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Processo Penal: Conceitos e Princípios

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1. INTRODUÇÃO 
1.1. Conceito de processo penal 
Conforme ensinamento de Cintra, Grinover e Dinamarco, “chama-se direito processual 
o conjunto de normas e princípios que regem (...) o exercício conjugado da Jurisdição pelo 
Estado-Juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado”1. 
Trazendo a definição ao campo que par�cularmente nos interessa, podemos afirmar 
que: Direito Processual Penal é o conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição 
das lides penais, por meio da aplicação do Direito Penal objetivo. 
Na definição de José Frederico Marques, “é o conjunto de princípios e normas que 
regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal, bem como as a�vidades persecutórias da 
Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respec�vos auxiliares”2. 
1.2. O processo penal e o direito de punir 
O Estado, única en�dade dotada de poder soberano, é o �tular exclusivo do direito de 
punir (para alguns, poder-dever de punir). Mesmo no caso da ação penal exclusivamente 
privada, o Estado somente delega ao ofendido a legi�midade para dar início ao processo, isto é, 
confere-lhe o jus persequendi in judicio, conservando consigo a exclusividade do jus puniendi. 
Esse direito de punir (ou poder-dever de punir), �tularizado pelo Estado, é genérico e 
impessoal porque não se dirige especificamente contra esta ou aquela pessoa, mas des�na-se à 
cole�vidade como um todo. Seria, aliás, de todo incons�tucional a criação de uma regra, 
unicamente, para autorizar a punição de determinada pessoa. 
Trata-se, portanto, de um poder abstrato de punir qualquer um que venha a pra�car fato 
definido como infração penal. 
No momento em que é come�da uma infração, esse poder, até então genérico, 
concre�za-se, transformando-se em uma pretensão individualizada, dirigida especificamente 
contra o transgressor. O Estado, que �nha um poder abstrato, genérico e impessoal, passa a ter 
uma pretensão concreta de punir determinada pessoa. 
Surge, então, um conflito de interesses, no qual o Estado tem a pretensão de punir o 
infrator, enquanto este, por impera�vo cons�tucional, oferecerá resistência a essa pretensão, 
exercitando suas defesas técnica e pessoal. Esse conflito caracteriza a lide penal, que será 
solucionada por meio da atuação jurisdicional. 
Tal atuação é a tarefa porque o Estado, subs�tuindo as partes em li�gio, através de seus 
órgãos jurisdicionais, põe fim ao conflito de interesses, declarando a vontade do ordenamento 
jurídico ao caso concreto. Assim, o Estado-Juiz, no caso da lide penal, deverá dizer se o direito 
de punir procede ou não, e, no primeiro caso, em que intensidade pode ser sa�sfeito. 
É imprescindível a prestação jurisdicional para a solução do conflito de interesses na 
órbita penal, não se admi�ndo a aplicação de pena por meio da via administra�va. Até mesmo 
no caso das infrações penais de menor potencial ofensivo, em que se admite a transação penal 
(jurisdição consensual), há necessidade da homologação em juízo. 
Trata-se, pois, de jurisdição necessária, já que o ordenamento jurídico não confere aos 
�tulares dos interesses em conflito a possibilidade, outorgada pelo direito privado, de aplicar 
espontaneamente o direito material na solução das controvérsias oriundas das relações da vida. 
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Nesse ponto entra o processo penal. A jurisdição só pode atuar e resolver o conflito por 
meio do processo, que funciona, assim, como garan�a de sua legí�ma atuação, isto é, como 
instrumento imprescindível ao seu exercício. Sem o processo, não haveria como o Estado 
sa�sfazer sua pretensão de punir, nem como o Estado-Jurisdição aplicá-la ou negá-la. 
1.3. Conteúdo do processo penal 
A finalidade do processo é propiciar a adequada solução jurisdicional do conflito de 
interesses entre o Estado-Administração e o infrator, através de uma sequência de atos que 
compreendam a formulação da acusação, a produção das provas, o exercício da defesa e o 
julgamento da lide. 
Para a consecução de seus fins, o processo compreende: 
(i) a relação jurídica processual, que se forma entre os sujeitos do processo (juiz e 
partes), pela qual estes �tularizam inúmeras posições jurídicas, expressáveis em direitos, 
obrigações, faculdades, ônus e sujeições processuais. 
(ii) o procedimento, consistente em uma sequência ordenada de atos interdependentes, 
direcionados à preparação de um provimento final; é a sequência de atos procedimentais até a 
sentença. 
O procedimento é o modo pelo qual são ordenados os atos do processo, até a sentença. 
De acordo com o art. 394 do CPP, o procedimento será comum ou especial. 
O procedimento comum divide-se em: 
(i) ordinário: crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de 
pena priva�va de liberdade, salvo se não se submeter a procedimento especial; 
(ii) sumário: crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a quatro anos de pena 
priva�va de liberdade, salvo se não se submeter a procedimento especial; 
(iii) sumaríssimo: infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da Lei n. 
9.099/95, ainda que haja previsão de procedimento especial. Enquadram-se nesse conceito as 
contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não exceda a dois anos, cumulada ou não 
com multa (vide art. 61 da Lei n. 9.099/95). 
Dessa forma, a dis�nção entre os procedimentos ordinário e sumário dar-se-á em função 
da pena máxima cominada à infração penal e não mais em virtude de esta ser apenada com 
reclusão ou detenção. Na prá�ca, como se verá mais adiante, poucas diferenças restaram entre 
os ritos ordinário e sumário, pois ambos passaram a primar pelo princípio da celeridade 
processual (cf. art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Decreto n. 678/92, e 
art. 5º, LXXVIII, da CF), bem como pelo aprimoramento da colheita da prova, de onde surgiram 
alguns reflexos: (i) concentração dos atos processuais em audiência única; (ii) imedia�dade; (iii) 
iden�dade �sica do juiz. Finalmente, nos processos de competência do Tribunal do Júri, o 
procedimento observará as disposições especiais estabelecidas nos arts. 406 a 497 do CPP. 
A relação jurídica processual é aquela que se estabelece entre os chamados sujeitos 
processuais, atribuindo a cada um direitos, obrigações, faculdades, ônus e sujeições. 
Na relação processual aplicam-se os chamados princípios cons�tucionais do processo, 
garan�ndo às partes direitos como o contraditório, a publicidade, o de ser julgado pelo juiz 
natural da causa, a ampla defesa (no caso do acusado) etc. 
Sobre processo, procedimento e relação jurídica processual, oportunamente falaremos 
de forma mais pormenorizada. 
Questões 
1. Qual é o conceito de Direito Processual Penal? 
2. Existe diferença entre o processo penal e a persecução penal? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2. JURISDIÇÃO 
A par�r do momento em que o homem passou a conviver em sociedade, surgiu a 
necessidade de se estabelecer uma forma de controle, um sistema de coordenação e 
composição dos mais variados e antagônicos interesses que exsurgem da vida em comunidade, 
obje�vando a solução dos conflitos desses interesses, que lhe são próprios, bem como a 
coordenação de todos os instrumentos disponíveis para a realização dos ideais cole�vos e dos 
valores que persegue. 
Sem tal controle não se concebe a convivência social, pois cada um dos integrantes da 
cole�vidade faria o que bem quisesse, invadindo e violando a esfera de liberdade do outro. Seria 
o caos. 
Por essa razão, não existe sociedade sem direito (ubi societas ibi jus), desempenhando 
este função ordenadora das relações sociais (controle social). O direito que aqui se trata é o 
direito material, cujo objeto é a regulamentação e harmonização das faculdades naturais do ser 
humano, em prol da convivênciasocial. 
Ao direito cabe solucionar os inevitáveis conflitos de interesses que surgirão na 
realização da vida em sociedade. 
2.1. Interesse, pretensão, conflitos de interesse e li�gio 
Interesse é a disposição de sa�sfazer uma necessidade. 
Pretensão é a exigência de subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio. 
O conflito de interesses ocorre sempre que houver incompa�bilidade entre os interesses 
postos em relação. 
Ao conflito de interesses, qualificado pela resistência à pretensão, Carnelu� denominou 
lide. 
Todavia, a só existência do direito material como instrumento de controle social não é 
suficiente para prevenir ou remediar os conflitos sociais. 
Ditos conflitos, insolúveis pela aplicação pura e simples do direito substancial, 
caracterizam-se, na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco, “por situações em que uma pessoa, 
pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo – seja porque (a) aquele que poderia 
sa�sfazer sua pretensão não a sa�sfaz; seja porque (b) o próprio direito proíbe a sa�sfação 
voluntária da pretensão (p. ex., a pretensão puni�va do Estado não pode ser sa�sfeita mediante 
um ato de submissão do indigitado criminoso)”3. 
Dessa forma, o conflito de interesses (já qualificado, a essa altura, como li�gio), insolúvel 
voluntariamente pelas partes da relação jurídica material, pode ser eliminado mediante duas 
maneiras dis�ntas: 
(i) por obra de um ou de ambos os �tulares dos interesses conflitantes; 
(ii) por ato de terceiro. 
Na primeira hipótese, ou os sujeitos consentem no sacri�cio total ou parcial do próprio 
interesse – autocomposição – ou um deles, à força, impõe o sacri�cio do interesse alheio – 
autodefesa ou autotutela. 
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Na segunda hipótese, enquadram-se a defesa de terceiro, a mediação e o processo. 
2.2. Autotutela 
A autotutela remonta aos primórdios da civilização e caracteriza-se, basicamente, pelo 
uso da força bruta para sa�sfação de interesses. A própria repressão aos atos criminosos se fazia 
ora em regime de vingança ou de jus�ça privada, ora pelo Estado, sem a interposição de órgãos 
imparciais. Os dois traços caracterís�cos da autotutela são, portanto: a ausência de juiz imparcial 
e a imposição da decisão por uma das partes à outra4. Atualmente, existe em nosso 
ordenamento jurídico apenas como exceção (v.g., prisão em flagrante feita por qualquer pessoa 
do povo – art. 301 do CPP; estado de necessidade e legí�ma defesa – arts. 24 e 25 do CP). 
O exercício da autotutela fora das hipóteses legalmente admi�das configura ilícitos 
penais, �pificados no art. 345 do CP (quando pra�cado por par�cular), por exemplo. 
2.3. Autocomposição 
A autocomposição ocorre quando uma das partes integrantes do conflito renuncia ao 
seu interesse em favor da outra, ou quando ambas renunciam à parcela de suas pretensões para 
solucionar pacificamente suas divergências. São três as formas de autocomposição: desistência 
(renúncia à pretensão), submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão) e transação ou 
acordo de não persecução penal (concessões recíprocas)5. A Cons�tuição Federal, em seu art. 
98, I, nas hipóteses previstas em lei, permite a transação para infrações penais de menor 
potencial ofensivo. 
Ao contrário das formas de autotutela, a autocomposição é, em regra, “considerada 
legí�mo meio alterna�vo de solução dos conflitos, es�mulado pelo direito mediante a�vidades 
consistentes na conciliação”6, desde que não verse o li�gio sobre direitos indisponíveis. 
Dada a indisponibilidade dos interesses penais, a transação, forma de autocomposição, 
não era admi�da em nosso sistema jurídico. A situação alterou-se no que concerne às infrações 
de menor potencial ofensivo, esfera em que, agora, admite-se esta forma alterna�va de 
pacificação social (CF, art. 98, I, regulamentado pelo art. 76 da Lei n. 9.099/95). 
A Lei n. 13.964/2019, incluiu no CPP o art. 28-A, disciplinando o acordo de não 
persecução penal, negócio jurídico bilateral cuja finalidade é evitar a instauração do processo, 
sempre que não for caso de arquivamento do inquérito, o inves�gado �ver confessado formal e 
circunstancialmente a prá�ca da infração penal, e que esta tenha sido come�da sem violência 
ou grave ameaça à pessoa e desde que a pena mínima seja inferior a quatro anos. Preenchidos 
tais requisitos e cumpridas integralmente as condições impostas pelo acordo (cf. CPP, art. 28-A, 
I a V), o juiz declarará ex�nta a punibilidade do agente (CPP, art. 28-A, § 13). 
2.4. A intervenção de terceiro, a mediação e o processo 
A intervenção de terceiro na solução do conflito surgiu inicialmente com a escolha, pelos 
próprios conflitantes, de um árbitro imparcial. Essa escolha recaía, em geral, sobre sacerdotes, 
que julgavam de acordo com a vontade dos deuses, ou sobre anciãos, que decidiam de acordo 
com os costumes e tradições locais. 
Aos poucos, o Estado foi-se afirmando e conseguiu impor-se aos par�culares. Os 
cidadãos em conflito compareciam perante o pretor, comprometendo-se a aceitar o que viesse 
a ser decidido. Esse compromisso, necessário diante da ainda insuficiente expressão do Estado 
perante a individualidade dos par�culares, era chamado de litiscontestatio. Escolhia-se, então, 
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um árbitro, que recebia do pretor o encargo de decidir a causa. Havia, pois, dois estágios de 
solução do conflito: um perante o magistrado ou pretor (in jure) e outro perante o árbitro (apud 
judicem)7. 
Posteriormente, o Estado passou a ter o poder de indicar o árbitro, independentemente 
da vontade das partes, passando-se de um sistema inicial de arbitragem faculta�va (o árbitro era 
escolhido pelos próprios li�gantes) a um sistema de arbitragem obrigatória (a escolha cabia 
exclusivamente ao poder estatal). 
Superada essa fase individualista de solução de conflitos (ordo judiciorum privatorum), 
o pretor passou a conhecer ele próprio do mérito dos li�gios entre os par�culares, inclusive 
proferindo sentença, em vez de nomear ou aceitar a nomeação de um árbitro que o fizesse 
(cognitio extra ordinem). A jus�ça passou então a ser distribuída pelo Poder Público, deixando 
de ser privada para alcançar o status de pública. O Estado, já suficientemente fortalecido, impõe-
se sobre os par�culares e, prescindindo da voluntária submissão destes, impõe-lhes 
autoritariamente a sua solução para os conflitos de interesses. 
Surgem os juízes estatais, que passaram a examinar as pretensões e a resolver os 
conflitos. Os juízes agem em subs�tuição às partes, que não podem fazer jus�ça com as próprias 
mãos (vedada a autodefesa). 
A essa nova a�vidade estatal convencionou-se chamar de jurisdição. 
Jurisdição é uma das funções do Estado, mediante a qual este se subs�tui, na pessoa de 
um juiz, aos �tulares dos interesses em conflito, para, imparcialmente, aplicar o direito ao caso 
concreto, a fim de fornecer uma pacífica solução ao li�gio, reafirmando a autoridade da ordem 
jurídica e a ver�calidade da relação Estado-Par�cular. Aqui estão os três clássicos escopos do 
processo: jurídico, social e polí�co. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do 
direito obje�vo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado 
desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando impera�vamente o 
preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o 
preceito estabelece (através da execução forçada)8. 
Da definição, podemos extrair algumas caracterís�cas essenciais e exclusivas da 
a�vidade jurisdicional, as quais a dis�nguirão das demais funções exercidas pelo Estado 
(legisla�va e administra�va). 
2.5.Caracterís�cas da jurisdição 
2.5.1. Substitutividade 
Vedada que está a autotutela (salvo em casos expressamente autorizados em lei), é certo 
que, sendo impossível às partes a resolução espontânea e pacífica do conflito de interesses, só 
lhes resta pedir ao Estado (detentor do monopólio da solução dos li�gios) que, mediante um 
provimento, elimine-lhes a insa�sfação e a incerteza. Dessa forma, o Estado, através de pessoas 
�sicas (juízes) previamente designadas (critérios de distribuição de competência), subs�tui-se, 
com uma a�vidade sua, à vontade dos li�gantes, a fim de promover a justa composição da lide, 
pela correta aplicação das regras jurídicas genéricas e impessoais, obje�vamente fixadas. 
Como o Estado não vai ao processo disputar qualquer bem com as partes, nem tem com 
estas qualquer conflito de interesses, a sua imparcialidade é circunstância indispensável ao 
exercício jurisdicional, de modo que, se �ver qualquer interesse na solução do li�gio, outro que 
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não a pacificação social, não poderá o juiz (ou seus auxiliares) atuar no processo (CPP, arts. 95, I, 
112, 252 a 255, 274 e 279 a 281). 
2.5.2. Escopo de atuação do direito 
Com isto, visa o Estado a garan�r, por meio da subs�tuição das partes, a realização dos 
obje�vos da norma de direito substancial violada no caso concreto; em outras palavras, intenta 
fazer com que a situação prá�ca coincida com aquela abstrata prescrita no disposi�vo legal 
inobservado, eliminando a insa�sfação e, por conseguinte, o desconforto social por ela gerado, 
reafirmando a autoridade do ordenamento jurídico. 
Esses são os atributos inerentes à jurisdição, que lhe dão personalidade e a dis�nguem 
das demais funções do Estado (na a�vidade administra�va, p. ex., conquanto a lei seja o seu 
limite, o escopo primeiro da administração é a consecução do bem comum, não a atuação da 
vontade da lei; além disso, a administração, ao desempenhar uma a�vidade, o faz na condição 
de parte de uma relação jurídica e não em caráter de subs�tuição). 
Outros atributos, conquanto não essenciais, são iden�ficáveis na a�vidade jurisdicional. 
2.5.3. Inércia 
Os órgãos jurisdicionais são, por sua própria índole, inertes (nemo judex sine actore; ne 
procedat judex ex officio), pois a experiência histórica demonstrou que o exercício espontâneo 
da a�vidade jurisdicional afeta, sobremaneira, a imparcialidade do julgador, que se deixa 
influenciar pela inicia�va tomada. Há algumas exceções, como a execução penal das penas 
priva�vas de liberdade e restri�vas de direito, em que cabe ao juiz determinar a expedição da 
carta de guia, também chamada de guia de execução, dando prosseguimento à persecução penal 
(LEP, art. 105), além da possibilidade conferida ao magistrado de conceder ex officio a ordem 
de habeas corpus (CPP, art. 654, § 2º). 
A inércia jurisdicional é pressuposto do sistema acusatório, pautado pelo contraditório, 
ampla defesa, devido processo legal, proibição de provas ilícitas e juízos de exceção, juiz e 
promotor natural, e, é claro, imparcialidade do juiz. Nesse sen�do, bastante elucida�va a 
redação do art. 3º-A do CPP: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a inicia�va do 
juiz na fase de inves�gação e a subs�tuição da atuação probatória do órgão de acusação”. É 
importante indicar que isso em nada altera a estrutura acusatória do processo penal, nem 
autoriza o juiz a assumir o papel de parte e interferir a�vamente na produção da prova, dada a 
irreversível tendência dos tribunais superiores em limitar seu campo de atuação neste sen�do. 
2.5.4. Imutabilidade (ou definitividade) 
Os atos jurisdicionais, ao contrário dos legisla�vos e dos administra�vos, são os únicos 
passíveis de transitar em julgado, isto é, de se tornarem imutáveis, não podendo ser revistos ou 
modificados. Coisa julgada é a qualidade dos efeitos de uma decisão, é a imutabilidade deles. De 
acordo com a Cons�tuição, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a 
coisa julgada” (art. 5º, XXXVI). No processo penal a exceção fica por conta da ação de revisão 
criminal (CPP, arts. 621 e s.). 
2.5.5. Lide 
Outrora iden�ficada como elemento indispensável à jurisdição (Carnelu�), a existência 
da lide é, por certo, uma situação constante na a�vidade jurisdicional, especialmente quando se 
trata de pretensões insa�sfeitas que poderiam ter sido atendidas espontaneamente pelo 
obrigado. Todavia, haverá casos em que esta não estará presente, sem que isto importe 
desnaturação da função em tela (exemplo ocorre no curso do processo penal, nos casos em que 
a situação li�giosa cessa em virtude do pedido de absolvição feito pelo órgão da acusação; note-
se que o processo con�nua até o provimento final, sem que lide exista mais)9. 
2.6. Princípios próprios da jurisdição 
2.6.1. Investidura 
A jurisdição só pode ser exercida por quem tenha sido regularmente inves�do na 
autoridade de juiz. 
2.6.2. Indelegabilidade 
Segue o princípio geral segundo o qual é vedado a qualquer Poder delegar atribuições. 
A Cons�tuição fixa as atribuições do Poder Judiciário, de modo que nem à lei nem aos próprios 
membros deste é dado dispor de outra forma, delegando, por conveniência ou critérios próprios, 
suas funções a outro órgão. Não exercendo a jurisdição em nome próprio, não tem o juiz poder 
para dela dispor, invertendo os critérios previamente definidos. 
À regra existem exceções, v.g., art. 102, I, m, da Cons�tuição Federal. Anote-se, todavia, 
que a prá�ca de atos por carta precatória não se insere dentre as exceções. Impossibilitado de 
pra�car atos processuais fora dos limites da comarca sujeita à sua jurisdição, o juiz deprecante 
nada mais faz do que solicitar a cooperação daquele realmente competente para fazê-lo, o juiz 
deprecado. Impossível falar em delegação de um poder que ele próprio (deprecante) não tem, 
por incompetência. 
2.6.3. Inevitabilidade 
A jurisdição impõe-se independente da vontade das partes, que a ela devem sujeitar-se. 
A situação das partes, quanto ao juiz, na relação processual, é de absoluta sujeição, sendo-lhes 
impossível evitar que, sobre sua esfera jurídica, se exerça a autoridade jurisdicional. 
2.6.4. Inafastabilidade (ou princípio do controle jurisdicional) 
A lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a 
direito, nem pode o juiz, a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei, escusar-se de proferir 
decisão (CF, art. 5º, XXXV; LINDB, art. 4º). É o Judiciário que profere, sobre o li�gio, a úl�ma 
palavra. 
2.6.5. Juiz natural 
Um dos princípios fundamentais da função jurisdicional, eis que in�mamente 
relacionado com a imparcialidade do juízo, a garan�a do juiz natural foi trazida para o direito 
brasileiro, desde o início, em seu dúplice aspecto: (i) proibição de juízo ou tribunal de exceção 
(tribunal ad hoc), isto é, criado ex post facto para o julgamento de um determinado caso 
concreto ou pessoa (CF, art. 5º, XXXVII); (ii) garan�a do juiz competente (CF, art. 5º, LIII), segundo 
a qual ninguém será subtraído ao seu juiz cons�tucionalmente competente. 
Não se insere na proibição dos tribunais de exceção a criação das jus�ças especializadas 
(militar, trabalhista, eleitoral). Os tribunais ad hoc são criados e funcionam para um determinado 
caso concreto, ao passo que as jus�ças especializadas são previamente ins�tuídas pela 
Cons�tuição e têm por escopo a aplicação da lei a todos os casos versando sobre determinada 
matéria ou que envolvam certas pessoas, indis�ntamente. Esse pressuposto também se aplica 
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aos casos de competência estabelecida pela prerroga�va de função (CPP, arts. 84 a 87). Não se 
cuida, aqui, de prerroga�va ins�tuída em função da pessoa, mas de tratamento especialdispensado ao cargo, à função exercida pelo réu, relevantes na administração do país, tanto que, 
deixado o cargo ou cessada a função, desaparece a prerroga�va. 
A Cons�tuição Federal cuida de fixar apenas as competências ditas absolutas (de 
jurisdição, funcional etc.), sem preocupar-se com a competência de foro, regulada em lei federal 
(CPP, p. ex.). Assim, é acertado dizer que a expressão autoridade competente, consignada no 
texto cons�tucional do mencionado art. 5º, LIII, deve ser lida como juiz constitucionalmente 
competente para processar e julgar (aquele cujo poder de julgar derive de fontes 
cons�tucionais), de modo que não será juiz natural o constitucionalmente incompetente. A 
competência de foro é matéria estranha à Cons�tuição, regida exclusivamente pela lei 
processual federal. Essas ilações têm grande significação especialmente no que concerne à 
interpretação da norma do art. 567 do CPP, assunto que será tratado junto com a competência 
dos órgãos jurisdicionais. 
2.6.6. Juiz de garantias 
A Lei n. 13.964/2019 criou a figura do Juiz de Garan�as, encarregado de atuar 
exclusivamente na fase inves�gatória, deixando a outro magistrado a função de proceder à 
instrução e julgamento do processo. O obje�vo foi preservar a isenção e a imparcialidade do juiz 
que vai julgar a causa, evitando comprome�mento psicológico com a tese acusatória, 
principalmente quando o próprio juiz decreta medidas cautelares e restri�vas, situação que cria 
uma natural tendência de confirmar a correção das medidas impostas, mediante sentença 
condenatória. Na hipótese de um juiz decretar, por exemplo, a prisão provisória de um 
inves�gado, soa reduzida a possibilidade de o mesmo magistrado absolvê-lo e, assim, admi�r o 
erro da prisão processual decretada. 
Em importante decisão proferida no final de agosto de 2023, foi decidido pelo STF que 
os tribunais deverão implementar, no prazo máximo de dois anos, a figura do juiz de garan�as. 
Parte das inovações trazidas pela Lei n. 13.964/2019, no entanto, sofreu significa�vas 
modificações, esvaziando, em parte, a função dessa importante proteção contra o arbítrio. 
Aos tribunais foi conferida maior autonomia para definir a estrutura e organizar o 
funcionamento dos respec�vos juízos de garan�as, de modo a não prejudicar as ações penais 
em andamento e não sobrecarregar os magistrados que atuam sozinhos em suas comarcas. 
Segue análise dos pontos específicos enfrentados pelo STF nas ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305. 
Por maioria, os ministros fizeram interpretação conforme a Cons�tuição do art 3º-A do 
CPP, determinando que o juiz, pontualmente, e nos limites da legalidade, poderá determinar 
diligências suplementares para dirimir dúvida sobre ponto relevante, no momento de proferir 
decisão. Nesse sen�do, o STF, em vez de considerar a revogação do art. 156 do CPP por 
incompa�bilidade com o art. 3º-A, entendeu por sua permanência no ordenamento jurídico com 
limitação dos efeitos do ar�go trazido pela Lei n. 13.964/2019, consagrando a estrutura do 
sistema acusatório e a vedação da atuação do juiz durante a fase inves�gatória. “O processo 
penal terá estrutura acusatória, vedadas a inicia�va do juiz na fase de inves�gação e a 
subs�tuição da atuação probatória do órgão de acusação” (CPP, art. 3º-A, in verbis). Combinado 
com o art. 156 do CPP, fica admi�da, em caráter excepcional, a determinação pelo juiz, ex officio, 
da produção de provas relevantes e urgentes, necessárias ao esclarecimento da verdade. 
No que tange ao art. 3º-B do CPP, com apenas o voto vencido do Ministro Luiz Fux, a 
Suprema Corte entendeu pela obrigatoriedade da implementação do juiz das garan�as, por 
todos os tribunais, no prazo de 12 meses a par�r da publicação do acórdão, sendo permi�da 
uma única prorrogação por igual período, a critério do Conselho Nacional de Jus�ça, a quem 
também incumbirá estabelecer as diretrizes gerais do ins�tuto. 
Por sua vez, no que se refere à cons�tucionalidade dos incisos IV, VII, VIII e IX do art. 3º-
B do CPP, por unanimidade, entendeu-se pela legalidade do controle judicial aos atos de 
inves�gação, determinando prazo de 90 dias, a par�r da publicação do acórdão, para 
encaminhamento de todos os procedimentos inves�gatórios criminais e seus congêneres, 
independentemente da nomenclatura, ao respec�vo juiz natural, ainda que não se tenha o 
juiz das garan�as. 
Outro ponto que merece destaque é a interpretação conforme a Cons�tuição do art. 3º-
B, VI e VII, quanto à possibilidade de o juiz prorrogar a prisão provisória, ou outra medida 
cautelar, bem como subs�tuí-la ou revogá-la; e decidir sobre o requerimento de produção 
antecipada de provas consideradas urgentes e não repe�veis, desde que respeitado o direito 
fundamental ao contraditório, preferencialmente em audiência pública e oral. 
Diferentemente do que previa a Lei n. 13.964/2019, quem receberá a denúncia ou 
queixa será o juiz da instrução, e não o juiz das garan�as, cuja competência cessará com o 
oferecimento da peça acusatória. Entendeu também o STF pela incons�tucionalidade da 
exclusão �sica dos autos do inquérito, devendo o caderno inves�gatório permanecer fisicamente 
anexado ao processo. 
A corte reviu a vedação absoluta de realização de videoconferência na audiência 
presidida pelo juiz das garan�as do preso em flagrante ou provisório. Previa o art. 3º-B, § 1º, 
que: “o preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à 
presença do juiz das garan�as no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se 
realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado 
cons�tuído, vedado o emprego de videoconferência”. Para o STF, será autorizada, 
excepcionalmente, sua realização, caso haja impossibilidade fá�ca da audiência presencial. 
Por sua vez, no que concerne ao ins�tuto do “prazo com sanção”, estabelecido pelo § 2º 
do art. 3º-B, o STF determinou a incons�tucionalidade da limitação de prorrogação por apenas 
uma vez, do inquérito policial de inves�gado preso há mais de 15 dias, sob pena de relaxamento 
da prisão. Admi�u, portanto, a prorrogação ilimitada do inquérito de preso, sem a ameaça do 
relaxamento da prisão por excesso de prazo, nos termos do que já fora decidido na ADI 6.581. 
Em decorrência de tal entendimento, também ficou declarada a incons�tucionalidade do § 4º 
do art. 310, que estabelecia: “Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo 
estabelecido no caput deste ar�go, a não realização de audiência de custódia sem mo�vação 
idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, 
sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preven�va”. 
Também foi decidido que o juiz das garan�as não se aplica aos processos de competência 
originária dos tribunais, júri popular, violência domés�ca e de competência dos Juizados 
Especiais Criminais. Aplica-se, contudo, aos processos de competência da Jus�ça Eleitoral, que 
�nham sido excluídos pela lei. 
Decidiu pela incons�tucionalidade do art. 3º-C, que dizia em seu texto: “A competência 
do juiz das garan�as abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, 
e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”, bem 
como de seus §§ 3º e 4º, os quais, respec�vamente, previam: “Os autos que compõem as 
matérias de competência do juiz das garan�as ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à 
disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo 
enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos rela�vos às provas 
irrepe�veis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser 
reme�dos para apensamento em apartado. Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos 
acautelados na secretaria do juízo das garan�as”. 
Da mesma forma, entendeu pela incompa�bilidade do texto do art. 3º-D e seu parágrafo 
único com o ordenamento jurídico,cuja redação dispunha: “O juiz que, na fase de inves�gação, 
pra�car qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido 
de funcionar no processo” e “Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais 
criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo”. 
Quanto ao art. 3º-E do CPP, decidiu a corte subs�tuir o verbete “designado” por 
“inves�do”. Por fim, declarou a cons�tucionalidade do art. 3º-F, que versa sobre o dever de o 
juiz das garan�as assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo 
o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos de imprensa para explorar a imagem da 
pessoa subme�da à prisão, sob pena de responsabilidade penal, civil e administra�va. 
Quanto ao acordo de não persecução penal, entendeu o STF pela cons�tucionalidade do 
art. 28-A e incisos do CPP. Por sua vez, entendeu pela incons�tucionalidade do § 5º do art. 157, 
também do CPP, que versava acerca da impossibilidade de proferir sentença ou acórdão o juiz 
que �vesse conhecimento do conteúdo de prova declarada ilícita. 
Em que pesem algumas crí�cas quanto à modificação pelo STF de disposi�vos que já 
�nham sido deba�dos, votados e aprovados pelo Poder Legisla�vo, e que não �nham nenhuma 
efe�va incons�tucionalidade, a revelar novamente invasão de competência do legislador, a 
manutenção da figura do juiz das garan�as implica em importante avanço civilizatório para o 
processo penal, afastando a possibilidade de comprome�mento psicológico do juiz que 
determinou a prisão ou medidas cautelares restri�vas, com a procedência da acusação. 
Não é tarefa fácil a qualquer pessoa, nisso incluídos os magistrados, absolver um réu 
cuja prisão provisória decretou e manteve até a véspera da sentença. Por maior que seja o 
espírito de jus�ça, existe uma pressão ou autossugestão interna pela condenação e consequente 
manutenção do status quo do preso, muitas vezes condenado antecipadamente mediante um 
processo psicológico formado antes mesmo do processo, notadamente em casos de maior 
publicidade. O juiz das garan�as é, assim, maior garan�a de imparcialidade na prestação 
jurisdicional, ao menos na primeira instância, já que os detentores de foro privilegiado não terão 
a mesma proteção10. 
2.7. Finalidades da jurisdição 
(i) Atuação da vontade da lei; 
(ii) Solução de conflitos de interesse; 
(iii) Aplicação de jus�ça a casos concretos. 
2.8. Espécies de jurisdição 
(i) Jurisdição penal; 
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(ii) Jurisdição civil. 
2.9. Jurisdição necessária 
Como anteriormente salientado, há conflitos que são insolúveis pela mera vontade das 
partes, seja porque uma delas resiste à pretensão da outra (proibição da autotutela), seja porque 
lhes é vedada, pelo ordenamento, a espontânea solução do conflito. Não se admite, portanto, 
nessa úl�ma hipótese, a autocomposição na aplicação do direito material. 
Em casos como esse, a única maneira de se obter a realização do preceito con�do no 
texto norma�vo substancial é o processo. 
É o que ocorre em algumas situações de direito privado (v.g., anulação de casamento e 
outras hipóteses afetas ao direito de família) e, par�cularmente, no direito penal brasileiro, que 
tem sua aplicação voluntária vedada já pela Cons�tuição, que afasta a possibilidade de o 
indigitado delinquente submeter-se espontaneamente à aplicação da pena (CF, art. 5º, LVII e 
LIV), a ser imposta pelo �tular do jus puniendi (o Estado), por meio de um mero ato 
administra�vo. Sobre o tema, vale indicar que a Lei n. 13.869/2019 contém diversos �pos penais 
omissivos próprios, que cominam pena à conduta do magistrado que deixa, por exemplo, de 
relaxar a prisão manifestamente ilegal, conforme descreve seu art. 9º, parágrafo único, inciso I. 
Assim, a obrigatoriedade da jurisdição é de suma importância, especialmente quando o caso 
analisado se trata de prisão eivada de flagrante ilegalidade. 
São os casos de jurisdição necessária, imposta sempre que o objeto da relação jurídica 
material for de extrema indisponibilidade. 
Alguns ordenamentos, como o americano e o inglês, admitem a transação para a 
imposição de pena a delito de menor potencial ofensivo, bem como a submissão do acusado à 
pena pecuniária. 
No Brasil, a exceção à regra é fornecida pelo art. 98, I, da Cons�tuição Federal, pelo art. 
76 da Lei n. 9.099/95, e pelo art. 28-A do CPP, os dois primeiros por inserirem a transação em 
matéria penal no direito brasileiro, enquanto o úl�mo por ser o pioneiro a possibilitar o acordo 
de não persecução penal em nosso sistema jurídico. 
Questões 
1. O que é jurisdição? 
2. Quais são os princípios próprios da jurisdição? 
3. No que consiste a jurisdição necessária? 
 
 
 
 
 
 
 
 
2. JURISDIÇÃO 
A par�r do momento em que o homem passou a conviver em sociedade, surgiu a 
necessidade de se estabelecer uma forma de controle, um sistema de coordenação e 
composição dos mais variados e antagônicos interesses que exsurgem da vida em comunidade, 
obje�vando a solução dos conflitos desses interesses, que lhe são próprios, bem como a 
coordenação de todos os instrumentos disponíveis para a realização dos ideais cole�vos e dos 
valores que persegue. 
Sem tal controle não se concebe a convivência social, pois cada um dos integrantes da 
cole�vidade faria o que bem quisesse, invadindo e violando a esfera de liberdade do outro. Seria 
o caos. 
Por essa razão, não existe sociedade sem direito (ubi societas ibi jus), desempenhando 
este função ordenadora das relações sociais (controle social). O direito que aqui se trata é o 
direito material, cujo objeto é a regulamentação e harmonização das faculdades naturais do ser 
humano, em prol da convivência social. 
Ao direito cabe solucionar os inevitáveis conflitos de interesses que surgirão na 
realização da vida em sociedade. 
2.1. Interesse, pretensão, conflitos de interesse e li�gio 
Interesse é a disposição de sa�sfazer uma necessidade. 
Pretensão é a exigência de subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio. 
O conflito de interesses ocorre sempre que houver incompa�bilidade entre os interesses 
postos em relação. 
Ao conflito de interesses, qualificado pela resistência à pretensão, Carnelu� denominou 
lide. 
Todavia, a só existência do direito material como instrumento de controle social não é 
suficiente para prevenir ou remediar os conflitos sociais. 
Ditos conflitos, insolúveis pela aplicação pura e simples do direito substancial, 
caracterizam-se, na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco, “por situações em que uma pessoa, 
pretendendo para si determinado bem, não pode obtê-lo – seja porque (a) aquele que poderia 
sa�sfazer sua pretensão não a sa�sfaz; seja porque (b) o próprio direito proíbe a sa�sfação 
voluntária da pretensão (p. ex., a pretensão puni�va do Estado não pode ser sa�sfeita mediante 
um ato de submissão do indigitado criminoso)”3. 
Dessa forma, o conflito de interesses (já qualificado, a essa altura, como li�gio), insolúvel 
voluntariamente pelas partes da relação jurídica material, pode ser eliminado mediante duas 
maneiras dis�ntas: 
(i) por obra de um ou de ambos os �tulares dos interesses conflitantes; 
(ii) por ato de terceiro. 
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Na primeira hipótese, ou os sujeitos consentem no sacri�cio total ou parcial do próprio 
interesse – autocomposição – ou um deles, à força, impõe o sacri�cio do interesse alheio – 
autodefesa ou autotutela. 
Na segunda hipótese, enquadram-se a defesa de terceiro, a mediação e o processo. 
2.2. Autotutela 
A autotutela remonta aos primórdios da civilização e caracteriza-se, basicamente, pelo 
uso da força bruta para sa�sfação de interesses. A própria repressão aos atos criminosos se fazia 
ora em regime de vingança ou de jus�ça privada, ora pelo Estado, sem a interposição de órgãosimparciais. Os dois traços caracterís�cos da autotutela são, portanto: a ausência de juiz imparcial 
e a imposição da decisão por uma das partes à outra4. Atualmente, existe em nosso 
ordenamento jurídico apenas como exceção (v.g., prisão em flagrante feita por qualquer pessoa 
do povo – art. 301 do CPP; estado de necessidade e legí�ma defesa – arts. 24 e 25 do CP). 
O exercício da autotutela fora das hipóteses legalmente admi�das configura ilícitos 
penais, �pificados no art. 345 do CP (quando pra�cado por par�cular), por exemplo. 
2.3. Autocomposição 
A autocomposição ocorre quando uma das partes integrantes do conflito renuncia ao 
seu interesse em favor da outra, ou quando ambas renunciam à parcela de suas pretensões para 
solucionar pacificamente suas divergências. São três as formas de autocomposição: desistência 
(renúncia à pretensão), submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão) e transação ou 
acordo de não persecução penal (concessões recíprocas)5. A Cons�tuição Federal, em seu art. 
98, I, nas hipóteses previstas em lei, permite a transação para infrações penais de menor 
potencial ofensivo. 
Ao contrário das formas de autotutela, a autocomposição é, em regra, “considerada 
legí�mo meio alterna�vo de solução dos conflitos, es�mulado pelo direito mediante a�vidades 
consistentes na conciliação”6, desde que não verse o li�gio sobre direitos indisponíveis. 
Dada a indisponibilidade dos interesses penais, a transação, forma de autocomposição, 
não era admi�da em nosso sistema jurídico. A situação alterou-se no que concerne às infrações 
de menor potencial ofensivo, esfera em que, agora, admite-se esta forma alterna�va de 
pacificação social (CF, art. 98, I, regulamentado pelo art. 76 da Lei n. 9.099/95). 
A Lei n. 13.964/2019, incluiu no CPP o art. 28-A, disciplinando o acordo de não 
persecução penal, negócio jurídico bilateral cuja finalidade é evitar a instauração do processo, 
sempre que não for caso de arquivamento do inquérito, o inves�gado �ver confessado formal e 
circunstancialmente a prá�ca da infração penal, e que esta tenha sido come�da sem violência 
ou grave ameaça à pessoa e desde que a pena mínima seja inferior a quatro anos. Preenchidos 
tais requisitos e cumpridas integralmente as condições impostas pelo acordo (cf. CPP, art. 28-A, 
I a V), o juiz declarará ex�nta a punibilidade do agente (CPP, art. 28-A, § 13). 
2.4. A intervenção de terceiro, a mediação e o processo 
A intervenção de terceiro na solução do conflito surgiu inicialmente com a escolha, pelos 
próprios conflitantes, de um árbitro imparcial. Essa escolha recaía, em geral, sobre sacerdotes, 
que julgavam de acordo com a vontade dos deuses, ou sobre anciãos, que decidiam de acordo 
com os costumes e tradições locais. 
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Aos poucos, o Estado foi-se afirmando e conseguiu impor-se aos par�culares. Os 
cidadãos em conflito compareciam perante o pretor, comprometendo-se a aceitar o que viesse 
a ser decidido. Esse compromisso, necessário diante da ainda insuficiente expressão do Estado 
perante a individualidade dos par�culares, era chamado de litiscontestatio. Escolhia-se, então, 
um árbitro, que recebia do pretor o encargo de decidir a causa. Havia, pois, dois estágios de 
solução do conflito: um perante o magistrado ou pretor (in jure) e outro perante o árbitro (apud 
judicem)7. 
Posteriormente, o Estado passou a ter o poder de indicar o árbitro, independentemente 
da vontade das partes, passando-se de um sistema inicial de arbitragem faculta�va (o árbitro era 
escolhido pelos próprios li�gantes) a um sistema de arbitragem obrigatória (a escolha cabia 
exclusivamente ao poder estatal). 
Superada essa fase individualista de solução de conflitos (ordo judiciorum privatorum), 
o pretor passou a conhecer ele próprio do mérito dos li�gios entre os par�culares, inclusive 
proferindo sentença, em vez de nomear ou aceitar a nomeação de um árbitro que o fizesse 
(cognitio extra ordinem). A jus�ça passou então a ser distribuída pelo Poder Público, deixando 
de ser privada para alcançar o status de pública. O Estado, já suficientemente fortalecido, impõe-
se sobre os par�culares e, prescindindo da voluntária submissão destes, impõe-lhes 
autoritariamente a sua solução para os conflitos de interesses. 
Surgem os juízes estatais, que passaram a examinar as pretensões e a resolver os 
conflitos. Os juízes agem em subs�tuição às partes, que não podem fazer jus�ça com as próprias 
mãos (vedada a autodefesa). 
A essa nova a�vidade estatal convencionou-se chamar de jurisdição. 
Jurisdição é uma das funções do Estado, mediante a qual este se subs�tui, na pessoa de 
um juiz, aos �tulares dos interesses em conflito, para, imparcialmente, aplicar o direito ao caso 
concreto, a fim de fornecer uma pacífica solução ao li�gio, reafirmando a autoridade da ordem 
jurídica e a ver�calidade da relação Estado-Par�cular. Aqui estão os três clássicos escopos do 
processo: jurídico, social e polí�co. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do 
direito obje�vo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado 
desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando impera�vamente o 
preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o 
preceito estabelece (através da execução forçada)8. 
Da definição, podemos extrair algumas caracterís�cas essenciais e exclusivas da 
a�vidade jurisdicional, as quais a dis�nguirão das demais funções exercidas pelo Estado 
(legisla�va e administra�va). 
2.5. Caracterís�cas da jurisdição 
2.5.1. Substitutividade 
Vedada que está a autotutela (salvo em casos expressamente autorizados em lei), é certo 
que, sendo impossível às partes a resolução espontânea e pacífica do conflito de interesses, só 
lhes resta pedir ao Estado (detentor do monopólio da solução dos li�gios) que, mediante um 
provimento, elimine-lhes a insa�sfação e a incerteza. Dessa forma, o Estado, através de pessoas 
�sicas (juízes) previamente designadas (critérios de distribuição de competência), subs�tui-se, 
com uma a�vidade sua, à vontade dos li�gantes, a fim de promover a justa composição da lide, 
pela correta aplicação das regras jurídicas genéricas e impessoais, obje�vamente fixadas. 
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Como o Estado não vai ao processo disputar qualquer bem com as partes, nem tem com 
estas qualquer conflito de interesses, a sua imparcialidade é circunstância indispensável ao 
exercício jurisdicional, de modo que, se �ver qualquer interesse na solução do li�gio, outro que 
não a pacificação social, não poderá o juiz (ou seus auxiliares) atuar no processo (CPP, arts. 95, I, 
112, 252 a 255, 274 e 279 a 281). 
2.5.2. Escopo de atuação do direito 
Com isto, visa o Estado a garan�r, por meio da subs�tuição das partes, a realização dos 
obje�vos da norma de direito substancial violada no caso concreto; em outras palavras, intenta 
fazer com que a situação prá�ca coincida com aquela abstrata prescrita no disposi�vo legal 
inobservado, eliminando a insa�sfação e, por conseguinte, o desconforto social por ela gerado, 
reafirmando a autoridade do ordenamento jurídico. 
Esses são os atributos inerentes à jurisdição, que lhe dão personalidade e a dis�nguem 
das demais funções do Estado (na a�vidade administra�va, p. ex., conquanto a lei seja o seu 
limite, o escopo primeiro da administração é a consecução do bem comum, não a atuação da 
vontade da lei; além disso, a administração, ao desempenhar uma a�vidade, o faz na condição 
de parte de uma relação jurídica e não em caráterde subs�tuição). 
Outros atributos, conquanto não essenciais, são iden�ficáveis na a�vidade jurisdicional. 
2.5.3. Inércia 
Os órgãos jurisdicionais são, por sua própria índole, inertes (nemo judex sine actore; ne 
procedat judex ex officio), pois a experiência histórica demonstrou que o exercício espontâneo 
da a�vidade jurisdicional afeta, sobremaneira, a imparcialidade do julgador, que se deixa 
influenciar pela inicia�va tomada. Há algumas exceções, como a execução penal das penas 
priva�vas de liberdade e restri�vas de direito, em que cabe ao juiz determinar a expedição da 
carta de guia, também chamada de guia de execução, dando prosseguimento à persecução penal 
(LEP, art. 105), além da possibilidade conferida ao magistrado de conceder ex officio a ordem 
de habeas corpus (CPP, art. 654, § 2º). 
A inércia jurisdicional é pressuposto do sistema acusatório, pautado pelo contraditório, 
ampla defesa, devido processo legal, proibição de provas ilícitas e juízos de exceção, juiz e 
promotor natural, e, é claro, imparcialidade do juiz. Nesse sen�do, bastante elucida�va a 
redação do art. 3º-A do CPP: “O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a inicia�va do 
juiz na fase de inves�gação e a subs�tuição da atuação probatória do órgão de acusação”. É 
importante indicar que isso em nada altera a estrutura acusatória do processo penal, nem 
autoriza o juiz a assumir o papel de parte e interferir a�vamente na produção da prova, dada a 
irreversível tendência dos tribunais superiores em limitar seu campo de atuação neste sen�do. 
2.5.4. Imutabilidade (ou definitividade) 
Os atos jurisdicionais, ao contrário dos legisla�vos e dos administra�vos, são os únicos 
passíveis de transitar em julgado, isto é, de se tornarem imutáveis, não podendo ser revistos ou 
modificados. Coisa julgada é a qualidade dos efeitos de uma decisão, é a imutabilidade deles. De 
acordo com a Cons�tuição, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a 
coisa julgada” (art. 5º, XXXVI). No processo penal a exceção fica por conta da ação de revisão 
criminal (CPP, arts. 621 e s.). 
 
2.5.5. Lide 
Outrora iden�ficada como elemento indispensável à jurisdição (Carnelu�), a existência 
da lide é, por certo, uma situação constante na a�vidade jurisdicional, especialmente quando se 
trata de pretensões insa�sfeitas que poderiam ter sido atendidas espontaneamente pelo 
obrigado. Todavia, haverá casos em que esta não estará presente, sem que isto importe 
desnaturação da função em tela (exemplo ocorre no curso do processo penal, nos casos em que 
a situação li�giosa cessa em virtude do pedido de absolvição feito pelo órgão da acusação; note-
se que o processo con�nua até o provimento final, sem que lide exista mais)9. 
2.6. Princípios próprios da jurisdição 
2.6.1. Investidura 
A jurisdição só pode ser exercida por quem tenha sido regularmente inves�do na 
autoridade de juiz. 
2.6.2. Indelegabilidade 
Segue o princípio geral segundo o qual é vedado a qualquer Poder delegar atribuições. 
A Cons�tuição fixa as atribuições do Poder Judiciário, de modo que nem à lei nem aos próprios 
membros deste é dado dispor de outra forma, delegando, por conveniência ou critérios próprios, 
suas funções a outro órgão. Não exercendo a jurisdição em nome próprio, não tem o juiz poder 
para dela dispor, invertendo os critérios previamente definidos. 
À regra existem exceções, v.g., art. 102, I, m, da Cons�tuição Federal. Anote-se, todavia, 
que a prá�ca de atos por carta precatória não se insere dentre as exceções. Impossibilitado de 
pra�car atos processuais fora dos limites da comarca sujeita à sua jurisdição, o juiz deprecante 
nada mais faz do que solicitar a cooperação daquele realmente competente para fazê-lo, o juiz 
deprecado. Impossível falar em delegação de um poder que ele próprio (deprecante) não tem, 
por incompetência. 
2.6.3. Inevitabilidade 
A jurisdição impõe-se independente da vontade das partes, que a ela devem sujeitar-se. 
A situação das partes, quanto ao juiz, na relação processual, é de absoluta sujeição, sendo-lhes 
impossível evitar que, sobre sua esfera jurídica, se exerça a autoridade jurisdicional. 
2.6.4. Inafastabilidade (ou princípio do controle jurisdicional) 
A lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a 
direito, nem pode o juiz, a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei, escusar-se de proferir 
decisão (CF, art. 5º, XXXV; LINDB, art. 4º). É o Judiciário que profere, sobre o li�gio, a úl�ma 
palavra. 
2.6.5. Juiz natural 
Um dos princípios fundamentais da função jurisdicional, eis que in�mamente 
relacionado com a imparcialidade do juízo, a garan�a do juiz natural foi trazida para o direito 
brasileiro, desde o início, em seu dúplice aspecto: (i) proibição de juízo ou tribunal de exceção 
(tribunal ad hoc), isto é, criado ex post facto para o julgamento de um determinado caso 
concreto ou pessoa (CF, art. 5º, XXXVII); (ii) garan�a do juiz competente (CF, art. 5º, LIII), segundo 
a qual ninguém será subtraído ao seu juiz cons�tucionalmente competente. 
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Não se insere na proibição dos tribunais de exceção a criação das jus�ças especializadas 
(militar, trabalhista, eleitoral). Os tribunais ad hoc são criados e funcionam para um determinado 
caso concreto, ao passo que as jus�ças especializadas são previamente ins�tuídas pela 
Cons�tuição e têm por escopo a aplicação da lei a todos os casos versando sobre determinada 
matéria ou que envolvam certas pessoas, indis�ntamente. Esse pressuposto também se aplica 
aos casos de competência estabelecida pela prerroga�va de função (CPP, arts. 84 a 87). Não se 
cuida, aqui, de prerroga�va ins�tuída em função da pessoa, mas de tratamento especial 
dispensado ao cargo, à função exercida pelo réu, relevantes na administração do país, tanto que, 
deixado o cargo ou cessada a função, desaparece a prerroga�va. 
A Cons�tuição Federal cuida de fixar apenas as competências ditas absolutas (de 
jurisdição, funcional etc.), sem preocupar-se com a competência de foro, regulada em lei federal 
(CPP, p. ex.). Assim, é acertado dizer que a expressão autoridade competente, consignada no 
texto cons�tucional do mencionado art. 5º, LIII, deve ser lida como juiz constitucionalmente 
competente para processar e julgar (aquele cujo poder de julgar derive de fontes 
cons�tucionais), de modo que não será juiz natural o constitucionalmente incompetente. A 
competência de foro é matéria estranha à Cons�tuição, regida exclusivamente pela lei 
processual federal. Essas ilações têm grande significação especialmente no que concerne à 
interpretação da norma do art. 567 do CPP, assunto que será tratado junto com a competência 
dos órgãos jurisdicionais. 
2.6.6. Juiz de garantias 
A Lei n. 13.964/2019 criou a figura do Juiz de Garan�as, encarregado de atuar 
exclusivamente na fase inves�gatória, deixando a outro magistrado a função de proceder à 
instrução e julgamento do processo. O obje�vo foi preservar a isenção e a imparcialidade do juiz 
que vai julgar a causa, evitando comprome�mento psicológico com a tese acusatória, 
principalmente quando o próprio juiz decreta medidas cautelares e restri�vas, situação que cria 
uma natural tendência de confirmar a correção das medidas impostas, mediante sentença 
condenatória. Na hipótese de um juiz decretar, por exemplo, a prisão provisória de um 
inves�gado, soa reduzida a possibilidade de o mesmo magistrado absolvê-lo e, assim, admi�r o 
erro da prisão processual decretada. 
Em importante decisão proferida no final de agosto de 2023, foi decidido pelo STF que 
os tribunais deverão implementar, no prazo máximo de dois anos, a figura do juiz de garan�as. 
Parte das inovações trazidas pela Lei n. 13.964/2019, no entanto, sofreu significa�vas 
modificações, esvaziando, em parte, a função dessa importante proteção contra o arbítrio. 
Aos tribunais foi conferida maior autonomia paradefinir a estrutura e organizar o 
funcionamento dos respec�vos juízos de garan�as, de modo a não prejudicar as ações penais 
em andamento e não sobrecarregar os magistrados que atuam sozinhos em suas comarcas. 
Segue análise dos pontos específicos enfrentados pelo STF nas ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305. 
Por maioria, os ministros fizeram interpretação conforme a Cons�tuição do art 3º-A do 
CPP, determinando que o juiz, pontualmente, e nos limites da legalidade, poderá determinar 
diligências suplementares para dirimir dúvida sobre ponto relevante, no momento de proferir 
decisão. Nesse sen�do, o STF, em vez de considerar a revogação do art. 156 do CPP por 
incompa�bilidade com o art. 3º-A, entendeu por sua permanência no ordenamento jurídico com 
limitação dos efeitos do ar�go trazido pela Lei n. 13.964/2019, consagrando a estrutura do 
sistema acusatório e a vedação da atuação do juiz durante a fase inves�gatória. “O processo 
penal terá estrutura acusatória, vedadas a inicia�va do juiz na fase de inves�gação e a 
subs�tuição da atuação probatória do órgão de acusação” (CPP, art. 3º-A, in verbis). Combinado 
com o art. 156 do CPP, fica admi�da, em caráter excepcional, a determinação pelo juiz, ex officio, 
da produção de provas relevantes e urgentes, necessárias ao esclarecimento da verdade. 
No que tange ao art. 3º-B do CPP, com apenas o voto vencido do Ministro Luiz Fux, a 
Suprema Corte entendeu pela obrigatoriedade da implementação do juiz das garan�as, por 
todos os tribunais, no prazo de 12 meses a par�r da publicação do acórdão, sendo permi�da 
uma única prorrogação por igual período, a critério do Conselho Nacional de Jus�ça, a quem 
também incumbirá estabelecer as diretrizes gerais do ins�tuto. 
Por sua vez, no que se refere à cons�tucionalidade dos incisos IV, VII, VIII e IX do art. 3º-
B do CPP, por unanimidade, entendeu-se pela legalidade do controle judicial aos atos de 
inves�gação, determinando prazo de 90 dias, a par�r da publicação do acórdão, para 
encaminhamento de todos os procedimentos inves�gatórios criminais e seus congêneres, 
independentemente da nomenclatura, ao respec�vo juiz natural, ainda que não se tenha o 
juiz das garan�as. 
Outro ponto que merece destaque é a interpretação conforme a Cons�tuição do art. 3º-
B, VI e VII, quanto à possibilidade de o juiz prorrogar a prisão provisória, ou outra medida 
cautelar, bem como subs�tuí-la ou revogá-la; e decidir sobre o requerimento de produção 
antecipada de provas consideradas urgentes e não repe�veis, desde que respeitado o direito 
fundamental ao contraditório, preferencialmente em audiência pública e oral. 
Diferentemente do que previa a Lei n. 13.964/2019, quem receberá a denúncia ou 
queixa será o juiz da instrução, e não o juiz das garan�as, cuja competência cessará com o 
oferecimento da peça acusatória. Entendeu também o STF pela incons�tucionalidade da 
exclusão �sica dos autos do inquérito, devendo o caderno inves�gatório permanecer fisicamente 
anexado ao processo. 
A corte reviu a vedação absoluta de realização de videoconferência na audiência 
presidida pelo juiz das garan�as do preso em flagrante ou provisório. Previa o art. 3º-B, § 1º, 
que: “o preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à 
presença do juiz das garan�as no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se 
realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado 
cons�tuído, vedado o emprego de videoconferência”. Para o STF, será autorizada, 
excepcionalmente, sua realização, caso haja impossibilidade fá�ca da audiência presencial. 
Por sua vez, no que concerne ao ins�tuto do “prazo com sanção”, estabelecido pelo § 2º 
do art. 3º-B, o STF determinou a incons�tucionalidade da limitação de prorrogação por apenas 
uma vez, do inquérito policial de inves�gado preso há mais de 15 dias, sob pena de relaxamento 
da prisão. Admi�u, portanto, a prorrogação ilimitada do inquérito de preso, sem a ameaça do 
relaxamento da prisão por excesso de prazo, nos termos do que já fora decidido na ADI 6.581. 
Em decorrência de tal entendimento, também ficou declarada a incons�tucionalidade do § 4º 
do art. 310, que estabelecia: “Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo 
estabelecido no caput deste ar�go, a não realização de audiência de custódia sem mo�vação 
idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, 
sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preven�va”. 
Também foi decidido que o juiz das garan�as não se aplica aos processos de competência 
originária dos tribunais, júri popular, violência domés�ca e de competência dos Juizados 
Especiais Criminais. Aplica-se, contudo, aos processos de competência da Jus�ça Eleitoral, que 
�nham sido excluídos pela lei. 
Decidiu pela incons�tucionalidade do art. 3º-C, que dizia em seu texto: “A competência 
do juiz das garan�as abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, 
e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”, bem 
como de seus §§ 3º e 4º, os quais, respec�vamente, previam: “Os autos que compõem as 
matérias de competência do juiz das garan�as ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à 
disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo 
enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos rela�vos às provas 
irrepe�veis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser 
reme�dos para apensamento em apartado. Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos 
acautelados na secretaria do juízo das garan�as”. 
Da mesma forma, entendeu pela incompa�bilidade do texto do art. 3º-D e seu parágrafo 
único com o ordenamento jurídico, cuja redação dispunha: “O juiz que, na fase de inves�gação, 
pra�car qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido 
de funcionar no processo” e “Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais 
criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo”. 
Quanto ao art. 3º-E do CPP, decidiu a corte subs�tuir o verbete “designado” por 
“inves�do”. Por fim, declarou a cons�tucionalidade do art. 3º-F, que versa sobre o dever de o 
juiz das garan�as assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo 
o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos de imprensa para explorar a imagem da 
pessoa subme�da à prisão, sob pena de responsabilidade penal, civil e administra�va. 
Quanto ao acordo de não persecução penal, entendeu o STF pela cons�tucionalidade do 
art. 28-A e incisos do CPP. Por sua vez, entendeu pela incons�tucionalidade do § 5º do art. 157, 
também do CPP, que versava acerca da impossibilidade de proferir sentença ou acórdão o juiz 
que �vesse conhecimento do conteúdo de prova declarada ilícita. 
Em que pesem algumas crí�cas quanto à modificação pelo STF de disposi�vos que já 
�nham sido deba�dos, votados e aprovados pelo Poder Legisla�vo, e que não �nham nenhuma 
efe�va incons�tucionalidade, a revelar novamente invasão de competência do legislador, a 
manutenção da figura do juiz das garan�as implica em importante avanço civilizatório para o 
processo penal, afastando a possibilidade de comprome�mento psicológico do juiz que 
determinou a prisão ou medidas cautelares restri�vas, com a procedência da acusação. 
Não é tarefa fácil a qualquer pessoa, nisso incluídos os magistrados, absolver um réu 
cuja prisão provisória decretou e manteve até a véspera da sentença. Por maior que seja o 
espírito de jus�ça, existe uma pressão ou autossugestão interna pela condenação e consequente 
manutenção do status quo do preso, muitas vezes condenado antecipadamente mediante um 
processo psicológico formado antes mesmo do processo, notadamente em casos de maior 
publicidade. O juiz das garan�as é, assim, maior garan�a de imparcialidade na prestaçãojurisdicional, ao menos na primeira instância, já que os detentores de foro privilegiado não terão 
a mesma proteção10. 
2.7. Finalidades da jurisdição 
(i) Atuação da vontade da lei; 
(ii) Solução de conflitos de interesse; 
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(iii) Aplicação de jus�ça a casos concretos. 
2.8. Espécies de jurisdição 
(i) Jurisdição penal; 
(ii) Jurisdição civil. 
2.9. Jurisdição necessária 
Como anteriormente salientado, há conflitos que são insolúveis pela mera vontade das 
partes, seja porque uma delas resiste à pretensão da outra (proibição da autotutela), seja porque 
lhes é vedada, pelo ordenamento, a espontânea solução do conflito. Não se admite, portanto, 
nessa úl�ma hipótese, a autocomposição na aplicação do direito material. 
Em casos como esse, a única maneira de se obter a realização do preceito con�do no 
texto norma�vo substancial é o processo. 
É o que ocorre em algumas situações de direito privado (v.g., anulação de casamento e 
outras hipóteses afetas ao direito de família) e, par�cularmente, no direito penal brasileiro, que 
tem sua aplicação voluntária vedada já pela Cons�tuição, que afasta a possibilidade de o 
indigitado delinquente submeter-se espontaneamente à aplicação da pena (CF, art. 5º, LVII e 
LIV), a ser imposta pelo �tular do jus puniendi (o Estado), por meio de um mero ato 
administra�vo. Sobre o tema, vale indicar que a Lei n. 13.869/2019 contém diversos �pos penais 
omissivos próprios, que cominam pena à conduta do magistrado que deixa, por exemplo, de 
relaxar a prisão manifestamente ilegal, conforme descreve seu art. 9º, parágrafo único, inciso I. 
Assim, a obrigatoriedade da jurisdição é de suma importância, especialmente quando o caso 
analisado se trata de prisão eivada de flagrante ilegalidade. 
São os casos de jurisdição necessária, imposta sempre que o objeto da relação jurídica 
material for de extrema indisponibilidade. 
Alguns ordenamentos, como o americano e o inglês, admitem a transação para a 
imposição de pena a delito de menor potencial ofensivo, bem como a submissão do acusado à 
pena pecuniária. 
No Brasil, a exceção à regra é fornecida pelo art. 98, I, da Cons�tuição Federal, pelo art. 
76 da Lei n. 9.099/95, e pelo art. 28-A do CPP, os dois primeiros por inserirem a transação em 
matéria penal no direito brasileiro, enquanto o úl�mo por ser o pioneiro a possibilitar o acordo 
de não persecução penal em nosso sistema jurídico. 
Questões 
1. O que é jurisdição? 
2. Quais são os princípios próprios da jurisdição? 
3. No que consiste a jurisdição necessária? 
 
 
 
 
3. PROCESSO 
O Estado detém o monopólio da administração da jus�ça. O ordenamento jurídico 
considera crime fazer jus�ça com as próprias mãos (CP, art. 345). 
O processo é o meio pelo qual o Estado procede à composição da lide, aplicando o direito 
ao caso concreto e dirimindo os conflitos de interesse. 
A jurisdição é, portanto, a função; o processo, o instrumento de sua atuação. 
Sem processo não há como solucionar o li�gio (ressalvados os casos em que se admitem 
formas alterna�vas de pacificação), razão por que é instrumento imprescindível para 
resguardo da paz social. 
Antes de adentrarmos o tema dos princípios informadores do direito processual, faz-se 
necessário traçar algumas linhas sobre o processo, o procedimento (incluindo-se aqui as formas 
do procedimento) e a relação jurídica processual. 
3.1. Processo, procedimento e relação jurídica processual 
O processo, instrumento de atuação da função jurisdicional, pode ser encarado sob dois 
prismas dis�ntos, mas in�mamente conexos entre si: (i) dos atos que representam sua forma 
extrínseca (obje�vo); (ii) das relações que vinculam os sujeitos processuais (subje�vo). 
Analisando-o sob o aspecto obje�vo, isto é, dos atos, iden�ficamos o seu primeiro 
elemento cons�tu�vo: o procedimento, entendido como cadeia de atos e fatos coordenados, 
juridicamente relevantes, vinculados por uma finalidade comum, qual a de preparar o ato final, 
ou seja, o provimento jurisdicional, que, no processo de conhecimento, é a sentença de mérito. 
Sob o aspecto subje�vo, surge o segundo elemento cons�tu�vo do processo, que lhe dá 
vida e dinamismo: a relação jurídica processual. 
Muito se discu�u a respeito da natureza jurídica do processo, discussão cujo 
delineamento certamente extrapolaria as finalidades deste trabalho. Pode-se dizer apenas que 
as principais teorias a respeito são: (i) do processo como contrato; (ii) do processo como quase 
contrato; (iii) do processo como relação jurídica processual; (iv) do processo como situação 
jurídica e, por fim; (v) do processo como procedimento em contraditório. 
De todas elas, foi a da relação jurídica processual (item “iii”), desenvolvida por Bülow, na 
segunda metade do século XIX, que, temperada com postulados das teorias da situação jurídica 
e do procedimento em contraditório, ganhou acolhida junto à doutrina. 
Reside o mérito de Bülow, justamente, na sistema�zação da relação jurídica processual, 
dis�nguindo-a da relação jurídica material, sendo esta a que se discute no processo. Figuram 
ambas em clara relação continente-conteúdo. 
É possível caracterizar a relação jurídica processual como o nexo que une e disciplina a 
conduta dos sujeitos processuais em suas ligações recíprocas durante o desenrolar do 
procedimento. Tendo em vista que no arco do procedimento os sujeitos passam de situação em 
situação, de posição em posição, a�vas e passivas, podemos dizer, ainda, que a relação jurídica 
processual apresenta-se como a sucessão de posições jurídicas a�vas (poderes, faculdades e 
ônus) e passivas (deveres, sujeições e ônus), que se substituem pela ocorrência de atos e fatos 
procedimentais, porquanto de um ato nasce sempre uma posição jurídica, que, por sua vez, 
servirá de fundamento à prá�ca de outro ato, que ensejará nova posição dos sujeitos processuais 
e, assim por diante, até o provimento final. 
Para Dinamarco, o processo é o “procedimento animado pela relação jurídica 
processual”11 e a par�r dessa perspec�va é que serão abordadas suas caracterís�cas 
no próximo tópico. 
3.2. Elementos iden�ficadores da relação processual 
Os elementos que iden�ficam a relação processual, diferenciando-a da relação de 
direito material, são: 
3.2.1. Sujeitos processuais 
São três os principais: Estado-Juiz, autor e réu (lembre-se que o juiz não é propriamente 
um sujeito do processo, mas apenas órgão, por cujo intermédio o Estado-Juiz exerce o seu dever-
poder, que é a função jurisdicional). 
Em síntese, o que dis�ngue a relação processual da material, sob o aspecto subje�vo, 
isto é, dos seus sujeitos, é não apenas a presença do Estado-Juiz, mas a sua condição de �tular 
e de exercente de uma das manifestações do poder estatal. As partes, em pé de igualdade entre 
si, situam-se, quanto ao Estado-Juiz, em uma relação marcada pela ver�calidade, dada a sua 
situação de sujeição em relação a este. Daí afirmar-se o caráter triangular da relação processual. 
Sobre os sujeitos processuais, falaremos mais, oportunamente. 
3.2.2. Objeto da relação processual 
No plano material, o bem que cons�tui o objeto da relação jurídica é o próprio bem da 
vida, sobre o qual versa o conflito de interesses. Quanto à relação processual, o objeto que lhe 
é peculiar é o próprio provimento jurisdicional pedido ao Estado. 
É, portanto, uma relação secundária, eis que guarda estreita instrumentalidade com o 
bem efe�vamente pretendido pelo autor: o objeto da relação jurídica material (primária), o bem 
da vida. 
3.2.3. Pressupostos processuais 
Fixa o Código Civil, no art. 104, os requisitos para a validade dos atos jurídicos em geral. 
Logo se percebeu, todavia, com a dis�nção operada na teoria de Bülow, que a relação 
processual também exigia, para a sua válida cons�tuição, a observância de certos requisitos 
peculiares aos enumerados no citado disposi�vo legal. São os requisitos para a cons�tuiçãode 
uma relação processual válida que, ao lado das condições da ação, formam os requisitos de 
admissibilidade do julgamento do mérito. São eles: 
(i) Subje�vos (respeitantes aos sujeitos principais da relação processual): 
(i.1) quanto ao juiz: 
– inves�dura; 
– competência (CPP, art. 95, II); 
– imparcialidade (CPP, arts. 95, I, e 112). 
(i.2) quanto às partes: 
https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788553620821/epub/OEBPS/Text/nr.xhtml#footnote-236
– capacidade de ser parte; 
– capacidade processual; 
– capacidade postulatória (CPP, arts. 44 e 257, I). 
(ii) Obje�vos: 
(ii.1) extrínsecos: inexistência de fatos impedi�vos, v.g., li�spendência, coisa julgada 
(CPP, art. 95, III e V) etc.; 
(ii.2) intrínsecos: regularidade procedimental (CPP, art. 24). 
3.3. Formas do procedimento 
As formas dos atos processuais podem ser de três ordens: de lugar, de tempo e de modo. 
(i) Lugar. Em regra, os atos processuais têm lugar na sede do juízo, excluídos os casos em 
que a lei ou a sua própria natureza exigirem a prá�ca em local diverso, v.g., busca e apreensão, 
citação, inspeção judicial, oi�va de testemunha cujo comparecimento é impossível etc. 
(ii) Tempo. Dois aspectos a serem levados em consideração: 
(ii.1) a época em que os atos devem ser pra�cados; 
(ii.2) o prazo (distância temporal entre os atos do processo) para a sua execução. 
Os prazos podem ser: 
– ordinários ou dilatórios: são aqueles que admitem redução ou prorrogação, por 
vontade das partes, por serem desprovidos de impera�vidade; 
– aceleratórios: quando ocorre a fixação de um prazo máximo, dentro do qual o ato deve 
ser necessariamente pra�cado; 
– legais: determinados em lei; 
– judiciais: fixados pelo magistrado; 
– convencionais: estabelecidos por acordo das partes; 
– peremptórios: inalteráveis, quer para mais, quer para menos; caracterizáveis pela 
impera�vidade sobre os sujeitos processuais; 
– comuns: quando correm para ambas as partes; 
– par�culares: rela�vos a somente uma das partes; 
– próprios: aqueles cuja inobservância pode trazer sanções processuais; 
– impróprios: não acarretam sanções processuais, mas, tão somente, de caráter 
disciplinar. 
De maneira geral, o transcurso do prazo enseja a perda da possibilidade de pra�car 
determinado ato processual, denominada preclusão temporal. 
Não há preclusão em se tratando de prazos impróprios, conferidos ao juiz, aos auxiliares 
da jus�ça e ao Ministério Público, quando este atua no processo como parte secundária. Daí que 
preclusivos são apenas os prazos próprios. 
(iii) Modo. Pode ser quanto à linguagem, quanto à a�vidade que o move e quanto ao 
rito. 
(iii.1) Quanto à linguagem 
A palavra pode ser falada ou escrita e, conforme seja feita a escolha por uma ou por 
outra, o procedimento será oral, escrito ou misto. 
Vigora, no sistema processual brasileiro, o procedimento misto, informado pelo princípio 
da oralidade, em maior ou menor intensidade, conforme se trate de processo penal, civil ou 
trabalhista. 
No procedimento misto, embora ocorra o predomínio quan�ta�vo da palavra escrita, a 
palavra falada se sobressai qualita�vamente, porquanto é a forma eleita para expressar os atos 
de maior relevância na formação do convencimento do juiz. 
Do princípio da oralidade derivam alguns princípios, dis�ntos, mas in�mamente 
relacionados entre si. São eles: 
– princípio da imediação ou imedia�dade: exige o contato direto do juiz com as provas 
e as fontes de provas, a fim de que ele colha pessoalmente o material des�nado ao 
seu convencimento; 
– princípio da iden�dade �sica do juiz: o mesmo magistrado que preside a instrução do 
feito deve julgar a causa, como forma de garan�r a eficácia do princípio adrede mencionado; 
– princípio da concentração da causa: os atos mais relevantes devem, dentro do 
possível, ser pra�cados em única audiência; 
– princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias: des�nado a concre�zar a 
oralidade e a concentração. 
Com a criação dos juizados especiais criminais pela Lei n. 9.099/95, a oralidade e a 
flexibilidade das formas procedimentais receberam novo alento, como se infere do texto do art. 
62 do citado diploma. Do mesmo modo, a estrutura atual de processo penal visa à celeridade 
processual e ao aperfeiçoamento na colheita da prova, primando pelo princípio da oralidade, na 
medida em que a legislação processual penal prevê a concentração dos atos processuais em 
audiência única no procedimento comum (ordinário, sumário e sumaríssimo). Mencione-se que 
tal concentração dos atos processuais em audiência única também foi ins�tuída no 
procedimento do júri. 
(iii.2) Quanto à a�vidade 
O processo inicia-se pelo impulso das partes e desenvolve-se, predominantemente, pelo 
impulso oficial. Cabe ao juiz, na maioria dos casos, dar andamento ao feito determinando a 
prá�ca de atos processuais, haja vista a relevância do interesse do Estado na rápida e eficaz 
solução do li�gio. 
Ligado ao impulso oficial está o fenômeno da preclusão, consistente na perda de uma 
faculdade processual por diversas causas, às quais se ligam as variadas espécies desse ins�tuto. 
É a preclusão um fato impedi�vo, des�nado a assegurar a progressividade da relação processual. 
São de três espécies: 
– temporal: a causa da perda da faculdade processual está na omissão da prá�ca de 
determinado ato no prazo assinado; 
– lógica: decorrente da incompa�bilidade de um ato processual com outro já pra�cado; 
– consuma�va: caracteriza-se pelo fato de a faculdade já ter sido validamente exercida. 
(iii.3) Quanto ao rito 
O rito do procedimento, isto é, o ritmo e a amplitude com que são pra�cados os atos 
processuais, é escolhido com vistas, em geral, à natureza da relação jurídica material (primária) 
levada à apreciação do Judiciário. 
No processo penal, objeto dos nossos estudos, os procedimentos, no processo de 
cognição, dividem-se em: 
– comum: divide-se em: (i) ordinário: crime cuja sanção máxima cominada for igual ou 
superior a quatro anos de pena priva�va de liberdade, salvo se não se submeter a procedimento 
especial; (ii) sumário: crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a quatro anos de pena 
priva�va de liberdade, salvo se não se submeter a procedimento especial; (iii) 
sumaríssimo: infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da Lei n. 9.099/95, ainda 
que haja previsão de procedimento especial. Enquadram-se nesse conceito as contravenções 
penais e os crimes cuja pena máxima não exceda a dois anos (vide art. 61 da Lei n. 9.099/95). 
Dessa forma, a dis�nção entre os procedimentos ordinário e sumário dar-se-á em função da 
pena máxima cominada à infração penal e não mais em virtude de esta ser apenada com 
reclusão ou detenção; 
– especial: é o procedimento previsto, por exemplo, nos arts. 406 a 497 do CPP, bem 
como aqueles ins�tuídos em leis extravagantes, por exemplo, nas Leis n. 11.343/2006 e 
11.101/2005. 
3.4. Princípios informadores do processo penal 
3.4.1. Legalidade 
Além de ser princípio basilar do Direito Penal, a legalidade também reverbera na seara 
processual. Está presente na CF, art. 5º, II, ao dizer que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar 
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, e no art. 22, I, ao prever a competência priva�va 
da União para legislar sobre direito processual. Desta forma, excetuando-se as disposições legais 
referentes a procedimentos advindas dos Estados e Distrito Federal (CF, art. 24, XI), qualquer 
outra inovação legisla�va processual que não decorrer do Poder Legisla�vo federal apresentará 
vício de competência. 
Tal competência se mostra de extrema importância, tendo em vista a envergadura do 
objeto jurídico disciplinado. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1789) já entendia 
como essencial o direito à liberdade, admi�ndo sua supressão apenas mediante lei prévia que 
definisse o crime e o procedimento da prisão, ao discorrer que: “Ninguém poderá ser acusado, 
preso ou detido senão nos casos determinados pela lei

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