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1 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 Filosofia do direito: um diálogo entre referências Philosophy of law: a dialogue between references Folosofía del derecho: un diálogo entre referencias DOI: 10.55905/revconv.17n.6-099 Originals received: 05/10/2024 Acceptance for publication: 05/31/2024 Ronaldo Spricigo Doutorando em Direitos Fundamentais e Democracia Instituição: Centro Universitário Autônomo do Brasil (UNIBRASIL) Endereço: Curitiba – Paraná, Brasil E-mail: ronaldoctbanos@hotmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5225-2168 Matheus Campos Chagas Mestrando em Direitos Fundamentais e Democracia Instituição: Centro Universitário Autônomo do Brasil (UNIBRASIL) Endereço: Curitiba – Paraná, Brasil E-mail: mt_chagas@hotmail.com Orcid: https://orcid.org/0009-0008-3773-5058 RESUMO Este artigo propõe uma análise abrangente da filosofia do direito, considerando as obras de pensadores influentes como Hannah Arendt, Paul Ricoeur, Michel Foucault, Achille Mbembe, Patrícia Hill Collins e Sueli Carneiro. Ao explorar temas que vão desde as origens do totalitarismo até as políticas da inimizade e o pensamento feminista negro, buscamos traçar conexões e reflexões sobre a condição humana, a justiça, o poder, e a consciência social. Cada pensador contribui para a formação de um tecido intelectual rico e diversificado, no qual as nuances das experiências humanas são consideradas em sua totalidade. Assim, a busca pela compreensão crítica torna-se um exercício colaborativo que ressoa através do tempo e espaço, inspirando diálogos que transcendem fronteiras e fomentam uma apreciação mais profunda da complexidade do tecido social. O chamado coletivo dessas vozes ressoa como um convite constante à reflexão e à ação, convidando-nos a desafiar e transformar estruturas opressivas em busca de uma compreensão mais ampla, inclusiva e justa das dinâmicas humanas. Palavras-chave: filosofia do direito, justiça, consciência social, políticas da inimizade. ABSTRACT This article proposes a comprehensive analysis of the philosophy of law, considering the works of influential thinkers such as Hannah Arendt, Paul Ricoeur, Michel Foucault, Achille Mbembe, Patrícia Hill Collins and Sueli Carneiro. By exploring themes ranging from the origins of totalitarianism to the politics of enmity and black feminist thought, we seek to draw connections and reflections on the human condition, justice, power, and social consciousness. Each thinker https://orcid.org/0000-0002-5225-2168 2 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 contributes to the formation of a rich and diverse intellectual fabric, in which the nuances of human experiences are considered in their entirety. Thus, the search for critical understanding becomes a collaborative exercise that resonates across time and space, inspiring dialogues that transcend borders and foster a deeper appreciation of the complexity of the social fabric. The collective call of these voices resonates as a constant invitation to reflection and action, inviting us to challenge and transform oppressive structures in search of a broader, more inclusive and just understanding of human dynamics. Keywords: philosophy of law, justice, social consciousness, enmity policies. RESUMEN Este artículo propone un análisis integral de la filosofía del derecho, considerando las obras de pensadores influyentes como Hannah Arendt, Paul Ricoeur, Michel Foucault, Achille Mbembe, Patrícia Hill Collins y Sueli Carneiro. Al explorar temas que van desde los orígenes del totalitarismo hasta las políticas de enemistad y el pensamiento feminista negro, buscamos establecer conexiones y reflexiones sobre la condición humana, la justicia, el poder y la conciencia social. Cada pensador contribuye a la formación de un tejido intelectual rico y diverso, en el que se consideran en su totalidad los matices de las experiencias humanas. Así, la búsqueda de una comprensión crítica se convierte en un ejercicio colaborativo que resuena a través del tiempo y el espacio, inspirando diálogos que trascienden las fronteras y fomentan una apreciación más profunda de la complejidad del tejido social. El llamado colectivo de estas voces resuena como una invitación constante a la reflexión y la acción, invitándonos a desafiar y transformar las estructuras opresivas en busca de una comprensión más amplia, inclusiva y justa de la dinámica humana. Palabras clave: filosofía del derecho, justicia, conciencia social, políticas de enemistad. 1 INTRODUÇÃO A abordagem metodológica delineada neste artigo se destaca pela sua ênfase na leitura integral e minuciosa de todas as referências relevantes à disciplina, estabelecendo assim um intricado diálogo entre as diversas fontes. Esse diálogo, por sua vez, não apenas se configura como um simples cruzamento de informações, mas atua como um sólido alicerce para a elaboração do título sugestivo que permeia e dá unidade à totalidade da obra. A leitura integral, adotada de forma cuidadosa, vai além de uma mera coleta de dados, construindo, de fato, uma rede intricada de interconexões entre os pensamentos apresentados, proporcionando, assim, uma compreensão mais profunda e contextualizada do tema em questão. Este estudo não se restringe à abordagem convencional de exegese; ao contrário, ele visa transcender os limites usuais, adentrando os complexos domínios da filosofia do direito. Este 3 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 terreno, conhecido por sua fertilidade intelectual, é explorado meticulosamente, revelando como as raízes das reflexões se entrelaçam de maneira intrincada com a complexidade inerente à natureza da sociedade. O propósito central é não apenas compreender os conceitos de maneira isolada, mas analisar as interações e dinâmicas subjacentes que moldam a compreensão da filosofia do direito como um todo. Ao longo dessa jornada intelectual, nossa aspiração vai além da análise superficial; almejamos uma imersão profunda nas ideias dos renomados pensadores Paul Ricoeur, Hannah Arendt, Michel Foucault, Achille Mbembe, Patrícia Hill Collins e Sueli Carneiro. A busca incessante é não apenas compreender individualmente suas contribuições, mas promover uma sinergia conceitual que destaque as interseções e sinuosidades entre suas abordagens. Essa abordagem visa construir um panorama robusto e holístico que não apenas agrega conhecimento, mas promove uma compreensão mais enriquecida e aprofundada das questões fundamentais que permeiam a filosofia do direito. A exploração abrangente proposta vai além do simples desvelar das camadas superficiais das teorias; busca-se adentrar nos recantos mais intricados dessas reflexões. Ao lançar luz sobre a interconexão sutil entre poder, justiça e individualidade, o estudo visa revelar as nuances e complexidades subjacentes, proporcionando uma perspectiva mais completa e contextualizada sobre os temas abordados. Em síntese, este trabalho é uma busca incansável por uma compreensão integral e aprofundada da filosofia do direito, indo além da superfície para desvendar as complexidades intrínsecas desse campo de estudo. 2 AS ORIGENS DO TOTALITARISMO O monumental "Origens do Totalitarismo" de Hannah Arendt, editado pela Companhia das Letras em 1989, desvela uma análise profunda das raízes e do desenvolvimento dos regimes totalitários no século XX. Concentrando-nos nas partes III, que englobam o prefácio e os capítulos 1 a 4, vamos explorar as contribuições fundamentais desta obra. No prefácio, Arendt estabelece um sólido contexto histórico e conceitual para a compreensão das origens do totalitarismo. Examina as condições sociais,políticas e intelectuais que propiciaram o surgimento desses regimes, destacando fatores cruciais, como a desintegração do Estado-nação e a manifestação do antissemitismo [Arendt, 1989, Parte III, Prefácio, 1 e 2, p. 4 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 339-438]. A autora, de maneira penetrante, analisa as interconexões desses elementos, proporcionando uma visão crítica da complexidade envolvida na ascensão do totalitarismo. Nos capítulos 3 e 4, Arendt aprofunda sua análise, explorando os mecanismos específicos que levaram à consolidação desses regimes. Ao investigar a manipulação da linguagem e a instrumentalização de ideologias como ferramentas fundamentais para a subjugação das massas, Arendt lança luz sobre a forma como essas estratégias são empregadas para anular a esfera pública e subjugar a liberdade individual [Arendt, 1989, Parte III, 3 e 4, p. 439-531]. Suas análises perspicazes revelam a natureza intrínseca dos totalitarismos, delineando o modo como buscam controlar a autonomia individual e suprimir as bases fundamentais da democracia. Em última análise, o livro de Hannah Arendt transcende a narrativa histórica, oferecendo insights críticos sobre a natureza humana e a vulnerabilidade das instituições sociais diante de ideologias extremas. Sua escrita profunda e perspicaz contribui significativamente para uma compreensão enriquecida dos eventos que moldaram o século XX, destacando a importância de estar alerta às ameaças à liberdade e à democracia [Arendt, 1989]. A obra permanece como um testemunho eloquente da capacidade humana tanto para a resistência quanto para o perigo, ressoando em sua relevância para as complexidades políticas e sociais contemporâneas. Já em “A condição humana” é um mergulho profundo nas reflexões filosóficas de Hannah Arendt sobre a natureza da existência humana. Neste texto, focalizaremos o prólogo, bem como os capítulos I, V e VI, para capturar a essência das ideias da autora. O prólogo estabelece o cenário, apresentando a ideia central de Arendt: a distinção entre três atividades humanas fundamentais, a saber, o labor, o trabalho e a ação. Essa tríade conceitual serve como alicerce para a compreensão da condição humana [Arendt, 2016, Prólogo]. O capítulo I aprofunda essa análise, explorando a atividade do labor, que é intrinsecamente ligada à sobrevivência e à necessidade biológica. Arendt destaca como o labor molda uma esfera privada, onde as ações são guiadas pela repetição e pela necessidade constante [Arendt, 2016, Capítulo I]. No capítulo V, Arendt direciona seu olhar crítico para o trabalho, uma atividade mais duradoura e orientada para o mundo. Ela examina como o trabalho cria um espaço público, onde as criações duradouras da humanidade, como obras de arte e objetos, são compartilhadas e apreciadas coletivamente. O trabalho, nesse contexto, transcende a esfera privada, conectando- se à comunidade e à continuidade histórica [Arendt, 2016, Capítulo V]. 5 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 O capítulo VI introduz a ação como a atividade mais singular e distintiva da condição humana. Arendt argumenta que a ação é a expressão mais plena da liberdade humana, pois ocorre na esfera pública, onde as pessoas se revelam e constroem o mundo comum. Aqui, a autora destaca a importância da pluralidade, da diversidade de perspectivas e experiências, como elementos fundamentais para a ação política [Arendt, 2016, Capítulo VI]. O livro nos instiga a pensar no atual cenário político e no modelo de democracia vivido atualmente, que não contempla a vida ativa em suas relações. Com a chegada do cristianismo e do social, a linha que divide a vida pública e a vida privada tem sido cada vez mais atenuada. Com o surgimento do social, as pessoas têm estado mais ocupadas atendendo ao que a sociedade espera delas do que tendo uma vida ativa com participação na vida pública e nas decisões políticas. O texto nos faz refletir sobre o desenvolvimento da sociedade, o surgimento da política e sua evolução, e sobre o nosso dever de participar ativamente na vida pública e política, salientando a importância do posicionamento de cada indivíduo em relação à ação política, não legando sua responsabilidade a cientistas ou políticos profissionais. Em síntese, "A Condição Humana" oferece uma visão profunda sobre a natureza multifacetada da existência humana, desdobrando as camadas da atividade laboral, do trabalho e da ação. Arendt nos desafia a repensar nossa compreensão da vida cotidiana, convidando-nos a refletir sobre como essas atividades moldam não apenas nossas vidas individuais, mas também o tecido mais amplo da comunidade e da história. A leitura desta obra não apenas expande nossos horizontes filosóficos, mas nos instiga a repensar a própria essência de nossa humanidade. 3 PAUL RICOEUR EM O JUSTO 1 A obra "O Justo 1: A Justiça como Regra Moral e como Instituição" de Paul Ricoeur, é um tratado filosófico que mergulha nas complexidades da justiça, explorando suas dimensões éticas e institucionais. Neste resumo abrangente, vamos desdobrar as principais ideias e contribuições de Ricoeur. O livro se inicia com uma profunda análise da natureza da justiça, considerando-a tanto como uma regra moral quanto como uma instituição social. Ricoeur busca reconciliar as tensões inerentes à justiça como conceito moral e sua expressão nas estruturas sociais. Ele examina como 6 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 a justiça, enquanto regra moral, é fundamentada em princípios éticos universais que guiam a conduta humana. Ao mesmo tempo, Ricoeur não deixa de destacar a importância da justiça como instituição, ancorada em sistemas legais, políticos e sociais que buscam promover a equidade e a ordem. O autor procura articular uma filosofia da justiça que vá além das dicotomias simplistas entre moralidade e legalidade. Ricoeur argumenta que a justiça transcende a esfera individual, sendo, ao mesmo tempo, uma exigência ética e um pilar fundamental das instituições que estruturam a sociedade. Ele tece uma análise cuidadosa das tensões dialógicas entre as regras morais abstratas e as complexidades práticas das instituições, considerando como esses dois aspectos interagem e se influenciam mutuamente. O autor aborda questões fundamentais relacionadas à justiça distributiva, explorando como as sociedades distribuem recursos, oportunidades e benefícios de maneira equitativa. Ricoeur examina as teorias de justiça existentes, dialogando com pensadores clássicos e contemporâneos, e oferece suas próprias reflexões sobre como a justiça pode ser concebida de maneira a conciliar os ideais morais com as realidades institucionais. Ao longo da obra, Ricoeur emprega sua característica hermenêutica filosófica para interpretar e dialogar com diversas tradições de pensamento. Ele não apenas analisa questões de justiça sob uma perspectiva ética, mas também investiga como as narrativas, símbolos e linguagens influenciam a compreensão e a implementação da justiça em contextos sociais específicos. "O Justo 1" de Paul Ricoeur não é apenas um exame teórico da justiça; é uma exploração aprofundada que busca integrar a teoria à prática, a ética à política. Ao final da leitura, o leitor é desafiado a repensar não apenas o significado da justiça, mas também como ela pode ser concretizada em sociedades complexas, mantendo a integridade dos princípios morais enquanto se ajusta às demandas institucionais da vida social. A obra, assim, representa uma valiosa contribuição para o pensamento filosófico contemporâneo sobre a justiça. 4 FOUCAULT "EM DEFESA DA SOCIEDADE" Trata-se de obra fundamental que registra o curso proferido por MichelFoucault no Collège de France, no ano acadêmico de 1975-1976. Este resumo busca capturar as nuances e as 7 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 contribuições centrais desse curso, revelando a abordagem de Foucault em relação à defesa da sociedade e suas dinâmicas políticas. O curso inicia com Foucault examinando a emergência e a consolidação do liberalismo como uma racionalidade política. Ele busca entender as estratégias de poder que moldam e sustentam essa forma particular de governança. Foucault investiga como as ideias de liberdade, direitos individuais e a economia de mercado se entrelaçam em um complexo sistema que visa tanto governar quanto limitar o poder. Uma parte crucial do curso é dedicada à análise da "biopolítica", um conceito que Foucault desenvolve para descrever como as práticas políticas modernas se concentram na gestão da vida. Ele explora como as políticas liberais se inserem na regulação dos corpos e na gestão populacional, destacando como questões de saúde, educação e moralidade são articuladas como instrumentos de poder. Foucault também examina a formação de saberes sobre a sociedade, evidenciando como o conhecimento é utilizado como uma ferramenta de governança. Ele analisa as práticas discursivas que surgem em torno do discurso sobre a sociedade e como essas narrativas contribuem para a consolidação do poder. A relação entre conhecimento e poder é desdobrada de maneira crítica, revelando a importância do discurso na formação das práticas políticas. O curso não se limita a uma análise teórica; Foucault se envolve na crítica das instituições políticas e sociais existentes. Ele questiona o papel do Estado e da sociedade civil, explorando como essas entidades se envolvem na regulação dos indivíduos e na definição do que é considerado socialmente aceitável. Outro ponto de destaque é a reflexão de Foucault sobre o conceito de "governamentalidade", uma noção que abrange as diferentes formas de governar e organizar a sociedade. Ele examina como as práticas de governo se transformam e se adaptam ao longo do tempo, refletindo sobre as mudanças nas estratégias de poder e controle. "Em Defesa da Sociedade" oferece uma imersão profunda no pensamento de Foucault sobre as dinâmicas sociais e políticas. Suas reflexões sobre o liberalismo, a biopolítica, a formação de saberes e a governamentalidade não apenas desafiam concepções convencionais, mas também oferecem um arsenal teórico para compreender as complexidades das sociedades modernas. O curso representa uma peça essencial no corpus das obras de Foucault, destacando sua abordagem crítica e inovadora no campo da filosofia política e social. 8 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 5 "POLÍTICAS DA INIMIZADE" DE ACHILLE MBEMBE Trata-se de uma obra provocativa que transcende as fronteiras tradicionais da teoria política, explorando os meandros complexos das dinâmicas sociais e políticas em contextos de conflito. Este resumo busca desvendar as principais contribuições e temas abordados por Mbembe. O autor inicia sua exploração examinando as formas contemporâneas de violência, deslocando o foco de análises convencionais para investigar as políticas que sustentam a inimizade. Mbembe argumenta que as práticas políticas muitas vezes se baseiam na criação de inimigos, destacando como a construção do "inimigo" é central para a lógica do poder. Ele investiga as maneiras pelas quais as categorias de amigo e inimigo são formadas, contestando as fronteiras entre essas posições e expondo as estratégias que as alimentam. Mbembe define que a lógica do poder moderno está, em muitos aspectos, impregnada pela lógica da inimizade, uma lógica que se manifesta na capacidade de designar quem é amigo e quem é inimigo. O autor aborda a questão da necropolítica, uma noção que ele desenvolve para descrever o exercício do poder soberano sobre a vida e a morte. Mbembe explora como a vida e a morte são politicamente moldadas e regulamentadas, particularmente em contextos de conflito e pós- coloniais. Ele destaca como a soberania estatal se manifesta na capacidade de decidir quem pode viver e quem deve morrer, iluminando as relações de poder subjacentes a essas decisões. Nas palavras do autor, a soberania se expressa, em última instância, na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Achille Mbembe também se aprofunda na análise das tecnologias contemporâneas de controle e vigilância. Ele examina como as práticas de vigilância e monitoramento permeiam as sociedades, muitas vezes exacerbando as dinâmicas de inimizade. A fusão entre tecnologia e poder político é explorada em profundidade, revelando como essas ferramentas são empregadas para subjugar e controlar populações inteiras. Destaca Mbembe que as tecnologias contemporâneas de vigilância tornam-se instrumentos de uma política que tem como alvo não apenas corpos individuais, mas populações inteiras. 9 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 A obra não se limita a uma crítica das formas tradicionais de poder, mas também oferece uma reflexão sobre as possibilidades de resistência e transformação. Mbembe aborda a necessidade de repensar as estruturas de poder e propõe estratégias para desafiar as políticas da inimizade, enfatizando a importância da solidariedade e da construção de comunidades alternativas. O autor enfatiza que a resistência e a transformação só podem surgir da construção de alternativas à lógica da inimizade e da busca por solidariedade em comunidades autônomas. Em síntese, "Políticas da Inimizade" é uma obra instigante que destaca a necessidade urgente de uma análise crítica das dinâmicas políticas contemporâneas. Achille Mbembe desafia concepções estabelecidas, oferecendo um olhar penetrante sobre as políticas de inimizade, necropolítica e controle. Sua abordagem interdisciplinar e seu compromisso com a reflexão crítica fazem desta obra uma contribuição crucial para o entendimento das complexidades do poder, da violência e das possibilidades de transformação social. 6 COLLINS E O PENSAMENTO FEMINISTA NEGRO Em "Pensamento Feminista Negro: Conhecimento, Consciência e a Política do Empoderamento", Patrícia Hill Collins traça uma análise profunda e impactante do pensamento feminista negro, oferecendo uma visão única que transcende as barreiras tradicionais de gênero e raça. Ao mergulhar nas complexas interseções de raça, gênero e classe, Collins destaca a relevância desse pensamento como uma poderosa ferramenta para compreender as experiências das mulheres negras nos Estados Unidos. O cerne da obra reside na introdução do conceito de "epistemologia do ponto de vista". Collins argumenta que as experiências vivenciadas pelas mulheres negras não apenas geram conhecimento crucial, mas também desafiam e enriquecem as narrativas dominantes. Ao dar voz a uma perspectiva muitas vezes marginalizada, ela ressalta a importância de reconhecer a riqueza do conhecimento que emerge dessas vivências. Segundo a autora, a epistemologia do ponto de vista, central para o pensamento feminista negro, reconhece que as experiências das mulheres negras geram conhecimentos cruciais para a compreensão das estruturas sociais. 10 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 Collins avança seu argumento ao explorar o conceito de "matrizes de dominação". Aqui, ela destaca como as interseções de raça, gênero e classe não podem ser entendidas isoladamente, enfatizando a necessidade de uma análise mais complexa e interconectada das formas de poder que perpetuam sistemas de opressão. "As matrizes de dominação destacam a necessidade de analisar as interseçõesde raça, gênero e classe para compreender as dinâmicas complexas e entrelaçadas da opressão." (Collins, 2019, p. 186) A autora introduz, então, a "política do empoderamento", que se revela como uma resposta necessária para transformar as estruturas de poder e criar espaços que permitam a autonomia e resistência das mulheres negras. Esta política visa não apenas reconhecer, mas também amplificar as vozes das mulheres negras em sua busca por dignidade e igualdade. "A política do empoderamento busca transformar as estruturas de poder, criando espaços para que as mulheres negras se afirmem, resistam e prosperem." (Collins, 2019, p. 515) Ao longo da obra, Collins ressalta a diversidade de vozes dentro do pensamento feminista negro, reconhecendo as diferentes experiências e perspectivas. Ela destaca a importância de reconhecer a complexidade e a variedade de vozes dentro do movimento, reforçando a ideia de que não há uma única narrativa representativa, mas sim uma sinfonia de experiências que enriquecem o panorama. "O pensamento feminista negro é diverso e dinâmico, refletindo uma ampla gama de experiências e perspectivas dentro das comunidades negras." (Collins, 2019, p. 36) Em suma, "Pensamento Feminista Negro" não apenas desvela as complexidades das experiências das mulheres negras nos Estados Unidos, mas também oferece uma visão poderosa sobre como esse conhecimento pode ser empregado para desafiar estruturas de poder opressivas. Patricia Hill Collins convida os leitores a se engajarem em uma reflexão crítica e a adotarem uma postura ativa na promoção da igualdade e da justiça para todas as mulheres, destacando a urgência de uma mudança paradigmática na sociedade contemporânea. 7 "ESCRITOS DE UMA VIDA" DE SUELI CARNEIRO Trata-se de uma coletânea que encapsula a trajetória marcante e as contribuições significativas desta renomada intelectual e ativista brasileira. Ao mergulhar nas páginas deste 11 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 livro, somos guiados por um percurso que transcende o acadêmico, ecoando nas esferas da luta pelos direitos humanos, especialmente das mulheres negras. O livro é uma compilação cuidadosa dos escritos de Carneiro, oferecendo uma visão panorâmica de sua evolução como pensadora e defensora dos direitos humanos. A obra não apenas revela suas análises afiadas sobre questões de raça, gênero e classe, mas também destaca seu compromisso inabalável com a promoção da igualdade e justiça. A leitura nos transporta para os primórdios da militância de Sueli Carneiro, uma época em que a luta antirracista e feminista ganhava espaço. Seus escritos são um testemunho eloquente de como a intelectualidade pode ser entrelaçada com a ação política, inspirando aqueles que buscam transformar teoria em prática. Ao longo da obra, Carneiro desafia as estruturas opressivas que permeiam a sociedade brasileira. Seus textos incisivos abordam desde a interseccionalidade das opressões até a importância de dar voz e visibilidade às mulheres negras, que historicamente foram marginalizadas e silenciadas. Segundo a autora que a invisibilidade histórica das mulheres negras é uma violência que perpetua o racismo e o sexismo estruturais. Carneiro também destaca a necessidade de uma abordagem interseccional na luta pelos direitos humanos, reconhecendo que as experiências de discriminação não são compartimentadas, mas interconectadas. Seus escritos ressoam como um apelo para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, onde as diferenças não sejam fontes de opressão, mas celebrações da riqueza da diversidade humana. "A interseccionalidade é fundamental para entender e abordar as múltiplas formas de opressão que as mulheres negras enfrentam diariamente." - Sueli Carneiro Além disso, "Escritos de uma Vida" destaca a importância da educação como instrumento de transformação social. Carneiro defende a necessidade de um currículo que reconheça e valorize as contribuições das comunidades negras para a construção da identidade brasileira, promovendo uma consciência crítica e antirracista desde cedo. "A educação é a chave para desmantelar os estereótipos e preconceitos que perpetuam a discriminação racial e de gênero." (Carneiro, 2019, p. 116) Em síntese, "Escritos de uma Vida" é mais do que uma coletânea de textos; é um legado de pensamento crítico, ativismo incansável e um chamado à ação. Sueli Carneiro deixa sua marca 12 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 indelével nas páginas, convidando-nos a refletir, aprender e engajar-nos na construção de um mundo mais justo e igualitário. Este livro é um convite para não apenas entender as lutas do passado, mas também para inspirar e informar as lutas do presente e do futuro. 8 CONCLUSÃO: ENTRE PENSAMENTOS, LUTAS E LEGADOS Ao entrelaçar as reflexões de pensadoras como Hannah Arendt, Paul Ricoeur, Michel Foucault, Achille Mbembe, Patrícia Hill Collins e Sueli Carneiro, emerge um panorama multifacetado que transcende barreiras temporais, geográficas e disciplinares. Estas vozes distintas convergem em um chamado coletivo para a compreensão crítica das complexidades humanas, dando voz aos silenciados e desafiando estruturas opressivas. A filosofia do direito, sob a perspectiva de Arendt, desvenda as origens do totalitarismo e ressalta a importância da ação política como antídoto contra a alienação. Ricoeur amplifica a discussão ao explorar a justiça como regra moral e instituição, destacando a interdependência entre ética e instituições na busca por uma sociedade justa. Foucault, por sua vez, lança luz sobre as dinâmicas de poder que permeiam a sociedade, convidando à análise crítica e desmantelamento das estruturas disciplinares. É importante reconhecer que “a diversidade humana e a legitimidade da liberdade do outro. Fragilidade porque as ações do outro são sempre imprevisíveis e, em consequência, os conflitos estão potencialmente sempre presentes.” (Bendim, 2022, p. 145) As políticas da inimizade, discutidas por Mbembe, ecoam nas obras de Collins e Carneiro, revelando as interseções de raça e gênero como terreno fértil para a opressão. O pensamento feminista negro, enraizado na epistemologia do ponto de vista, torna-se uma narrativa das políticas da inimizade, minuciosamente analisadas por Mbembe, reverberam e encontram ressonância nas obras de Collins e Carneiro, destacando as intrincadas interseções entre raça e gênero como um campo propício para a perpetuação da opressão. Nesse entrelaçamento de perspectivas, o pensamento feminista negro, solidamente ancorado na epistemologia do ponto de vista, assume uma dimensão ainda mais proeminente. Tornando-se uma narrativa disruptiva e vigorosa, desafia não apenas as normas vigentes, mas também as invisibilidades históricas que permeiam a sociedade. 13 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 Ao explorar as interconexões entre as análises de Mbembe, Collins e Carneiro, emerge um retrato complexo e multifacetado das dinâmicas sociais que perpetuam a inimizade. Essas perspicazes análises não se limitam a desvelar as estruturas de poder existentes, mas também iluminam os meandros onde as categorias de raça e gênero se entrelaçam, criando um terreno fértil para a manifestação da opressão sistêmica. No contexto do pensamento feminista negro, fundamentado na epistemologia do ponto de vista, cada narrativa se torna um ato de resistência e subversão. Ao desafiar as invisibilidades históricas, o pensamento feminista negro não apenas busca dar voz aos silenciados, mas também propõe uma política do empoderamento. Essa política não é apenas uma rejeição das estruturas opressivas, mas uma afirmação ativa da agência e dignidadedas comunidades marginalizadas. Assim, a interseção entre as análises de Mbembe, Collins e Carneiro não apenas expõe as entrelaçadas complexidades das políticas da inimizade, mas também destaca o papel crucial do pensamento feminista negro como um agente transformador. Nesse panorama expandido, a compreensão das interseções entre raça e gênero transcende a análise isolada, tornando-se um convite para uma reflexão mais profunda sobre a urgência de uma transformação social abrangente e igualitária. "Escritos de uma Vida" de Sueli Carneiro fecha esse ciclo, oferecendo não apenas reflexões, mas um legado de ação e resistência. Carneiro nos convida a transitar entre as páginas de seu percurso, onde a interseccionalidade não é apenas teorizada, mas vivida e transformada em praxis. Seus escritos ecoam a urgência de reconhecimento e celebração das diversas vozes que constroem a riqueza da humanidade. Nesse entrelaçamento de vozes, cada pensador contribui para a formação de um tecido intelectual rico e diversificado, no qual as nuances das experiências humanas são consideradas em sua totalidade. Assim, a busca pela compreensão crítica torna-se um exercício colaborativo que ressoa através do tempo e espaço, inspirando diálogos que transcendem fronteiras e fomentam uma apreciação mais profunda da complexidade do tecido social. O chamado coletivo dessas vozes ressoa como um convite constante à reflexão e à ação, convidando-nos a desafiar e transformar estruturas opressivas em busca de uma compreensão mais ampla, inclusiva e justa das dinâmicas humanas. No intercâmbio intelectual estabelecido, as vozes convergem harmoniosamente, amplificando-se e emitindo um chamado vibrante à ação e transformação. A interseccionalidade 14 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 surge como um elemento condutor que entrelaça as narrativas, destacando a indispensabilidade de uma compreensão holística das experiências humanas. Este intricado mosaico de ideias não apenas proporciona um discernimento crítico, mas também se revela como uma bússola ética que orienta na navegação dos desafios contemporâneos. È la caratteristica dell'universalità presente nei diritti fondamentali che consente di affermare che tutti fanno parte della comunità politica e giuridica, quindi, tutti sono detentori di diritti e doveri lì consacrati (Canotilho; Moreira, 2007, p. 208). Assim, concluímos não apenas um artigo, mas uma jornada por mentes inquietas que desbravam os territórios do conhecimento, da justiça e da resistência. Que este diálogo filosófico inspire ação, promova a igualdade e propague as sementes de uma sociedade mais justa e inclusiva. O pensamento crítico, entrelaçado à prática transformadora, é a chave para o futuro que desejamos construir juntos. 15 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. (Parte III, Prefácio, 1 e 2. pp. 339-438). ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. (Parte III, 3 e 4. pp. 439-531). ARENDT, Hannah. A condição humana. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016. (Prólogo, Capítulos I, V e VI). BENDIM, Gilmar Antonio. O Pensalmento Polícito de Norbert Lechber e o Papel da Ideia de Utopia do Consenso como Fundamento da Democracia. Rev. Direitos Fundamentais & Democracia, v. 27, n. 1, p. 33-47, jan./abr. 2022. CARNEIRO, Sueli. Escritos de uma vida. São Paulo: Pólen Livros, 2019. COLLINS, Patricia Hill. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. 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