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Alegações Finais em Processo Criminal

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ... VARA DO JÚRI DA COMARCA DE ...
José, já qualificado nos autos do processo crime nº..., que lhe move a Justiça Pública, por seu advogado que esta subscreve, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência apresentar ALEGAÇÕES FINAIS SOB A FORMA DE MEMORIAIS, com fundamento nos artigos 403, §3º, c/c. artigo 411, §4º, c/c. artigo 394, §5º, todos do Código de Processo Penal, aduzindo a seguir seus fatos, fundamentos e pedidos.
DOS FATOS
Em breve síntese, conforme narrado na exordial acusatória oferecida pelo Parquet, José e Antônio possuíam um histórico de animosidade (em decorrência de débitos não adimplidos de Antônio a José, bem como a tentativa de Antônio de seduzir a esposa de José).
Esse atrito perdurou por um longe período. José, no ápice de sua indignação adquiriu uma arma de fogo com o objetivo fim de matar Antônio, quando o visse novamente. O denunciado comprou um revólver e munições, alimentou o armamento e guardou-o municiado, escondido embaixo de seu colchão. A esposa e o filho de José estavam sempre temerosos com ele, pois toda vez que este avistava Antônio, tinha o intento de agredi-lo.
Em dado momento, o filho de José encontrou a arma fortuitamente e acabou por desmuniciar o armamento, descartando todas as munições devolvendo o revólver já frio, ao local que estava guardado, sem contar ao seu genitor o que tinha feito. Decorrido dois dias dessa ação, José adentrou sua residência alterado, buscou pela arma de fogo e, com ela em mãos, saiu em direção de Antônio, apontou-a para a cabeça de seu desafeto e puxou várias vezes o gatilho, mas nenhum disparo foi deflagrado.
Logo em seguida, Antônio empreendeu em fuga e populares que viram a cena acionaram a Polícia, que prendeu José em flagrante delito classificando o fato como tentativa de homicídio. Antônio foi beneficiado pelo instituto da liberdade provisória e foi denunciado pelo Ministério Público com incurso nas sanções do art.121, caput, c/c art. 14, II, do Código Penal.
DO DIREITO
O pleito acusatório proposto pelo Parquet não merece guarida. Senão vejamos:
A uma, o art. 17 do Código Penal preconiza o seguinte: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”, ou seja, conforme o doutrinador Rogério Sanches Cunha[footnoteRef:1], nessa hipótese versada pelo Código Penal, o comportamento do agente é inapto à consumação do crime, quer em razão dos meios empregados, quer por falta do objeto material tratando-se, portanto, de crime impossível. [1: CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral. 10 ed. Rev. Ampl. E atual – São Paulo: JusPOVIVM, 2021. P. 487.] 
A duas, no caso em comento, é cristalino tratar-se de crime impossível, porquanto o meio utilizado, qual seja, a arma de fogo desmuniciada é dotada de ineficácia absoluta, mesmo que existente o dolo de consumação do fato, o resultado foi absolutamente impossível de ser alcançado, sendo uma tentativa inidônea. 
A três, conforme visto durante a instrução processual penal, o filho de José confirmou ter desmuniciado o armamento, bem como não ter contado ao seu pai tal ação, o que gerou o desconhecimento deste de que a arma de fogo seria incapaz de deflagar. 
Demais disso, ainda que demonstrada a inquestionável presença do animus necandi, conforme confissão do acusado e relatos de testemunhas, mesmo assim, o ato volitivo tornou-se impossível de ser consumado. O dolo exige representação real da ação típica, não bastando uma consciência potencial, ainda que não se exija uma representação refletida.
Melhor explicando, a tentativa, de acordo com o art. 14, inciso II, configura-se quando “iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.” Veja-se, não há que se falar em existência de tentativa, porquanto na tentativa idônea (este caso), o resultado é possível de ser alcançado (ainda que relativamente) ao passo que no crime impossível o resultado é absolutamente impossível de ser alcançado, sendo uma tentativa inidônea.
Aliás, calha ressaltar que o direito penal não se presta a punir intenções, mas sim ações verdadeiramente possíveis de afetar o bem jurídico tutelado, neste caso, a vida. A arma de fogo, em virtude da ação do filho de José, não poderia causar lesividade ao bem jurídico - vida - da vítima, por absoluta ineficácia do meio.
É inquestionável, portanto, a presença de fato penalmente atípico. Gize-se a missão fundamental do direito penal é tão somente proteger os bens jurídicos mais relevantes, nenhuma criminalização é legítima se não busca evitar a lesão ou perigo de lesão a um bem juridicamente determinado. Logo, não se pode incriminar pensamentos ou intenções. Nessa toada, ainda que no caso em tela o bem seja determinado, a lesão efetivamente não transcendeu a esfera de vontade do agente, pois o meio utilizado mostrou-se impossível de oferecer risco à vida ou a integridade física da vítima, aliás, sequer outro meio de execução foi aventado durante o fato, reforçando ainda mais a ideia de que a despeito da vontade do agente e da presença do animus necandi, o dolo de matar jamais seria satisfeito, uma vez que o meio utilizado é ineficaz de forma absoluta.
Reitere-se, se mostra devidamente apresentado a ocorrência de crime impossível, instituto com previsão legal no art. 17 do CP, uma vez que as medidas preventivas adotadas pelo filho do acusado impediram desde o início a realização da conduta típica, a qual, dada a ação exercida de esfriar o armamento, jamais se concretizaria.
De acordo com o princípio da lesividade penal, para que exista um delito, não basta tão-somente que este encontre-se previsto em lei e tenha reprimenda punitiva. Se faz necessário que tal fato represente efetivamente, ao menos ameaça de lesão ao bem jurídico que a norma procura proteger, o que não ocorreu no caso em comento, a muito porque a arma desmuniciada jamais geraria perigo, pois não teria como deflagar sem munição na câmera.
DO PEDIDO
ANTE AO EXPOSTO, a defesa que abaixo subscreve REQUER a ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA de JOSÉ SOBRENOME XXX, nos termos do artigo 415, inciso III, do Código de Processo Penal, diante da evidente atipicidade da conduta provida de crime impossível. 
Nestes termos, 
Pede e espera deferimento. 
Local, data Advogado... 
OAB nº...

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