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Zoologia de Invertebrados 15 Dois filos provavelmente relacionados com artrópodes: Tardigrada e Onychophora Introdução e características gerais Poderia se pensar que um grupo tão estereotipado e com um registro fóssil tão antigo, como os artrópodes, teria uma filogenia relativamente incontroversa. As seguintes carac- terísticas são consideradas características de artrópodes: exoesqueleto externo articulado; traqueias; olhos compos- tos; túbulos de Malpighi; mandíbulas; coração com óstios. Todavia, existem controvérsias consideráveis a respeito da história evolutiva desses animais. Em grande parte, o centro da controvérsia está em quantas vezes essas características de artrópodes evoluiram independentemente. Todos os subfilos de artrópodes listados no Capítulo 14 estão representados entre os primeiros fósseis de Burgess Shale, formado no início do período Cambriano, em torno de 530 milhões de anos atrás. O grupo ancestral é difícil de traçar porque a maioria dos artrópodes certamente é deri- vada de um ancestral de corpo mole, escassamente repre- sentado nos registros fósseis. Por longo tempo, muitos bi- ólogos têm acreditado que os artrópodes seriam derivados dos anelídeos ou, pelo menos, teriam ancestrais semelhan- tes aos anelídeos; de fato, artrópodes e anelídeos são por ve- zes referidos como pertencentes à Articulata. Em particu- lar, artrópodes e anelídeos demonstram claramente espaços celômicos segmentados durante a embriogênese; a ausência destas características nos artrópodes adultos poderia facil- mente ser uma modificação de uma condição ancestral. E, como nos anelídeos, os segmentos dos artrópodes surgem de uma zona específica da região posterior do animal. Em- bora a maioria dos dados moleculares não suportem a hi- pótese “Articulata”, a existência de animais possuindo al- gumas características de artrópodes e algumas caracterís- ticas típicas de anelídeos ou outros grupos, ou pelo menos atípicas para artrópodes, apresenta implicações filogenéti- cas tentadoras. Os animais discutidos neste capítulo – Tar- digrada e Onychophora – mostram esta combinação intri- gante de características de artrópodes e não artrópodes. A posição filogenética dos dois grupos foi incerta por al- gum tempo. Em geral, os tardígrados têm sido amiúde asso- ciados com os rotíferos, nematódeos e outros membros do filo Cycloneuralia (ver Fig. 2.10 no Capítulo 2), agora referi- dos geralmente como cicloneurálios (Capítulos 10, 16-17), e os onicóforos têm sido frequentemente associados com os 422 Capítulo 15 anelídeos. Existe, contudo, um crescente reconhecimento de que tardígrados e onicóforos são estreitamente relacio- nados uns com os outros e com os artrópodes. Uma carac- terística compartilhada entre tardígrados e onicóforos é a presença de pernas sem articulações, chamadas lobópodes, que terminam num certo número de garras afiadas. Estas pernas são também encontradas entre alguns fósseis datan- do do período Cambriano Médio, em torno de 525 milhões de anos atrás (Fig. 15.1). Alguns pesquisdores sugerem que os lobópodes podem ter surgido a partir de apêndices de ar- trópodes e anelídeos. Vários zoólogos e paleontólogos têm proposto o agrupamento de onicóforos, tardígrados e fós- seis relacionados em um novo agrupamento maior, os Lo- bopoda. Os dados mais recentes sugerem que onicóforos são o grupo irmão de Arthropoda, e tardígrados devem ser grupo irmão de Lobopodia.1 A estreita associação entre lobópodes e artrópodes é su- portada por estudos moleculares e anatômicos, e os três gru- pos são muitas vezes referidos coletivamente como Panar- thropoda. Como os artrópodes, tardígrados e onicóforos se- cretam cutícula quitinosa que mudam periodicamente; se o processo de muda tem uma base bioquímica comum nos três grupos Panarthropoda, tem ainda de ser determinado. Filo Tardigrada Filo Tardi • grada (do latim: passos lentos) Características distintivas:2 aparelho bucal incluindo es- tilete oral protusível para perfuração de plantas e, em me- nor proporção, tecidos animais. Membros do filo Tardigrada (os “ursinhos d’água”) têm clara afinidade com artrópodes, mas não o bastante para incluí-los como membros genuínos deste filo. Em torno de 1.000 espécies de tardígrados foram descritas. Todos os tar- dígrados são bastante pequenos, variando de 50 μm (micrô- metros) a 2.000 μm de comprimento. Um típico tardígrado mede cerca de 0,5 mm. A maioria das espécies vive no filme superfícial da água sobre plantas terrestres e especialmen- te musgos e líquens. Algumas espécies marinhas têm sido descritas, muitas delas vivendo nos espaços entre os grãos de areia (i.e intersticialmente) indo a profundidades de até 5.000 m. Embora pequenos, os tardígrados podem ocorrer em agregações impressionantemente densas, de até diver- sos milhões por metro quadrado de substrato. Um peque- no número de espécies é comensal ou parasita de outros in- vertebrados. O primeiro tardígrado fóssil foi encontrado há cerca de 45 anos atrás, em âmbar do Cretáceo (em torno de 100 mi- lhões de anos atrás). Contudo, tardígrados fósseis, ou seus parentes primevos, já foram relatados a partir de rochas na 1. Campbell, L. I., et al., 2011. Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 108:15920–24. 2. Características que distinguem os membros deste filo dos membros de outros filos. Sibéria, de meados do Cretáceo, formadas há cerca de 520 milhões de anos. Tardígrados, assim como artrópodes e onicóforos, estiveram provavelmente presentes durante ou próximo ao início da explosão cambriana. À semelhança dos artrópodes, tardígrados possuem uma cutícula quitinosa complexa, que é periodicamente mudada e que não só cobre o corpo por fora, mas também forra as partes anterior e posterior do tubo digestório. Além disso, tardígrados possuem, músculos estriados similares aos dos artrópodes e a espaçosa cavidade do corpo parece ser uma hemocele, formada a partir de espaços no tecido conectivo. Devido ao fato dos tardígrados serem pequenos e sua cutícula ser altamente permeável à água e a gases, são essencialmente restritos a hábitats úmidos. A troca gasosa ocorre em toda superfície corporal; tardígrados não apre- sentam estruturas respiratórias especializadas. Como os ar- trópodes, tardígrados não possuem cílios móveis. Todos os tardígrados tem quatro pares de apêndices com garras com os quais o animal rasteja sobre ao substrato de forma desa- jeitada, semelhante a um urso (Fig. 15.2), mas os apêndices nunca são articulados. O sistema nervoso dos tardígrados está organizado da mesma maneira que está o dos artrópodes, com um cordão nervoso ventral pareado (Fig. 15.3). Além disso, várias glân- dulas dos tardígrados são surpreendentemente parecidas a túbulos de Malpighi; sua função na osmorregulação já foi demonstrada. As peças bucais são um par de estiletes, que é utilizado principalmente para perfurar células vegetais; al- gumas espécies são carnívoras. Tardígrados não possuem estágios larvais especializados; juvenis se desenvolvem co- mo miniatura dos adultos. Diversas características dos tardígrados são definitiva- mente de não artrópodes. Como já mencionado, os apên- dices são segmentados, mas não articulados. Além dis- so, a cutícula nunca é calcificada. O desenvolvimento em- briológico dos tardígrados pode exibir pelo menos uma Figura 15.1 Reconstrução do lobópode fossilizado Aysheaia, a partir de material preservado de Burgess Shale de British Columbia, formado há cerca de 525 milhões de anos, no período Cambriano Médio. Observe que “lobópode” pode se referir tanto ao animal como ao apêndice. De S. Conway Morris. 1998. The Crucible of Creation. Com permissão da Oxford Univ. Press, NY. Dois filos provavelmente relacionados com artrópodes: Tardigrada e Onychophora 423 característica deuterostômica (enterocelia, algo nunca en- contrado em artrópodes), embora estudos embriológi- cos recentes contradigam esta conclusão. Similarmente, a clivagem indeterminada, típica dos deuterostômios,já foi relatada para uma espécie de tardígrado3; mais trabalhos 3. Hejnol, A., e R. Schnabel. 2005. Development 132:1349–61. embriológicos precisam ser realizados. Se tardígrados são de fato celomados, este celoma – independentemente de sua origem embriológica – é reduzido a uma pequena bolsa em torno das gônadas. Todavia, alguns investigadores têm ligado tardígrados aos nematódeos, rotíferos e outros pseu- docelomados, baseado na constância no número de células na cutícula dos tardígrados e na organização ultraestrutural Figura 15.2 Micrografia eletrônica de varredura de (a) Echiniscus spiniger e (b) Macrobiotus hufelandi, dois tardígrados. (a,b) © D.R. Nelson. boca boca cérebro cérebro mancha ocular mancha ocular faringe muscular faringe muscularesôfago esôfago ovo ovário ânus (b) reto gonóporo oviduto cordão nervoso ventral glândula da garra garra buccal tube gânglio subfaringeal intestino médio ovário gânglio ventral gânglio subfaringeal tubo bucal glândula salivar (a) glândula salivar garra glândula da garra cordão nervoso ventral oviduto gonóporo reto ânus Figura 15.3 (a) Anatomia interna de um tardígrado típico (Bryodelphax par- vulus, fêmea). As glândulas da garra secretam as garras. (b) De- talhe do sistema nervoso do tardígrado. Note os grandes gânglios associados com cada par de apêndices. (Observe também que o cordão nervoso é localizado ventralmente, como em anelídeos e artrópodes.) (a,b) De D. Nelson, 1982. In F. Harrison and R. Cowden, eds., Developmental Biology of Freshwater Invertebrates; Alan R. Liss, NY. Drawing by R. P. Higgins. 424 Capítulo 15 da faringe; como mencionado anteriormente, a maioria das análises moleculares não tem dado suporte a essa associa- ção. Curiosamente, no entanto, como nos nematódeos e rotíferos, tardígrados exibem criptobiose, uma habilidade bizarra de se desidratar e reduzir as taxas metabólicas pa- ra suportar condições ambientais extremas de baixa tem- peratura e estresse de dessecação. Um tardígrado pode vi- ver mais de 10 anos — mais de 100 anos em alguns casos! – nesse estado criptobiótico; assim, a duração de vida total, incluindo episódios de criptobiose, pode ser de muitas dé- cadas para algumas espécies, embora longevidades de me- nos de um ano sejam mais comuns. Um número de espé- cies também exibe uma notável capacidade de resistir a al- tas temperaturas, altas pressões, níveis elevados de radiação ultravioleta (UV) e até mesmo exposição ao vácuo do espa- ço sideral.4 Filo Onychophora Phylum Onycho • phora (do grego: portador de garra) Características distintivas: 1) segundo par de apêndices altamente modificado para formar mandíbulas em torno da boca; 2) terceiro par de apêndices forma projeções cur- tas e grossas (papilas orais); 3) glândulas especializadas (glândulas de muco) que expelem material adesivo através 4. Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no final do capítulo. das aberturas das papilas orais; 4) canais subcutâneos he- mais sob a cutícula formando parte do esqueleto hidrostá- tico do animal. Os onicóforos possuem algumas características que são dis- tintamente de anelídeos por natureza e algumas que são cla- ramente de artrópodes por natureza. Todos os membros são de vida livre e evidentemente protostômios celomados. Aproximadamente 180 espécies foram descritas, com Peri- patus sendo o gênero mais conhecido (Fig. 15.4). Todos os onicóforos se locomovem usando pernas. Algumas espécies têm apenas 12 pares de pernas, enquanto outras podem ter até 40 pares. Todos os onicóforos modernos são terrestres – embora os fósseis de onicóforos sejam principalmente de sedimen- tos marinhos –, a maioria é encontrada em hábitats úmidos, em regiões tropicais e nas regiões temperadas do Sul (p. ex., Nova Zelândia). De fato, parecem ser restritos a esses am- bientes, em grande parte porque possuem uma cutícula fi- na não cerosa, incapaz de impedir a evaporação da água do corpo. Talvez este perigo de desidratação explique o fato dos onicóforos serem exclusivamente noturnos (ativos so- mente durante a noite). Algumas espécies podem absorver água usando sacos eversíveis na base das pernas, embora não seja conhecida a maneira pela qual fazem isso. Além disso, onicóforos excretam ácido úrico em vez de ureia ou amônia, outra adaptação para a existência terrestre, como discutido no Capítulo 1. Algumas espécies de onicóforos são carnívoras (ali- mentam-se particularmente de vários artrópodes me- nores), algumas são herbívoras, e algumas são onívoras. olhos boca papila oral perna perna garras pré-antena coração (vaso dorsal) tegumento útero cavidade corporal cordão nervoso abertura para nefrídeo lúmen intestinal músculo longitudinal músculo circular (a) (b) Figura 15.4 (a) O onicóforo Peripatus, em visão lateral. (b) O mesmo animal, visto em corte transversal esquemático. (a,b) Sherman/Sherman, The Invertebrates: Function and Form, 2/e, © 1976, p. 169. Re- printed by permission of Prentice Hall, Upper Saddle River, New Jersey. Dois filos provavelmente relacionados com artrópodes: Tardigrada e Onychophora 425 Onicóforos predadores atacam suas presas à distância, disparando um adesivo proteico, por meio de grandes (e peculiares) glândulas de muco, que se abrem nas pon- tas de duas protuberâncias orais especializadas, as papilas orais. Quando a vítima está suficientemente envolvida no adesivo, os onicóforos mordem até perfurar eventuais re- vestimentos protetores que o corpo desta possa ter, e se- cretam substâncias que matam sua presa e liquefazem par- cialmente seus tecidos (Quadro Foco de pesquisa 15.1). Onicóforos também ejetam muco para se defender contra predadores. Alguns onicóforos podem crescer até 15 cm de compri- mento. Os onicóforos possuem as seguintes características semelhantes às de anelídeos: (1) a musculatura do corpo é li- sa e composta por elementos longitudinais, circulares e dia- gonais (Fig. 15.4b); (2) um único par de apêndices alimen- tares (mandíbulas) está presente; (3) não possuem apêndi- ces articulados; (4) um esqueleto hidrostático desempenha papel na locomoção (como descrito adiante); (5) um par de nefrídeos é encontrado na maioria dos segmentos; (6) pos- suem ocelos como fotorreceptores em vez de olhos com- postos; (7) a parede externa do corpo é flexível; e (8) a mor- fologia do espermatozoide se assemelha a de sanguessugas e oligoquetas. As seguintes características são semelhantes às de artrópodes: (1) a musculatura da mandíbula é estria- da; (2) a cutícula contém quitina; (3) a cavidade principal do corpo é a hemocele, não um verdadeiro celoma, e os pig- mentos sanguíneos (várias hemocianinas) se assemelham aqueles dos artrópodes; (4) a troca gasosa é feita por espi- ráculos que se ligam a um sistema traqueal interno (porém os espiráculos não podem ser fechados – outro fator que impede os onicóforos de ocupar hábitats mais secos); (5) os apêndices bucais são como mandíbulas; (6) o coração tem óstios; (7) as pernas são estendidas por pressão hemocélica em vez de contração muscular direta (como também en- contrado nas penas dos aracnídeos e merostomados e nas (a) “marcha lenta” para a partida e ganho de velocidade (4.6–6.4 mm/sec) olho olho olho “velocidade máxima” para andar rápido e fácil (7.8–8.7 mm/sec) para andar mais rápido depois que algum impulso foi adquirido (7–9 mm/sec) (b) (c) (d) Figura 15.5 (a-c) Os três modos de andar mais comuns observados durante a locomoção do onicóforo Peripatopsis sedgwicki. Mudanças na ve- locidade de locomoção estão associadas com alterações no com- primento e na largura do corpo. Velocidade suficiente deve ser obtida usando as marchas (a) e (b) até o animal poder mudar para a marcha (c) para deslocamento rápido e prolongado. (d) Lo- comoção do poliqueta Nereis diversicolor (Annelida: Polychaeta), mostrado para comparação. Os apêndices locomotores (para- pódios) se projetam lateralmente e as ondas de atividadedos apêndices passam ao longo do comprimento do corpo. Observe que, para cada segmento, o parapódio direito e o parapódio es- querdo não estão na mesma fase do ciclo de atividade. Entre os poliquetas, ondas de contração do músculo longitudinal ajudam na geração do impulso para a frente. (a,c) De Manton, in Journal of the Linnean Society (Zoology), 41:529, 1950. Copyright © Academic Press, Ltd., London. Reproduzida com permissão. (d) Baseada em Gray, in Journal of Experimental Biology, 16:9, 1939. 18 Três filos de relações incertas: Gastrotricha, Chaetognatha e Cycliophora Introdução As posições filogenéticas dos animais discutidos neste capí- tulo são, no mínimo, incertas, porque caracteres diagnósti- cos úteis foram perdidos devido às adaptações ao pequeno tamanho do corpo e porque os animais mostram uma mis- tura desconcertante de caracteres morfológicos e de desen- volvimento. Os animais discutidos neste capítulo estão rela- cionados apenas pela incerteza de suas relações com outros grupos de animais. Filo Gastrotricha Filo Gastro • tricha (do grego: barriga peluda) Gastrótricos são pequenos – tão pequenos quanto 80 μm e raramente chegando a 1 mm – membros acelomados de co- munidades bentônicas (moradores de fundo) de água doce e salgada, ocorrendo em concentrações de até 100.000 indi- víduos por metro quadrado. Uma blastocele se forma du- rante o desenvolvimento, mas não persiste na vida adulta. Cerca de 300 espécies de gastrótricos vivem em água doce e outras quase 400 espécies são marinhas. A posição filogenética dos gastrótricos é incerta há mui- to tempo. Já foram agrupados por estudos diversos com platelmintos (Capítulo 8), gnatostomulídeos, rotíferos (Ca- pítulo 10), nematódeos e outros ecdizoários (Capítulo 16, p. 432). Como os nematódeos e outros cicloneurálios (pp. 451-452), gastrótricos secretam uma cutícula externa. No entanto, ao contrário dos cicloneurálios mencionados no Capítulo 17, os membros do filo Gastrotricha não fazem muda e também não têm uma introverte. Além disso, ao contrário dos animais discutidos no capítulo anterior, gas- trótricos têm cílios locomotores. A maioria dos gastrótricos vive intersticialmente, nos espaços entre partículas de sedimentos. A cabeça ostenta um número de cerdas sensoriais, e o corpo tem numerosos espinhos (Fig. 18.1). Apesar de sua semelhança superficial com rotíferos (Capítulo 10), gastrótricos são claramente animais de um filo diferente: em particular, não têm corona 460 Capítulo 18 e mástax, características de rotíferos. Em todo caso, todos gastrótricos possuem músculos circulares e longitudinais na parede do corpo. A superfície ventral é amplamente ci- liada (como o nome do filo “Gastrotricha” sugere) e assim gastrótricos podem deslizar sobre o substrato e até mesmo nadar distâncias curtas. Estranhamente, os cílios locomoto- res são cobertos por cutícula, ao contrário de qualquer ou- tro metazoário. Em algumas espécies, as células epidérmi- cas são monociliadas, com um único cílio por célula,, uma característica que partilham apenas com gnatostomulídeos, mas multiciliada em outras. O padrão de ciliação é uma ca- racterística taxonômica importante. Gastrótricos também podem formar ligações temporárias em superfícies sólidas, assim como rotíferos. Mais parecidos com os platelmintos de vida livre, no entanto, possuem um sistema de glându- las duplas no qual uma glândula secreta um adesivo e a ou- tra secreta substâncias que liberam a fixação. Os gastrótri- cos agarram-se tão fortemente às partículas, que os zoólo- gos devem primeiro anestesiá-los com cloreto de magnésio (MgCl2) para desalojá-los para contagem e estudos mais aprofundados. Não existe espécie parasita ou carnívora conhecida; to- dos os gastrótricos se alimentam de detritos, bactérias, dia- tomáceas ou protistas. Todos têm um sistema digestório li- near, com uma boca anterior e um ânus posterior. Como outros asquelmintos, gastrótricos não possuem sistema respiratório ou circulatório especializados. Apesar do seu pequeno tamanho, no entanto, possuem um siste- ma excretor protonefridial discreto, o qual os difere em de- talhes morfológicos daqueles dos platelmintos e rotíferos; protonefrídeos são especialmente comuns em espécies de água doce. Nestas espécies, protonefrídeos provavelmente têm função na manutenção da concentração osmótica e vo- lume do corpo, além da sua presumível função na remoção de resíduos solúveis. Como nematódeos e rotíferos, gastrótricos têm eutelia, todos os adultos de uma dada espécie possuindo o mesmo número de células; o números de células só aumenta no iní- cio do desenvolvimento. Semelhante aos nematódeos, mas ao contrário dos rotíferos, o corpo dos gastrótricos é coberto com uma cutícula externa; a cutícula de rotíferos é geralmen- te intracelular. Também ao contrário de rotíferos, a maioria dos gastrótricos — particularmente as espécies marinhas — é hermafrodita (Fig. 18.2); nenhum outro asquelminto pode se orgulhar. Gastrótricos de água doce normalmente se repro- duzem por partenogênese. Na reprodução sexual, a fertiliza- ção é sempre interna e os ovos fertilizados exibem clivagem determinada, como nos rotíferos e em outros asquelmintos. No entanto, o padrão de clivagem é radial e bilateral em vez de espiral. Não há larvas de vida livre no ciclo de vida. cerdas anterolaterais boca glândula salivar anterior poro excretor intestino glândula de cimento reto glândula salivar posterior cérebro faringe protonefrídeo ovo ovário tentáculo cefálico lobo da cabeça tubos adesivos laterais cutícula com espinhos penta-partidos região do tronco pés caudais pareados com tubos adesivos (a) (b) (c) cerdas posterolaterais Figura 18.1 Típico gastrótrico (Chaetonotus sp.). (a) Aparência externa. (b) Anatomia interna. (c) Tetranchyroderma sp., um gastrótrico ma- rinho. Os animais formam fixações temporárias a grãos de areia usando tubos adesivos. As espécies ilustradas têm em torno de 500 μm. (a) Segundo Brunson; segundo Zelinka. (b) De Brown; segundo Remane. (c) Baseada em L. Margulis and K. Schwartz, Five Kingdoms, 2d ed. 1988. Três filos de relações incertas: Gastrotricha, Chaetognatha e Cycliophora 461 Filo Chaetognatha Filo Chaeto • gnatha (do grego: maxilas espinhosas) Características distintivas: 1) uma série de espinhos rap- toriais curvados e quitinosos fixados em ambos os lados da cabeça, usados para apreensão da presa; 2) nadadeiras laterais estabilizantes, derivadas da ectoderme. Características gerais e alimentação Quetognatos são todos de vida livre, carnívoros marinhos. A média de tamanho dos quetognatos é de apenas alguns centímetros, e mesmo os maiores indivíduos não pos- suem mais que 15 cm de comprimento. Aparentemente, a relação entre a área da superfície e o volume é suficiente- mente grande, assim os requerimentos para troca gasosa e excreção podem ser realizados por difusão ao longo da su- perfície geral do corpo; quetognatos não possuem sistema respiratório ou excretório especializados e carecem de um sistema circulatório sanguíneo. No entanto, o revestimento interno da cavidade do corpo adulto é ciliado, logo a troca gasosa e o transporte de nutrientes são realizados por circu- lação do fluido celomático. Como convém a um carnívoro ativo, o sistema nervoso de um quetognato é bastante complexo (Fig. 18.3). A parte anterior do trato digestório é circundada por um anel de te- cido nervoso que contém vários gânglios. Posteriormente, há um gânglio ventral conspícuo. Nervos sensoriais e mo- tores se estendem a partir desse e dos gânglios associados aos vários sistemas foto, tátil e quimiossensoriais; à muscu- latura do tronco, cauda, espinhos e sistema digestório; e ao gânglio cerebral localizado na cabeça. Cílios externos agru- pados em leque e dispersos pelo corpo são sensíveis à vibra- ção, permitindo a quetognatos detectar a presença e locali- zação dos copépodes e larvas de peixes que constituem seus principaisalimentos. (b) porção do protonefrídeo espermatozoide (forma de bastão), oócito escamas (a) faringe boca intestino Figura 18.2 (a) Fotografia de Lepidodermella squamata, um gastrótrico de água doce. (b) Extremidade anterior do gastrótrico australiano Polymerurus nodicaudus. (a) © Mitchell J. Weiss. (b) © Rick Hochberg. De Hochberg, R. 2005. Invert. Biol.124:119–30. 462 Capítulo 18 O comportamento alimentar é impressionante, tanto para um observador humano quanto para uma presa. Em geral, o quase transparente quetognato1 permanece imóvel na água, afundando lentamente até que algo comestível ve- nha em sua direção, à frente ou ao lado. O quetognato então se arremessa à frente e agarra sua presa com as duas filei- ras de espinhos longos, recurvados e duros adjacentes à bo- ca (Fig. 18.4), ou flexiona seu corpo e captura sua presa ao lado. Toda a manobra para a captura da presa leva apenas cerca de 1/15 segundos em laboratório. Os grandes espi- nhos raptoriais também podem servir de mecanorrecepto- res, complementando as informações fornecidas pelos sen- sores ciliares externos. Duas fileiras de dentes curtos em ambos os lados da bo- ca ajudam a segurar a presa durante a ingestão. Esses dentes também podem perfurar o exoesqueleto e a parede do cor- po da presa; secreções tóxicas podem ser expelidas do sul- co vestibular ou de poros ao longo da crista vestibular e en- tram na presa a partir dessas perfurações (Quadro Foco de pesquisa 18.1, p. 464). Quetognatos ostentam um par de pequenos olhos, ca- da um composto por cinco ocelos com taça de pigmento. 1. Ver Tópicos para discussão e investigação adicional, no 3. Os ocelos são orientados em várias direções diferentes den- tro de um único olho, assim os quetognatos têm um campo de visão largo; de fato, diversos ocelos apontam para baixo, de modo que o quetognato vê através de seu próprio corpo transparente. Os ocelos provavelmente não formam ima- gens, mas podem permitir que o animal detecte movimento e alterações na intensidade da luz.2 Quetognatos são chamados de “vermes-seta”, uma vez que o corpo é substancialmente mais longo do que largo e carece de apêndices, apesar de ostentar um ou dois pa- res de delicadas nadadeiras laterais e uma nadadeira cau- dal (Fig. 18.5). As nadadeiras laterais provavelmente ser- vem para aumentar a resistência ao afundamento enquanto o animal estiver imóvel, pois aumentam a área de superfície do corpo, e para dar estabilidade quando o animal nada. A nadadeira caudal gera propulsão para frente para nadar e também deve auxiliar na flutuação. As nadadeiras também podem estabilizar o corpo, atuando como “âncoras no mar” quando a extremidade anterior flexiona para o lado duran- te a captura de presas. Todo o corpo é coberto por uma fi- na cutícula secretada pela epiderme subjacente. A cutícula não é mudada. 2. Ver Tópicos para discussão e investigação adicional, no 1 boca (a) espinhos ânus cauda nervo caudal gânglio ventral conectivo principal nervo óptico olho conectivo principal gânglio cerebral cabeça olho faringe intestino conectivo frontal gânglio esofágico (b) gânglio vestibular Figura 18.3 (a) Sistema nervoso de um quetognato típico. (b) Detalhe do sistema nervoso na cabeça de um quetognato típico. (a,b) B T. Baseada em and M. Yoshida, in Nervous Systems in Invertebrates, M. A. Ali, 1987. Capa Dois filos provavelmente relacionados com artrópodes: Tardigrada e Onychophora Introdução e características gerais Filo Tardigrada Filo Onychophora Três filos de relações incertas: Gastrotricha, Chaetognatha e Cycliophora Introdução Filo Gastrotricha Filo Chaetognatha