônio da Cunha
https://www.youtube.com/watch?v=hLo
KUQnyMFc&t=43s
Preferencial-mente 
não...
...Mas sua 
existência é um 
retrocesso
Amicus DH– Grupo de Atividade de 
Cultura e Extensão da Faculdade de 
Direito da USP / Virgílio Afonso da Silva
https://www.youtube.com/watch?v=GEp
epUJ3RPg
Somente para 
crianças acima 
de 12 anos
Conectas Direitos Humanos / Oscar 
Vilhena Vieira
https://www.youtube.com/watch?v=jnpe
hM5sL_E
Contra um 
loteamento que 
poderia 
acontecer com 
o conf.
Comissão Permanente de Combate às 
Discriminações e Preconceitos de Cor, 
Raça, Etnia, Religiões e Procedência 
Nacional da Assembleia Legislativa do 
Estado do Rio de Janeiro / Carlos Minc
https://www.youtube.com/watch?v=1Rj0
7c21Vko
O confessional 
seria fonte de 
intolerância
Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e 
Informação / Salomão Barros Ximenes
https://www.youtube.com/watch?v=bzfp
K9ZIKsk&t=9s
Conteúdo poderia 
ser absorvido por 
outras disciplinas...
...De toda forma 
não pode ser 
proselitista
Fórum Nacional Permanente do Ensino 
Religioso / Leonel Piovezana
https://www.youtube.com/watch?v=RVn
cSfYEhy8
Em prol de uma 
convivência 
pacífica
Associação Inter-Religiosa de 
Educação e Cultura (Assintec) / Elói 
Correa dos Santos
https://www.youtube.com/watch?v=aEF
4x4MFZYk
Com ênfase na 
formação dos 
professores
Conselho Nacional de Educação do 
Ministério da Educação / Luiz Roberto 
Alves
https://www.youtube.com/watch?v=weE
XFfWKwHo
Parte integrante 
da formação 
básica
Comitê Nacional de Respeito à 
Diversidade Religiosa da Secretaria de 
Direitos Humanos da Presidência da 
República / Gilbraz Aragão
https://www.youtube.com/watch?v=Nzt9
8xB9Fv0
Parte da 
formação do 
cidadão
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 23
Esta consulta pública demonstrou que em sua significativa 
maioria, ao optar por uma relação entre ER confessional ou não 
confessional, as entidades se manifestam pelo não confessional (22). 
Do total daqueles que assumiram a posição majoritária, 6 fizeram essa 
opção diante da impossibilidade de uma reforma constitucional que 
retirasse o ER de uma obrigatoriedade no Ensino Público. Nestes casos 
o ER não confessional se apresenta como um mal menor. É necessário 
ressaltar ainda o número considerável de entidades que se manifestaram 
pela necessidade de trabalhar a formação dos profissionais que atuariam 
nessa forma não confessional do ER. 
Como as audiências são anteriores à estruturação da BNCC, 
ainda não existia uma implicação direta sobre o conteúdo que estes 
profissionais deveriam trabalhar, mas já existia a compreensão de que 
essa atuação não deveria repetir o que vinha sendo trabalhado até o 
momento. Outro aspecto a ser observado é o do pequeno número de 
entidades – apenas 5 – que se apresentaram como favoráveis ao ensino 
confessional. Número menor do que as que optaram por nenhum (9). 
FONTE: O Autor (2020).
Associação Nacional dos Programas de 
Pós-Graduação e Pesquisa em 
Teologia e Ciências da Religião /
Wilhelm Wachholz
https://www.youtube.com/watch?v=Par4
OMPaNMs
Respeito à 
diversidade
Instituto dos Advogados Brasileiros 
(IAB) / Gilberto Antonio Viana Garcia
https://www.youtube.com/watch?v=-
z70ZIeYrBA
O Estado não 
pode financiar o 
ensino de 
religiões 
específicas
Associação Nacional de Advogados e 
Juristas Brasil-Israel (Anajubi) / Carlos 
Roberto Schlesinger
https://www.youtube.com/watch?v=hhyc
l_5doC0
Não deveria 
existir...
...Evitar a 
intolerância
Frente Parlamentar Mista Permanente 
em Defesa da Família / Pastor Eurico
https://www.youtube.com/watch?v=PUni
clRAfGs
De forma geral 
para ensinar o 
respeito
Arquidiocese do Rio de Janeiro / Luiz 
Felipe de Seixas Corrêa
https://www.youtube.com/watch?v=3Yq
_VGg9Dvk
Autor da proposta 
que gerou a ADI
Comissão de Direitos Humanos e 
Minorias da Câmara dos Deputados /
Manoel Morais
https://www.youtube.com/watch?v=m1h
JIsATuEM
Como forma de 
manter a paridade 
com as escolas 
particulares
Clínica de Direitos Fundamentais da 
Faculdade de Direito da UERJ / Daniel 
Sarmento
https://www.youtube.com/watch?v=wqV
YSEtA9Fo
Autor da 
representação 
que gerou a 
ADI
Totais
1 Abstenção
9 (Sendo 3 sem 
segunda opção)
5 22 (Sendo 6 
como segunda 
opção)
24 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
Estas entidades que aprovaram a confessionalidade frisaram o aspecto 
facultativo da matrícula e a necessidade de ofertar opções conforme a 
confessionalidade do aluno, ou outras opções para os que não possuem 
confissão própria ou prefiram outras atividades. 
Cabe ainda destacar que nesse sentido as instituições de cunho 
educacional (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 
Conselho Nacional de Secretários de Educação e Conselho Nacional de 
Educação) são críticas ao que é considerado como uma impossibilidade 
do ER se realizar em um contexto plenamente livre das interferências 
das instituições religiosas. Sendo assim os argumentos giram em torno 
da incapacidade de uma realização plena da disciplina. 
Argumento que se levado a cabo deveria contestar todas as 
disciplinas, uma vez que todas elas poderiam passar pelos mesmos 
questionamentos da impossibilidade da passagem do teórico para o 
prático. Uma formação em Língua Portuguesa que ultrapasse a simples 
alfabetização e forme de fato para um letramento de mundo é tão 
complexa quanto a exigência de formar o cidadão para a tolerância, mas 
as instituições não questionarão as disciplinas, pelo contrário indicarão 
processos e encaminhamentos para os docentes, assim também se 
espera que seja feito com o ER. 
3. As duas primeiras versões da BNCC
Concomitante a esta discussão no STF estava sendo discutida a 
primeira versão da BNCC, publicada em setembro do mesmo ano. Nela 
se fazia constar um primeiro esboço nacional de currículo para a área 
de ER, uma das reinvindicações mais reincidente nos discursos das 
diversas entidades. Conforme essa primeira proposta da BNCC (2017c) 
seriam indicados três eixos fundamentais para a discussão do ER: 1) Ser 
humano – Eixo que apresenta uma característica mais filosófica; 2) 
Conhecimentos religiosos – No qual a abordagem plural das 
religiosidades está destacado; 3) Práticas religiosas e não religiosas - 
Eixo que insere a necessidade de se pensar a vida religiosa como dotada 
de lugares e práticas específicas, ao mesmo tempo em que exige 
também o respeito ao universo não religioso, mas igualmente dotado de 
um ethos próprio que também deve ser abordado no ER. 
Esta interpretação do ER abre espaço para que ele seja pensado 
como uma parte fundamental do desenvolvimento da personalidade 
humana, estando assim de acordo com as ponderações assumidas pelas 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 25
diversas entidades que participaram da audiência de junho. Neste
sentido o ER assume, de fato, um papel filosófico de atuar na formação 
da identidade dos educandos, não se restringindo a repassar uma série 
de valores como a antiga disciplina de Moral e Cívica pretendia. Pensar 
sobre o ambiente religioso e arreligioso é fundamental para se formar 
uma verdadeira tolerância ao diverso. Obviamente, esta postura está 
distante de representar a confessionalidade. 
A segunda versão da BNCC (2017d), vem à público em maio de 
2016, apresentando uma análise mais detalhada da função do ER e 
renomeando os eixos: 1) Identidade e diferenças - formato de título que 
demarca mais claramente a fase em que os alunos estão, um período de 
descobertas e distanciamentos, mas, sobretudo, um período em que é 
necessário trabalhar com o respeito a essadiversidade, para que a 
formação da identidade não signifique uma necessidade de violenta 
contraposição ao diverso; 2) Conhecimentos dos fenômenos 
religiosos/não religiosos –nesta segunda versão a relação entre 
elementos religiosos e não religiosos é ainda mais ampliada de forma a 
se compreender que as “perspectivas seculares de vida” são modos de 
pensar a vida que se associam ao século, mas que não podem ser 
pensadas sem se relacionar a um movimento de transformação de 
pressupostos, ritos e mitos em estruturas secularizadas; 3) Ideias e 
práticas religiosas/não religiosas – neste eixo com a inclusão das ideias 
juntamente com as práticas se abre caminho para uma maior discussão 
das “instituições religiosas e sua relação com a cultura, política, 
economia (...)” (BRASIL, 2017d, p. 173), ou seja, é criado o espaço 
para a compreensão que o mundo secular não prescinde da religião, 
assim como, a religião não se isola do mundo secular. 
O ER não pode se furtar de tratar de religião porque a religião é 
um tema inerente à constituição de nosso tempo, ainda que esse tempo 
se pretenda secular. E a Educação carece de um ER consciente de sua 
função em tratar da religião porque ele é o único espaço em que a 
perspectiva secular não irá se sobrepor à religiosa. O espaço próprio 
para que as diferenças sejam respeitadas como diferenças, não como 
uma relação de saberes hierarquizados. Contudo, essa postura enfática 
ao destaque do objeto religioso não se confunde com uma posição
confessional. O que é destacado nas duas primeiras versões da BNCC 
é que o ER precisa ser espaço de contato com o diverso. O que demarca 
um ambiente conciliador com a postura majoritária da audiência de 
26 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
2015. O cenário para o julgamento do STF indicava um caminho claro 
pela valorização de um ER não-confessional. 
4. Parecer do relator
O voto do ministro-relator Luís Roberto Barroso (BRASIL, 
2017g), proferido em 30 de agosto de 2017, coerentemente com as 
manifestações da audiência convocada por ele e com as primeiras 
versões da BNCC, foi favorável à ADI. Suas considerações se 
formulam a partir da noção de que a religião se desenvolveu ao longo 
dos anos, perdendo a sua função de centralidade na organização da 
realidade, mas sem perder a sua relevância no mundo secular. Ou seja, 
embora a religião não assuma mais o papel de guiar o Estado, tampouco 
pode ser alijada dele. Concluindo seu argumento inicial o ministro 
Barroso afirma que: 
Diante desta realidade, o Estado deve desempenhar dois 
papeis decisivos na sua relação com a religião. Em 
primeiro lugar, cabe-lhe assegurar a liberdade religiosa, 
promovendo um ambiente de respeito e segurança para 
que as pessoas possam viver suas crenças livres de 
constrangimento ou preconceito. Em segundo lugar, é 
dever do Estado conservar uma posição de neutralidade 
no tocante às diferentes religiões, sem privilegiar ou 
desfavorecer qualquer uma delas. É nesse ambiente que 
se insere o debate a respeito do ensino religioso nas 
escolas públicas. O que está em jogo, na presente ação 
direta de inconstitucionalidade, é a definição do papel do 
Estado na educação religiosa das crianças e adolescentes 
brasileiros. Cumpre, portanto, estabelecer qual a melhor 
forma de prepará-los, com valores e informações, para 
que possam fazer as suas próprias escolhas na vida 
(2017g, p. 10). 
Garantir o Estado laico não significaria segregar uma parte da 
vida para fora do Estado, mas acolher esta esfera e trabalhá-la da melhor 
forma a favorecer a sua verdadeira inclusão. Uma vez que a religião faz 
parte da realidade ela deve ser tratada não como um tabu, mas a partir 
dos mesmos critérios adotados para as outras partes da realidade, como 
a biologia e a física. A maior demonstração de respeito ao tema é não 
restringi-lo apenas aos iniciados, ou seja, deve-se trazê-lo para dentro 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 27
do ambiente da formação crítica, a Escola. A questão, então, não é a da 
exclusão de uma temática porque ela é propiciadora de conflitos e 
divergências, mas o uso destes conflitos e divergências para crescer 
humana e filosoficamente.
O voto do ministro deixa claro que o ER deve estar submisso ao 
papel do Estado laico de garantir a liberdade religiosa e se manter neutro 
diante da variedade.
A conciliação necessária entre laicidade estatal e ensino 
religioso afasta a possibilidade de o Estado optar pela 
modalidade confessional (de uma religião específica) ou 
pela modalidade interconfessional (de algumas religiões, 
a partir do seu denominador comum). Note-se que a 
simples presença do ensino religioso em escolas públicas 
já constitui uma cláusula constitucional de exceção (ou 
de limitação) ao princípio da laicidade, pelo fato de 
aproximar, em alguma medida, as ordens estatal e 
religiosa (BRASIL, 2017g, p. 14). 
Uma vez que a presença do ER nas escolas públicas já se 
manifesta como uma exceção à regra da laicidade, esta presença deve 
ser trabalhada de modo a não comprometer o pressuposto constitucional 
de um Estado laico. A conclusão do ministro é de que apenas o método 
não confessional, embasado na Ciência da Religião, pode manter essa 
laicidade e garantir que a exceção não seja totalmente danosa.
Retomando os resultados da audiência pública, Barroso indica 
que:
A grande maioria dos representantes de denominações 
religiosas, dos especialistas e das entidades da sociedade 
civil participantes defenderam a impossibilidade prática 
de conciliar os modelos confessional e interconfessional 
de ensino religioso confessional com a laicidade do 
Estado. Em síntese, dos 31 participantes da audiência, 23 
defenderam a procedência da ação. Ainda, do total de 
participantes, 12 eram entidades de caráter religioso 
(incluindo posições não religiosas), representativas da 
diversidade religiosa do país. Destes, 8 defenderam a 
procedência da ação (BRASIL, 2017g, p. 18).
Com o apoio desta maioria o ministro propõe ainda uma 
modificação do artigo 33 da LDB, “de modo a estabelecer que o ensino 
28 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
religioso em escolas públicas deve ostentar necessariamente natureza 
não confessional, com proibição de admissão de professores na 
qualidade de representantes de confissões religiosas” (BRASIL, 2017g, 
p. 18). Esta exigência faz com que o ministro conclua seu voto
apresentando as dificuldades desta realização e exemplificando com o 
caso do estado do Rio de Janeiro que fez concurso público exigindo a 
manifestação da confissão religiosa a que o candidato era vinculado. 
Sendo que neste caso a vaga do professor estava submissa a sua 
entidade religiosa e, mesmo sendo concursado, ele poderia perder sua 
vaga caso a entidade compreendesse que ele não estava mais 
comprometido com os ideais da instituição. Caso extremo que 
manifesta a dificuldade de se implantar um legítimo ER laico. 
O ER não confessional garantiria a laicidade do Estado a partir 
das suas condições especiais, todas conforme a legislação vigente e os 
pronunciamentos das entidades ouvidas na audiência pública. Isto é, 1) 
Deve ser mantido seu caráter facultativo, exigência recorrente entre as 
entidades consultadas na audiência; 2) Não deve ser permitida a 
matrícula automática, ou seja, apesar de ser ofertado obrigatoriamente, 
os responsáveis pelos alunos devem ser consultados sobre a matrícula 
dos filhos nessa disciplina; 3) Para que essa consulta seja efetivamente 
respeitada deve ser garantida a oferta de alternativa igualmente 
relevante para a formação cultural dos discentes, caso os responsáveis 
prefiram não matricular os filhos no ER; 4) A oferta precisa ser em 
disciplina própria não transversal, ou seja, não se pode trabalhar o ER 
transversalmente à outras disciplinas para não prejudicar aqueles que 
optem por não se matricular, mas também não se pode apenas trabalhar 
as temáticas religiosas em outras disciplinas e chamar a isso de ER; 5) 
E, por fim, deveser garantida a possibilidade de o aluno se desvincular 
da matéria a qualquer momento do ano letivo (BRASIL, 2017g, p. 24-
25). 
5. O acórdão
Encerrado em 27 de setembro de 2017, o julgamento definiu 
postura contrária à do relatório do ministro Barroso. Apesar de 
amplamente fundamentado e de estar de acordo com o resultado da 
audiência pública e da BNCC em desenvolvimento, o argumento do 
relator foi voto vencido em resultado apertado de seis a cinco. Com o 
voto pelo ensino confessional dos ministros Alexandre de 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 29
Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar 
Mendes e Cármen Lúcia, e favorável ao não confessional dos ministros 
Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio e Celso 
de Mello. O principal motivo de discordância se encontra na 
interpretação do caráter facultativo do ER, o que, para os contrários à 
posição da ADI, permitiria manter a confessionalidade sem ferir a 
crença dos discentes, uma vez que não seriam obrigados a se matricular 
na disciplina. 
O acórdão (BRASIL, 2020) explicita sete aspectos. Primeiro, 
que a relação histórica entre o Estado e as religiões deve garantir a 
liberdade religiosa dos indivíduos e a independência do Estado em 
relação aos dogmas e princípios de qualquer crença. Elemento que 
retoma o voto vencido do relator de forma a reforçar as garantias 
mínimas para a laicidade do Estado. Segundo, a valorização da 
facultatividade da matrícula como forma de garantir que o ER se 
manifeste como a “própria liberdade de expressão de pensamento sob a 
luz da tolerância e diversidade de opiniões” (BRASIL, 2020, p. 3. 
Grifos do autor). Ainda em conformidade com o voto do relator, o friso 
na tolerância e no contato com o diverso são reafirmados como 
elementos garantidos pela facultatividade da matrícula, encaminhando 
o curso do acórdão para o aceite da confessionalidade. Em terceiro
lugar, a complementaridade entre a liberdade de expressão e o contato 
com o diverso, ainda que este diverso possa “causar transtorno, 
resistência, inquietar”, implicam na “tolerância de opiniões e do espírito 
aberto ao diálogo” (BRASIL, 2020, p.3). Todos estes elementos 
estariam presentes também, e, preferencialmente, em um ER não 
confessional. O transtorno do contato com o diverso não parece ser o 
foco da confessionalidade, apesar disso estes são os argumentos iniciais 
para esta postura metodológica. 
A partir do quarto destaque se inicia a defesa propriamente dita 
do ER confessional. Isto é, deve ser garantida a igualdade de condições 
para o ensino das diversas crenças. Independentemente de qualquer 
discussão teórica sobre a impossibilidade dessa garantia, o ensino das 
diversas crenças na educação pública não parece uma conclusão 
automática dos argumentos anteriores sobre tolerância e diálogo. Ainda 
que fosse possível oferecer em igualdade de condições o ensino da 
crença confessada pelo aluno, essa oferta parece mais valorizar a 
segregação que o debate e o diálogo. Em quinto lugar, é retomado o 
caráter facultativo da matrícula para frisar que a sua disponibilidade nos 
30 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
horários normais da escola torna a disciplina algo corrente no currículo 
do aluno que deve ser baseado “nos dogmas da fé, inconfundível com 
outros ramos do conhecimento científico, como a história, filosofia ou 
ciência das religiões” (BRASIL, 2020, p. 4). Neste item o aspecto 
metodológico do ER confessional é finalmente apresentado. Ele não 
deve ser confundido com outras formas de reflexão sobre a realidade 
social, inclusive com formas que analisam a própria religião. Segundo 
o acórdão o objetivo não é estudar as religiões, mas reforçar os dogmas
de fé do aluno. Logo se amplia a disparidade entre os elementos 
destacados nos três primeiros itens e esse reforço da fé em espaço 
público. Ao refutar a proximidade entre ER e a ciência das religiões o 
ER é novamente tratado em seu caráter catequético, como o era nos 
primórdios de sua história. 
Encaminhada a divergência clara entre a posição majoritária da 
audiência pública, as primeiras versões da BNCC e o voto do relator, o 
sexto aspecto escancara o conflito de interpretações. Em outras 
palavras, em nome do binômio Laicidade do Estado/Consagração da 
Liberdade Religiosa, constantemente retomado pelo redator, são feitas 
duas determinações: (i) a garantia de respeito às posições dos alunos 
por meio da matrícula voluntária; (ii) o impedimento “que o Poder 
Público crie de modo artificial seu próprio ensino religioso, com um 
determinado conteúdo estatal para a disciplina” (BRASIL, 2020, p. 4, 
grifos do autor). Ou seja, todo o esforço de confecção de um conteúdo 
do ER para a BNCC deveria ser relegado ao esquecimento, uma vez 
que o Estado não deveria se comprometer com um ER “artificial”. O 
redator compreende que “artificial” seria um ER metodologicamente 
ordenado com base na ciência da religião, sendo inversamente “natural” 
um ER fundamentado nos dogmas da fé. Certamente este é o ponto no 
qual a divergência entre a posição do STF e as discussões sociais e 
acadêmicas alcança seu ápice. Ainda que em seguida se questione a 
hierarquia entre as posições religiosas, o que também seria questionado 
por uma postura não confessional, a postura é diametralmente oposta a 
uma formação de consciência para o debate com o diverso. Por fim, o 
último item apenas reafirma o formato estrutural desse ER, como 
confessional, de matrícula facultativa e disposto nos horários normais 
para o ensino fundamental. 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 31
6. Versão final da BNCC
Em meio às discussões no STF o ER não apareceu na primeira 
publicação da terceira versão da BNCC, parecendo que a área da 
educação acataria a decisão de não formular um ER “artificial”. 
Contudo, a área de ensino é disposta na versão final do documento 
homologado em 20 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2018), ampliando 
ainda o seu escopo também para os anos iniciais do ensino fundamental. 
São apresentados como objetivos gerais da área: 
a) Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos
religiosos, culturais e estéticos, a partir das 
manifestações religiosas percebidas na realidade dos 
educandos;
b) Propiciar conhecimentos sobre o direito à
liberdade de consciência e de crença, no constante 
propósito de promoção dos direitos humanos;
c) Desenvolver competências e habilidades que
contribuam para o diálogo entre perspectivas religiosas
e seculares de vida, exercitando o respeito à liberdade de 
concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com a 
Constituição Federal;
d) Contribuir para que os educandos construam seus
sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios 
éticos e da cidadania (BRASIL, 2018, p. 434, grifos 
nossos).
Frisa-se a necessidade de compreender as manifestações 
religiosas que estão no entorno do educando para que a liberdade de 
crença não seja falsamente produzida na ignorância da crença do outro. 
Ou seja, todos os plurais utilizados para definir as manifestações, 
perspectivas e o pluralismo de ideias, reafirmam que a metodologia a 
ser utilizada no ER depende da valorização do debate dessa pluralidade. 
Logo se reafirma o seu caráter não confessional, ainda que em franca 
divergência com o resultado do julgamento concluído três meses antes. 
Outro confronto direto com o proposto pelo STF se encontra no 
embasamento da disciplina a partir das “Ciências Humanas e Sociais, 
notadamente da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões)” (BRASIL, 2018, p. 
434). Enquanto o STF pretende distanciar o ER e a ciência da religião, 
a BNCC reforça que esta é o método adequado para tratar aquele. Além 
32 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
de assumir a artificialidade de criar um currículo próprio para a área, a 
BNCC ainda repele a ideia de reafirmar os dogmas de fé de cada 
discente e confirma o ER como espaço de debate da diversidade. 
A primeira unidade temática desta versão, “Identidadese 
Alteridades”, atende especialmente aos três primeiros anos do ensino 
fundamental, período não abrangido pelas versões anteriores da BNCC. 
Nos primeiros anos de formação educacional dos alunos se enfatiza a 
constituição da subjetividade, mas, mesmo neste caso, já está previsto 
como objeto de conhecimento também a discussão de conceitos 
religiosos como a relação entre “Imanência e Transcendência” 
(BRASIL, 2018, p. 440). O cerne do conteúdo curricular se desenvolve 
em duas unidades: “Manifestações Religiosas” e “Crenças religiosas e 
filosofias de vida”. Ambas demarcam novamente o plural como escopo 
prioritário da formação em ER. O estudo das variadas religiões de 
forma não confessional pode ser traduzido pelo conteúdo “ideia(s) de 
divindade(s)” (Idem, p. 446), no qual devem ser trabalhadas as 
habilidades de “Identificar nomes, significados e representações de 
divindades nos contextos familiar e comunitário” e “Reconhecer e 
respeitar as ideias de divindades de diferentes manifestações e tradições 
religiosas” (idem, p. 447). De acordo com a BNCC o respeito da 
diferença passa necessariamente pelo conhecimento do diferente. 
Considerações finais 
A história recente do ER nos coloca diante de um contexto em 
que o STF define o ER como confessional e veta a possibilidade de o 
Estado definir uma proposta curricular para a disciplina. E no mesmo 
ano desta decisão o Estado homologa uma BNCC em que, pela primeira 
vez, a disciplina possui um currículo definido. Por um lado, o STF 
afirma a necessidade de o ER se embasar nos dogmas de fé em uma 
metodologia catequética; por outro, a BNCC define que a ciência da 
religião é o método para garantir o debate escolar sobre a diversidade 
de crenças. 
A decisão do STF foi por maioria simples, 6 votos pelo 
confessionalismo contra 5 pelo não confessionalismo. Uma decisão que 
reverte a posição das diversas entidades que se manifestaram em 
audiência pública majoritariamente pelo não confessional, uma 
proporção de 22 para apenas 5 favoráveis ao confessional. Em sua 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 33
decisão o STF a um só tempo divergiu das representações da sociedade 
civil convocadas por ele próprio e da formulação estatal na BNCC.
Na prática as instituições de ensino têm seguido a BNCC e 
desconsiderado a decisão do STF, inclusive promovendo adaptações 
estaduais para este conteúdo em seus currículos de referência. Até 
quando a tensão entre estas duas posições permanecerá velada e a área 
desacatará impunimente a decisão do STF é um aspecto a ser 
observado.
Referências Bibliográficas
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eletrônica em Ciência da Religião, Recife. v.9, n.21, p. 459-478, maio/
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34 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4.439/DF – Acórdão: 
Redator Alexandre de Moraes. Disponível em:
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A3o-4439-Ensino-Religioso-STF.pdf>. Acesso em: 20 de jun. 2020. 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 35
2
A Romaria dos Trabalhadores e Trabalhadoras: 
a ressignificação de práticas do catolicismo como 
espaço para mobilizações sociais.
Luiz Ernesto Guimarães
Fábio Antônio da Silva 
Alexandre Rodrigues Faria
Introdução
Este trabalho aborda a 29ª Romaria dos Trabalhadores e 
Trabalhadoras ocorrida no dia 1º de maio de 2019, Dia do Trabalhador, 
na cidade de Carandaí/MG. A Romaria é um evento organizado pela 
Dimensão Sociopolítica da Arquidiocese de Mariana, sendo Carandaí 
parte da Região Pastoral Sul6. De acordo com o Censo de 2010 (IBGE, 
2010), Carandaí possui aproximadamente 23 mil habitantes, destes 84% 
são católicos e 12% evangélicos. O município fica às margens da BR-
040, distante 135 quilômetros da capital Belo Horizonte.
A pesquisa foi realizada a partir da observação participante, 
além de entrevistas semiestruturadas e conversa informal. Dois 
pesquisadores, estudantes da Universidade do Estado de Minas Gerais 
(Campus Barbacena), participaram ativamente das reuniões 
preparatórias para a realização do evento juntamente com a comissão 
organizadora. Eles viajaram para Carandaí na segunda-feira, dia 29 de 
abril, ou seja, dois dias antes do evento, o que possibilitou a participação 
nas atividades que aconteceram na cidade nesses dias que antecederam 
a Romaria. Importante salientar que um destes pesquisadores já 
conhecia os organizadores, em razão de ter participando de cursos de 
formação e encontros realizados por essas lideranças e por já ter 
participado da organização de um evento junto à Dimensão 
6 A Arquidiocese de Mariana se divide em cinco regiões pastorais: Região 
Pastoral Norte, postas pelos municípios de Barão de Cocais, Catas Altas, Itabirito, 
Mariana, Ouro Preto e Santa Bárbara; Região Pastoral Sul, composta por 19 
municípios, entre eles Carandaí, Alto Rio Doce e Barbacena; Região Pastoral 
Leste, formada por 33 município, entre eles Raul Soares, Ponte Nova e Viçosa; 
Região Pastoral Oeste, composta por 12 municípios, entre eles Congonhas, 
Entre Rios de Minas e Conselheiro Lafaiete e Região Pastoral Centro, formada 
por 9 pequenos municípios, sendo uma área predominantemente rural.
36 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
Sociopolítica da Arquidiocese de Mariana, que é a responsável pela 
promoção da Romaria dos Trabalhadores e Trabalhadoras. Este 
pesquisador participa, desde a adolescência, da Pastoral da Juventude 
(PJ), ligada também à citada Dimensão. Já o terceiro pesquisador, 
professor da mesma instituição, partiu de Barbacena em uma van com 
outros romeiros de algumas paróquiasda mesma cidade. 
1. A Romaria dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Em resposta à Campanha da Fraternidade organizada pela 
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 1991, 
lideranças da Igreja católica, em especial membros da Pastoral Operária 
da Arquidiocese de Mariana/MG, organizaram a 1ª Romaria dos 
Trabalhadores e Trabalhadoras na cidade de Urucânia/MG, situada na 
Região Mariana Leste. Sentindo a necessidade de se posicionar diante 
das injustiças cometidas contra os trabalhadores e trabalhadoras das 
usinas de açúcar daquela região, escolheram o 1º de maio pela 
importância histórica desta data para os trabalhadores e como um 
contraponto às grandes festas que os empresários ofereciam aos seus 
empregados e empregadas neste dia, mascarando os problemas com 
comida, bebida, presentes e shows. A partir de então, a cada ano um 
tema é escolhido para pautar os trabalhos e debates, sempre alinhados 
com o cotidiano dos trabalhadores e das trabalhadoras e ao tema da 
Campanha da Fraternidade organizada pela (CNBB). 
De 2005 para 2006, contando com a presença de movimentos 
populares, pastorais sociais, romeiros e romeiras das demais regiões da 
Arquidiocese de Mariana, decidiu-se torná-la itinerante com objetivo 
de espalhar a iniciativa e viabilizar a reflexão das demandas particulares 
de cada região pastoral. No ano de 2006, iniciando a descentralização, 
a Romaria foi realizada na cidade de Viçosa/MG, no ano seguinte foi a 
vez de Piranga/MG, na Região Mariana Centro, dando sequência ao 
rodízio de cidades e regiões a receber o evento. 
Este processo de descentralização da Romaria visava atingir 
uma Arquidiocese que compreende 79 municípios mineiros e 135 
paróquias. A primeira Diocese criada em Minas Gerais (1745), precisou 
se organizar para atender toda esta população de fiéis espalhada numa 
área de 22 mil Km². Este processo teve início com a chegada de D. 
Luciano Pedro Mendes de Almeida, Bispo responsável também pelo 
grande aumento de pastorais sociais nesta igreja particular, em 1988. 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 37
No processo de organização pastoral se decidiu pela criação das cinco 
regiões pastorais, a partir das quais iniciativas como a da Romaria dos 
Trabalhadores e Trabalhadoras são realizadas. 
Como forma de atender a cada região, a Romaria vai 
incorporando novas características, se moldando e tornando-se próxima 
à realidade local, visto que as demandas pautadas para a reflexão são 
trabalhadas previamente nas bases, tanto da paróquia que sedia o evento 
quanto das demais que são convidadas a participar. No decorrer da 
história da Romaria ela percorreu diversas localidades da arquidiocese. 
Isto é, após 15 anos sendo realizada em Urucânia, as cidades de Viçosa, 
Granada (Abre Campo), Piranga, São Braz do Suaçuí, Mariana, 
Conselheiro Lafaiete, Barbacena já receberam a romaria. Importante 
salientar que num período de 3 anos ela aconteceu paralelamente em 
duas regiões, em Urucânia, Região Mariana Leste, congregando as 
regiões Leste, Centro e Norte e em Barbacena, região Mariana Sul, 
reunindo as Regiões Sul e Oeste. Isto para atender aos fiéis que 
participam do Jubileu de São José Operário, que acontece na mesma 
data, na cidade de Barbacena.
Em 2014, a Romaria retorna à Urucânia para celebrar os 24 anos 
e preparar a celebração dos 25 anos de sua realização, em 2015, 
permanecendo no município também nos anos de 2016 e 2017. Em 
2018, após negociação entre os movimentos sociais e lideranças da 
cidade de Urucânia e da Região Mariana Leste e membros da Dimensão 
Sociopolítica da Arquidiocese, a Romaria volta a ser itinerante. As 
romarias debatem algo recorrente em quase todas as edições, ou seja, a 
questão das mineradoras e suas barragens. Mais do que o ocorrido em 
Bento Rodrigues em 2015, o debate acontecido na realização da 28ª 
Romaria em Congonhas/MG Região Mariana Oeste, vinha de encontro 
a um problema que os moradores daquela cidade sentem na pele: a 
iminência do rompimento de uma barragem que devastará, se acontecer, 
boa parte da cidade e região.
Neste contexto, acontece a 29ª Romaria dos Trabalhadores e 
Trabalhadoras na cidade de Carandaí, região Mariana Sul. Herdando 
toda uma bagagem histórica, a romaria transcende o aspecto puramente 
religioso inspirado na Bíblia sagrada, em especial no Livro do Êxodo, 
quando o Povo de Deus, cansado da exploração e domínio dos Faraós 
do Egito, sai em caminhada em busca da Terra Prometida, agregando
também, trabalhadores e trabalhadoras de outras confissões religiosas, 
setores diversos da sociedade civil, povos tradicionais, movimentos 
38 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
populares, pastorais sociais, se propondo a dialogar, trocar 
experiências, refletir e buscar alternativas frente aos problemas 
enfrentados. 
2. As romarias e seus sentidos: a 29ª Romaria dos Trabalhadores
e Trabalhadoras
A cidade de Carandaí respirou a Romaria desde quando foi 
anunciado que a 29ª edição seria realizada na paróquia da cidade. 
Diversas equipes foram montadas a fim de dar apoio à organização 
arquidiocesana. Nestas equipes participaram pessoas de várias cidades 
da arquidiocese, todas distantes umas das outras. Após várias reuniões 
preparatórias, para escolha do tema a ser abordado e divisão das tarefas, 
ficou definido que haveria atividades na cidade nos dias que 
antecederiam a Romaria. Estas atividades tinham objetivo de preparar 
a população para receber a Romaria e refletir melhor sobre o tema 
proposto. Desta forma, missas, participação de membros da comissão 
organizadora em programas de rádio da cidade, realização de rodas de 
conversa e visita às escolas foram iniciativas que a organização local 
realizou nestes dias. 
Durante estas atividades preparatórias já era perceptível que esta 
Romaria trazia elementos diferentes do que vimos em romarias 
tradicionais. A roda de conversa, por exemplo, contou com a 
participação de membros de conselhos de direitos da cidade, 
movimentos sociais e religiosos, pastorais, estudantes, trabalhadores 
rurais, trabalhadores autônomos, aposentados e desempregados e 
pautou o trabalho como algo necessário à vida, que dignifica o homem. 
A conversa discutiu o trabalho como um problema social, pautou a 
questão do aumento do desemprego, que de acordo com IBGE já atingia 
quase 14 milhões de brasileiros; as reformas trabalhistas e da 
previdência, e; sobre o êxodo rural. 
Esta mesma discussão foi levada para as entrevistas nas rádios, 
num tom mais descontraído e com intuito de mobilizar e convidar a 
população de Carandaí para participar da Romaria. Nas escolas, uma 
liderança da PJ conversou com os alunos sobre as condições do trabalho 
e emprego levantando questões referentes ao salário e segurança dos 
trabalhadores a partir de uma chave de interpretação pautada pelo 
materialismo histórico, que foi colocado como base para que os alunos 
pensassem o tema. 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 39
Muito alunos relataram as experiências passadas por seus pais 
em seus respectivos locais de trabalho. A questão do salário dividiu a 
opinião deles. Por exemplo, alguns acreditavam que o salário era justo 
e outros não. A discussão sobre a expectativa de ingresso no mercado 
de trabalho foi de longe o momento em que as desilusões encontraram 
uma uniformidade de opiniões, isto porque todos que se propuseram a 
falar foram céticos. Todavia, ao responderem "quem aqui vai procurar 
um emprego depois de se formar?” houve uma expectativa positiva por 
parte de alguns pela busca de uma formação superior, principalmente 
no ingresso em alguma universidade pública.
No dia 1º de maio, dia escolhido para a romaria, a recepção foi 
feita por fiéis de Carandaí. Havia alguns galpões onde eram servidos 
café, suco e bolachas. Como havia caravanas de várias cidades da 
Arquidiocese de Mariana, o objetivo era receber esses romeiros com 
mesa farta e com produção da própria região. Várias pessoas ligadas às 
pastorais da paróquiapassaram dias preparando os alimentos, que 
chegaram também de municípios vizinhos. 
Antônio Braga (2014), a partir da dinâmica da dádiva de Marcel 
Mauss, estudou os fluxos migratórios de moradores do Piauí à procura 
de trabalho em São Paulo. Após certo período na capital paulista, o 
regresso ao nordeste é marcado por uma refeição especial, na presença 
de familiares, marcada pela noção de “fartura”. Fartura, afirma o 
antropólogo, não é sinônimo de excesso. “Entre aqueles que estão ali 
presentes, o que está em questão não é aquilo que excede, mas aquilo 
que se celebra e aquilo que não falta” (BRAGA, 2014, p. 321). 
Essa refeição da qual Braga aborda não diz respeito apenas à 
união familiar, celebrando o regresso de um parente que estava distante. 
A fartura também está associada aos valores compartilhados pelo 
grupo, sempre havendo espaço para mais um (BRAGA, 2014). O 
momento de partilha, portanto, contribuiu para envolver os romeiros 
presentes nos objetivos propostos pelos organizadores do evento. 
Aos poucos foram chegando fieis, cujas camisetas, bandeiras, 
bonés, faixas etc., demonstravam o pertencimento a diversos 
organismos da Igreja Católica. Foi possível constatar a presença de fieis 
ligados à Pastoral Carcerária, Pastoral Familiar, Encontro de 
Adolescentes com Cristo, Encontro da Juventude com Cristo, grupos da
Renovação Carismática Católica da região, Pastoral da Criança, 
Vicentinos, Pastoral da Sobriedade, Movimento de Fé e Política, Escola 
40 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
de Fé e Política Dom Luciano e Pastoral Afro Brasileira. Havia 
também diversos segmentos da sociedade civil organizada: 
Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Federação 
dos Trabalhadores Rurais da Agricultura Familiar de Minas 
Gerais (FETAEMG), Movimento Negro, Federação dos 
Trabalhadores e Trabalhadoras rurais de Minas Gerais, 
Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-
ZM), Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas 
(AMEFA). Entre os participantes, havia também uma mulher com 
camiseta da CUT e com a imagem do ex-presidente Lula. 
No início da manhã o tempo estava um pouco frio, cerca de 16 
graus, além do céu nublado. Aos poucos o sol começou a surgir e, no 
final da romaria, por volta das 13 horas, já estava bem quente. O espaço 
de recepção também contava com um caminhão de som, com algumas 
pessoas cantando músicas populares, sem cunho religioso. Algumas 
pessoas se aproximavam do caminhão para acompanhar de perto as 
músicas. No entanto, a maioria ficava um pouco mais afastada, 
conversando em grupos. Muitas aproveitavam para rever pessoas 
conhecidas que moravam em cidades diferentes. De acordo com 
Wagner Diniz Chaves, a música ou o canto “pode ser concebido como 
um modo raro e incomum de discurso, distinto das falas ordinárias” 
(CHAVES, 2014, p. 254). Embora o autor se refira especificamente às 
folias de reis, no contexto desta pesquisa os cantos possuem a facilidade 
de memorização e, assim, compreensão do que se pretende transmitir. 
Complementam-se, dessa forma, aos demais discursos, tornando, de 
certa forma, um próprio tipo de discurso. 
Entre uma música e outra que eram cantadas no carro de som, 
eram feitas falas sobre temas sociais da atualidade. A pessoa que 
conduzia as músicas, cantando e tocando violão, demonstrava 
conhecimento desses assuntos, mesmo porque, havia concorrido a uma 
vaga na eleição de 2018 como deputado estadual, sem obter sucesso. 
Filiado ao PT, possui uma atuação significativa na Arquidiocese de 
Mariana, sobretudo a partir de temas como o da habitação e da 
agricultura familiar. Dessa maneira, a animação inicial não se pautava 
apenas na música como forma de criar um ambiente mais convidativo, 
mas já havia a abordagem de temas sociopolíticos sob o viés popular. 
A reforma da previdência foi o tema que mais foi pautado, buscando 
demonstrar os prejuízos que provocará junto aos trabalhadores, caso 
Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público | 41
seja aprovada no Congresso Nacional. Em alguns momentos foi 
pronunciado: “Reforma da previdência, aqui não!”. Havia também uma 
faixa carregada por um romeiro com a seguinte frase: “Somos contra a 
reforma da previdência”.
Entre uma música e outra, entre um assunto e outro abordado, 
eram pronunciadas frases, como: “Marielle, vive!” e “Dom Luciano,
vive!”. Assim, o principal bispo da Arquidiocese de Mariana era 
colocado ao lado da vereadora do PSOL assassinada na cidade do Rio 
de Janeiro em 2018, juntamente com seu motorista, até o momento sem 
desfecho para as investigações. A cantora Beth Carvalho, também 
defensora de causas populares, falecida no dia anterior à romaria, 
também foi lembrada: “Beth Carvalho, vive!”. Um pouco depois, já 
durante a caminhada, foi cantada uma música da cantora.
O nome do evento, “Romaria dos Trabalhadores e 
Trabalhadoras”, confere um sentido de valorização da mulher, em uma 
sociedade com profundas marcas deixadas pelo patriarcado, presentes 
ainda hoje. O uso do substantivo feminino é uma tentativa de efetuar tal 
proposta, tendo em vista que a imersão da mulher no mercado de 
trabalho é significativa, ocupando cargos que no passado era 
exclusivamente reservado aos homens. Além de lembrar nomes como 
o da vereadora Marielle e da cantora Beth Carvalho, em alguns
momentos era dito no caminhão de som: “água, mulher e energia não
são mercadoria”.
As músicas cantadas no caminhão de som foram selecionadas a 
partir da proposta da romaria, que era, principalmente, abordar o tema 
do trabalho. Uma das músicas cantadas foi “Pai nosso dos mártires”7.
É uma paráfrase feita a partir do conhecido texto bíblico do Pai nosso. 
Relaciona o Deus cristão com os pobres marginalizados, mártires e 
torturados. É também descrito como revolucionário, parceiro dos 
pobres e oprimidos. Dessa forma enfatiza diversos problemas sociais 
presentes no mundo do trabalho e que pouco são refletidos no cotidiano, 
muitas vezes marcado pela presença de injustiças na relação 
trabalhador/empregador.
Outra música cantada foi “Negro nagô”8, que trata sobre a luta 
do negro por reconhecimento social, contra as mazelas de três séculos 
7 A música “Pai nosso dos mártires” tem como autoria Zé Vicente. Há outras 
composições que também desenvolvem uma dimensão social na fé cristã.
8 Pastoral da Juventude.
42 | Cristianismos, Sociabilidade & Espaço Público 
de escravidão, que persistem ainda hoje. A questão racial está 
diretamente relacionada ao mundo do trabalho, de acordo com a 
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD 
Contínua) feita pelo IBGE no 4º trimestre de 2018 o número de 
desempregados no Brasil totalizava 12,2 milhões de pessoas das quais 
51,7% eram de autodeclarados pardos e 12,9% de autodeclarados 
pretos. O número de negros na universidade é menor que o número de 
brancos, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas 
Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que no Educacenso, realizado em 
2016, aponta que no curso superior somente cerca de 28% dos 
estudantes são autodeclarados negros e pardos. O que, 
consequentemente, impacta na renda, de forma que uma pessoa negra 
ganhe em média 1,2 mil a menos que uma pessoa branca, isto no 4º 
trimestre de 2017, segundo pesquisa do IBGE. 
Após o período de recepção e concentração dos romeiros, deu-
se início à caminhada. O caminhão de som ia à frente, seguido pelos 
fiéis. O mesmo líder popular que cantou várias músicas durante o 
momento de chegada, foi o principal responsável pela condução do 
trajeto, com o uso do microfone. As músicas e frases de ordem 
continuaram, parando vez ou outra para abordar o tema principal da 
romaria. Durante o trajeto houve quatro paradas onde lideranças ligadas 
a movimentos, sindicatos e pastorais se revezavam ao microfone a fim 
de chamar atenção – tanto dos romeiros e romeiras quanto dos 
moradores da cidade que acompanhavam durante o percurso, seja das 
janelas de casa seja das calçadas – para problemas pontuais, ligando