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Ética e Responsabilidade Social

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ÉTICA E
 
RESPONSABILIDADE
 
SOCIAL
ÉTICA E 
RESPONSABILIDADE SOCIAL
Copyright © UVA 2021
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
AUTORIA DO CONTEÚDO PROJETO GRÁFICO Valter Forastieri Cova UVA
	REVISÃO	DIAGRAMAÇÃO
	Clarissa Penna	UVA
Theo Cavalcanti Lydianna Lima
C873 
 Cova, Valter Forastieri 
 
 Ética e responsabilidade social [livro eletrônico] / Valter Forastieri Cova. – Rio de Janeiro: UVA, 2019. 
 
 9,4 MB. 
 
 ISBN 978-85-5459-056-7
 	 	 	 
 
 1. Ética. 2. Ética social. I. Universidade Veiga de Almeida. 
 II. Título. 
 CDD – 170
Bibliotecária Katia Cavalheiro CRB 7 - 4826.
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UVA.
SUMÁRIO
Apresentação	6
Autor	7
UNIDADE 1
Moral e ética	8
· Moral
· Ética
· Perspectivas Éticas
UNIDADE 2
A questão ambiental	40
· Visões de ambiente
· Crise ambiental
· Sustentabilidade e sua crítica
SUMÁRIO
UNIDADE 3
Responsabilidade social das empresas	63
· Fundamentos e aplicações da responsabilidade social
· A crítica à responsabilidade social
· A ética e a responsabilidade social
UNIDADE 4
Responsabilidade socioambiental	85
· Análises de iniciativas de responsabilidade social
· Análise de iniciativas de responsabilidade socioambiental
· Elaborando iniciativas socioambientais eticamente fundamentadas
APRESENTAÇÃO
Nesta disciplina, vamos refletir sobre a moralidade na tomada de decisões, seja por um profissional, seja por uma organização. Iremos abordar a necessidade e as polêmicas de temas como responsabilidade social e responsabilidade ambiental. Vamos analisar como uma empresa pode exercer essas responsabilidades com ética.
Para sua formação profissional, discutir ética é fundamental. As profissões costumam ter seus códigos de conduta para guiar a tomada de decisões. Não será algo raro, em sua prática profissional, ocorrerem situações em que os valores morais entram em choque. 
Como decidir o que fazer?
A busca por uma nova relação com a nossa própria humanidade é outra tensão que paira sobre as organizações. A responsabilidade social é uma forma de valorizar as pessoas e a cultura. Porém como fazer responsabilidade social? Será que a responsabilidade social realmente resolve os problemas das pessoas ou não passa de um marketing social?
Uma empresa deve buscar sustentabilidade, não só no aspecto econômico, mas no aspecto ambiental. A abordagem desta disciplina o ajudará a analisar de maneira mais profunda a crise ambiental, desmistificando as visões simplistas amplamente divulgadas pela mídia. A partir disso, vamos refletir sobre como aplicar a responsabilidade ambiental nas organizações.
Ética, sustentabilidade, ambiente e responsabilidade são termos que representam conceitos importantes para a gestão da própria carreira e das organizações. Nesta disciplina, vamos ampliar nossos horizontes sobre esses temas, no sentido de buscar uma formação profissional sintonizada com as necessidades impostas pela sociedade no século XXI.
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AUTOR
VALTER FORASTIERI COVA
Biólogo, mestre e doutorando em Ensino, Filosofia e História da Ciência. Professor da educação superior desde 2001. Elaborou os Referenciais Curriculares para o Ensino de Ciências da Natureza dos municípios de Salvador e Camaçari.
UNIDADE 1
Moral e ética
INTRODUÇÃO
A todo momento, nas nossas vidas, nós tomamos decisões sobre como iremos agir. Em que se baseiam essas decisões? Todas as pessoas e todas as organizações afirmam que agem no sentido de fazer o bem, de defender o que é certo. Porém, o que é o bem? O que é certo para uma pessoa é o certo para outra? No intuito de refletir sobre isso, diversos termos surgem: moral, ética, valores. Muitas vezes esses termos são empregados como sinônimos, porém eles têm significados distintos. Nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação, geralmente aparece, no perfil desejado do egresso, “o profissional que aja pautado pela ética”. O que isso significa?
	
	OBJETIVO
	
	Nesta unidade você será capaz de:
• 
cioambiental.
	
	-
	
	Conhecer os diversos modelos éticos que orientam a tomada de decisão so
	
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Moral
Para discutir questões morais nas organizações e a relação dessas questões com a realidade social e ambiental em que vivemos, vamos iniciar analisando um caso histórico.
Durante a Revolução Industrial, surgiu a necessidade de aumento de mão de obra para operacionalizar as fábricas. A busca por trabalhadores de baixo custo fez as empresas admitirem, com pagamentos muito inferiores aos dos homens, as mulheres e as crianças. As crianças trabalharem não era um fato histórico novo, pois no decorrer da história da humanidade elas já foram mão de obra, a depender das necessidades da economia de cada época. 
O que irá marcar o uso do trabalho da criança nessa época será a insalubridade. Meninos e meninas serão expostos a atividades de risco, tal como entrar em máquinas para lubrificá-las. Nessa prática, aconteciam acidentes, resultando na mutilação ou morte da criança. Além disso, as condições precárias de higiene do local de trabalho, a jornada de mais de 12 horas e a alimentação deficitária também vitimavam as crianças.
Analise a descrição que o filósofo Karl Marx faz das condições de trabalho das crianças no período:
[...] milhares de braços tornaram-se de súbito necessários. [...] Procuravam-se principalmente pelos pequenos e ágeis. [...] Muitos, milhares desses pequenos seres infelizes, de sete a treze ou quatorze anos foram despachados para o norte. O costume era o mestre (o ladrão de crianças) vesti-los, alimentá-los e alojálos na casa de aprendizes junto a fábrica. Foram designados supervisores para lhes vigiar o trabalho. Era interesse destes feitores de escravos fazerem as crianças trabalhar o máximo possível, pois sua remuneração era proporcional à quantidade de trabalho que deles podiam extrair. [...] Os lucros dos fabricantes eram enormes, mais isso apenas aguava-lhes a voracidade lupina. Começaram então a prática do trabalho noturno, revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia pelo da noite o grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que o grupo noturno ainda acabara de deixar, e vice e versa. Todo mundo diz em Lancashire, que as camas nunca esfriam. (MARX, 1988, p. 875-876)
A situação que descrevemos acima, com apoio da citação de Marx, foi encarada com muita tranquilidade durante muitos anos. Será que hoje nós a encararíamos como normal? Ela provocaria revolta na sociedade?
Apesar de sabermos que ainda existem situações de trabalho análogo à escravidão no Brasil e que ainda existe exploração do trabalho infantil, essas práticas são amplamente condenadas e consideradas imorais. Isso quer dizer que vão contra a moral vigente. Então, podemos enquadrar nosso caso analisado (o trabalho infantil) como uma questão moral. 
	
	Para refletir
	
	Entretanto, o que significa moral? Quando podemos afirmar que algo está 
	dentro da moral? 
	
A moralidade é um campo do estudo da filosofia. O termo moral tem origem do latim, da palavra romana moralis. Essa palavra significa algo semelhante às nossas palavras “hábitos”, “costumes”. 
A moral engloba um conjunto de valores, de regras de conduta, de normas de convivência que fazem parte de um determinado contexto social em um hábito cultural.
Em uma definição simples, de dicionário,a moral consiste em: “Preceitos e regras que, estabelecidos e admitidos por uma sociedade, regulam o comportamento de quem dela faz parte” (MORAL..., 2018).
Perceba que, ao discutir moral, o termo sociedade é palavra-chave para o entendimento desse conceito. A moral é um fenômeno social, ela é produzida pelas sociedades. Toda sociedade produz uma moral, então cuidado, pois não existem grupos humanos sem uma moral. A questão é: será uma moral igual à da nossa sociedade?
Entendida como produção das sociedades, a moral mostra-se completamente relacionada à cultura. Então, a moral é um produto da cultura vigente. Por que vigente? Porque a cultura muda com o passar do tempo. A cultura não é estática. Às vezes as pessoas se referem a um problema da seguinte forma: “[...] é algo cultural, não vai mudar, não tem jeito.” Essa é uma afirmação errada. Cultura não é algo cristalizado, ela está em produção a todo momento e recebe influências de diversos fatores que tensionam a sociedade (econômicos, políticos...). Então, se a cultura muda com o tempo, a moral também vai mudar com o tempo. 
A relação da moral com a cultura pode ser simplificada ao pensarmos que há coisas que culturalmente nós podemos fazer na atualidade e há coisas que nós não podemos fazer.
Para entender melhor a componente temporal da moralidade, vamos voltar ao nosso exemplo do trabalho infantil. Na época da Revolução Industrial, era parte da moralidade da época usar a criança no mundo do trabalho. Era considerado normal, não era imoral. A cultura dessa época era outra, então a moral era outra. Para entendermos isso (algo que é difícil aos olhos de alguém do século XXI), temos que saber que nos tempos da Revolução Industrial não existia o conceito de infância. Crianças eram consideradas adultos em miniatura. 
Diversos fatores tensionaram para a mudança cultural e, consequentemente, a mudança da moral. Os trabalhos de uma nova ciência, a psicologia, com as contribuições de Sigmund Freud, que inicia a psicanálise, começam a indicar que a criança possui uma mente muito diferente da mente do adulto. Diversas outras correntes da psicologia acumulam evidências que derrubam a ideia do adulto em miniatura. O avanço das ciências naturais relacionando as más condições de higiene e trabalho às doenças e aos óbitos foram influências para o combate à insalubridade. Os movimentos dos trabalhadores, que, fartos de tanto sofrimento, começam a reagir, também foram decisivos para a estruturação de uma nova cultura. Essa teia intricada de fatores acabou por abalar a cultura da época, resultando em uma nova moralidade.
Poderíamos considerar, hoje, que uma organização que se vale do trabalho infantil age de acordo com a moral? Claro que não. Na nossa cultura, hoje, o trabalho infantil é indefensável (não pode ser defendido), é imoral. 
A maioria dos filmes que retratam épocas passadas distorcem a história, justamente por não levarem em conta que a moral muda de acordo com a época. Como o público não entenderia a cultura e, por consequência, a moral da época, o que esses filmes fazem é recriar um antigo Egito, Roma ou Idade Média com a moral da nossa sociedade, uma distorção.
Até o início do século XX, as famílias entregariam uma menina de 12 anos para se casar com um homem de 60 anos. Toda sociedade ficava contente com isso, não abalava a moral da época. Na atualidade, temos o conceito de infância, e com isso uma questão moral surgiu, a pedofilia. No nosso mundo, não é certo que uma criança de 12 anos case com um adulto; é uma exploração sexual, é pedofilia, algo imoral, algo indefensável. Como o estudo da moral orienta a produção de leis, podemos acrescentar ainda que a pedofilia é um crime. Contudo, perceba: a moral não é lei escrita, ela inspira a elaboração de leis.
Na Grécia Antiga, a escravidão era vista com naturalidade, pois não existia a ideia de que as pessoas eram iguais, logo não havia problema que algumas não tivessem direito à liberdade. A prática da tortura foi considerada como normal por toda a Idade Média e parte da Idade Moderna. Na sociedade atual, é considerada uma prática imoral.
Ainda explorando a relação entre moral e cultura, devemos levar em conta que a moral não só varia no tempo como no espaço. Há grupos culturais diferentes espalhados pelo mundo. 
A moral ocidental é essencialmente monogâmica, mas em alguns países de cultura muçulmana é permitido que os homens possuam mais de uma esposa, desde que possam sustentá-las. Isso é perfeitamente moral para essas sociedades. O casamento por interesse econômico, também considerado imoral, já foi perfeitamente moral na nossa sociedade no passado e continua a ser em outras sociedades atuais. Algumas sociedades indianas veem como imorais a prática de matar animais, tão comum em nossa sociedade.
Ainda ressaltando o aspecto social da moral, não podemos usar o termo imoral para indivíduos; não existe pessoa imoral, pois todo indivíduo é parte de uma sociedade e de uma cultura, toda pessoa internaliza uma cultura, logo internaliza uma moral. 
Apesar de os valores morais diferirem nas sociedades, existem alguns valores que são apresentados como “universais”, presentes em quase todas as sociedades do mundo, como o princípio da liberdade. Alguns desses valores são tão primordiais que estão previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Então, alguns valores morais podem orientar a produção de direitos.
Entendemos o conceito de moral como aquilo que se consolidou como sendo verdadeiro para uma sociedade ou para uma cultura. Podemos relacionar moral com dois termos: liberdade e responsabilidade. 
Um comportamento moral é aquele que se expressa em liberdade. Não podemos dizer que alguém agiu de forma moral se essa pessoa foi forçada a fazê-lo.
Vamos tomar o seguinte exemplo, dado pelo filósofo Clovis de Barros Filho, no conteúdo apresentado na midiateca. Imagine uma pessoa em uma banca de jornais. O jornaleiro saiu e deixou a banca aberta. A pessoa quer pegar um jornal. Ela pode pegar e não pagar, pois não há testemunhas, não há câmeras e não haverá punição. Ela também poderá deixar o dinheiro na banca e levar o jornal. A moral da nossa sociedade nos diz para não roubar. O comportamento da pessoa de deixar o dinheiro ao pegar o jornal só será considerado moral se for exercido assim, com liberdade, sem coerção, sem ser forçado ou por medo de punição. Caso alguém coloque o dinheiro apenas porque se não o fizer vai poder ser punida, esse não será um comportamento moral, pois não aconteceu em liberdade.
A responsabilidade pelo comportamento também depende da liberdade. Ninguém pode ser responsabilizado por um comportamento se foi forçado a fazê-lo; quando se perde a liberdade, não há responsabilidade moral. Como afirma Leclerq (1967, p. 376), “os atos só têm caráter moral na medida em que nele intervém a liberdade; e seu caráter moral diminui na proporção que diminui a intervenção do livre-arbítrio”.
É considerado AMORAL um sujeito que não consegue internalizar a moral da sociedade. Uma criança pequena ainda não passou por todo o processo de aquisição cultural, logo não é capaz de entender a moral da sociedade. Outros casos seriam pessoas com doenças mentais ou com deficiência intelectual mais grave. Fora esses casos, não podemos dizer algo do tipo “essa pessoa é sem moral”, pois todos participamos da sociedade e internalizamos a moral dessa sociedade.
Entendendo a moral como fruto da cultura de um grupo social, podemos pensar nos valores morais de uma organização. As organizações são sociedades, com sua própria cultura — a cultura organizacional. Uma empresa sustentável está alicerçada em valores como honestidade, responsabilidade social, integridade, inovação, sustentabilidade, transparência, inteligência, inspiração, flexibilidade, entre outros. Esses princípios são compartilhados desde os superiores hierárquicos até todos os trabalhadores da empresa. 
Como são morais, são culturais, devendo ser exercidos em liberdade, e não por coerção.
O fato de existir uma moral na sociedade não significa dizerque todos irão segui-la o tempo todo. O que orienta as tomadas de decisão sobre a moral? Como fazemos os julgamentos morais? O que fez o sujeito deixar o dinheiro para o jornaleiro seguindo a moral? Por que outro sujeito levou o jornal e não pagou? Quando nos perguntamos isso, estamos nos deslocando do campo da moral para o campo da ética, que será o objeto do próximo tópico.
Ética
“O homem quando guiado pela ética é o melhor dos animais, quando sem ela, é o pior de todos.” (Aristóteles)
Ética é a parte da filosofia que reflete sobre as ações humanas, sobre o que fundamenta essas ações. Apesar de esse tipo de estudo ter aparecido, independentemente, em várias culturas na Antiguidade (nos impérios africanos e asiáticos), a ética originada pelos gregos antigos é a mais conhecida. Provavelmente, os gregos aprenderam elementos de ética em contato com outros povos e a desenvolveram. 
Uma das visões mais antigas sobre ética de que se tem registro é a do filósofo Aristóteles. Ele estabelece que o objetivo das ações humanas, de todo o trabalho da humanidade, é o bem. A busca pelo bem seria o que diferenciaria a ação dos homens das dos outros animais. Os animais apenas repetiriam ações inatas ou que aprenderam, sem o objetivo de chegar a um bem. Todavia, o que seria esse bem? Para Aristóteles, o bem maior seria a felicidade. O bem viver e o bem agir resultariam em ser feliz. O problema desse raciocínio, que Aristóteles percebeu, é que aquilo que é felicidade para uns não é exatamente considerado felicidade para outros.
Porém, havia uma certa regularidade; grupos sociais estabeleciam o que é o bem e o que é a felicidade. Acabamos por partilhar noções parecidas de “fazer o bem” com as pessoas que vivem sob as mesmas influências que nós: mesma religião, educação familiar semelhante etc. são as noções de moral.
Um elemento essencial para a compreensão da ética é a razão. Somos capazes de pensar sobre nossas ações, de planejá-las, somos diferentes dos animais, pois realizamos escolhas e julgamos o valor dessas escolhas. A ética é a ciência que faz a reflexão sobre a moral. Por julgar diferentes posições de acordo com a moral, ela é uma interpretação da moral. Então, a racionalidade é uma palavra-chave para o entendimento da ética. Veja como Marx abordou essa questão:
Uma aranha executa operações que se assemelham às manipulações do tecelão, e a construção das colmeias pelas abelhas poderia envergonhar, por sua perfeição, mais de um mestre de obras. Mas há algo em que o pior mestre de obras é superior à melhor abelha, e é o fato de que, antes de executar a construção, ele a projeta em seu cérebro. (MARX, 1988, p. 149)
Como é o indivíduo que interpreta a moral, ele utilizará sua racionalidade para planejar suas ações. Existe uma norma moral que diz que é errado beber e dirigir, então os indivíduos irão interpretar essa regra e decidir se irão ou não dirigir após beber. Para essa tomada de decisões, eles podem focar as consequências das ações.
A ética está ligada à opção; as pessoas optam por um ou outro comportamento. A ética orienta a conduta humana. Ela norteia nossa vida e a convivência entre as pessoas.
Em entrevista à Rádio EPC, foi perguntado ao filósofo Mario Sergio Cortella qual o limite da ética. O entrevistador relatou que, por ética, aquela rádio não dá noticias sensacionalistas, que, por ética, eles também não ofereciam contratos a empregados de outras rádios, mas que, como as outras rádios faziam, eles se prejudicavam. Qual seria o limite da ética? 
A resposta foi: “O limite da sua escolha.” Nessa resposta, captamos um dos elementos essenciais para a compreensão da ética: a opção racional, as escolhas, as decisões que tomamos. Não é pelo fato de o outro agir de forma errada que nós também devemos agir.
Vejamos como Álvaro Valls reflete sobre a ética:
Tradicionalmente ela é entendida como um estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e eventualmente até teológica sobre os costumes ou sobre as ações humanas... A ética pode ser o estudo das ações ou dos costumes, e pode ser a própria realização de um comportamento. (VALLS, 2008, p. 18)
Então, seria a ética sinônimo de moral? Não! A moral, como vimos no tópico anterior, é um conjunto de noções, um conjunto de normas ou um código determinado do que é certo ou errado produzido por uma cultura, que deveria orientar a conduta das pessoas em uma sociedade.
O ser humano, como ser social, está submetido às normas morais. No entanto, não somos apenas coletividade, temos uma visão, uma interpretação, uma crítica dos construtos sociais. Nós interpretamos e/ou criticamos a moral. Há uma tensão na existência humana entre o ser de hábitos culturais e o ser autônomo, que toma decisões, que é livre e responsável pelos seus atos. Nós somos esses dois seres ao mesmo tempo.
Na obra de Sigmund Freud, O mal-estar da civilização, o psicanalista aborda essa dualidade dos seres humanos. Por um lado, temos as regras de conduta da sociedade, representadas pela moral. Por outro lado, temos nosso lado animal, que busca satisfação, prazer. Muitas vezes, os interesses dessas duas partes irão colidir. Será necessário administrar esse conflito, julgar até que ponto devemos seguir a moral ou satisfazer nossas necessidades.
A ética nasce do conflito entre heteronomia (hetero = “diferente”; nomos = “lei”), representada pela moral, e autonomia (autos = “próprio”; nomos = “lei”), nossa capacidade de racionalizar criando nossas leis.
Vamos imaginar a situação de um rapaz que está com pouco dinheiro para as despesas de casa. Ao sair do trabalho, ele, acidentalmente, bateu com sua moto no retrovisor de um carro que estava no estacionamento. Ninguém viu. Ele terá que tomar uma decisão: ou ele seguirá a moral, que nos orienta a pagar por aquilo que nós quebramos, ou ele sairá dali e economizará o já pouco dinheiro que tem. O que fazer? Ele irá usar sua racionalidade para fazer um julgamento sobre a moral e tomar uma decisão, realizará uma ação.
Perceba que ética não é sinônimo de valor, não é a mesma coisa que valores como honestidade ou integridade. Esses valores podem servir de referência para a tomada de decisão, para o julgamento da moral.
A ética, como ciência, estuda os fatos morais. O fato moral acontece quando você tem os agentes (pessoas), que tomam decisões, fazem escolhas e realizam ações, com base nessas escolhas, que impactam a vida de outras pessoas. Esse impacto na vida dos outros pode ser positivo ou negativo. A ética vai explicar esses fatos morais. Veja o caso do rapaz da moto: a decisão tomada por ele irá impactar a sua própria vida e também a vida do dono do carro que ele quebrou a lanterna. 
Ao analisar a questão ambiental brasileira, Nelson Tembra (2009) afirma que a falta de ética é o centro do problema ambiental do país. Um dos casos que o autor utiliza para ilustrar seu raciocínio é a construção de hidrelétricas. Sobre a construção da hidrelétrica de Barra Grande, o autor aponta que o Estudo de Impacto Ambiental – EIA:
[...] foi elaborado por uma empresa, que, surpreendentemente, mentiu sobre a composição vegetal da área submersa pela barragem. No EIA foi dito que a área comportava somente capoeiras e capoeirões, estágios de sucessão ecológica que não são protegidos por lei. Ocorre que, de fato, metade da área era composta por vegetação primária, ou seja, que nunca havia sido derrubada pelo homem ou áreas em que se encontrava em estágio avançado de regeneração. Como sabemos, essas duas últimas formações são protegidas por lei, mas o Ibama, órgão responsável por vistoriar o estudo e verificar se ele estava correto, não apurou essas irregularidades. (TEMBRA, 2009)
Na citação anterior, temos duas ações que são objeto para o estudo da ética. Uma empresa que coloca informações falsas em um relatório e um órgão que não vistoriou as irregularidades. Podemos inferir sobre algumas pressões que levaram o órgão a não cumprir sua função, desde falta de pessoal a pressões de outros setores do governo. O que pode ser compreendido na análise sobre a ação é que: 
[...] o Ministériode Minas e Energia comemorou mais essa megahidrelétrica como mais uma obra que aceleraria o crescimento econômico do país, mas não o desenvolvimento social. De fato, a construção dessa hidrelétrica, como todas as demais, só foi possibilitada pela alegação, por parte do poder público, de que ela era de interesse público. (TEMBRA, 2009)
O fato de ser “de interesse público” vem permitindo a construção de hidrelétricas e minerações, inclusive na região da Amazônia, prejudicando os povos indígenas e as populações ribeirinhas. O autor apresenta a cadeia de raciocínio ético que convencionalmente é atribuída a esses empreendimentos:
Essa cadeia é estabelecida simplesmente perguntando-se o porquê de cada ação. Então, começando pelo fato ‘foi construída uma usina hidrelétrica que irá inundar uma grande floresta’. Por quê? ‘Pois se considera que a energia elétrica gerada é importante’. Por quê? ‘Pois com energia elétrica a economia do país pode crescer, e o crescimento econômico é algo importante’. Por quê? ‘Pois crescendo a economia, o país tem mais dinheiro, e ter dinheiro é importante’. Por quê? ‘Pois dinheiro traz felicidade’. Em se chegando nesse ponto, não cabe mais perguntar ‘Por quê?’. Não faz sentido perguntar por que se quer ser feliz. O que se pode perguntar é o que é e a quem pertence a tal felicidade, já que é isso que determina toda a escala de valores. Em se assumindo que o dinheiro traz felicidade, fica então justificada a ação da construção da barragem. (TEMBRA, 2009)
Ao analisarmos esses casos, verificamos as perdas para o ambiente, tais como os serviços ecossistêmicos prestados pela floresta (que envolvem manutenção da saúde por controle de parasitos, captura de gases do efeito estufa etc.), as perdas para as populações locais, o ganho irrisório para os operários e o fato de normalmente se tratar de empresas multinacionais, cujo lucro será destinado a seus acionistas estrangeiros.
	
	Para refletir
	
	Ao pensarmos na situação de usinas como a de Belo Monte, cujo estudo dos 
	impactos negativos pelos especialistas resultou em mais de 200 páginas de 
	descrição de prejuízos ambientais, podemos pensar em que princípios morais se baseia essa ética? Como fazer a justificativa para as decisões? 
[...] a justificativa ética da obra ficaria mais complicada, já que, para tanto, o sistema de valores assumido deveria considerar lícito sacrificar um bem público, o meio ambiente, em nome de um bem privado, o lucro de algumas megacorporações multinacionais. Isso só seria factível se assumíssemos que o correto é que quem pode mais, ou quem possui mais poder, use todos os meios que considere cabíveis, possíveis, impossíveis, imagináveis e inimagináveis para perseguir seus interesses, doa a quem doer. (TEMBRA, 2009)
	
	Para refletir
	
	Ou, ainda, imagine o seguinte dilema: é ético roubar um medicamento que é caro 
	demais para ser comprado no intuito de salvar uma vida? Ou seja, qual valor deve 
	prevalecer, o valor vida ou o valor propriedade privada?
Para guiar nossos julgamentos éticos, temos que adquirir o código de valores que regem a nossa sociedade. Por exemplo, no Brasil, temos que conhecer a Constituição, pois lá estão explicitados os valores morais nacionais. Vejamos o artigo 1º.
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político. (BRASIL, 1988)
Tendo a dignidade da pessoa humana como valor moral, fica claro que todo ser humano, sem distinção, merece tratamento digno. Então como agir perante os outros? Como agir eticamente? Agir sempre de modo a respeitar, a não humilhar, a não discriminar, seja em relação à sexualidade ou à etnia. Com esses valores morais estabelecidos, surgem os comportamentos inaceitáveis. A discriminação por etnia será o racismo, a discriminação por gênero será o machismo. Esses conceitos (racismo, machismo) não existiam em sociedades antigas que não tinham a dignidade da pessoa humana como valor moral. 
Da mesma forma, a escravidão e a tortura tornam-se práticas indefensáveis.
O valor moral pluralismo político, apresentado na Constituição, informa-nos que na nossa cultura as pessoas devem ter liberdade de defender suas ideias políticas, de expressálas e defendê-las, sem sofrer censura ou sanções por causa disso. Essa liberdade de expressão política encontra seu limite nas posições que se baseiam, por exemplo, em racismo ou machismo, pois elas ferem o valor moral da dignidade da pessoa humana. 
Logo, discurso de ódio não é opinião política.
Agora que estabelecemos o papel dos valores morais para a tomada de decisão, precisamos de modelos que orientem essas ações toda vez que os valores morais entrarem em conflito entre si ou com as circunstâncias da nossa vida. O próximo tópico abordará os modelos éticos.
Perspectivas Éticas
Quais os modelos produzidos pelo estudo da ética que orientarão a nossa tomada de decisões?
Dália Conrado (2017) realizou uma ampla revisão sobre as perspectivas éticas. Segundo a autora, podemos distinguir duas perspectivas sobre a noção de valor, com base na literatura em filosofia moral. Uma perspectiva avalia o valor da ação humana, enquanto a outra avalia o valor dos sujeitos e objetos no mundo.
A perspectiva ética do valor das ações humanas 
Essa primeira perspectiva é centrada no agir, sendo a ação o foco da análise, ou seja, a conduta humana; assim, nesse campo, a discussão será sobre os critérios utilizados para atribuir valor moral à ação. Será que uma ação realizada é certa? Fizemos algo bom ou ruim, recomendável ou não recomendável? Com isso, guiamo-nos no sentido de entender se esse tipo de ação deve ou não ser realizada. 
Essa perspectiva ética busca as razões, os critérios, os argumentos que fundamentam a ação, ela se preocupa em entender os porquês de uma pessoa cometer uma determinada ação. As perguntas que guiam essa perspectiva são: com base em que critério pode-se atribuir valor à ação? Ou: por que devo/devemos agir de um certo jeito?
A busca por essas respostas está na base das três principais tradições éticas da filosofia moral ocidental: 1) a ética das virtudes; 2) o utilitarismo; e 3) a deontologia.
Vamos submeter a esses três modelos o estudo de um caso proposto por Becket (2012). Uma jovem necessita de transplante de rim. Seu pai, ao mesmo tempo que quer doar, tem muito medo de fazer a cirurgia e morrer. Apesar de ser compatível com a filha, sua saúde não é muito boa. Com vergonha de ser recriminado pela sociedade, por seu medo de doar, o pai confessa ao médico que é compatível com a filha, mas pede a ele que minta quanto à compatibilidade dele com a filha.
· Deverá o pai doar o rim?
· Deverá o médico mentir?
Conheceremos os modelos e, em seguida, analisaremos como agir eticamente em cada um.
A ética das virtudes
Diferentemente das demais éticas ocidentais, a ética das virtudes não foca a conduta das pessoas, mas sim o caráter. O fato de essa ética ser tão diferente é explicada pela cultura da época em que foi produzida. Para os gregos, o mundo era estável e estático; as coisas no universo, inclusive nós, ocupariam sempre os mesmos lugares e fariam sempre as mesmas coisas. Como dito em um tópico anterior, a escravidão era justificada, pois havia pessoas cujo lugar natural era dominar e outras cujo lugar natural seria servir. Em um mundo desse tipo, a ética produzida tentava captar algo que fosse intrínseco às pessoas, nesse caso as virtudes.
Anscombe (1958) explica que, na visão de Aristóteles, a virtude é um traço de caráter que só pode ser percebido na forma habitual de agir de uma pessoa. A ideia de “habitual” é central para o entendimento da ética aristotélica. Só o que é costumeiro, comum, ação do dia a dia, que irá caracterizar a pessoa como virtuosa ou não. Analisaremos o caso do ser honesto. A virtude da honestidade sóé atribuída a pessoas que sempre falam a verdade. Ela não pode ser atribuída a pessoas que só falam a verdade ocasionalmente ou só são verdadeiras se isso trouxer alguma vantagem. O mundo de Aristóteles é um mundo de índoles inatas. A pessoa honesta é, por natureza, sempre verdadeira; é algo intrínseco, interno ao ser. Algumas pessoas teriam um caráter firme e inabalável. 
Os vícios, assim como as virtudes, são também traços de caráter que se apresentam nas ações rotineiras. Então, virtude é um traço de caráter bom, que se apresenta nas ações habituais. As virtudes morais são: afabilidade, autoconfiança, autodisciplina, benevolência, compaixão, civilidade, coragem, cortesia, equidade, generosidade, honestidade, justiça, lealdade, moderação, paciência, prudência, ponderação, sensatez, tolerância (ANSCOMBE, 1958, p. 308).
De acordo com Aristóteles, as virtudes são o meio-termo entre extremos: a virtude é “o meio-termo por referência a dois vícios: um de excesso e outro de carência”. A generosidade, por exemplo, é a disponibilidade para gastar os nossos recursos no auxílio aos outros. Aristóteles afirma que é um meio-termo entre dois extremos: situa-se em algum lugar entre a avareza e a extravagância.
Os extremos seriam os vícios: vício – virtude – vício. Então, teríamos: avareza – generosidade – extravagância. Se pensarmos na questão da coragem, ela se situaria entre a covardia (um vício por não nos dar suporte para enfrentar as situações da vida) e a temeridade (algo que beira a inconsequência; o sujeito não tem senso de autopreservação e enfrenta tudo que aparece). A honestidade, também como virtude, seria o caminho do meio entre dois vícios, pois, em um extremo, estaria a desonestidade, manifestada por mentir o tempo todo, e, no outro extremo, a dureza de dizer a verdade mesmo quando isso favorecer a injustiça. 
A ética das virtudes faz referência às qualidades necessárias às pessoas para uma boa conduta, voltada a uma vida boa. Desde a perspectiva aristotélica sobre as virtudes, é importante avaliar o encaixe de cada ser humano no todo social. Por isso, podemos dizer que essa é uma ética acerca da função ou do papel que cada ser humano cumpre no todo social de que é parte. Lembre-se de que no mundo grego esses papéis eram estáticos, pois não havia mobilidade social. Para essa tradição, a pergunta sobre “o que se deve fazer?” terá como referência o que um agente considerado virtuoso faria.
Quanto ao estudo do caso da doação do órgão, sob esse modelo ético, temos que:
· A decisão do pai está relacionada a seu caráter, dividido entre a covardia (vício) e a solicitude (virtude), mas o vício suplantou a virtude. Então é eticamente condenável o caráter do pai, por não ser virtuoso.
· O médico está em um dilema: por um lado, está sua integridade moral, a virtude da sinceridade; por outro, está a solicitude, ajudar o pai da jovem a não ser estigmatizado. Ele poderia encontrar um meio-termo e dizer que, por razões médicas, o pai não iria doar. Seria uma meia-verdade.
A ética consequencialista
As éticas que surgem na Idade Moderna são influenciadas pelo desenvolvimento das ciências da natureza. Sendo assim, o mundo não é mais estático, e não existe aquela ideia de cosmo ordenado em que tudo e todos têm seu lugar natural. Nessa nova cultura, surgem novas formas de avaliar a moral, ou seja, surgem novas éticas. O foco dessas novas éticas não será o caráter, pois as pessoas podem variar a forma como agem, mas sim a conduta.
Um grupo dessas éticas é chamado de consequencialismo, pois aqui o que importa é a consequência da ação que será feita. Então, vamos julgar a validade moral de uma ação de acordo com os resultados que essa ação vai provocar.
A ética utilitarista foi a principal corrente do consequencialismo, cujos teóricos de maior destaque foram Bentham (século XVIII) e Mill (século XIX). Para eles, uma ação é boa quando ela tem uma consequência que maximize o bem. Esse bem é medido em termos de felicidade, de prazer, ou por formas de evitar a dor para o máximo possível de envolvidos. É uma ética altruísta: não se pensa só no bem de quem realiza a ação, mas de quanto benefício essa ação trará a outras pessoas. 
Nicolau Maquiavel desenvolveu uma ética consequencialistam oposta ao utilitarismo. Ainda focado nas consequências, ele estabelece que: “Os fins justificam os meios.” Para conseguir um determinado objetivo, qualquer ação seria considerada moralmente válida. O discurso de Maquiavel visava justificar as ações dos governantes europeus (guerras, exploração do povo etc.). É considerada uma ética egoísta. 
Vamos contextualizar com um exemplo atual: uma empresa estabelece uma meta de vendas quase absurda para um funcionário do banco. Para atingir essa meta, ele pensou e vai mentir para alguns clientes vendendo produtos que não servem para eles. Segundo o consequencialismo maquiavélico, o fim justifica os meios, então pode ser feito. Já para o utilitarismo de Benthan, isso trará tristeza para muita gente, então não é certo fazer. Veja que temos aqui uma típica situação de aplicação da ética: uma situação que choca com os princípios morais e uma ação que precisa ser tomada.
No caso do transplante para a jovem, a ética utilitarista pesaria o maior benefício possível. Como o risco de morte para o doador é sempre baixo e há chances de a jovem viver após o transplante, a decisão certa é que o pai doe.
Para o médico, se o pai se recusa a doar, ele deve pensar no que traria maior conforto e felicidade para a família. Certamente não seria denunciar a covardia do pai. Então, por essa ética, o médico deveria mentir, pois a mentira em si não é um problema moral, uma vez que isso depende das consequências dela. No caso, deveriam ser consequências benéficas.
Ética deontológica
A ética deontológica, cujo representante máximo na modernidade foi Kant, nos séculos XVIII e XIX, afasta-se das anteriores na sua análise das ações, por não buscar critério para a justificação das ações, seja nas suas consequências (como os consequencialistas) ou nas virtudes dos agentes (como na ética das virtudes).
Para Kant, uma ação moral teria que ser executada no sentido do dever, e não apenas como resultado de uma inclinação, de um sentimento ou de qualquer tipo de benefício para o seu autor.
Sendo assim, doar dinheiro por caridade, movido por sentimentos de compaixão pelos mais necessitados, não seria considerada necessariamente uma ação moral, pois foi movida por sentimentos, e não pelo sentido do dever. Doar dinheiro aos pobres pensando nas consequências, tal como aumentar a popularidade, também não será uma ação moral, pois não está focado no dever.
Para agir moralmente, é necessário focar a motivação da ação, e essa motivação tem que ser o sentido de dever. Para Kant, a motivação é mais importante do que a própria ação, ou do que as consequências da ação. Ele justifica o foco no sentido do dever, pois focar as consequências é algo incerto. Será que nós temos um panorama real das consequências de nossos atos? Em várias situações é impossível saber quais as reais consequências do que fizemos. Essas consequências podem demorar muito a acontecer ou podem acontecer de forma discreta, de modo que nós não percebemos que causamos um dano ou benefício a alguém.
Imagine a situação de alguém que viu que uma criança estava se afogando. Ao tentar salvar a criança, essa pessoa acabou por contribuir que ela se afogasse mais rapidamente. Para Kant, a ação dessa pessoa ainda seria uma ação moral, a despeito da consequência trágica, se essa pessoa praticou a ação movida pelo sentido de cumprir o dever de salvar vidas. 
Kant acreditava que, como seres humanos, temos certos deveres, e tais deveres são absolutos e incondicionais. Devemos sempre dizer a verdade e nunca matar ninguém. Esses deveres são válidos independentemente de que consequências possam trazer. 
Esses deveres são os imperativos categóricos.
Para entender esse modelo ético, três aspectos devem ser salientados.
Primeiro, a moral é universal, então a lei moral é a mesma para todos os sujeitos.Um imperativo categórico é aquele dever que pode ser aplicado a todas as pessoas.
Segundo, o sujeito moral (a pessoa) tem o dever de usar sua racionalidade para ignorar ou mesmo contrariar as suas inclinações ou os seus interesses individuais por respeito à lei moral.
Por fim, o sujeito moral é a pessoa, fim em si mesmo, e nunca pode servir de meio ou de instrumento para ação de outrem.
No modelo ético deontológico, o caso do transplante seria visto de forma muito diferente dos modelos anteriores.
· O pai não tem o dever de doar o rim, pois esse dever não é universal para toda a humanidade. Há tantas pessoas que não podem doar. Um dever, para ser imperativo categórico, tem que ser universal. Obrigar todas as pessoas a doar as transformaria em meios para a felicidade dos outros; os seres humanos não podem servir de meios, eles são fins em si mesmos. Os sentimentos de compaixão, amor etc. não teriam nesse modelo qualquer valor moral.
· Para o médico, o dilema é insolúvel. Por um lado, ele tem o dever de não mentir. Por outro, ele tem o dever, de todo médico, de preservar o segredo contado pelo paciente.
A perspectiva ética ligada ao valor dos objetos
Nessa outra perspectiva, os modelos éticos irão focar o valor dos objetos de consideração moral. Ou seja, se o objeto é digno ou indigno, merecedor ou não, de consideração moral, e, nesse sentido, se tem valor intrínseco ou não.
Na perspectiva anterior, nós nos preocupávamos muito com a pessoa que faz a ação, que chamamos de sujeito moral ou agente moral. Nessa perspectiva, precisamos refletir sobre quem sofre a ação, ou seja, os pacientes morais, também denominados de objetos.
Essa segunda perspectiva é importante porque as teorias morais não explicitam, por si mesmas, os envolvidos, isto é, os seres com os quais devemos nos preocupar quando formulamos juízos éticos sobre o valor das nossas ações, e quando agimos. Assim, de uma forma resumida, trata-se de definir interesses de quem ou o que se deve levar em conta nas decisões e ações em que cabem juízos morais, pelos agentes morais.
A pergunta que se coloca nessa perspectiva é: quem ou o que tem valor intrínseco e quem ou o que tem valor extrínseco? 
Aqui, utilizaremos três modelos éticos: o antropocentrismo, o biocentrismo e o ecocentrismo.
ÉTICA AMBIENTAL
	
	Antropocentrismo
	
	Não antropocentrismo
	
	
	Bioce
	ntrismo
	
	
	Ecocentrismo
A perspectiva antropocêntrica assume que somente os seres humanos merecem consideração moral e somente ações que afetam os humanos merecem um exame moral. Sumariamente, a espécie humana possui valor intrínseco, um valor atribuído a algo por sua própria natureza, enquanto outros indivíduos (animais, vegetais) possuem valor instrumental, que é um valor atribuído a algo por seu uso atual ou potencial, sendo que a consideração moral ocorre de acordo com interesses de agrupamentos sociais humanos.
Os traços dessa ética antropocêntrica estão tão enraizados na nossa cultura que costumamos nos referir aos animais e plantas como “recursos naturais”. Será que esses seres estão no mundo para nos servir?
Guiados por esse tipo de modelo ético, poderíamos achar correto construir uma hidrelétrica que vai levar ao desaparecimento de espécies de peixes e de plantas, que destruirá os ecossistemas locais. Isso porque não valoramos moralmente esses objetos (plantas, animais, ecossistemas).
Algumas vezes, esse modelo ético é aplicado de forma parcial. Seria antropocêntrico levando em conta toda a humanidade? Vamos pensar na situação das barragens. Será que a humanidade foi realmente valorada? E os índios e os ribeirinhos, não são humanos?
Geralmente, os mais pobres acabam por ficar excluídos do pensamento ético que se diz antropocêntrico. Um termo novo que surge nas questões ambientais é “racismo ambiental”. Em princípio, parece algo muito estranho. Como um racismo pode ser ambiental? Ao investigarmos quais são as pessoas que vivem próximo aos lixões, aos rios em que são despejados materiais tóxicos, enfim, aos locais de maior degradação ambiental, encontramos uma questão étnica muito evidente. Até que ponto o modelo ético antropocêntrico inclui essas pessoas?
A perspectiva biocêntrica, por sua vez, caracteriza-se por propor a consideração moral de organismos individuais humanos e não humanos. Nesse sentido, os agentes morais possuem uma obrigação moral para com os outros seres vivos. O biocentrismo pode ser considerado uma ampliação da ética animal, uma vez que ele considera que não apenas os animais (ou alguns deles) têm um valor próprio, mas as plantas também, assim como qualquer outro ser vivo, que possui interesses de bem-estar e desenvolvimento e, logo, também deve ser considerado como paciente moral, pelos agentes morais. O raciocínio ético biocêntrico orienta a atribuição de direitos a todos os indivíduos biológicos, colocando para o agente moral um compromisso ético sobre todas as entidades vivas.
Muitos movimentos ambientalistas seguem essa ética biocêntrica. O crescimento e a disseminação desse modelo levaram a sociedade a repensar diversas práticas. Antigamente, o departamento de controle de zoonoses de um município poderia sacrificar indiscriminadamente os cães de rua (por meio da captura pela temida “carrocinha”). Os circos com animais são intensamente criticados e foram proibidos em diversas localidades, em virtude dos maus-tratos e mutilações a que submetiam os animais.
Por fim, no modelo ecocêntrico, há orientação para a expansão da consideração moral a entidades ambientais coletivas, inclusive a elementos abióticos, espécies e ecossistemas. Nesse sentido, o enfoque sobre a consideração moral não está em indivíduos, mas em totalidades ecológicas; assim, é considerado moralmente reprovável qualquer ato humano que prejudique a integridade e a estabilidade dos ecossistemas. 
Nesse modelo, uma empresa que provoca um derramamento de óleo no mar ou uma mineradora que polui um rio é condenável, não só por prejudicar os humanos (modelo antropocêntrico) ou uma série de indivíduos animais (modelo biocêntrico), mas por afetar um objeto de valor, o ecossistema, que se estabeleceu muito antes do ser humano — e por isso nossa missão deveria ser valorizá-lo e defendê-lo.
De modo geral, o raciocínio ético ecocêntrico orienta a atribuição de direitos ao meio ambiente, porém a definição dos interesses para a consideração moral torna-se complexa e difusa, uma vez que limites/fronteiras entre o todo e a parte (ou entre indivíduo e comunidade) não são simples de se estabelecerem, por exemplo, na ideia de organismos como superecossistemas.
	
	
	
	negócio da energia.
Bittencourt:
	NA PRÁTICA
	O setor energético brasileiro entrou janeiro imerso em crise, não somente ética, mas também técnica. Os dois problemas são históricos. O primeiro, relativo à ética, diz respeito aos impactos ambientais e sociais dos projetos de construção de usinas hidrelétricas na Amazônia, refletindo negativamente nas comunidades indígenas e 
A usina hidrelétrica de Balbina, inaugurada no final da década de 1980, no estado do Amazonas, é conhecida como a ‘pior concepção de hidrelétrica do mundo, porque ocupa um reservatório de mais de 2.500 km² para gerar 
 MW [...] Enquanto que a média nacional é de 0,5 km² por MW’ [...] Balbina é um mau exemplo que deve ser considerado diante da proposta do governo federal de construir quatro novas hidrelétricas no estado, das sete que serão construídas na bacia do rio Aripuanã, nos estados do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia.
Estima-se que somente no Amazonas oito unidades de conservação (federal e estadual) serão atingidas, o que causará ‘impactos significativos na grande diversidade de espécies animais e vegetais’. [...] Cerca de 112 mil 
	
	Nesta unidade, estudamos a ética e os modelos éticos. Vamos ver esses conceitos aplicados à situação da construção de barragens por empresas que exploram o Leia com atenção os trechos das entrevistas de Célio Bermann e Anderson 
ribeirinhas. (BERMANN, 2015)
De acordo com Anderson Bittencourt, em entrevista à IHU On-Line:
250habitantes serão impactados. ‘As famílias deverão ser deslocadas de suas áreas, considerando-se que está prevista uma inundação em média de 300 a 400 km² em cada área de barragem construída.’ (BITTENCOURT, 2012)
Observe que Célio Bermann alerta para o problema da falta de ética com o ser humano. Apesar de a construção de hidrelétricas se basear em uma ética antropocêntrica, que leva em conta o benefício dos humanos em detrimento da natureza, perceba que essa ética não leva em conta todos os humanos, pois exclui os indígenas e ribeirinhos. Então é uma postura antiética. 
Bittencourt alerta para a falta de uma ética ecocêntrica, pois diversos ecossistemas são destruídos por barragens. Logo, não é qualquer modelo ético que pode ser considerado satisfatório para empresas que afetam o ambiente de forma tão intensa.
Essas implicações éticas são muito importantes para o entendimento da responsabilidade social das empresas de energia. A recorrente postura antiética, seja para com os humanos, seja para com o ambiente, tem mobilizado a sociedade contra as empresas de energia, pressionando para o fim do negócio de exploração de barragens. Um princípio importante para nossa reflexão é: a empresa que não tem preocupações éticas produz evidências que serão usadas para a sua extinção e eliminação do ramo de atividade desempenhada. 
Resumo da Unidade 1
Moral e ética não são sinônimos. Apesar da forte inter-relação, eles guardam significados distintos. A moral é um produto da cultura e, como tal, sofre influência de tudo o que modifica a cultura. A moral muda com o passar do tempo e é diferente em sociedades distintas. A ética é a área do conhecimento que estuda os julgamentos morais. Para o exercício da ética, é necessário utilizar a razão e ter liberdade para tomar decisões. Existem muitos modelos éticos que irão orientar as ações de indivíduos ou das organizações. Uma parte desses modelos valoriza o caráter (ética dos valores) ou as ações; é o caso da deontologia, do consequencialismo. Outro grupo de modelos foi criado a partir do valor conferido aos objetos, aos pacientes morais, ou seja, àqueles que sofrem a ação.
	
	CONCEITO
	
	do para um determinado grupo, em uma época específica.
sões por parte de indivíduos e organizações. decisões tomadas diante de problemas ou dilemas morais. 
	
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	Moral é um construto social, produto da cultura, que determina o que é certo ou erra
A ética é a área da filosofia e da ciência social que estuda a moral e a tomada de deci
As perspectivas éticas são conjuntos de modelos usados para se refletir sobre as 
	
Referências 
ANSCOMBE, G. E. M. Modern moral philosophy. The Royal Institute of Philosophy, Cambridge, v. 33, n. 124, 1958.
BECKET, C. Ética. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2012.
BERMANN, C. A crise ética e técnica do setor energético brasileiro. Entrevista especial com Célio Bermann. IHU On-Line, São Leopoldo, 2 fev. 2015. Disponível em: <http:// www.ihu.unisinos.br/entrevistas/539420-a-crise-etica-e-tecnica-do-setor-energeticobrasileiro-entrevista-especial-com-celio-bermann>. Acesso em: 6 dez. 2018.
BITTENCOURT, A. Hidrelétricas no Amazonas: “Temos um exemplo negativo no nosso quintal”. Entrevista especial com Anderson Bittencourt. IHU On-Line, São Leopoldo, 3 maio 2012. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/509099-hidreletricasno-amazonas-temos-um-exemplo-negativo-no-nosso-quintal-entrevista-especial-comanderson-bittencourt>. Acesso em: 6 dez. 2018.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF, Senado Federal, 1988.
CONRADO, D. M. Questões sociocientíficas na educação CTSA: contribuições de um modelo teórico para o letramento científico crítico. 2017. 239 f. Tese (Doutorado em Ensino, Filosofia e História das Ciências) – Universidade Federal da Bahia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências, 
Salvador, 2017. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/24732/1/TeseDaliaMelissaConrado-2017-QSC-CTSA-Final.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2018. 
LECLERQ, J. As grandes linhas da filosofia moral. São Paulo: Herder, 1967. p. 376.
MARX, K. O Capital. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. v. 2.
MORAL. In: DICIO: dicionário online de português. Matosinhos: 7Graus, 2018. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/moral/>. Acesso em: 26 nov. 2018.
TEMBRA, N. A questão mais imediata do meio ambiente é a falta de ética. Ecodebate, Mangaratiba, 12 dez. 2009. Disponível em: <https://www.ecodebate.com.br/2009/12/12/ a-questao-mais-imediata-do-meio-ambiente-e-a-falta-de-etica-artigo-de-nelsontembra/>. Acesso em: 26 nov. 2018.
VALLS, A. O que é ética. São Paulo: Brasiliense, 2008.
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UNIDADE 2
A questão ambiental
INTRODUÇÃO
Para sermos capazes de elaborar projetos de responsabilidade socioambiental, é necessário refletirmos sobre a dimensão da crise ambiental mundial. Apesar da aparente simplicidade, esse é um tema complexo, que envolve saberes da economia, ciências da natureza e ciências sociais. Há muitas explicações simplistas e ingênuas para o problema ambiental, que se constituem na maior armadilha para aqueles que trabalham com responsabilidade socioambiental. Uma concepção ingênua de ambiente subsidiando um projeto irá fragilizar toda a sua estrutura.
	
	OBJETIVO
	
	Nesta unidade, você será capaz de:
• 
tomada de decisão profissional.
	
	
	
	Avaliar, do ponto de vista ético, situações de responsabilidade socioambiental para 
	
Visões de ambiente
Elaborar, implantar ou avaliar programas de responsabilidade ambiental exige que, antes de tudo, nós possamos explicitar qual é a nossa visão sobre o ambiente. Seriam meio ambiente e natureza a mesma coisa? Até que ponto uma ação de responsabilidade ambiental deve preocupar-se com a inclusão de questões sociais?
A ideia de natureza é um construto social e dependente da cultura, por isso não podemos esperar que todas as sociedades compartilhem a mesma percepção do que é a natureza. Além disso, a visão de natureza de uma sociedade não é estática, ela muda no decorrer do tempo influenciada pelas mudanças na cultura. O trabalho clássico de Lenoble (1969) nos alerta sobre o fato de natureza ser um conceito, um construto teórico: “[...] não existe uma natureza em si, existe apenas uma natureza pensada. [...] Não encontramos senão uma ideia de natureza que toma sentido radicalmente diferente segundo as épocas e os homens.”
Os diversos povos indígenas brasileiros têm visões de natureza diferentes entre si e das outras culturas comuns no país. As religiões de matriz africana possuem uma interpretação e uma relação com o mundo natural diferentes das da tradição judaico-cristã.
O estudo de Lenoble ainda detalha que a concepção de natureza dependerá de três fatores em cada lugar e época: a visão de ciência, a visão religiosa e a visão moral. A ciência nos dirá o que são as coisas do mundo, de que elas são feitas, como elas se comportam; a religião norteará a dúvida se a natureza é o divino ou a obra do divino; e a moral estabelecerá que atitude a humanidade terá a respeito do mundo natural.
Lúcia Cidade (2001) exemplifica a relação entre a visão de natureza e a cultura dos povos. Ela analisou dois perfis básicos de sociedades primitivas: agricultores e caçadores, e sua forma de encarar a natureza.
As sociedades agrícolas consideravam a natureza uma grande mãe, viva e em transformação; as pessoas eram parte desse ser [...]. Nesse sentido, as pessoas e divindades fariam parte de uma dança da natureza, improvisada e autocriativa. Diferentemente, para as sociedades caçadoras nômades, a natureza estaria separada tanto dos deuses como das pessoas. A natureza teria sido criada por um deus exterior a ela; significava uma dádiva para ser usada e explorada. 
Os homens e seus deuses desfrutariam uma posição externa e superior à natureza [...] (CIDADE, 2001, p. 104).
Ao estudarmos os modelos éticos que valorizam os objetos da natureza, vimosa oposição entre dois modelos: o antropocentrismo e o ecocentrismo. O primeiro dota de valores os elementos da natureza que interessam ao ser humano, os recursos naturais; já o ecocentrismo valora ecossistemas e relações presentes na natureza, independentemente dos usos humanos.
A palavra latina natura significa “a ação de fazer nascer”. Esse termo carrega consigo a ideia de que a natureza não é apenas um conjunto de elementos (animais, plantas, água, rochas...), mas que é composta por uma série de processos, algo como um princípio que é capaz de produzir, desenvolver e eliminar diferentes tipos de coisas ou seres.
Os processos naturais são complexos e interligados. Vários fenômenos que ocorrem nos ecossistemas, quando estudados de maneira mais profunda, revelam diferentes dimensões. Vamos a alguns exemplos importantes. 
As cadeias alimentares tendem a ser simplificadas no ensino de ciências como as relações tróficas (quem se alimenta de quem na natureza). Essas relações são diretamente responsáveis pela manutenção da quantidade de seres de cada espécie e pela estrutura do próprio ecossistema. Caso um elo da cadeia alimentar seja retirado ou sofra uma redução em sua população, aqueles seres que são suas presas podem se multiplicar em quantidades absurdas. Temos diversos exemplos disso, um deles são as pragas que afetam a agricultura, geralmente ligadas à maneira como o próprio setor agrícola lidou com a natureza. Pragas de gafanhotos, besouros e lagartas são casos típicos. Na fase em que o café era a base da economia do Brasil, a destruição de florestas para o plantio desse grão reduziu a população de pássaros que predavam as borboletas. Com isso, surgiu a praga da borboletinha do café, e as lagartas dessa borboleta dizimaram as plantações. 
Não só insetos podem tornar-se pragas, por exemplo, o coral-sol é transportado de locais distantes do planeta para o Brasil no casco das embarcações e, ao chegar aqui, ele não possui predador, ocupando o espaço dos corais nativos e eliminando a fauna nativa. Esse é o perigo do “ser introduzido”. Animais e plantas de outros países podem representar um risco para nossos ecossistemas. Aqui, eles podem crescer indiscriminadamente, tornando-se pragas e eliminando as populações nativas. Por isso, nas viagens internacionais é proibido transportar sementes.
Algumas pessoas não entendem por que se investe em programas de conservação de espécies, tais como a ararinha-azul, a baleia jubarte, as tartarugas marinhas. Além da ética biocêntrica, que confere valor aos objetos da natureza, há uma questão de conservação dos ecossistemas como um todo. Os pássaros são dispersores de sementes de muitas espécies vegetais, e isso quer dizer que, sem certas espécies, algumas plantas não irão se espalhar e desaparecerão. Outros seres (morcegos, aves, insetos) são polinizadores, e diversas espécies vegetais não garantem sua reprodução por si só, ou seja, sem o polinizador não há processo reprodutivo. Esse é o motivo que faz a humanidade se preocupar com o atual desaparecimento das abelhas: sem abelhas, diversas espécies vegetais desaparecerão.
Quando uma organização adota o discurso de preocupação com a natureza, cabe a ela informar-se da importância do que está fazendo, como suas ações afetam a natureza, e ir além dos slogans e das palavras de ordem para o entendimento dos processos naturais.
Uma aparente dicotomia presente nos discursos sobre natureza é a questão do natural versus o artificial. O natural viria da natureza, sem necessidade da participação do homem; seriam processos que já se estabeleciam antes de a espécie humana surgir. O artificial é a ação humana sobre as coisas e os processos da natureza. Vale lembrar que nenhum processo artificial é independente da natureza, pois vem de sua modificação. Também é importante refletir sobre a ação dos humanos, que é tão intensa na atualidade que gera consequência para os processos naturais.
O encontro do natural com o artificial gera o ambiental. O ambiente não é natureza pura, livre de humanos — ele se constrói na tensão das relações naturais e artificiais. Dulley (2004) alerta que, apesar da dicotomia natural versus artificial, não se pode dissociar totalmente o natural do social, pois o encontro dessas duas componentes produz as questões ambientais.
[...] pois outros temas, além da destruição da natureza, como o tratamento cruel de animais domésticos, a exploração desumana de trabalhadores e crianças e as restrições por parte dos consumidores aos organismos geneticamente modificados, que até há poucos anos, não eram sequer cogitados pelas legislações específicas, nem mesmo os monitorados por entidades internacionais, passaram, recentemente, a ser considerados parte da crise ambiental. (DULLEY, 2004, p. 17)
Além disso, o ser humano é um animal, por isso também é parte da natureza. Por mais que vivamos cercados de produtos e processos artificiais, não podemos nos enxergar como algo à parte da natureza.
A ISO 14001 é uma norma internacionalmente reconhecida que define o que deve ser feito para estabelecer um Sistema de Gestão Ambiental (SGA). Essa norma foi desenvolvida com o objetivo de criar o equilíbrio entre a manutenção da rentabilidade e a redução do impacto ambiental, com o comprometimento de toda a organização. A ISO 14001:2004 arriscou uma definição sobre meio ambiente: “Circunvizinhança em que uma organização opera, incluindo-se ar, água, solo, recursos naturais, flora, fauna, seres humanos e suas inter-relações” (ABNT, 2004, p. 1). Essa tentativa de definição ainda é considerada estática — meio ambiente é mais que circunvizinhança, não é um cenário.
No sistema jurídico brasileiro, foi a Lei nº 6.938/1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), que definiu o conceito de meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e infraestrutura de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981, p. 1). A ideia de abrigar e reger a vida capta mais o funcionamento do meio ambiente e é uma definição mais profunda que a da ISO.
Sofisticando um pouco mais, podemos analisar a reflexão de Primavesi (1997) de que meio ambiente não é apenas o espaço em que se vive, “mas o espaço do qual vivemos”. Isso eleva o papel do meio ambiente de mero cenário a produtor das nossas condições de existência.
Algumas definições explicitam as relações entre mundo natural e sociedades humanas. Para Tostes (1994):
[…] meio ambiente é toda relação, é multiplicidade de relações. É relação entre coisas, como a que se verifica nas reações químicas e físico-químicas dos elementos presentes na Terra e entre esses elementos e as espécies vegetais e animais; é a relação de relação, como a que se dá nas manifestações do mundo inanimado com a do mundo animado [...] é, especialmente, a relação entre os homens e os elementos naturais (o ar, a água, o solo, a flora e a fauna); entre homens e as relações que se dão entre as coisas; entre os homens e as relações de relações, pois é essa multiplicidade de relações que permite, abriga e rege a vida, em todas as suas formas. Os seres e as coisas, isoladas, não formariam meio ambiente, porque não se relacionariam.
Por fim, chegamos a uma compreensão mais totalizante, que não dissocia a cultura do meio ambiente. Silva (2000, p. 20) conceitua o meio ambiente como a “interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”. Para Migliari Junior (2001, p. 40), o meio ambiente é a:
[…] integração e a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais, culturais e do trabalho que propiciem o desenvolvimento equilibrado de todas as formas, sem exceções. Logo, não haverá um ambiente sadio quando não se elevar, ao mais alto grau de excelência, a qualidade da integração e da interação desse conjunto. 
Então, quando nos referirmos a meio ambiente, é importante que se entenda que esse conceito engloba toda realidade sociocultural em interação com a natureza.Vejamos como a Constituição brasileira aborda a questão do meio ambiente: 
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988)
Apesar de não ser possível definir cientificamente o que é um meio ambiente ecologicamente equilibrado, entende-se que buscamos conservar as relações que existem nos ecossistemas. Utilizamos o termo “conservar” em vez de “preservar”, pois ao conservarmos podemos intervir — a ação humana não é descartada, desde que não se destrua ou se descaracterize totalmente o ambiente. A grande polêmica da conservação é entender o que deve ser conservado: o ecossistema, as populações ou a diversidade genética?
Preservar é um termo mais forte que conservar. Ao preservarmos uma área, devemos retirar ou livrar o local da exploração humana. Não é possível preservar toda a natureza, pois isso impediria as atividades humanas.
Crise ambiental
O ser humano tem a capacidade de alterar o ambiente para buscar soluções para seus problemas. Com isso, fomos capazes de utilizar o conhecimento científico para produzir métodos, técnicas e artefatos que alteram as condições oferecidas pelo ambiente. A partir do conhecimento científico sobre a eletricidade, foi possível produzir circuitos elétricos que são a base de diversos aparelhos, mas nem toda tecnologia é necessariamente um objeto material. Diversas técnicas, receitas, protocolos etc. foram desenvolvidos no sentido de mudar a natureza: uma técnica de cirurgia, uma receita para produção de vinhos e um protocolo para coletar sangue para exame são também tecnologias.
Algo que deve ser motivo de reflexão por parte dos professores ao ensinar sobre tecnologia é que, geralmente, ela não surge como resposta à curiosidade humana ou como consequência da atitude altruísta de alguém que deseja melhorar a vida das pessoas. São inegáveis os interesses econômicos e políticos que regem a produção de ciência e tecnologia. Fazer ciência profissional não é algo barato, assim como não o é desenvolver tecnologia de ponta. Os conhecimentos sobre os “porquês” e sobre o “como fazer” são estratégicos politicamente e significam poder. Não é à toa que os países que possuem uma política externa mais agressiva e desejam estender sua influência militar, política e econômica investem tanto em ciência e tecnologia.
O fator econômico é também decisivo para a produção de tecnologias. As empresas não investem em tecnologias que não sejam lucrativas. No caso da saúde, temos o problema das doenças negligenciadas, pouco pesquisadas pela indústria farmacêutica por afetarem mais a população mais pobre. Por esse motivo, tecnologias para produção de vacina e tratamento para doenças antigas como hanseníase e doença de Chagas são raras e antiquadas. Por outro lado, doenças que também podem afetar pessoas com maior poder de compra (câncer, HIV) são pesquisadas de forma intensa, e novas tecnologias são desenvolvidas constantemente.
Os avanços da biotecnologia, caracterizados pela clonagem, pela produção de transgênicos e pela engenharia genética, são direcionados pelos interesses de lucro de grandes corporações.
Para agravar o problema, os impactos ambientais não são compartilhados por todos igualmente, e os grupos menos favorecidos economicamente defrontam-se de forma cruel com essa realidade, tendo que habitar locais próximos a lixões, usar água contaminada e expor-se às poluições visual, sonora e de resíduos tóxicos. Daí surge o compromisso da responsabilidade social e da responsabilidade ambiental.
Para entender melhor a crise ambiental, iniciaremos com uma fábula conhecida: “Era uma vez, uma floresta em chamas e lá estava um beija-flor com seu minúsculo baldinho tentando apagar o fogo. Quando perguntado por que não fugia, o beija-flor disse: ‘Eu estou fazendo a minha parte.’”
Então, se cada um fizer a sua parte nós conseguiremos resolver o problema ambiental?
No sentido de entender as implicações mais profundas da fábula do beija-flor, vamos analisar o início do movimento ambientalista. Um marco importante na história das ciências ambientais foi o lançamento do livro Primavera silenciosa, de Rachel Carson, em 1962. Nele, a autora denunciava os efeitos tóxicos do DDT para o ambiente. Boa parte da denúncia se baseou no efeito que o pesticida tinha na saúde das aves. O produto que havia sido utilizado como arma química era agora comercializado como defensivo agrícola. Se pensarmos nos ecossistemas como uma rede de relações entre os seres, algo que está afetando as aves tão devastadoramente estaria afetando os demais seres, humanos inclusos.
Quando Carson fez essa denúncia, a mídia, patrocinada pelas corporações que fabricavam esses defensivos agrícolas, tentou destruir sua imagem, retratando-a como louca e sensacionalista, mas a História fez justiça a Rachel Carson com a proibição do DDT, que logo depois foi comprovado como causador de câncer e envenenamentos.
Não obstante, como tudo isso se conecta com a história do beija-flor? Vamos pensar em alguns casos parecidos com o que Rachel Carson relatou. O Brasil é campeão no uso de agrotóxicos (pesticidas ou defensivos agrícolas). Alguém pode afirmar que a solução para isso é mudarmos nossos hábitos e não usarmos agrotóxicos. Muito bom, mas somos nós que plantamos nosso alimento? Ainda pensando em solução individual, alguém pode propor só comermos produtos orgânicos (plantados sem agrotóxicos ou adubos químicos). Além de serem caros para a maioria da população, não adianta consumir produtos orgânicos enquanto grandes concentrações de agrotóxicos são lançadas no solo, contaminando os lençóis de água subterrâneos e os rios. Também não adianta plantar o próprio alimento, pois não conseguiremos, em área urbana, cultivar tantos vegetais e ainda utilizaremos água que poderá estar contaminada por agrotóxico.
A questão do desperdício de água é outra que, muitas vezes, é minimizada pela mídia. A versão conhecida por todos é que nós (os cidadãos comuns) somos os causadores do problema e resolveremos isso se reduzirmos nosso tempo de banho, não lavarmos a calçada com mangueira, entre outras ações individuais. 
	
	Para refletir
	
	
	Será que a escassez de água se deve ao uso doméstico? Será que fazermos 
	nossa parte resolverá o problema?
Agora, convidamo-lo a refletir sobre o uso de água pela agricultura e pela indústria e o uso doméstico. 
A análise do infográfico no vídeo nos mostra que os maiores consumo e desperdício de água se dão nas lavouras que produzem ração para todo tipo de gado. A indústria também gasta e desperdiça muito mais água que a soma do uso doméstico. A análise do vídeo sobre o ciclo da água nos mostra o quanto é desperdiçado para produzir uma simples garrafa plástica, mas que a indústria utiliza esse tipo de recipiente porque é mais barato. 
Ainda analisando práticas pedagógicas ingênuas, que se baseiam na fábula do beija-flor, vamos pensar em reciclagem. A reciclagem costuma ser apresentada como solução para o problema do lixo: para resolvê-lo, basta que saibamos separar os materiais, acondicioná-los nas lixeiras específicas e enviar para reciclagem.
Esse tipo de prática não se baseia na evidência científica de que a reciclagem não consegue dar conta da quantidade de materiais que são produzidos e descartados, impossível de ser reciclada em sua totalidade. O mesmo erro é cometido pelos artesanatos de garrafa PET. Não é possível converter nem uma fração insignificante de garrafas PET em artesanato, pois a cada dia são lançadas na natureza milhares de novas garrafas.
Essa prática também comete o erro das abordagens C&T, que acabam por dar uma ilusão de mundo em que a tecnologia resolverá todos os problemas: podemos consumir desenfreadamente, que é só usar as tecnologias de reciclagem; a indústria pode lançar produtos de curta duração e exagerar nas embalagens, porque a reciclagem resolverá o problema. Mesmo a iniciativade algumas indústrias de trabalhar com materiais reciclados não resolve o problema, pois a produção supera, e muito, aquilo que é viável de ser reciclado. Lembre-se, também, de que esses novos produtos (reciclados) igualmente voltarão a ser lixo.
Reciclagem de garrafas PET, necessária, porém muito insuficiente 
para o enfrentamento do problema ambiental.
Então, como educador ambiental, não posso fazer uma oficina de reciclagem ou ensinar cuidados de economia da água doméstica? Pode, sim, mas de forma a problematizar, não para propor soluções mágicas, fantasiosas e ingênuas.
Uma oficina de reciclagem pode ser um desafio para discutir o poder limitado dessa prática; os cuidados com a água doméstica devem ser ensinados, mas apenas para economizar dinheiro e água tratada, não como solução para o problema da escassez, pois, se não recuperarmos os rios, protegermos as matas ciliares ou agirmos politicamente pela criação de normas contra o desperdício da pecuária, da agricultura e da indústria, não adiantará o cuidado doméstico.
Prática escolar de reaproveitamento de materiais. Deve ser acompanhada de uma abordagem bastante crítica da própria atividade para não alimentar concepções ingênuas.
O compromisso do educador ambiental é político, comunitário, e não individualista. A fábula do beija-flor reflete algo triste da sociedade, um egocentrismo desmedido, a ideia de que, mesmo que não adiante de nada, o indivíduo está fazendo sua parte e pode pôr a culpa no outro pelo problema ambiental. O compromisso da Educação Ambiental (EA) não é com a culpa individual, mas com as responsabilidades coletivas, lembrando sempre que essas responsabilidades variam, pois alguns grupos têm maior poder político ou econômico.
Sustentabilidade e sua crítica
Durante muitas décadas, o rio Tâmisa (Londres, Inglaterra) era poluído e muito malcheiroso, a ponto de ser apelidado de o grande pooh (o grande cocô!), representando um problema ambiental e de saúde para a população, que, porém, tratava-o com humor. A população dos educados ingleses conviveu com o problema por muito tempo sem nenhuma grande mobilização no sentido de resolvê-la. No século XIX, por causa de diversas epidemias, incluindo cólera, foram desenvolvidas as primeiras estações de tratamento de água, mas nada foi feito para melhorar as condições do rio. Nos anos 1960, iniciou-se o grande projeto ambiental da cidade, e a empresa que explora a água (Thames Water) e o governo fizeram a despoluição do rio. Atualmente, as águas estão limpas, há peixes e as novas gerações de ingleses que cresceram com o rio limpo são exigentes quanto à qualidade do ambiente.
O que o episódio do Tâmisa nos ensina sobre o desenvolvimento sustentável?
Para responder a isso, primeiro precisamos entender o que é desenvolvimento sustentável. Você poderá encontrar diversas definições para isso, então usaremos uma conceituação mais amplamente utilizada e adotada pela ONU, que propõe um desenvolvimento econômico respeitando a continuidade dos recursos naturais para as próximas gerações. Para isso, é muito importante que você assista atentamente ao vídeo da ONU sobre a Agenda 2030, documento que orienta o desenvolvimento sustentável em todo o mundo.
Perceba que, ao discutir o desenvolvimento sustentável, alguns fatores sempre farão parte do debate. Com certeza, os aspectos ambientais são lembrados, mas, mesmo que sejam “os primeiros da lista”, não podemos afirmar que é dada a eles a mesma importância dos aspectos econômicos. Como vimos anteriormente, ambiente não é sinônimo de natureza, mas sim da interação de fatores naturais com fatores sociais. 
Então, podemos notar a presença de preocupações com as questões sociais. 
Dessa forma, podemos entender que o desenvolvimento sustentável é um modelo que busca aliar o crescimento econômico à conservação dos recursos naturais, buscando deixar um ambiente saudável para as gerações futuras. Para isso, questões sociais como a fome, a pobreza e a liberdade precisam ser resolvidas.
O IBGE analisa o desenvolvimento sustentável e as metas da ONU com otimismo. São apresentadas melhoras nos índices de diversos objetivos da ONU: a fome no mundo está reduzindo, a desigualdade de gênero também e as condições sanitárias das populações estão melhorando. 
O problema, que mesmo a visão otimista do vídeo deixa passar, é que as metas nunca conseguem ser cumpridas nos prazos estipulados. Em 1992, na conferência ECO 92 no Rio de Janeiro, a ONU traçou 21 metas para o século XXI, resultando no documento chamado de Agenda 21. Com a chegada deste século, foi percebido como estávamos longe de atingir essas metas. Os atuais 17 objetivos para 2030 são uma releitura da Agenda 21. Mesmo com os avanços, estamos muito longe de atingir qualquer uma das 17 metas estabelecidas pela ONU.
A ênfase no crescimento econômico coloca em choque a economia com a biologia. Como é possível crescer indefinidamente em um planeta cujos recursos são finitos? A capacidade de suporte do planeta já foi superada desde os anos 1980. A Terra não consegue gerar mais recursos ou absorver a quantidade de resíduos dos diversos processos produtivos. Podemos considerar que um dos grandes entraves ao pensamento sobre sustentabilidade é considerar o capitalismo a única forma de modelo produtivo possível. Para salvar esse modelo, são invocadas as inovações tecnológicas e as ações políticas.
Outro problema grave do desenvolvimento sustentável é de natureza ética. O discurso da ONU, por exemplo, é baseado em uma ética antropocêntrica. Os objetos da natureza (animais, plantas, ecossistemas...) são reduzidos a recursos.
No mundo das organizações, o discurso da sustentabilidade é hegemônico, parecendo nunca ser questionado. Talvez, por isso, muitas empresas se vejam seduzidas por soluções ambientais superficiais ou ingênuas. Entender a sustentabilidade é importante, aprender a trabalhar dentro dessa perspectiva é estratégico, mas saber questioná-la é o que diferencia o profissional como ser atuante de mero executor de tarefas.
Agora discutiremos sustentabilidade aplicada ao exemplo da questão do Rio Tâmisa, que estava no início do tópico.
Para pensarmos na situação desse rio em Londres, convidamo-lo a sair da Inglaterra para visitarmos o litoral brasileiro. Um dos maiores desafios para a conservação das tartarugas marinhas no Brasil é a necessidade de alimentação da população de baixa renda que vive na costa. Diante das poucas opções para sobrevivência, comer a carne e os ovos das tartarugas se tornou uma opção. Isso foi incorporado à cultura local, de forma que a alimentação à base de tartaruga ganhou valores de identidade local. Vimos no tópico passado que não se faz EA apontando “culpados”, muito menos a partir de concepções ingênuas de ambiente, tal qual a fábula do beija-flor (cada um faz sua parte). Como o Projeto Tamar enfrentou essa situação? Qual foi a abordagem de desenvolvimento sustentável utilizada por essa organização?
O Projeto Tamar foi criado em 1980 pelo antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), que mais tarde se transformou no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). Hoje, é reconhecido internacionalmente como uma das mais bem-sucedidas experiências de conservação marinha e serve de modelo para outros países, sobretudo porque envolve as comunidades costeiras diretamente em seu trabalho socioambiental (PROJETO…, c2011).
O envolvimento das comunidades costeiras no trabalho socioambiental representa a chave para a questão. O Tamar foi eficiente em gerar uma nova economia para as localidades onde as tartarugas fazem seus ninhos. O turismo associado às tartarugas, gerando emprego e renda (a partir de venda de artesanato), deu uma resposta econômica mais eficiente para as necessidades da população que a predação dos quelônios. Aos poucos, conservar as tartarugas foi se tornando parte da cultura local, mostrando que a cultura não é estática, ela muda. 
Perceba que a visão de desenvolvimento sustentável do Tamar alia crescimento econômico, justiça social, natureza, ciência e tecnologia

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