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Unidade I Fisiologia celular Fisiologia Humana Diretor Executivo DAVID LIRA STEPHEN BARROS Gerente Editorial ALESSANDRA VANESSA FERREIRA DOS SANTOS Projeto Gráfico TIAGO DA ROCHA Autoria ANNA GABRIELLE GOMES COUTINHO AUTORIA Anna Gabrielle Gomes Coutinho Olá. Sou bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Paraná. Fiz meu mestrado e meu doutorado em Fisiologia, também pela Universidade Federal do Paraná. Durante o Mestrado, trabalhei com cultivo de células renais, pesquisando o efeito de um antibiótico causador de nefrotoxicidade, a gentamicina. No Doutorado, também trabalhando com células renais, pesquisei as vias de sinalização intracelulares envolvidas na formação de cálculos renais. Pela mesma Universidade, atuei como professora substituta no Departamento de Fisiologia por três anos. Por isso, fui convidada pela Editora Telesapiens a integrar seu elenco de autores independentes. Estou muito feliz em poder ajudar você nesta fase de muito estudo e trabalho. Conte comigo! ICONOGRÁFICOS Olá. Esses ícones irão aparecer em sua trilha de aprendizagem toda vez que: OBJETIVO: para o início do desenvolvimento de uma nova competência; DEFINIÇÃO: houver necessidade de apresentar um novo conceito; NOTA: quando necessárias observações ou complementações para o seu conhecimento; IMPORTANTE: as observações escritas tiveram que ser priorizadas para você; EXPLICANDO MELHOR: algo precisa ser melhor explicado ou detalhado; VOCÊ SABIA? curiosidades e indagações lúdicas sobre o tema em estudo, se forem necessárias; SAIBA MAIS: textos, referências bibliográficas e links para aprofundamento do seu conhecimento; REFLITA: se houver a necessidade de chamar a atenção sobre algo a ser refletido ou discutido; ACESSE: se for preciso acessar um ou mais sites para fazer download, assistir vídeos, ler textos, ouvir podcast; RESUMINDO: quando for preciso fazer um resumo acumulativo das últimas abordagens; ATIVIDADES: quando alguma atividade de autoaprendizagem for aplicada; TESTANDO: quando uma competência for concluída e questões forem explicadas; SUMÁRIO Principais objetivos de estudo da fisiologia humana .................. 10 Introdução à Fisiologia Humana .......................................................................................... 10 A história da Fisiologia ............................................................................................... 11 Os líquidos corporais e o meio interno ........................................................ 15 A homeostasia corporal .............................................................................................................. 17 Como ocorre a homeostasia? ............................................................................. 18 Composição das membranas plasmáticas das células .............. 25 Célula comum e célula excitável ......................................................... 41 Contração das células musculares esqueléticas, cardíacas e lisas ................................................................................................................... 55 A estrutura das fibras musculares ......................................................................................55 As fibras musculares esqueléticas .................................................................................... 56 7 UNIDADE 01 Fisiologia Humana 8 INTRODUÇÃO Este capítulo foi elaborado com o objetivo maior de motivar o aluno no aprendizado do funcionamento do corpo humano, desde a sua unidade básica, que é a célula, até os sistemas mais complexos. Estudar a Fisiologia significa compreender como ocorrem situações do nosso dia a dia, por exemplo, por que sentimos fome e sede; por que nosso coração dispara quando estamos em uma situação de perigo ou fazendo atividade física; por que temos dificuldade de respirar em elevadas altitudes; por que a ingestão de algumas substâncias como álcool e cafeína nos faz urinar mais vezes; por que ficamos tontos ao levantar rapidamente; e várias inúmeras outras situações. A Fisiologia está em constante evolução e à medida que novas pesquisas ampliam o nosso conhecimento, novas descobertas são realizadas. Isto torna a Fisiologia uma ciência bastante instigante. Entendeu? Ao longo desta unidade letiva, você vai mergulhar neste universo! Fisiologia Humana 9 OBJETIVOS Olá. Seja muito bem-vindo à Unidade 1 – Fisiologia celular. Nosso objetivo é auxiliar você no desenvolvimento dos seguintes objetivos de aprendizagem até o término desta etapa de estudos: 1. Explicar o que é a Fisiologia Humana e quais os seus principais objetivos de estudo. 2. Identificar a composição das membranas plasmáticas das células e quais os tipos de transporte que ocorrem através dela. 3. Interpretar como as células denominadas excitáveis comunicam- se por meio da geração de potenciais de ação e das sinapses. 4. Explicar os fenômenos que levam à contração das células musculares esqueléticas, cardíacas e lisas. Então? Preparado para uma viagem sem volta rumo ao conhecimento? Ao trabalho! Fisiologia Humana 10 Principais objetivos de estudo da fisiologia humana OBJETIVO: Neste capítulo, vamos entender o que a Fisiologia Humana estuda. Para tanto, estudaremos um pouco da história desta ciência, fundamental para o entendimento de como esta área do conhecimento chegou a seus principais objetivos de estudo. E então? Motivado para desenvolver esta competência? Então, vamos lá! Introdução à Fisiologia Humana DEFINIÇÃO: A Fisiologia Humana é a ciência que estuda o funcionamento das células e dos sistemas dos seres humanos. O termo grego “phýsis” significa “tudo que existe” e “logia” significa “estudo”. O objetivo da Fisiologia, portanto, é estudar desde a função de uma única célula, até a integração dos diferentes sistemas. Uma única célula é uma unidade bastante complexa e dinâmica. EXEMPLO: O tempo todo íons atravessam a membrana plasmática de uma célula em direção ao meio intracelular e ao extracelular, por meio de estruturas denominadas proteínas transmembrana. Este trânsito de íons gera uma diferença de carga elétrica pela da membrana, o que interfere diretamente nas funções celulares. Porém, as células não estão isoladas e se comunicam com células vizinhas ou mesmo com as que estão localizadas em tecidos distantes. Cabe à Fisiologia entender como tais mecanismos acontecem e como são regulados, em diferentes níveis de organização celular. Também é possível explicar várias situações do nosso dia a dia utilizando a Fisiologia. Fisiologia Humana 11 REFLITA: Já parou para pensar por que e como sentimos sede? Esse estado é consequência de um baixo volume do líquido extracelular, aquele que se encontra fora de nossas células (sangue e líquido intersticial). Em uma região específica do sistema nervoso central, o hipotálamo, conseguimos “aferir” tal volume e a partir disso, algumas alterações fisiológicas e comportamentais acontecem no nosso corpo, como o desencadeamento da sensação de sede, fazendo com que busquemos ingerir líquido, e a liberação de hormônios que irão promover uma menor perda de água pelo corpo. Dessa forma, é impossível falar de Fisiologia sem relacioná-la à saúde humana. Muitos estados patológicos ocorrem justamente por um desequilíbrio na fisiologia. Uma fisiopatologia pode ocorrer por diferentes motivos. EXEMPLO: O desequilíbrio de determinados neurotransmissores em nosso sistema nervoso pode levar a estados patológicos como depressão e ansiedade. Para um profissional da área da saúde poder avaliar, diagnosticar e tratar uma doença como a depressão, ele precisa conhecer os mecanismos básicos do funcionamento do nosso corpo. Note que com os exemplos citados até agora fica fácil perceber que a Fisiologia caminha junto com várias outras ciências, como Patologia, Anatomia,Biologia Celular, Bioquímica, Farmacologia, entre outras. A história da Fisiologia O estudo da história da Fisiologia merece destaque. Mas por que estudar a história dessa área do conhecimento? Fisiologia Humana 12 EXPLICANDO MELHOR: Todos conhecem ou já ouviram falar dos físicos Galileu e Newton e dos químicos Boyle e Lavoisier. Dentro da Biologia, nomes como Watson e Crick e Darwin são bem conhecidos. Mas grandes nomes da Fisiologia como William Harvey e Claude Bernard não nos são tão familiares, por isso a importância de se estudar a história da Fisiologia. Na verdade, o passado desta ciência muitas vezes é negligenciado. Mas isto é um erro, pois a Fisiologia é uma ciência tão antiga como a Física e a Química, além de ser uma história interessante e muito instigante. Apesar de a história da Fisiologia ter início na Grécia Antiga, destacaremos aqui os papeis de dois grandes colaboradores para o desenvolvimento de tal ciência. William Harvey, nascido no século XVI (1578-1657), derrubou alguns conceitos errôneos que perduraram por muitos anos dentro da Fisiologia. A teoria da circulação sanguínea proposta por Harvey depôs o núcleo central da Fisiologia de Cláudio Galeno, o qual afirmava que o lado direito do coração recebia sangue venoso produzido no fígado a partir dos alimentos vindos dos intestinos. Já a parte esquerda do coração recebia o chamado espírito vital, absorvido nos pulmões. Uma parte do sangue venoso atravessaria o septo intraventricular através de pequenos canalículos em direção ao ventrículo esquerdo, para se misturar ao espírito vital, se tornar sangue arterial e então ser distribuído para o organismo. Harvey realizou uma série de observações e experimentos com animais e pacientes, por mais de vinte anos. Ele observou que ao segurarmos um coração com as mãos ele enrijece ao funcionar, da mesma forma como acontece com um músculo do braço por exemplo. Ou seja, o coração é um músculo que exerce sua atividade de bombeamento do sangue através da contração muscular. Harvey também concluiu que seria impossível o sangue atravessar o septo cardíaco, como afirmava Galeno, por dois motivos: pela própria espessura do septo intraventricular e pelo fato de os dois ventrículos contraírem-se ao mesmo tempo, o que não provoca pressão suficiente para que ocorra o movimento do sangue de Fisiologia Humana 13 um ventrículo para o outro. Em relação à afirmação de Galeno de que o sangue seria produzido no fígado, Harvey demonstrou que seria impossível isso ocorrer. Multiplicando a quantidade de sangue ejetada do ventrículo esquerdo a cada contração pelo número de contrações cardíacas por minuto, ele constatou que a quantidade de sangue que passa pelo coração em uma hora é muito superior ao peso do ser humano. Teríamos que comer uma quantidade muito grande de alimentos para produzirmos todo esse sangue. Dessa forma, Harvey concluiu que o sangue circula ao invés de ser produzido no fígado e é impulsionado para o organismo pelos movimentos de contração muscular do coração, o qual atua como uma bomba. Além disso, Harvey fez experimentos com o uso de torniquetes, os quais comprovaram o papel das válvulas venosas, presentes nas veias e nos vasos linfáticos, que é impedir o retorno do sangue para o sentido contrário do fluxo. ACESSE: Assista ao vídeo Coração-bomba: que história é essa? Ele traz aspectos históricos da gênese da analogia coração- bomba. Acesse clicando aqui. Claude Bernard, nascido no século XIX (1813-1878), é o fundador da Fisiologia moderna. A primeira constatação de Bernard foi a de que existem fenômenos que ocorrem nos organismos vivos que não ocorrem nos corpos inanimados. Antes de Bernard, parecia haver um abismo muito grande entre o mundo da Física e da Biologia. Achava-se impossível explicar alguns eventos biológicos. Em sua obra Crítica do juízo, Immanuel Kant (1790, [s. p.]) afirma que o ser humano jamais seria capaz de conhecer suficientemente os seres vivos a ponto de explicá-los: “[...] e isso é tão certo que podemos ter a ousadia de dizer que é absurdo para os homens se entregarem a tal projeto, ou esperar que possa nascer um dia algum Newton que faça compreender a simples produção de um ramo de erva” Mas Bernard afirmou que, além das leis da Física, existem as leis fisiológicas, as quais cabem aos fisiologistas desvendar. Fisiologia Humana https://www.youtube.com/watch?v=zZ4CWSUMu7o&t=10s 14 IMPORTANTE: Não quer dizer que a vida não dependa de fenômenos físico-químicos, mas sim que ela não se limita a eles. Ao buscar o que é próprio da Fisiologia, Bernard (1962) afirma que essa deveria tornar-se uma disciplina autônoma, independente da anatomia. Bernard não concebe mais a Fisiologia como uma simples extensão da anatomia. Ao contrário disso, ele afirma que em vez de proceder do órgão para a função, o fisiologista deve partir do acontecimento fisiológico e procurar sua explicação no organismo. Isto significa provocar a ocorrência do fenômeno em laboratório e observar o que está acontecendo. Segundo ele, experimentação é observação provocada. Assim, Bernard determinou que o lugar de um fisiologista é dentro de um laboratório, onde ele realizou muitas descobertas fundamentais, dentre elas a participação do pâncreas no processo de digestão e a função glicogênica do fígado. Mas, o que realmente determinou Bernard como fundador da Fisiologia moderna foi a sua teoria do meio interno. DEFINIÇÃO: Creio ter sido o primeiro a insistir nessa ideia de que para o animal há realmente dois meios: um meio externo no qual está colocado o organismo e um meio interno (milieu intérieur), no qual vivem os elementos dos tecidos. A existência do ser se dá não no meio externo, o ar atmosférico para o ser aéreo, a água doce ou salgada para os animais aquáticos, mas no meio líquido interno formado pelo líquido orgânico circulante que envolve e banha todos os elementos anatômicos dos tecidos (BERNARD, 1964, [s. p.]). Para Bernard (1964), vários elementos no meio interno trabalham para garantir sua manutenção, como se fosse uma pequena sociedade trabalhando em conjunto. A partir daí, explicar os fenômenos que regem o meio interno passou a ser o principal objetivo de um fisiologista. Pois é Fisiologia Humana 15 no meio interno que estão imersas todas as células do organismo, o que corresponde, nos mamíferos, ao líquido extracelular (LEC). Os líquidos corporais e o meio interno Os líquidos corporais existem em dois principais compartimentos: intracelular (LIC) e extracelular (LEC). NOTA: Não confunda meio interno, formado pelo LEC, com o líquido intracelular (LIC). O meio interno corresponde ao LEC, ao líquido que banha os tecidos. Já o LIC é o líquido que está dentro das células, com composição e concentrações iônicas totalmente distintas da do LEC. O líquido intracelular está contido no interior de todas as células do corpo e corresponde a cerca de 67% de todo o líquido corporal. Os outros 33% correspondem ao líquido presente no sangue e nos espaços que circundam as células (interstício), e é chamado de líquido extracelular, ou seja, que está fora das células. Quando falamos em meio interno estamos nos referindo ao LEC. Este líquido é formado por diferentes íons como sódio (Na+), cloreto (Cl- ), bicarbonato (HCO3 -), cálcio (Ca2+), potássio (K+) e outros, em diferentes concentrações. Poucas células do corpo são capazes de trocar material com o meio externo do organismo. A maioria das células está em contato com o LEC, ou seja, com o meio interno. Por isso, controlar a composição do meio interno é tão importante para o funcionamento correto das funções básicas do nosso organismo. Fisiologia Humana 16 Figura 1 – A maior parte de nossas células está em contato apenas com o meio interno Poucas células no corpo são capazes de trocas material com o meio externo do organismo. A maioriadas células está em contato com o meio interno do corpo, composto de líquido extracelular. Fonte: Silverthorn (2017). Para que o nosso organismo consiga funcionar adequadamente, ele necessita controlar uma série de propriedades do LEC: concentração dos íons, volume, pH, pressão, temperatura e outras. EXEMPLO: O aumento ou a diminuição da concentração do íon hidrogênio (H+), altera o pH do LEC. Como consequência, várias enzimas deixam de exercer sua função catalisadora, isto é, perdem a capacidade de acelerar as reações químicas que ocorrem o tempo todo em nosso corpo. Por razões como esta é necessário que sejam permitidas apenas pequenas alterações do meio interno. A manutenção das condições constantes do meio interno é chamada de homeostase ou homeostasia. Fisiologia Humana 17 A homeostasia corporal Em 1929, Walter Bradford Cannon, propôs a existência do termo homeostase, que seria justamente a capacidade do organismo em manter a estabilidade do meio interno. Figura 2 – Homeostasia corporal Fonte: Pixabay. Para tanto, o sistema respiratório mantém as concentrações ideais de oxigênio e gás carbônico do meio interno. Os rins mantêm os níveis adequados de íons e água, além de eliminar substâncias tóxicas que podem danificar as atividades corporais. O sistema digestório faz a quebra de macromoléculas, absorve os nutrientes necessários para as funções celulares básicas e elimina resíduos. O sistema circulatório garante que nutrientes e oxigênio cheguem rapidamente as nossas células, e que restos metabólicos deixem os nossos tecidos. O sistema reprodutor prepara o corpo para o ato sexual e para a formação e desenvolvimento do feto. Fisiologia Humana 18 O sistema nervoso regula e coordena muitas atividades no corpo, como a detecção e resposta a mudanças nos ambientes interno e externo; estados de consciência, aprendizado, memória, emoção, dentre outras. O sistema endócrino, assim como o nervoso, também regula e coordena inúmeras atividades, como o crescimento, reprodução, pressão arterial, equilíbrio hidroeletrolítico e outros. O sistema musculoesquelético dá suporte, proteção e movimento ao corpo, além da produção de células sanguíneas. O sistema linfático faz a coleta do líquido extracelular para ser “devolvido” ao sangue; participa das defesas imunológicas e faz a absorção de gorduras a partir do sistema digestório. O sistema imunológico faz a defesa contra os patógenos. O sistema tegumentar faz a proteção contra possíveis lesões, contra a entrada de patógenos e contra a desidratação; além de regular a temperatura corporal. Como ocorre a homeostasia? Já entendemos que o meio interno deve ser controlado para que as principais funções do organismo não sejam prejudicadas e que isso acontece através da homeostasia. Mas, como ocorre a homeostase? As atividades das células, tecidos e órgãos têm de ser reguladas e integradas umas às outras de tal forma que uma mudança no LEC inicie uma reação para corrigi-las. Os mecanismos compensatórios que medeiam tais respostas são executados pelos sistemas de controle homeostáticos, sendo o principal o sistema de retroalimentação negativa. Em um sistema de retroalimentação negativa, também chamado de feedback negativo, um aumento ou uma redução da variável em questão a ser regulada traz respostas que tendem a mover a variável no sentido oposto ao da mudança original. Temos então uma alça de resposta ao estímulo inicial, ou uma alça de retroalimentação negativa. A maioria das funções controladas homeostaticamente possui um ponto de ajuste, o chamado set point. Assim, a alça de resposta que controla a função é Fisiologia Humana 19 ativada quando a função se move para fora de uma faixa normal pré- determinada. EXPLICANDO MELHOR: Imagine uma linha reta em um gráfico, e que essa linha representa o valor 10 no eixo y. Esse valor é o nosso set point. No eixo x temos o decorrer do tempo. No início do gráfico, a linha mantém-se reta. Porém, com o passar do tempo, ela começa a se locomover para baixo, distanciando-se do valor 10. É nesse momento que a alça de retroalimentação negativa é ligada, elevando novamente a linha para o valor 10. Se a linha ultrapassar muito o valor 10, a alça de resposta é desligada, e a linha volta a cair para próximo do número 10. E assim sucessivamente. Perceba que na explicação acima não utilizamos nenhuma variável específica como pH ou temperatura. Esta explicação serviu apenas para você entender que as variações em torno de um ponto de ajuste, o set point, é que são capazes de ligar e desligar as alças de retroalimentação negativa. Antes de utilizar uma variável biológica para explicar o funcionamento do feedback negativo, veremos mais um exemplo não biológico. Nessa situação introduziremos alguns termos importantes quando se fala em controle por retroalimentação, os quais estão destacados em negrito. EXEMPLO: Vamos pensar em um aquário, no qual a temperatura ideal para vida dos peixes deva ficar em torno de 29 a 31 °C. Quando a temperatura da água cai para valores abaixo de 29 °C, temos o estímulo para iniciar nossa alça de retroalimentação. Dentro de uma alça de resposta, existem alguns componentes além do estímulo e da resposta final. O estímulo, que aqui é a queda da temperatura, ativa um sensor que possui um termômetro, sendo esse o receptor do estímulo. Para que algum comando seja executado, esse sinal recebido deve chegar a um centro integrador, passando por uma via aferente, que no nosso exemplo é um cabo que leva o sinal do sensor ao centro integrador. O centro integrador em nosso exemplo é uma caixa de controle de temperatura. Esta caixa está conectada, através de outro cabo, a um Fisiologia Humana 20 aquecedor. Este cabo representa a via eferente, que leva um sinal (liga o aquecedor) do centro integrador para um alvo, gerando uma resposta final. A ligação do aquecedor irá fazer a temperatura do aquário aumentar, reestabelecendo a faixa ideal de temperatura entre 29 e 31 °C. Quando a temperatura ultrapassar os 31 °C, a alça de resposta é desligada e, com o tempo, a temperatura começa a cair novamente. Percebam que a retroalimentação negativa funciona ligando e desligando as alças de resposta consecutivamente, tudo para manter uma determinada variável próxima ao ponto de ajuste. Agora, vamos partir para um exemplo fisiológico, utilizando a variável temperatura. Um sistema de controle homeostático mantém a temperatura corporal quando a temperatura ambiente cai. Somos animais homeotérmicos e necessitamos que a temperatura interna se mantenha relativamente constante, mesmo com as variações ambientais. Assim como acontece no exemplo do aquário, o estímulo inicial para a ativação da alça de retroalimentação é a queda da temperatura ambiente. A queda da temperatura leva a uma maior perda de calor pelo corpo, diminuindo a temperatura corporal. Os receptores que captam tal queda são terminações nervosas sensíveis à temperatura, os termorreceptores. A via aferente que leva esta informação ao centro integrador são fibras nervosas sensoriais. O centro integrador é o sistema nervoso central (SNC), no qual células nervosas específicas do cérebro geram diferentes sinais, que são enviados por outras fibras nervosas que compõem a via eferente, gerando respostas que irão diminuir a perda de calor e também aumentar a produção de calor pelo corpo. A diminuição da perda de calor acontece porque as fibras da via eferente promovem constrição da musculatura lisa dos vasos sanguíneos, diminuindo a troca de calor com o ambiente. Já o aumento da produção de calor se dá pelo aumento da contração da musculatura esquelética, o que provoca os tremores e aumenta a temperatura corporal. Além dos efeitos sobre a musculatura, o sistema nervoso central modifica nosso comportamento. Faz com que procuremos entrar em um local aquecido,Fisiologia Humana 21 encolher os ombros, fechar os braços em volta do corpo, abraçar alguém, vestir uma blusa etc. Sem a retroalimentação negativa, oscilações como as descritas anteriormente seriam muito maiores, prejudicando muito a atividade metabólica de células e tecidos. TESTANDO: Tente identificar os componentes que estão em negrito em nosso modelo de retroalimentação do aquário no exemplo acima do controle da temperatura corporal. Por exemplo: o estímulo é a queda da temperatura ambiente; os receptores do estímulo são os termorreceptores; e assim por diante. Quando falamos em retroalimentação negativa, você chegou a pensar na existência de uma retroalimentação positiva? Porque, de fato, ela existe. Apesar de o feedback positivo não ser considerado homeostático e, portanto, não contribuir para a manutenção das características do meio interno, é importante vocês entenderem o que difere a retroalimentação positiva da negativa. A retroalimentação positiva acelera um processo, ou seja, o estímulo gera uma resposta que aumenta mais ainda esse estímulo, ao invés de cessá-lo como ocorre no feedback negativo. O exemplo mais famoso de feedback positivo é o que ocorre durante o trabalho de parto. Os estímulos são a contração dos músculos uterinos e o estiramento do colo do útero quando o bebê se encaixa, o que estimula a liberação de ocitocina pela neuro-hipófise no SNC. A ocitocina é um hormônio que aumenta a contração uterina, empurrando mais ainda a cabeça do feto em direção ao colo do útero. Quanto mais a musculatura uterina se contrai, mais ocitocina é liberada na corrente sanguínea. Este ciclo continua se repetindo até que, finalmente, o feto força caminho pelo colo uterino esticado e nasce. Fisiologia Humana 22 Figura 3 – O trabalho de parto é um exemplo de feedback positivo, o qual não contribui para a manutenção do meio interno e da homeostasia Fonte: Pixabay. Perceba que é necessário ocorrer um evento externo, no caso aqui o nascimento do bebê, para que o circuito de retroalimentação positiva seja interrompido. É claro que esta alça também é importante para o organismo, pois sem ela o trabalho de parto se prolongaria por mais tempo. Porém, enquanto o feedback negativo proporciona estabilidade ao organismo, o positivo apenas acelera a conclusão de um processo, o que faz com que o último não seja considerado uma forma de manutenção do meio interno. SAIBA MAIS: Quer se aprofundar na importância da ocitocina no momento do parto? Recomendamos a leitura do artigo Ocitocina sintética e a aceleração do parto: reflexões sobre a síntese e o início do uso da ocitocina em obstetrícia no Brasil, disponível aqui . Fisiologia Humana http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v25n4/0104-5970-hcsm-25-04-0979.pdf 23 Componentes dos sistemas de controle homeostático O sistema termorregulador que usamos como exemplo e muitos outros sistemas de controle homeostático pertencem a uma categoria geral de sequências de estímulo-resposta conhecidas como reflexos. DEFINIÇÃO: Um reflexo é uma resposta específica, involuntária, não premeditada, própria de um estímulo particular. Os exemplos típicos de reflexos mais conhecidos incluem afastar a mão de um objeto quente ou fechar os olhos quando um objeto se aproxima rapidamente do rosto. Mas, além dos reflexos, outro grupo de respostas biológicas, chamado de respostas homeostáticas locais, é fundamental para a homeostasia. Estas respostas também são iniciadas por um estímulo, mas induzem uma alteração diretamente na atividade da célula com o efeito geral de neutralizar o estímulo, ou seja, da mesma forma como ocorre em um reflexo, uma resposta local é o resultado de uma sequência de eventos precedentes de um estímulo. Todavia, a sequência completa ocorre apenas na área do estímulo. Quando as células de um tecido qualquer se tornam metabolicamente muito ativas, elas secretam substâncias para o líquido intersticial que dilatam os vasos sanguíneos locais. Como consequência, há o aumento do aporte sanguíneo no local, o que faz com que mais nutrientes e oxigênio cheguem ao local e que o excesso dos restos metabólicos seja mais rapidamente levado embora. Fisiologia Humana 24 RESUMINDO: E então? Gostou do que lhe mostramos? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir o que vimos. Você deve ter aprendido que a Fisiologia estuda desde a função de uma única célula até a função dos diferentes sistemas do organismo. Esperamos que tenha percebido que o estudo da história da Fisiologia é fundamental assim como é o estudo da história da Química e da Física, já que alguns pesquisadores fizeram descobertas fundamentais para entendermos qual o papel principal da Fisiologia. Esta ciência tem como principal objetivo entender como nosso corpo trabalha para garantir o controle de diferentes variáveis como temperatura, concentração iônica, pressão e outras. O controle dessas variáveis se dá pela manutenção das características do líquido extracelular (meio interno), o que é realizado pela homeostasia. A principal forma de garantir a homeostase se dá por meio das alças de retroalimentação negativa, na qual um determinado estímulo gera uma resposta que vai fazer com que uma variável modificada volte a ficar em torno de um ponto de ajuste. Vimos também que existe a retroalimentação positiva, mas que esse não é considerado um processo fisiológico, visto que apenas acelera uma reação e não contribui para a manutenção das características do meio interno. Por último, aprendemos que os processos homeostáticos se dão via reflexos ou via respostas locais. Fisiologia Humana 25 Composição das membranas plasmáticas das células OBJETIVO: Neste capítulo, estudaremos os principais componentes de uma membrana plasmática e de que forma tal composição afeta as funções celulares. Além do mais, entenderemos de que maneira os componentes da membrana determinam os tipos de transporte de água e solutos que ocorrem através dela. A membrana plasmática Existe uma diferença na composição do líquido extracelular e do líquido intracelular. O LEC contém grande quantidade de sódio, mas uma pequena quantidade de potássio. O oposto ocorre no LIC. O LEC contém também grande quantidade do íon cloreto, enquanto o LIC possui pouca quantidade desse íon. Porém, as concentrações de fosfato e de proteínas no LIC são consideravelmente maiores que fora da célula. Tais diferenças de concentrações são fundamentais para a vida da célula. O propósito agora é explicar como essas diferenças são produzidas pelos mecanismos de transporte pelas das membranas celulares. Mas, primeiramente veremos as principais características da membrana plasmática de uma célula, para depois estudarmos os principais tipos de transporte que ocorrem por meio dela. Fisiologia Humana 26 DEFINIÇÃO: A membrana celular (também chamada de membrana plasmática) envolve a célula e é uma estrutura fina, flexível e elástica, com uma espessura que varia entre 7,5 e 10 nanômetros. É composta quase que totalmente por lipídios e proteínas. A composição aproximada é de: 55% proteínas, 42% lipídios e 3% carboidratos. A membrana plasmática consiste em uma bicamada lipídica, contendo grande número de estruturas proteicas inseridas nela. Figura 4 – Membrana plasmática Fonte: Wikimedia Commons. A membrana plasmática é formada por proteínas, carboidratos e lipídios. A dupla camada lipídica é composta por três tipos principais de lipídios: fosfolipídios, esfingolipídios e colesterol. Os fosfolipídios são os lipídios mais abundantes da membrana celular. Uma extremidade da molécula do fosfolipídio, formada de fosfato, é solúvel em água (hidrofílica). A outra parte, composta por ácido graxo, é solúvel apenas em lipídios (hidrofóbica). Devido a tal característica predominantemente lipídica, a membrana plasmáticaé impermeável às substâncias hidrossolúveis comuns, como íons, glicose e ureia. Já as substâncias lipossolúveis, como oxigênio, dióxido de carbono e álcool, podem atravessar a membrana facilmente. Fisiologia Humana 27 Os esfingolipídios também têm grupos hidrofóbicos e hidrofílicos e estão presentes em pequenas quantidades nas membranas das células. Acredita-se que possuam funções como proteção contra fatores ambientais prejudiciais e servirem como sítio de adesão para proteínas extracelulares. As moléculas de colesterol estão dissolvidas na bicamada de fosfolipídios, e contribuem determinando o grau de permeabilidade da membrana, ou seja, regula a sua fluidez. O colesterol enrijece a bicamada, torna-a menos fluida e dificulta a passagem de pequenas moléculas hidrossolúveis. VOCÊ SABIA? O colesterol parece apenas causar malefícios a nossa saúde, não é mesmo? Mas ele tem funções essenciais para o organismo como fazer parte da composição das membranas celulares e servir como precursor na formação de alguns hormônios. Por isso, o colesterol não pode ser retirado totalmente da alimentação. As proteínas que compõem as membranas celulares são glicoproteínas, sendo de dois tipos: proteínas integrantes, as quais atravessam toda a membrana; e proteínas periféricas, as quais estão ligadas à superfície da membrana, mas não a penetram. As proteínas integrantes podem ser canais (também chamadas de poros), carreadoras ou atuar como receptoras. Por meio dos canais, moléculas de água e substâncias hidrossolúveis, principalmente os íons, podem se difundir entre os líquidos intracelular e extracelular. Esses canais apresentam propriedades seletivas, permitindo a difusão preferencial de algumas substâncias em relação a outras. O transporte que ocorre pelas proteínas canais é sempre a favor do gradiente de concentração da substância em questão, não havendo, dessa forma, gasto energético (quebra de adenosina trifosfato – ATP). Fisiologia Humana 28 NOTA: As moléculas hidrossolúveis conseguem atravessar os poros porque no seu interior existem aminoácidos polares, o que permite a passagem das substâncias hidrossolúveis. As proteínas carreadoras transportam solutos que não conseguem penetrar a membrana e, por vezes, tal transporte pode se dar na direção oposta à dos seus gradientes eletroquímicos para a difusão, com gasto energético. Quando a substância se liga no carreador promove uma alteração conformacional na proteína, que consegue então transportar o soluto em questão por meio da célula. Algumas proteínas integrantes também podem atuar como receptores para substâncias químicas hidrossolúveis, tais como hormônios peptídeos, que não penetram com facilidade a membrana plasmática. Quando um ligante específico se liga ao seu receptor causa alterações estruturais na proteína receptora. Por sua vez, esse processo estimula a atividade enzimática da parte intracelular da proteína ou induz interações entre o receptor e as proteínas do citoplasma que agem como segundo mensageiros, transmitindo um sinal da parte extracelular do receptor para o interior da célula. As proteínas periféricas estão, muitas vezes, ligadas às proteínas integrantes, funcionando quase sempre como enzimas ou como controladoras do transporte de substâncias pelas proteínas canais. Fisiologia Humana 29 IMPORTANTE: Veja que a atividade das proteínas da membrana e a natureza lipídica da membrana plasmática são as responsáveis pela diferença da composição do líquido intracelular e extracelular, visto que delimitam e controlam a passagem de íons e outras moléculas. Portanto, as próprias características da membrana plasmática contribuem para a manutenção do meio interno, já que tais diferenças na composição do LEC e do LIC são fundamentais para a atividade das células. Os carboidratos na membrana normalmente encontram- se combinados às proteínas ou lipídios, na forma de glicoproteínas ou glicolipídios. Toda a superfície externa da célula, em geral, é revestida por carboidratos, os quais formam uma estrutura chamada glicocálice. Esta estrutura tem algumas diferentes funções, dentre elas: repelir ânions, já que oferece uma carga negativa à superfície celular; fixar uma célula a outra; agir como receptor para a ligação de alguns hormônios, como é o caso da insulina; e participar de reações imunes. O transporte através das membranas Em relação ao gasto energético, podemos classificar o transporte pela membrana celular em transporte passivo e transporte ativo. O transporte passivo O transporte passivo pode ocorrer por difusão simples, por difusão facilitada ou por osmose. Em todos esses casos não há gasto de ATP, pois ocorre sempre a favor do gradiente de concentração da molécula, isto é, a molécula atravessa a membrana do lado em que se encontra em maior concentração para o lado em que se encontra em menor concentração. REVISANDO: Primeiramente, temos que relembrar algumas características físicas das moléculas, seja em meio sólido, líquido ou gasoso. Uma das características fundamentais é que elas se encontram Fisiologia Humana 30 em um estado contínuo de movimento ou vibração. A energia para a ocorrência desse movimento vem do calor, sendo que quanto mais quente está uma substância, mais rápido é o movimento de suas moléculas. Essas moléculas em movimento ficam colidindo umas com as outras o tempo todo, sofrendo milhões de colisões a cada segundo. Como as colisões alteram a direção do movimento das moléculas, o seu trajeto acaba tornando-se imprevisível, sem direção preferida de movimento. Dessa forma, em uma solução na qual um determinado soluto está mais concentrado em uma região do que em outra, o movimento térmico aleatório irá redistribuir o soluto das regiões de maior concentração para regiões de menor concentração, até que o soluto tenha uma distribuição uniforme em toda a solução. Esse movimento de moléculas de um local para outro exclusivamente como resultado do seu movimento térmico aleatório é conhecido como difusão simples. EXEMPLO: Quando espirramos um perfume em um canto de uma sala, em alguns segundos o cheiro alcança o lado oposto do ambiente, como resultado da colisão entre as partículas do perfume. Este mesmo tipo de transporte e, seguindo o mesmo princípio, ocorre nas membranas biológicas. Portanto, a difusão simples é um transporte por meio da membrana, não mediado por proteínas e que não exige gasto energético. Isto é, não é necessário que nada auxilie na passagem da molécula de um lado a outro da membrana, pois ela apenas irá seguir seu fluxo do local onde está mais concentrada para o local onde está menos concentrada. Se não houver nenhum impedimento, as moléculas difundem até atingir o equilíbrio entre os dois lados da membrana. Na difusão simples as moléculas atravessam a membrana sem a necessidade de nenhum auxílio, apenas por diferença de concentração. Veja a seguir. Fisiologia Humana 31 Figura 5 – Difusão simples concentração de soluto maior em um lado da membrana o soluto se moverá através da membrana em direção a uma concentração mais baixa uma vez alcançado o equilíbrio, o soluto se move em ambas as direções Fonte: Telesapiens. Muitos processos nos organismos vivos estão associados à difusão simples. Gases como o oxigênio e o dióxido de carbono são transportados entre uma célula e os capilares sanguíneos dessa forma. Além dos gases, substâncias de caráter lipídico como alguns hormônios também atravessam a membrana por difusão simples. Dessa maneira, a difusão simples constitui um dos mecanismos fundamentais pelos quais as células mantêm a homeostasia. Em sua maioria, as moléculas do corpo são lipofóbicas ou são eletricamente carregadas e, por isso, não conseguem atravessar a membrana por difusão simples, necessitando de um auxílio. A difusão facilitada também é um transporte que ocorre afavor do gradiente de concentração, porém mediado por uma proteína de membrana. Tal transporte mediado pode ocorrer pelo auxílio de proteínas canais ou carreadoras. EXEMPLO: Podemos utilizar o transporte de glicose como um exemplo de difusão facilitada, no qual a proteína carreadora chamada glut transporta a glicose de uma área de alta concentração para outra de baixa concentração. Sua passagem é mediada por uma proteína carreadora. Fisiologia Humana 32 Figura 6 – Transporte de glicose Glicose Fonte: Telesapiens. O terceiro tipo de transporte passivo que ocorre pela membrana é a osmose. A osmose é definida como um transporte passivo no qual ocorre o movimento da água (e não do soluto) por uma membrana, mas em resposta ao gradiente de concentração de um soluto. Na osmose, a água move-se para diluir a solução mais concentrada, ou seja, assim como na difusão, é preciso haver uma diferença de concentração para produção de um fluxo efetivo. REFLITA: Como pode uma diferença na concentração de água ser estabelecida por meio de uma membrana? A adição de um soluto à água diminui a concentração de água na solução, em comparação com a concentração de água pura. A diminuição na concentração de água em uma solução é aproximadamente igual à concentração do soluto adicionado. Em outras palavras, uma molécula Fisiologia Humana 33 de soluto consegue deslocar uma molécula de água. Quanto mais soluto adicionarmos a uma solução, mais a água tende a se deslocar para o compartimento no qual essa solução se encontra, a fim de diluí-la. IMPORTANTE: A concentração total de solutos de uma solução é conhecida como osmolaridade. Um osmol é igual a 1 mol de partículas de soluto. Quanto maior a osmolaridade de uma solução, maior a capacidade que ela tem de promover a osmose. Porém, lembre-se que a natureza polar da água a impede de atravessar a bicamada lipídica em concentrações consideráveis. Por isso, a água move-se para dentro e para fora das células principalmente por canais especiais para transporte da água denominados aquaporinas (AQP). Quanto maior a quantidade de AQPs em uma célula, mais permeável à água ela é. Em uma situação de desidratação nossos rins conseguem diminuir a quantidade de água excretada do organismo porque um hormônio denominado antidiurético (ADH) atua no órgão aumentando a inserção de AQPs na membrana das células renais, o que aumenta o retorno da água que se encontra nos túbulos renais de volta à circulação sanguínea. A osmolaridade do líquido extracelular situa-se normalmente na faixa de 300 mOsm (milismois). Como a água pode se difundir através da maioria das membranas plasmáticas pela presença das aquaporinas, a osmolaridade do líquido intracelular também se encontra em torno de 300 mOsm. A ocorrência de alterações importantes na osmolaridade extracelular pode causar retração ou inchaço das células. O transporte ativo Para explicar o que é o transporte ativo por uma membrana, primeiro utilizaremos um exemplo que muitos já vivenciaram no dia a dia. Fisiologia Humana 34 EXEMPLO: Imagine que você está em um ponto aguardando a chegada de um ônibus. Quando ele chega, você vê que está lotado, mas se não tentar entrar vai perder o horário do seu compromisso. Para não correr este risco, você faz um esforço para entrar e empurra as pessoas que estão na porta. Com uma certa dificuldade e gastando energia para isso, você consegue. No transporte ativo, o transporte de um soluto acontece contra o seu gradiente de concentração; ou seja, a substância é levada de uma área onde está menos concentrada para uma área de altas concentrações, necessitando de um gasto energético para isso. Para que isso ocorra, a célula utiliza proteínas carreadoras de membrana, assim como na difusão facilitada. Porém, o transporte ativo difere da difusão facilitada por mover a substância contra seu gradiente de concentração pela membrana. Tal processo é realizado utilizando-se a energia proveniente da hidrólise do ATP. São conhecidos dois meios de acoplamento da energia aos transportadores: (1) o uso direto de ATP no transporte ativo primário, e (2) o uso de um gradiente eletroquímico por meio da membrana para impulsionar o processo no transporte ativo secundário. A hidrólise do ATP por um transportador fornece a energia para o transporte ativo primário. O próprio transportador é uma enzima, chamada ATPase ou bomba, que catalisa a hidrólise do ATP. Um dos exemplos mais conhecidos e estudados de transporte ativo primário é o movimento dos íons sódio e potássio pelas membranas plasmáticas pela Na+/K+ ATPase. Esse transporte está presente em todos os tipos celulares, transportando 3 moléculas de Na+ do líquido intracelular para o extracelular, enquanto move 2 íons de K+ na direção oposta. Para os dois íons, os movimentos acontecem contra seus gradientes de concentração. Na figura a seguir conseguimos entender melhor o funcionamento dessa bomba. Fisiologia Humana 35 Figura 7 – O transporte de Na+ e K+ pela bomba de Na+/K+ acontece contra o gradiente de concentração desses íons Fonte: Wikimedia Commons. A parte que está acima da membrana plasmática representa o meio extracelular (LEC) e a parte inferior à membrana representa o meio intracelular (LIC). Em (1), a molécula de ATP liga-se ao transportador. Em (2), a ATPase quebra a molécula de ATP e utiliza tal energia para iniciar o transporte do Na+ para o lado externo à membrana. Em (3), uma molécula de Na+ já está no LEC e inicia-se o transporte do K+ em direção ao LIC. Em (4), as três moléculas de Na+ já estão fora da célula e o K+ ainda está sendo transportado na direção oposta. Em (5) as três moléculas de Na+ estão fora da célula e as duas de K+ já se encontram no meio intracelular. A ATPase libera o fosfato. Em (6), a bomba está pronta para receber outra molécula de ATP e reiniciar o processo. Devido a suas grandes diferenças de concentração entre os dois lados da membrana, o Na+ sempre tem tendência a entrar na célula e o K+ a sair. Por isso, a atividade de bombeamento da Na+/K+ ATPase auxilia na manutenção da alta concentração de K+ e baixa concentração de Na+ no LIC, as quais são essenciais à atividade celular. Fisiologia Humana 36 NOTA: O transporte com gasto energético via bombas tem funções muito importantes no organismo. Além do exemplo citado da bomba de Na+/K+ auxiliando na manutenção da concentração ideal desses íons nos líquidos corporais, veremos ainda nessa unidade um outro exemplo de transporte ativo, este mediado pela Ca2+ -ATPase, essencial para o processo de relaxamento muscular. Na sequência estudaremos o que difere o transporte ativo primário do transporte ativo secundário. No transporte ativo secundário, o movimento de um íon a favor de seu gradiente eletroquímico está acoplado ao transporte de uma outra molécula. Dessa forma, os transportadores que medeiam o transporte ativo secundário apresentam dois locais de ligação, um deles para um íon (normalmente o Na+) e outro para uma segunda molécula (frequentemente um nutriente orgânico como a glicose ou um aminoácido). Utilizaremos como exemplo o cotransporte de Na+/glicose. EXEMPLO: O Na+ tende a entrar na célula devido ao gradiente eletroquímico criado pela bomba de Na+/K+ na outra extremidade da célula, sempre retirando Na+ do LIC e transportando para o LEC. No entanto, outra substância química aproveita e “viaja” junto na mesma direção, no caso do nosso exemplo a glicose, que só consegue se ligar no transportador depois que o Na+ se liga. Por conseguinte, no transporte ativo secundário, o movimento de Na+ é sempre a favor do gradiente, enquanto o movimento efetivo do soluto transportado ativamente na mesma proteína de transporte é contra o gradiente, movendo-se de uma concentração mais baixa para uma concentração mais alta. O movimento do soluto ativamente transportadopode ser ou para dentro da célula (no mesmo sentido que o Na+), caso em que é denominado cotransporte, como em nosso exemplo; ou para fora da célula (em sentindo oposto ao movimento do Na+), que é denominado contratransporte. Ainda, o termo simporte é sinônimo de cotransporte e antiporte sinônimo de contratransporte. Fisiologia Humana 37 IMPORTANTE: Percebam que o transporte ativo secundário utiliza indiretamente a energia proveniente da quebra do ATP para realizar sua atividade. Endocitose e exocitose Além do transporte por difusão simples e do transporte mediado por alguma proteína, existe outra via pela qual as substâncias podem entrar ou sair das células, a qual não exige a passagem das moléculas através da membrana plasmática. Quando pequenos cortes das células são examinados na microscopia eletrônica, pode-se observar frequentemente a existência de regiões da membrana que aparecem dobradas para dentro da célula, formando bolsas que se desprendem e formam vesículas intracelulares delimitadas por membrana. Esse processo leva o nome de endocitose. Existe também o processo inverso, a exocitose, quando vesículas no citoplasma se fundem com a membrana plasmática e liberam seu conteúdo para fora da célula. A endocitose e a exocitose são formas de transportar substâncias sem a necessidade de atravessar a membrana celular. Veja a seguir. Fisiologia Humana 38 Figura 8 – Endocitose e exocitose Endocitose Exocitose Fonte: Wikimedia Commons. Podem ocorrer três tipos de endocitose em uma célula: a pinocitose, a fagocitose e a endocitose mediada por receptores. Na pinocitose, também chamada de endocitose de líquido, uma vesícula endocítica envolve um pequeno volume de líquido extracelular. Esse processo não visa englobar uma substância específica, pois junto com a água vem íons, nutrientes ou qualquer outra pequena molécula que se encontra no LEC. Já na fagocitose, as células incorporam bactérias ou grandes partículas. Nesse tipo de endocitose, os pseudópodos, que são extensões da membrana plasmática, envolvem a superfície da partícula, englobando-a por completo. Na sequência, os pseudópodos fundem- se com vesículas denominadas fagossomos. Estes migram e unem-se aos lisossomos no citoplasma, sendo os conteúdos dos fagossomos destruídos pelas enzimas lisossômicas. A maioria das células é capaz de fazer a pinocitose. Porém, a fagocitose é restrita a alguns tipos celulares específicos, como os macrófagos. Fisiologia Humana 39 ACESSE: Assista ao vídeo Fagocitose ao microscópio de luz NUEPE e veja um macrófago realizando a fagocitose. Acesse clicando aqui . Já na endocitose mediada por receptor, determinadas moléculas no líquido extracelular ligam-se a proteínas específicas na superfície externa da membrana plasmática. Tais proteínas são receptores e são capazes de reconhecer ligantes com alta afinidade. Quando uma molécula específica se liga ao seu receptor ele sofre uma mudança conformacional e, então, ocorre a invaginação desse complexo receptor-ligante que se desprende da membrana para formar uma vesícula. Quando uma vesícula endocítica desprende-se da membrana na endocitose mediada por receptor, elas têm vários destinos possíveis, dependendo do tipo celular e do ligante que foi incorporado. Algumas podem se fundir com a membrana de uma organela intracelular, adicionando o conteúdo dessa vesícula à organela. Outras podem passar pelo citoplasma e se fundirem com a membrana plasmática do lado oposto da célula, liberando seu conteúdo no espaço extracelular. IMPORTANTE: Não dividimos a exocitose em diferentes tipos como a endocitose, mas podemos destacar algumas funções importantes desse processo. A exocitose é um mecanismo pelo qual os neurônios comunicam-se uns com os outros ou com outros tipos celulares. Isto ocorre por meio da liberação de neurotransmissores armazenados em vesículas secretoras que se fundem com a membrana plasmática. A exocitose também é a forma pela qual muitos tipos de hormônios são liberados pelas células endócrinas na corrente sanguínea. Fisiologia Humana https://www.youtube.com/watch?v=KZYqID_IYEc 40 RESUMINDO: Agora, vamos fazer uma revisão para lembrá-lo tudo o que estudamos e reforçar seu aprendizado. Nesse capítulo, estudamos a fisiologia das membranas celulares, desde sua composição básica até os tipos de transporte que ocorrem por elas. A membrana plasmática é essencialmente uma bicamada lipídica, formada na sua maioria por fosfolipídios, mas também por esfingolipídios e colesterol. Além dos lipídios, também compõem a membrana proteínas e carboidratos. Destacamos a importância das proteínas integrantes, que podem ser canais ou proteínas carreadoras. A natureza lipídica e o trabalho das proteínas integrantes contribuem muito para a manutenção do meio interno, pois garantem concentrações específicas de determinados íons dentro e fora da célula; característica fundamental para uma atividade celular normal. Vimos também os tipos de transporte de solutos e água que podem ocorrer por uma membrana celular. Em relação ao gasto energético, os transportes podem ser do tipo passivo (sem gasto de ATP), ou ativo (com gasto de ATP). O transporte passivo pode ocorrer por difusão simples, por difusão facilitada ou por osmose. Na difusão simples a molécula atravessa a bicamada sem nenhum auxílio, apenas seguindo seu gradiente de concentração. Na difusão facilitada, o transporte das moléculas que não conseguem atravessar a membrana é mediado por uma proteína, mas também segue o gradiente de concentração. Na osmose é a água que atravessa a membrana, em direção ao compartimento onde há uma maior concentração de solutos. Já o transporte ativo, que pode ser primário ou secundário, transporta solutos contra o gradiente de concentração, necessitando de gasto energético. Por último, aprendemos que uma substância pode adentrar ou sair de uma célula sem necessariamente atravessar a membrana plasmática. Esses tipos de transporte denominam-se endocitose e exocitose. Fisiologia Humana 41 Célula comum e célula excitável OBJETIVO: Neste esse capítulo, vamos estabelecer o que difere uma célula comum de uma célula chamada excitável. Aprenderá quais as principais características que as tornam geradoras de sinais elétricos e como esse processo é importante para a comunicação entre as diferentes células e tecidos. Então, vamos começar! REVISANDO: No início desta unidade, estudamos um pouco sobre a história da Fisiologia. Vimos que em determinada época, achava- se impossível entender os fenômenos biológicos tão afundo como se entendiam os físicos e químicos. Muitos pesquisadores utilizavam a Física e a Química para tentar explicar alguns fenômenos que ocorriam no organismo, mas não obtiveram sucesso. Até que Claude Bernard mostrou que existem alguns acontecimentos no corpo que são independentes da Física e da Química. Mas, como já dito anteriormente, isso não significa que muitos processos fisiológicos não sejam explicados pelas leis da Química e da Física. Podemos dizer que alguns princípios básicos da eletricidade podem ser aplicados para as células. A excitabilidade celular REFLITA: O que confere eletricidade a uma célula? É a presença de íons com carga positiva e negativa tanto no interior como no exterior da célula. Conforme já vimos antes, os solutos predominantes no LEC são os íons sódio e cloreto. Já o LIC contém altas concentrações de íon potássio, fosfato e proteínas com carga negativa. Fenômenos elétricos, resultantes da distribuição dessas partículas Fisiologia Humana 42 com carga elétrica, ocorrem na membrana plasmática da célula e desempenham uma importante função na integração de sinais e na comunicação entre as células. Um dos princípios fundamentais da Física é o de que carga positiva repele carga positivae carga negativa repele carga negativa. Ao contrário, cargas elétricas opostas se atraem e se aproximam, quando não estão separadas por uma barreira. Porém, quando há uma barreira, como é o caso da membrana celular que separa o lado de dentro e de fora da célula, é gerado o que chamamos de potencial elétrico ou uma diferença de potencial (DDP). NOTA: A Bioeletrogênese é o ramo da Fisiologia responsável pelo estudo dos potenciais elétricos gerados por meio das membranas celulares. O potencial elétrico é determinado pela diferença de carga elétrica entre dois pontos, sendo sua unidade representada em volts (V). Como a carga elétrica total que pode ser separada na maioria dos sistemas biológicos é muito pequena, as diferenças de potenciais nas células são medidas em milivolts (1 mV = 0,001 V). É importante enfatizar que a DDP gerada entre os dois lados de uma membrana depende da permeabilidade dela. Fisiologia Humana 43 EXPLICANDO MELHOR: Imagine que temos um compartimento qualquer contendo uma solução aquosa, que chamaremos de compartimento 1. Nesse compartimento, nós adicionamos NaCl que, sendo um sal, dissocia-se em Na+ e Cl- em solução aquosa. Como não há nenhuma barreira dentro do compartimento 1, os íons difundem-se igualmente por ele e a DDP = 0. Agora, imagine que temos um segundo compartimento, que chamaremos de compartimento 2, também preenchido por uma solução aquosa. Porém, nesse segundo compartimento existe uma membrana que o separa em dois lados, a qual é permeável somente ao íon Na+. Do lado esquerdo adicionamos NaCl e do lado direito KCl. Da mesma forma que no compartimento 1, os sais se dissociam em Na+, Cl-; e K+, Cl-. Mas, como a membrana no compartimento 2 só é permeável ao íon Na+, apenas esse íon se movimenta para o outro lado, em direção ao lado direito. Como o Cl- permanece tanto do lado esquerdo como do lado direito, o K+ permanece do lado direito e o Na+ movimenta-se em direção ao lado direito, criamos uma diferença de potencial elétrico entre os dois lados da membrana. Isto porque o lado direito tem um acúmulo maior de cargas positivas em relação ao lado esquerdo. Ou seja, no compartimento 2 há uma DDP entre os dois lados da membrana. O mesmo princípio observado no segundo compartimento se aplica para as membranas biológicas, pois nem todos os íons são capazes de atravessar livremente a membrana. Quando cargas elétricas se movimentam tem-se uma corrente elétrica. A existência de um potencial elétrico entre dois pontos tende a fazer com que as cargas fluam, gerando a corrente. A quantidade de carga que irá se movimentar depende da diferença de potencial entre as cargas e da natureza do material pela qual estão se movimentando. A existência de uma dificuldade imposta ao movimento das cargas é chamada de resistência. A chamada Lei de Ohm relaciona o fluxo de corrente gerado (I), a voltagem (V) e a resistência (R). I = V/R (1) Fisiologia Humana 44 Observe que fluxo e corrente são inversamente proporcionais, ou seja, quanto maior a resistência menor o fluxo da corrente, e vice- versa. Estruturas com alta resistência reduzem o fluxo da corrente e são conhecidos como isolantes. Já as que apresentam baixa resistência permitem o rápido fluxo da corrente e têm o nome de condutores. Os lipídios são essencialmente isolantes e, por isso, não é possível gerar corrente elétrica através da bicamada lipídica. Dessa forma, a existência dos canais proteicos de membrana é essencial para um fluxo de cargas efetivo através da membrana plasmática. Os canais iônicos da membrana plasmática, quando abertos, permitem um fluxo efetivo de íons por meio dela, gerando uma corrente elétrica. Figura 9 – Canais iônicas Fluido extracelular Citosol Canal fechado Membrana plasmática Canal aberto Fonte: Telesapiens. Após estudarmos esses conceitos básicos da Física que se aplicam às membranas biológicas, vamos entender o que caracteriza uma célula excitável. Fisiologia Humana 45 Uma célula excitável é aquela que tem a capacidade de produzir sinais elétricos que transmitem informações ao longo da sua membrana e a outras células. Toda célula possui uma diferença de potencial elétrico através de sua membrana plasmática, gerando o chamado potencial de membrana ou potencial de repouso (Vm). Isso ocorre devido à existência das bombas iônicas de Na+/K+ e pela presença de canais iônicos que estão abertos mesmo quando a célula está em repouso. NOTA: Os termos “potencial de repouso”, “potencial de membrana” e “Vm” são sinônimos. Uma célula que está em repouso possui um acúmulo de cargas negativas do lado de dentro da célula, próximo à membrana; enquanto há um acúmulo de cargas positivas do lado de fora da célula, também próximo à membrana. Porém, algumas células possuem características específicas que permitem causar variações significativas dessa distribuição iônica e, consequentemente, do potencial de repouso, gerando um sinal elétrico que consegue percorrer maiores distâncias. Estas são as chamadas células excitáveis, representadas pelos neurônios e pelas células musculares. Para facilitar nosso aprendizado, a partir daqui utilizaremos os neurônios como exemplo de célula excitável. Os potenciais de ação O valor do potencial de repouso da membrana nos neurônios geralmente se encontra entre -40 e -90 mV. Isto significa dizer que, quando não está transmitindo um sinal elétrico, o interior do neurônio é cerca de -40 a -90 mV mais negativo que o exterior da célula. Diferentemente de uma célula não excitável, um neurônio pode modificar seu potencial de repouso e gerar sinais elétricos que se espalham pela membrana, os chamados potenciais de ação (PA). Fisiologia Humana 46 IMPORTANTE: Um neurônio consegue gerar um PA pela existência de muitos canais iônicos denominados voltagem-dependente, os quais são estimulados a se abrirem com alterações do potencial de repouso para valores menos negativos. Agora, vamos entender como se inicia um PA. A geração de um potencial de ação começa com um estímulo, que pode ser químico ou físico. EXEMPLO: Quando pisamos em algo, mecanorreceptores da pele são ativados. Esses receptores são normalmente canais de sódio adaptados para receber estímulos, mas não são canais voltagem- dependente! Ou seja, não é a alteração do Vm que faz com que esses canais se abram, mas sim um estímulo como o estiramento da membrana nesse exemplo. Quando tais canais receptores de estímulos se abrem, o sódio segue sua tendência de entrar na célula (lembre-se que existem muito mais íons sódio fora do que dentro da célula) e isso faz com que o lado de dentro da célula comece a ficar mais positivo. Agora sim, com a alteração da voltagem de repouso da membrana para valores menos negativos, ocorre a ativação dos canais de Na+ voltagem-dependentes. Quanto mais Na+ adentra a célula, mais despolarizada a membrana fica, isto é, a diferença de polaridade (formação de polos) que existia entre os dois lados começa a diminuir. Quando a despolarização atinge um ponto que chamamos de limiar, é deflagrado o potencial de ação. Significa dizer que a despolarização atingiu um patamar que não pode ser mais revertido, espalhando-se por toda a membrana da célula. REVISANDO: Um estímulo no feedback positivo provoca uma resposta que reforça o estímulo inicial? Pois bem, aqui está mais um exemplo de retroalimentação positiva: quanto mais despolarizada fica a membrana da célula, mais canais de sódio se abrem e mais despolarizada Fisiologia Humana 47 ela fica. Esse evento só será interrompido com a inativação dos canais de sódio, que veremos a seguir. É através dessa despolarização por toda a membrana que células excitáveis como os neurônios se comunicam. Quando o Vm da membrana atinge valores positivos (cerca de 30 mV), os canais de Na+ voltagem- dependentes tornam-se inativados e agora outros canais voltagem-dependentes se abrem, os canais de K+. O potássio tende a sair da célula devido a sua maior concentração no meio intracelular, e começa a repolarizar a membrana, até que os valores de potencial de repouso sejam reestabelecidos. O potencial de ação caracteriza-se pela despolarização da membrana (abertura de canais de sódio) seguida da repolarização da membrana (abertura dos canais de potássio). Figura 10 – Potencial de ação real Fonte: Wikimedia Commons . Fisiologia Humana 48 IMPORTANTE: É fundamental salientar que um estímulo inicial precisa ser forte o suficiente para que a despolarização atinja o limiar e gere um potencial de ação. Uma vez deflagrado um PA, ele não pode mais ser evitado, mesmo que o estímulo seja cessado. Porém, você deve ter reparado na Figura 10 a existência de um chamado período refratário. Neste período, mesmo que o estímulo seja forte, não é possível gerar um novo potencial de ação. Isto porque a maioria dos canais de Na+ voltagem-dependentes ainda se encontram em seu estado inativo. Para que seja possível deflagrar um novo PA, é necessário que os canais de Na+ estejam em seu estado fechado. Portanto, os canais de Na+ voltagem- dependentes passam por três estados: aberto quando a membrana passa a ter valores de potencial de membrana menos negativos; inativos quando atingem valores positivos de Vm em torno de 30 mV; e voltam a fechar quando a membrana repolariza. Para descrever a geração de potenciais de ação até agora, falamos de estímulos como iniciadores do processo. Já entendemos que esses estímulos iniciam a despolarização da membrana e promovem a abertura dos canais de Na+ dependentes de voltagem, que iniciam o potencial de ação. Em outras palavras, nos neurônios aferentes (os receptores), a despolarização inicial até o limiar é alcançada por um potencial receptor. Esses são gerados nos receptores sensoriais das extremidades periféricas dos neurônios (como no exemplo do mecanorreceptor citado anteriormente), os quais se encontram nas terminações mais distantes do sistema nervoso central. Mas como os demais neurônios geram os potenciais de ação? Em todos os outros neurônios, a despolarização até o limiar acontece por um estímulo sináptico. Fisiologia Humana 49 As sinapses DEFINIÇÃO: Sinapse é uma junção anatomicamente especializada entre duas células. A transmissão sináptica é o principal processo pelo qual os sinais elétricos são transferidos pelas células nervosas (ou entre neurônios e células musculares ou receptores sensoriais). Além do mais, hoje se sabe que a transmissão sináptica não é mais considerada como processo que envolve apenas os neurônios, mas também outro tipo celular do sistema nervoso, as células da glia. As sinapses ou transmissões sinápticas podem ser de dois tipos: elétricas e químicas. As sinapses elétricas Nas sinapses elétricas, as membranas plasmáticas das células pré-sinápticas e pós-sinápticas são unidas por junções comunicantes. Essas junções permitem que correntes locais resultantes da chegada de potenciais de ação fluam diretamente pela junção através de canais que conectam uma célula a outra. Tal evento permite a despolarização da membrana da célula adjacente até o limiar, continuando a propagação do potencial de ação. Em uma sinapse elétrica, o espaço entre as células é de apenas cerca de 3 nm. As sinapses elétricas estão presentes no SNC de animais, dos invertebrados até os mamíferos. Elas estão presentes entre os neurônios e também entre as células da glia. Apesar de sua existência no sistema nervoso central dos mamíferos ser conhecida há muito tempo, as sinapses elétricas entre os neurônios eram consideradas de pouca relevância para o funcionamento do sistema nervoso dos adultos. Apenas mais recentemente ficou claro que tais sinapses são muito comuns e que são base de funções neuronais importantes. A sinapse elétrica permite a propagação extremamente rápida do sinal, de forma bidirecional, e sem que ele seja modificado. Este tipo de sinapse possui funções importantes durante o desenvolvimento embriológico, mas também na vida adulta, Fisiologia Humana 50 como na sincronização de algumas funções no sistema nervoso central e na comunicação entre neurônios e células da glia. Quando estudamos sinapses logo pensamos em células nervosas. Mas, apesar de as sinapses serem mais frequentes entre células do sistema nervoso, as sinapses elétricas também são encontradas entre outros tipos celulares, como entre as células cardíacas. É a existência das sinapses elétricas entre os cardiomiócitos que permite que os sinais elétricos rapidamente atinjam todo o coração, permitindo que o bombeamento seja um processo sincronizado. IMPORTANTE: Apesar de as sinapses elétricas não conseguirem modificar um sinal elétrico, elas são mais rápidas que as sinapses químicas. Por isso, são eficazes para transmitir sinais que precisam se espalhar rapidamente pelas células, sem que haja modificação do sinal entre elas. Um bom exemplo acontece nos neurônios do tronco encefálico (ponte, bulbo e mesencéfalo) encarregados do controle do ritmo respiratório, uma função que requer o disparo sincronizado dos neurônios que comandam os músculos da respiração. As sinapses químicas A transmissão sináptica química foi inicialmente demonstrada entre o nervo vago e o coração por um pesquisador chamado Otto Loewi, por meio de um experimento muito simples com corações de sapo. ACESSE: Para saber mais sobre este assunto, faça a leitura do artigo Neurônios e sinapses: a história de sua descoberta, disponível aqui . Fisiologia Humana https://cerebromente.org.br/n17/history/neurons5_p.htm 51 Ao contrário do que ocorre nas sinapses elétricas, nas químicas não existe comunicação direta entre o citoplasma das duas células. As membranas plasmáticas estão separadas por uma fenda sináptica com cerca de 20 µm e as interações entre as células ocorrem por meio de intermediários químicos denominados neurotransmissores. As sinapses químicas normalmente acontecem em uma única direção, o que nos permite definir um elemento pré-sináptico e um pós- sináptico, com a fenda sináptica entre eles. O elemento pré-sináptico é quase que sempre a extremidade terminal do axônio de um neurônio, repleto de pequenas vesículas contendo os neurotransmissores. Em sua membrana, o elemento pré-sináptico apresenta regiões conhecidas como zonas ativas, que correspondem às regiões onde se localizam proteínas que ancoram as vesículas contendo os neurotransmissores. Já o elemento pós-sináptico pode ser uma célula nervosa, uma célula muscular, uma célula glandular ou, ainda, células da glia. A célula pós-sináptica apresenta receptores específicos para o neurotransmissor liberado na fenda sináptica Uma sinapse química é caracterizada por um elemento pré- sináptico, uma fenda sináptica e um elemento pós-sináptico. Normalmente explica-se a sinapse ocorrendo entre o terminal axônico de um neurônio e os dendritos ou corpo celular de outra célula. Mas ela também pode ocorrer entre diferentes partes dos neurônios. Fisiologia Humana 52 Figura 11 – Sinapse química Fonte: Wikimedia Commons. A atividade nas sinapses químicas pode aumentar ou diminuir a probabilidade de que o neurônio pós-sináptico dispare potenciais de ação. O potencial de membrana de um neurônio pós-sináptico é levado mais próximo do limiar (é despolarizado) em uma sinapse excitatória, ou para mais longe do limiar (é hiperpolarizado) em uma sinapse inibitória. As sinapses químicas raramente são um evento único, pois centenas ou milhares de sinapses de muitas células pré-sinápticas diferentes podem afetar uma única célula pós-sináptica (convergência) e uma única célula pós-sináptica pode influenciar muitas outras células pós-sinápticas (divergência). Fisiologia Humana 53 IMPORTANTE: O que determina se uma célula pós-sináptica irá ou nãodeflagrar um potencial de ação é o número de sinapses ativas ao mesmo tempo e da quantidade de sinapses excitatórias e inibitórias que está ocorrendo. Se a membrana do neurônio pós-sináptico atingir o limiar, ocorre a geração do potencial de ação, o qual é propagado ao longo do seu axônio até as terminações axônicas, que, por sua vez, influencia a excitabilidade de outra célula. Uma célula pré-sináptica em uma sinapse química “entende” que deve liberar um neurotransmissor na fenda sináptica através da entrada do íon cálcio na célula. A despolarização da membrana pré-sináptica pelo potencial de ação abre canais de Ca2+ dependentes de voltagem, permitindo sua entrada na célula. O íon cálcio é responsável por fazer com que as vesículas contendo os neurotransmissores se fundam com a membrana plasmática da célula pré-sináptica, na zona ativa. Em seguida, os neurotransmissores são exocitados na fenda sináptica, ligando-se a seus receptores na célula pós-sináptica. Esses receptores são canais iônicos (receptores ionotrópicos) ou proteínas que irão determinar a abertura de canais iônicos (metabotrópicos). Quando os receptores são ou determinam a abertura de canais para cátions, como o Na+, a célula pós-sináptica aproxima- se do limiar de disparo do PA. Mas o receptor quando ativado também pode provocar a hiperpolarização da célula pós-sináptica, afastando-a da chance de disparar um PA, por exemplo, pela abertura de canais de Cl-. Lembre-se que, não é apenas a quantidade de neurotransmissor liberado na fenda que irá garantir que a célula pós-sináptica atinja o limiar de disparo de um PA ou, que ela fique mais longe de deflagrar um PA, mas principalmente a somação das sinapses excitatórias e inibitórias que estão ocorrendo com um mesmo elemento pós-sináptico. Fisiologia Humana 54 SAIBA MAIS: Já ouviu falar de plasticidade sináptica? Para saber mais sobre este assunto, faça a leitura do artigo Plasticidade sináptica: natureza e cultura moldando o self, disponível aqui . RESUMINDO: Vamos revisar o que vimos nesse capítulo? Iniciamos entendendo o que confere eletricidade a uma célula, que é a presença de cargas elétricas distribuídas de maneira diferente entre o meio intracelular e extracelular. Tal distribuição gera uma diferença de potencial elétrico através da membrana, o chamado potencial de repouso ou de membrana. Mas, quando ocorre uma mudança na permeabilidade da membrana, isto é, a abertura de canais iônicos específicos voltagem-dependentes, correntes elétricas fluem através da bicamada e alteram o potencial de repouso. Determinadas células, chamadas excitáveis, conseguem alterar esse potencial a ponto de inverter a polaridade da membrana de negativa para positiva. A quantidade de cargas positivas, mais especificamente de íons sódio, que entra nas células, faz com que o interior da célula fique mais positivo e, uma fez atingido o potencial limiar, essa reversão da polaridade espalha-se pela membrana inteira. Esse evento é o potencial de ação, que visa transmitir sinais elétricos entre as células, típicos das células nervosas e musculares. Uma vez gerado um potencial de ação, ele alcança outras células através das sinapses, as quais podem ter um intermediário químico (um neurotransmissor) para transmitir o sinal, ou fluir diretamente através de junções comunicantes Fisiologia Humana https://www.redalyc.org/pdf/188/18815253016.pdf 55 Contração das células musculares esqueléticas, cardíacas e lisas OBJETIVO: Neste capítulo, vamos entender como uma célula muscular é capaz de se contrair. Para tanto, veremos quais os principais fenômenos que levam a isso, principalmente como um neurônio motor consegue despolarizar uma célula muscular esquelética e, por conseguinte, promover a sua contração. Preparados? Então, vamos iniciá-lo. A estrutura das fibras musculares REVISANDO: Antes de estudarmos o que leva à contração muscular em si, precisamos recordar algumas características da fibra ou célula muscular que são determinantes para essa função. Há três tipos de fibras musculares: • Fibra muscular esquelética: forma os músculos que, ligados ao esqueleto ósseo, possibilitam os movimentos; são células grandes, multinucleadas e apresentam um aspecto listrado ou estriado na microscopia. Devido a tal característica, o tecido que estas células formam é chamado de tecido muscular estriado esquelético. • Fibra muscular cardíaca: presente no músculo do coração. Estas fibras também são estriadas – formam o tecido muscular estriado cardíaco – mas são menores que as esqueléticas, ramificadas e mononucleadas. Estas células estão unidas em série por junções, chamadas de discos intercalares. • Fibra muscular lisa: forma a musculatura de todos os órgãos internos e de também de alguns vasos sanguíneos. As fibras do músculo liso são pequenas e não apresentam estriações. Fisiologia Humana 56 Figura 12 – Os três diferentes tipos de fibra muscular Músculo cardíaco Músculo esquelético 1 - sarcolema 2 - sarcoplasma 3 - miofi brilas 4- estriaciones Músculo liso (8: miócitos) 1 3 42 Fonte: Wikimedia Commons . As fibras musculares esqueléticas As fibras musculares esqueléticas são formadas por miofibrilas, responsáveis pelo processo de contração muscular. As miofibrilas são formadas pelos miofilamentos de actina (filamento fino) e miosina (filamento grosso). As miofibrilas ficam dentro das fibras musculares de forma muito estruturada e organizada, podendo ser observadas ao microscópio em um desenho muito nítido (aparência estriada). Esses desenhos se repetem de maneira harmônica ao longo de uma lâmina histológica. Cada uma dessas partes que se repetem é chamada de sarcômero. Fisiologia Humana 57 DEFINIÇÃO: Sarcômero é a unidade funcional contrátil do músculo, formado por miofibrilas dispostas de forma organizada. Os filamentos espessos estão localizados no meio de cada sarcômero, onde produzem uma banda escura e larga, conhecida como banda A. Cada sarcômero contém dois conjuntos de actina, um em cada extremidade. Uma das extremidades de cada filamento de actina está ancorada a uma rede de proteínas interconectantes conhecida como linha Z, enquanto a outra extremidade se sobrepõe a uma parte dos filamentos espessos. Uma banda escura e estreita no centro da zona H, conhecida como linha M, corresponde a proteínas que juntam a região central dos filamentos espessos adjacentes. IMPORTANTE: Uma característica das células musculares esqueléticas é determinante para promover a contração das fibras: a íntima associação entre a membrana plasmática da fibra muscular, chamada de sarcolema, e o retículo endoplasmático da fibra, chamado de retículo sarcoplasmático. O sarcolema possui invaginações que penetram na fibra formando os túbulos T, os quais estão muito próximos ao retículo sarcoplasmático bem desenvolvido da fibra muscular. Mecanismos moleculares da contração do músculo esquelético A contração das fibras musculares esqueléticas está sob controle voluntário, pois podemos comandar nossos movimentos. REFLITA: Você já pensou como uma ordem que damos a nós mesmos, por exemplo, “feche a mão”, chega a se tornar um movimento efetivo? É isso que estudaremos agora. Fisiologia Humana 58 Ao dar uma ordem, a elaboração e o envio da mensagem, sai do encéfalo por meio dos impulsos nervosos, os potenciais de ação. Os nervos transportam o impulso nervoso do encéfalo até os músculos responsáveis pelo movimento que se deseja realizar, em uma região específica chamada placa motora ou junção neuromuscular. A placa motora é a região de encontro entre o neurônio motor somático, também chamado de motoneurônio, e a fibra muscular esquelética. As ramificações do axônio de um motoneurônio pode inervar diferentes fibras musculares, mas uma fibra muscular é inervada por um único motoneurônio. Figura 13 – Placa motora 1. Terminal pré-sináptico; 2. Sarcolema;