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Autora: Profa. Kelly Cristina Sanches Colaboradores: Prof. Cristiano Schiavinato Baldan Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Fisioterapia Neurofuncional Professora conteudista: Kelly Cristina Sanches Graduada em Fisioterapia pela Universidade de São Paulo (USP), possui mestrado em Psicologia na área de Neurociências e Comportamento pela mesma instituição (2003), bem como aprimoramento profissional em Fisioterapia Neurológica pelo Hospital das Clínicas da USP, em 2005. É docente da Universidade Paulista (UNIP) desde 2007, onde ministra as disciplinas de Fisioterapia Neurofuncional, Pediatria e Neurociências e Controle Motor. Exerce ainda a função de coordenadora auxiliar do curso de Fisioterapia no campus norte-UNIP desde 2009, onde também atua como professora responsável pelo estágio curricular na área de Fisioterapia Neurológica na Clínica de Saúde. Membro do Comitê de Ética e Pesquisa da UNIP, desde 2009, e coordenadora do curso de pós-graduação de Fisioterapia Neurofuncional pelo Instituto Imparare, desde 2016. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S211f Sanches, Kelly Cristina. Fisioterapia Neurofuncional / Kelly Cristina Sanches. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 244 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Patologia. 2. Anatomia. 3. Fisioterapia. I. Título. CDU 615.8 U512.94 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Unip Interativa Profa. Dra. Cláudia Andreatini Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Jacinara Albuquerque Kleber Souza Sumário Fisioterapia Neurofuncional APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 10 Unidade I 1 AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA ......................................................................................................................... 11 1.1 Dados gerais e anamnese.................................................................................................................. 12 1.2 Exame físico ............................................................................................................................................ 13 1.3 Nível de consciência ............................................................................................................................ 14 1.4 Exame do estado mental e das funções corticais superiores ............................................. 15 1.5 Linguagem ............................................................................................................................................... 16 1.6 Gnosias ..................................................................................................................................................... 19 1.7 Tônus muscular ..................................................................................................................................... 20 1.8 Reflexos profundos e superficiais .................................................................................................. 23 1.9 Motricidade voluntária e força muscular ................................................................................... 27 1.10 Sensibilidade ........................................................................................................................................ 29 1.11 Coordenação motora ........................................................................................................................ 30 1.12 Exame das funções neurovegetativas (autonômicas) ........................................................ 33 1.13 Exame dos nervos cranianos ......................................................................................................... 34 1.14 Exame do equilíbrio e da marcha ................................................................................................ 37 1.15 Características clínicas do paciente neurológico.................................................................. 40 1.16 Planejamento do tratamento fisioterápico: identificação dos objetivos terapêuticos ................................................................................................................................ 44 2 MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO NEUROFUNCIONAL ............... 46 2.1 Método Rood ......................................................................................................................................... 47 2.2 Conceito neuroevolutivo (Bobath) ................................................................................................ 48 2.3 Facilitação neuromuscular proprioceptiva (Kabat) ................................................................. 51 2.4 Método Brunnstrom ........................................................................................................................... 54 3 PATOLOGIAS NEUROLÓGICAS VASCULARES ........................................................................................ 57 3.1 Acidente vascular cerebral (AVC) ................................................................................................... 57 3.1.1 Epidemiologia ........................................................................................................................................... 59 3.1.2 Fatores de risco ........................................................................................................................................ 59 3.1.3 Fisiopatologia ........................................................................................................................................... 60 3.1.4 Anatomia vascular cerebral (AVC) .................................................................................................... 61 4 TUMORES CEREBRAIS ................................................................................................................................... 70 4.1 Clínica........................................................................................................................................................ 71 4.2 Classificação ........................................................................................................................................... 73 4.3 Tumores de crânio ................................................................................................................................ 80 4.4 Tumores medulares .............................................................................................................................. 81 Unidade II 5 PATOLOGIAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL................................................................................... 86 5.1 Traumatismo cranioencefálico (TCE) ............................................................................................ 86 5.1.1 Definição ....................................................................................................................................................86 5.1.2 Fisiopatologia ........................................................................................................................................... 87 5.1.3 Avaliação neurológica inicial ............................................................................................................. 94 5.1.4 Classificação do TCE pelo nível de consciência .......................................................................... 98 5.1.5 Tratamento ................................................................................................................................................ 99 5.1.6 Coma e morte encefálica ...................................................................................................................100 5.2 Lesão medular ......................................................................................................................................101 5.2.1 Anatomia da medula espinal ...........................................................................................................101 5.2.2 Trauma raquimedular ..........................................................................................................................104 5.2.3 Classificação da lesão medular .......................................................................................................109 5.2.4 ASIA (American Spine Injury Association) ...................................................................................111 5.2.5 Avaliação diagnóstica .........................................................................................................................114 5.2.6 Tratamento ..............................................................................................................................................115 5.3 Afecções dos gânglios da base (núcleos da base) .................................................................117 5.3.1 Anatomia e fisiologia dos gânglios da base ...............................................................................118 5.3.2 Aspectos fisiopatológicos dos gânglios da base ......................................................................119 5.3.3 Síndrome parkinsoniana ................................................................................................................... 120 5.3.4 Hipercinesias .......................................................................................................................................... 130 5.4 Doenças desmielinizantes e esclerose lateral amiotrófica (ELA) .....................................135 5.4.1 Esclerose múltipla (EM) ..................................................................................................................... 135 5.4.2 Esclerose lateral amiotrófica (ELA)................................................................................................ 144 6 PATOLOGIAS DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO ...........................................................................150 6.1 Neuropatias periféricas ....................................................................................................................150 6.1.1 Classificação das neuropatias periféricas (NP) .........................................................................151 6.1.2 Sintomas e sinais clínicos ................................................................................................................. 152 6.1.3 Diagnóstico ............................................................................................................................................ 155 6.1.4 Polirradiculoneurite aguda ou síndrome de Guillain-Barré (SGB) .................................. 156 6.1.5 Neuropatia diftérica ........................................................................................................................... 158 6.1.6 Neuropatia alcoólica .......................................................................................................................... 159 6.1.7 Neuropatia por deficiência da vitamina B12 ........................................................................... 160 6.1.8 Neuropatia diabética .......................................................................................................................... 160 6.2 Lesões nervosas periféricas ............................................................................................................163 6.2.1 Lesões dos plexos nervosos .............................................................................................................. 163 6.2.2 Lesões dos troncos nervosos ........................................................................................................... 165 6.2.3 Lesões traumáticas dos nervos periféricos ................................................................................ 166 Unidade III 7 ASPECTOS PRÁTICOS DA FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL (PARTE I) ....................................174 7.1 Fisioterapia no acidente vascular cerebral ...............................................................................174 7.1.1 Evolução clínica .................................................................................................................................... 175 7.2 Fisioterapia no traumatismo cranioencefálico .......................................................................185 7.2.1 Fase aguda (hospitalar) ..................................................................................................................... 186 7.2.2 Fase crônica (ambulatorial) ............................................................................................................. 189 7.3 Fisioterapia no trauma raquimedular (TRM) ...........................................................................192 7.3.1 Evolução clínica do trauma raquimedular ................................................................................ 193 7.3.2 Complicações clínicas ........................................................................................................................ 196 8 ASPECTOS PRÁTICOS DA FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL (PARTE II) ..................................205 8.1 Fisioterapia nas doenças dos gânglios da base ......................................................................205 8.1.1 Caracterização clínica e principais escalas ................................................................................ 206 8.1.2 Intervenção fisioterapêutica ........................................................................................................... 208 8.2 Fisioterapia nas doenças desmielinizantes e esclerose lateral amiotrófica (ELA) ..............214 8.2.1 Fisioterapia e esclerose múltipla (EM) ..........................................................................................214 8.2.2 Fisioterapia e esclerose lateral amiotrófica (ELA) ....................................................................217 8.3 Intervenção fisioterapêutica nos tumores cerebrais ............................................................224 8.4 Fisioterapia nas polineuropatias e lesões periféricas ...........................................................227 9 APRESENTAÇÃO O livro-texto Fisioterapia Neurofuncional possui como objetivo apresentar a você, estudante, os principais tópicos da área da neurologia que contribuirão para a aquisição de seu conhecimento básico sobre esse importante campo de atuação da fisioterapia. Na unidade I, focaremos na semiologia neurológica, em que descreveremos os procedimentos de avaliação fisioterapêutica neurológica, os principais déficits neurológicos e sua correlação com as áreas e estruturas anatômicas envolvidas. O paciente neurológico é caracterizado de maneira geral, sendo apontadas as repercussões funcionais e psicológicas que a lesão neurológica frequentemente ocasiona no indivíduo adulto. Além dos tópicos da avaliação neurológica, os métodos e recursos fisioterapêuticos utilizadosnos pacientes neurológicos são mencionados. Através da avaliação fisioterapêutica neurológica, será possível identificar os fatores que explicam a queixa funcional do paciente e, consequentemente, adotar as ferramentas terapêuticas adequadas para a obtenção de seus objetivos funcionais. Ainda na unidade I, serão abordadas algumas das principais formas de acometimento neurológico de natureza vascular no paciente adulto: o acidente vascular cerebral e os tumores cerebrais. O acidente vascular cerebral é grave e pode levar ao óbito ou gerar sequelas que comprometem as atividades funcionais do paciente. Na prática clínica, é muito comum a necessidade de intervenção do fisioterapeuta neurofuncional em pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral. Menos frequentes que o acidente vascular cerebral, os tumores cerebrais são condições clínicas que podem gerar comprometimento da função motora, sendo necessária a fisioterapia motora. Já na unidade II, serão descritas as fisiopatologias de outras formas de acometimento do sistema nervoso central e periférico, com evolução direta ou indireta de comprometimento motor. Serão apontados os princípios dos tratamentos médico e medicamentoso, importante para o fisioterapeuta que precisa acompanhar indiretamente essas condutas para compreender a evolução do paciente, podendo, assim, adequar os seus objetivos terapêuticos. Uma vez após o conhecimento das patologias, na unidade III, será possível a discussão sobre as formas de intervenções fisioterapêuticas e seus recursos. Os objetivos terapêuticos apontados para as patologias abordadas servem como referência ao fisioterapeuta diante de pacientes portadores dessas condições clínicas. Vale ressaltar que os temas serão abordados de maneira sucinta, e que uma leitura complementar sempre se faz necessária para o crescimento de seu conhecimento. 10 INTRODUÇÃO A compreensão funcional do sistema nervoso ainda é um enigma que instiga os pesquisadores do mundo inteiro. Simultaneamente a sua complexidade estrutural e funcional, o sistema nervoso demonstra sua fragilidade, principalmente diante de lesões, que uma vez confirmadas, rapidamente realizam-se questionamentos sobre as prováveis consequências funcionais das sequelas resultantes. Nesse contexto, a intervenção fisioterapêutica é um dos principais elementos do processo de reabilitação a que o paciente deverá ser submetido, uma vez que é muito comum o envolvimento direto ou indireto da função motora que acarretará perdas complexas na capacidade de realização das atividades de vida diária. O processo de reabilitação para o paciente neurológico é multidisciplinar, envolvendo diferentes profissionais, como médico neurologista, fisiatra, neurocirurgião, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, entre outros. O envolvimento de diferentes profissionais é justificado pelo complexo quadro clínico gerado após uma lesão neurológica, que muitas vezes compromete várias funções: a motora, a cognitiva (linguagem, memória, atenção, comportamento) e a sensitiva. Assim, é importante concluir que o paciente neurológico é um indivíduo único, com limitações funcionais e psicológicas específicas. Para que a intervenção fisioterapêutica atinja suas metas, é necessário o conhecimento prévio sobre as particularidades estruturais e funcionais do sistema nervoso. E outra característica importante do fisioterapeuta neurofuncional é a manutenção de seu espírito científico e pesquisador, uma vez que a cada dia são desvendados novos conceitos, e novas informações são obtidas sobre esse sistema tão instigante e fascinante. Bons estudos! 11 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Unidade I Nesta unidade vamos iniciar a discussão sobre a semiologia neurológica, que para o neurologista é o ponto inicial de sua investigação diagnóstica, e para o fisioterapeuta é a referência para a identificação do diagnóstico cinético-funcional. É através da avaliação neurológica que será possível identificar os fatores que explicam a queixa funcional do paciente, e assim elaborar as estratégias adequadas para a intervenção fisioterapêutica. O grande objetivo desta unidade é descrever os tópicos que compõem a avaliação neurológica. Também refletiremos sobre as características gerais de um indivíduo que possui acometimento no sistema nervoso, bem como seus prejuízos funcionais e psicológicos. A fisioterapia neurofuncional é baseada em métodos e técnicas de tratamento fisioterapêutico que irão auxiliar o profissional na obtenção dos objetivos terapêuticos para cada paciente. Serão descritos os principais métodos e técnicas de tratamento utilizados na área da neurologia. Ainda nesta primeira unidade de nosso livro, descreveremos uma das situações clínicas mais frequentes no paciente neurológico adulto: o acidente vascular cerebral. Os tumores cerebrais também serão abordados; embora menos frequentes que o acidente vascular cerebral, podem gerar comprometimento da função motora, sendo necessária a atuação do fisioterapeuta neurofuncional. Porém, para o aprimoramento de seu conhecimento e mais detalhes do conteúdo abordado, será importante procurar pelas referências bibliográficas citadas. 1 AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA A avaliação neurológica é o ponto inicial da investigação clínica quando um paciente apresenta uma queixa que possa ser decorrente de lesão ou envolvimento do sistema nervoso central ou periférico. Para o médico, essa avaliação inicial deve ser detalhada e completa a fim de que possa fornecer uma hipótese diagnóstica baseada nos achados clínicos durante o procedimento da avaliação. Já para o fisioterapeuta, a observação de determinados sinais clínicos ajudará o profissional a compreender os fatores diretos e indiretos que justificam a queixa funcional apresentada pelo paciente ou pelo acompanhante. 12 Unidade I De maneira geral, as funções neurológicas a serem verificadas durante a avaliação realizada pelo médico não diferem muito daquelas que serão observadas também pelo fisioterapeuta. Porém é importante ressaltar que o fisioterapeuta estará focado na determinação dos fatores responsáveis pelas limitações funcionais geradas pelo diagnóstico clínico determinado pelo médico. Vamos agora apresentar um modelo geral dos tópicos que constam em uma avaliação neurológica para pacientes adultos. 1.1 Dados gerais e anamnese Como em qualquer área da clínica médica, a avaliação neurológica é iniciada através da coleta dos dados gerais de identificação, como nome, idade, gênero, endereço, naturalidade, profissão, nome do médico responsável, data de avaliação e diagnóstico clínico. Essas informações iniciais são importantes ao fisioterapeuta, uma vez que podem auxiliar na compreensão sobre a queixa funcional. Vamos dar um exemplo: um paciente chega à clínica de fisioterapia com diagnóstico médico de acidente vascular cerebral (AVC) e quadro clínico de hemiparesia espástica de predomínio distal. Ao ser questionado pelo fisioterapeuta a respeito da queixa funcional, o paciente refere apresentar dificuldade em abrir e fechar a mão do lado parético. Nos dados de identificação, o fisioterapeuta verifica que a atividade ocupacional do paciente, anteriormente ao AVC, era consertar aparelhos eletrônicos e relógios. Assim é possível observar uma relação direta entre a queixa e a atividade ocupacional do paciente. Uma vez coletados os dados iniciais, o fisioterapeuta deverá questionar sobre a anamnese propriamente dita e perguntas sobre a queixa funcional, história da moléstia atual e pregressa, hábitos de vida, investigação sobre outros sistemas (cardíaco, gastrointestinal, respiratório), história familiar e medicamentos em uso. A identificação da queixa funcional é um dos pontos mais importantes da avaliação fisioterápica neurológica. É ela que corresponde à razão da avaliação do fisioterapeuta. Muitas vezes, este é encaminhado à fisioterapia sem o diagnóstico médico concluído, masjá apresentando limitações na sua capacidade de realizar atividades básicas do dia a dia, como as transferências, as atividades manuais e a marcha, o que justifica a intervenção fisioterapêutica. É importante ressaltar que todo o processo da avaliação neurológica deve ser adaptado ao paciente, já a partir do momento do relato da história da moléstia atual (HMA). Assim, em princípio, será o próprio paciente que relatará sua história e queixa, a não ser que apresente distúrbios cognitivos e de linguagem. Nessa situação, a descrição será feita pelo acompanhante ou familiar do paciente. Será também importante para o fisioterapeuta verificar com atenção o relato da HMA, que deverá constar todos os detalhes possíveis sobre a situação que favoreceu a instalação do acometimento ou lesão do sistema nervoso. 13 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Vamos dar mais um exemplo: um paciente com diagnóstico clínico de acidente vascular cerebral hemorrágico (AVCH). Quais as perguntas pertinentes que o fisioterapeuta poderia fazer durante a coleta da HMA? Ele apresentou no dia do AVCH? Chegou a desmaiar? Houve muita demora no socorro ou até a chegada ao hospital? Foi submetido a cirurgia? Chegou a perder totalmente os movimentos do lado acometido? Quando começou a fazer a fisioterapia? Veja a importância prévia do conhecimento do fisioterapeuta sobre a condição clínica do paciente (AVCH) que o auxiliará a realizar as perguntas associadas diretamente ao problema dele. O mesmo deverá ocorrer durante a história da moléstia pregressa (HMP), dos hábitos e vícios, antecedência pessoal e familiar. Nesses dois últimos é interessante o fisioterapeuta observar a relação da lesão atual do paciente com sua antecedência pessoal e até mesmo familiar. É muito comum a associação direta com determinadas patologias e a lesão apresentada pelo paciente. No caso do exemplo citado, a ocorrência do acidente vascular cerebral do tipo hemorrágico está muito associada com hipertensão arterial, cardiopatias e diabetes. Outro tópico interessante a ser questionado pelo profissional diz respeito aos medicamentos utilizados pelo paciente. Embora o fisioterapeuta não esteja habilitado à prescrição de medicamentos, é importante saber quais estão sendo utilizados, seus mecanismos de ação e efeitos colaterais. É comum o paciente e o familiar questionarem se o surgimento de determinados sintomas está relacionado ao remédio. Ou também, o fisioterapeuta pode ter a percepção de que a dosagem utilizada do medicamento necessita de adequação médica, e assim ele poderá comunicar paciente ou familiar, e até mesmo o médico. 1.2 Exame físico O exame físico deve englobar uma observação geral do paciente em relação a pele e anexos, estado físico global, bem como a aferição dos sinais vitais como pressão arterial e frequências cardíaca e respiratória. Na observação de pele e anexos, o fisioterapeuta deve verificar os aspectos gerais, como grau de hidratação, presença de cicatrizes, varizes, edemas e úlceras, em especial nas extremidades distais dos membros inferiores, bem como a temperatura. Essa verificação pode oferecer ao fisioterapeuta indícios do funcionamento do sistema nervoso autônomo, que frequentemente está envolvido em diferentes patologias do sistema nervoso central e periférico. Outro procedimento importante nesse início do exame físico do paciente é a aferição dos sinais vitais. Esse deve ser um procedimento inicial do fisioterapeuta a cada começo de sessão do paciente neurológico, uma vez que a maioria das patologias neurológicas possui uma relação com pressão arterial, frequência cardíaca e até mesmo respiratória. O acompanhamento contínuo possibilita ao fisioterapeuta conhecer, indiretamente, a condição sistêmica geral do paciente e como ele tenderá a responder diante dos esforços e exercícios a serem solicitados durante a terapia. Assim, baseado nessas 14 Unidade I respostas fisiológicas, o fisioterapeuta poderá adequar de forma segura os exercícios de acordo com a condição sistêmica do paciente. Não há um modelo predeterminado de sequência de itens e funções neurológicas que devam conter uma avaliação neurológica. A sequência das funções a serem avaliadas deverá ser adaptada tanto pelo médico e fisioterapeuta, mas também de acordo com as necessidades clínicas do próprio paciente. Vamos citar um exemplo: em um centro de reabilitação para pacientes com trauma raquimedular, na ficha de avaliação fisioterapêutica, o tópico que verifica a HMP não seria tão relevante. A seguir, abordamos as principais funções neurológicas que devem incluir uma avaliação neurológica: • nível de consciência; • exame do estado mental e funções corticais superiores; • tônus muscular; • reflexos superficiais e profundos (tendíneos); • motricidade voluntária e força muscular; • sensibilidade; • coordenação motora; • exame das funções neurovegetativas; • exame dos nervos cranianos; • exame de equilíbrio e marcha. 1.3 Nível de consciência A consciência apresenta dois componentes que devem ser observados na avaliação: o conteúdo da consciência, associado às funções corticais superiores e o nível da consciência, relacionado ao nível de alerta em que o indivíduo se encontra e como reage a estímulos externos. Há diferentes causas que podem ocasionar distúrbios da consciência, como os de origem metabólica ou estrutural envolvendo o sistema ativador reticular ascendente (SARA), localizado no mesencéfalo e das áreas corticais. 15 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Embora haja escalas específicas para a avaliação do nível de consciência (veja o item sobre traumatismo cranioencefálico), no dia a dia, o fisioterapeuta pode observar essa função de forma indireta, como, por exemplo, quando estiver coletando as informações sobre a história da moléstia atual (HMA), em que deve verificar se durante o relato, o paciente apresenta-se consciente, crítico e com orientação no tempo e no espaço. 1.4 Exame do estado mental e das funções corticais superiores Há escalas e questionários padronizados que objetivam a avaliação do estado mental e principalmente das funções corticais superiores. Estas incluem a atenção, o humor, a iniciativa, a capacidade de crítica e de julgamento, a memória, a coordenação de ideias e a capacidade de comunicação verbal. Uma das escalas mais utilizadas para essa avaliação é o miniexame do estado mental (MEEM), de Folstein, Folstein e McHugh (1975). O MEEM avalia as funções cognitivas diante de pacientes com suspeita de acometimento degenerativo do sistema nervoso, como as demências. A pontuação máxima é 30, devendo ser verificado inicialmente o grau de escolaridade do paciente. Através do exame é possível avaliar o pensamento abstrato e a capacidade de percepção e juízo crítico em relação ao próprio estado de saúde, além das condutas diante de determinadas situações do dia a dia. É importante ressaltar que a utilização desse exame não é específica para a realização de diagnóstico clínico. Diante da obtenção de escores que indiquem rebaixamento das funções avaliadas, será necessária uma investigação clínica especializada. Fatores como grau de escolaridade e idade avançada devem ser considerados para a interpretação adequada dos resultados do MEEM. Uma limitação apontada por especialistas em funções cognitivas é que no miniexame do estado mental, as denominadas funções executivas não são avaliadas. Sob essa denominação, inclui-se os processos cognitivos de iniciativa e planejamento de uma ação, controle de sua realização, bem como suas correções, flexibilidade mental para adequar a ação ao ambiente e inibição diante de estímulos irrelevantes. Presença de lesões nos lobos frontais são responsáveis, em grande parte, pela origem desses distúrbios. Na avaliação fisioterapêutica do paciente neurológico, as funções cognitivas podem ser indiretamente avaliadas através da anamnese, da história clínica, em que por meio do relato do paciente, o fisioterapeuta consegue verificar a presençade alguma disfunção cognitiva, e então, diante da necessidade do quadro do paciente, o MEEM poderá ser utilizado. O MEEM é um dos testes empregados diante da hipótese de acometimento da função cognitiva, em especial na população idosa. Embora seja de fácil aplicabilidade e rápido, ele não substitui a necessidade de uma avaliação clínica mais detalhada e específica de um neurologista. 16 Unidade I São avaliados os seguintes domínios: • orientação espacial; • orientação temporal; • memória imediata; • memória de evocação; • cálculo; • linguagem-nomeação; • repetição; • compreensão; • escrita e cópia de desenho. Ainda fazem parte do exame do estado mental a avaliação da linguagem, as gnosias e as praxias. Saiba mais Para maior detalhamento de aplicabilidade e interpretação do MEEM, consulte: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3kExgMK. Acesso em: 31 ago. 2021. 1.5 Linguagem Devem ser observadas as alterações na comunicação verbal, incluindo a fala espontânea, a compreensão oral, a repetição de palavras e frases, a nomeação, a leitura e a escrita. Na avaliação da linguagem, o fisioterapeuta, de maneira geral, poderá notar esses aspectos durante a coleta da anamnese, observando a fluência, a articulação de fonemas e de dificuldades no encontro de palavras. Ainda pode ser verificada a dificuldade em discriminar fonemas ou para compreender frases. 17 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Outro aspecto da linguagem diz respeito à repetição de fonemas e palavras, que possibilita a avaliação da discriminação auditiva e da articulação. Uma das alterações mais frequentes da linguagem é a dificuldade de nomeação de objetos. Solicita-se ao paciente nomear utensílios presentes na clínica. Porém é importante verificar se os objetos são previamente reconhecidos, para que não haja associação inadequada à agnosia visual. Na avaliação de leitura e escrita, pode ser solicitado ao paciente que obedeça a ordens escritas como “abra a boca”, e que faça a leitura de uma frase em voz alta. Durante a avaliação fisioterapêutica, a presença de distúrbios envolvendo a linguagem pode ser verificada durante a coleta da anamnese e da história clínica. Ao detectá-los, o fisioterapeuta deverá comunicar e orientar o paciente e o acompanhante a buscar por avaliação e orientação de especialista na área, ou seja, um fonoaudiólogo. Embora não seja o fisioterapeuta que aborde terapeuticamente os distúrbios de linguagem, uma vez observados na avaliação, eles poderão dificultar a própria intervenção fisioterapêutica. Sendo assim, é importante um conhecimento prévio a respeito dos distúrbios de linguagem pelo profissional. Vamos descrever, de maneira geral, os principais distúrbios referentes à linguagem e associá-los a suas prováveis áreas de lesão. Abordaremos as disfonias, as disartrias e as afasias. A fonação pode ser definida como a produção de sons pela vibração das cordas vocais. As disfonias são, portanto, alterações da fonação que podem ser decorrentes de afecções primitivas da laringe ou de lesões nervosas que afetam a motricidade das cordas vocais. São caracterizadas por alteração do volume, da qualidade e do timbre da voz. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), é o nervo vago (X par craniano) o responsável pela inervação das cordas vocais. Lesões unilaterais desse nervo causam disfonia; lesões supranucleares causam afonias. As disartrias são distúrbios de articulação e podem resultar de lesões nervosas periféricas e centrais. No processo da articulação, há uma interação entre os elementos que atuam na linguagem, como laringe, faringe, mandíbula, língua e palato mole, dentes e lábios, para a emissão de fonemas, possibilitando a formação das palavras. Entre as causas neurológicas das disartrias, vale destacar as resultantes de lesões cerebelares e extrapiramidais. As decorrentes de lesões cerebelares são caracterizadas pela fala lenta, de emissão trabalhosa, com variações de altura e de intensidade. As palavras ou sílabas são escandidas, isto é, pronunciadas de forma destacada. Nas lesões extrapiramidais, como na doença de Parkinson, os movimentos involuntários, como atetose, distonia e tremor, tornam a fala lenta, de baixo volume e monótona. 18 Unidade I As dislalias são também distúrbios articulatórios decorrentes de causas não neurológicas, como, por exemplo, de lesões dos órgãos fonoarticulatórios, na surdez, em estados de deficiência mental e de doenças psiquiátricas. A criança possui uma dislalia considerada fisiológica durante seu desenvolvimento. As afasias são distúrbios da linguagem verbal. Englobam a perda total ou parcial da capacidade de utilização de símbolos verbais ou de regras gramaticais que tornam possível sua integração em frases para expressão ou compreensão de ideias e sentimentos. Independem de distúrbios de articulação ou intelectuais. Há diferentes tipos clínicos de afasia, sendo mais frequentes as de expressão (ou motora) e as de compreensão (ou sensorial). O paciente com afasia de expressão apresenta pobreza na expressão verbal, sendo difícil e trabalhosa. Frequentemente é capaz de falar apenas sílabas ou apenas duas ou três palavras. A escrita também é comumente comprometida, embora a compreensão oral e a capacidade de leitura estejam mantidas. É denominada ainda de afasia de Broca, uma vez que é resultado da lesão da área de Broca, localizada no lobo frontal dominante (esquerdo), demonstrada na figura 1. Já na afasia de compreensão, o paciente apresenta grande dificuldade na compreensão verbal (oral e escrita). É menos frequente que a afasia motora, sendo resultado de lesão na área de Wernicke, localizada no córtex auditivo de associação no lobo temporal esquerdo e se estendendo posteriormente pelo lobo parietal esquerdo (figura 1). Dependendo da extensão da lesão, a afasia pode ser global, quando há comprometimento da expressão e da compreensão verbais, envolvendo lesão extensa de áreas de Broca e de Wernicke. Broca Wernicke Figura 1 – Representação anatômica das áreas de Broca e de Wernicke Fonte: Lage (2013, p. 161). Do ponto de vista terapêutico, é importante o profissional distinguir clinicamente os diferentes tipos de distúrbios de linguagem, como as disartrias das afasias, bem como os distúrbios da audição das demências. 19 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Para o fisioterapeuta, o conhecimento sobre os distúrbios de linguagem auxilia a identificação no paciente neurológico, uma vez que são frequentes as associações dos distúrbios de linguagem com as diferentes disfunções motoras. 1.6 Gnosias Gnosia pode ser definida como a capacidade de reconhecer estímulos sensoriais. Agnosia é a perda dessa capacidade, na ausência de alteração de sensibilidade ou de atenção. Dependendo do estímulo sensorial, as agnosias podem ser classificadas em visuais, visuoespaciais, táteis, auditivas e somatoagnosias. Para Nitrini e Bacheschi (2015), na agnosia visual, o paciente pode ter dificuldade para reconhecer um objeto tendo integridade da visão. Frequentemente resulta de lesões bilaterais nas áreas de associação visual occipitotemporais, relacionadas com a identificação do estímulo. Pode ser avaliada ao se apresentar figuras geométricas simples, objetos ou fotografias. Na prosopagnosia (do grego prosopon = face), o paciente não consegue identificar faces conhecidas, sendo decorrente, em geral, de lesões bilaterais das regiões occipitotemporais. Na agnosia tátil, o objeto que não é identificado pelo tato, pode ser facilmente reconhecido quando visto ou colocado na outra mão do paciente. Ocorre, geralmente, após lesões parietais contralaterais, e esse quadro tende a ser unilateral. Na agnosia visuoespacial, o paciente apresenta dificuldade de localizar objetos posicionadosem seu campo visual, além de reconhecer e nomear quando o objeto é colocado em sua mão. Trata-se de um acometimento relacionado a lesões situadas na porção superior à área visual primária (lobo occipital), que estimulam as áreas de associação multimodal do córtex parietal e do córtex da convexidade frontal. Essa região é associada à localização espacial dos estímulos, sendo capaz de recrutar uma ação como o desvio conjugado rápido dos olhos e de cabeça em direção ao estímulo. A heminegligência também pode ser considerada um tipo de agnosia visuoespacial, resultado de lesões no lobo parietal direito. Nessa situação, o paciente não presta atenção e ignora a metade esquerda do campo visual. O fisioterapeuta deve ficar atento a esse tipo de distúrbio, uma vez que implicará consequências no dia a dia do paciente, como ao passar por passagens estreitas, ao vestir, ao se alimentar, em que o paciente não reconhecerá o lado acometido para a realização de tais atividades funcionais. Lesões nos lobos temporais podem ainda originar as agnosias auditivas, em que o paciente apresenta dificuldade no reconhecimento de ruídos ou sons musicais. Outro tipo de distúrbio que pode estar presente junto às afasias e agnosias é a apraxia. O termo grego praxis significa ação, e dessa forma, a apraxia seria a incapacidade em realizar atos motores na ausência de comprometimento de força muscular, sensibilidade ou alteração do tônus muscular. 20 Unidade I A dificuldade em realizar atos motores aprendidos pode englobar desde atos simples, como, por exemplo, fazer o sinal de adeus, a atos motores complexos, como o uso funcional de um objeto como caneta, escova e pasta de dentes, e até a marcha. Essa limitação costuma ser resultado de lesões localizadas no córtex parietal. No quadro a seguir é possível observar tipos específicos de apraxias. Quadro 1 – Tipos de apraxia Apraxia Caracterização Cinética Dificuldade em executar movimentos finos Ideomotora Dificuldade em realizar atos motores complexos, como escovar os dentes Bucolingual Restrição a uma parte do corpo em atividades específicas, como assoviar Construtiva Dificuldade em copiar desenhos, como figuras geométricas Embora os diferentes tipos de apraxias não sejam muito frequentes no dia a dia da intervenção fisioterapêutica de pacientes neurológicos, é importante ressaltar que sua presença pode interferir na interpretação adequada dos distúrbios da função motora. Saiba mais O neurologista Oliver Sacks descreveu alguns casos de seus pacientes; conheça exemplos de histórias de pessoas com distúrbios das funções corticais superiores lendo a seguinte obra: SACKS, O. O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. São Paulo: Companhia das Letras, 1985. 1.7 Tônus muscular Um dos tópicos mais importantes da avaliação neurológica para o fisioterapeuta é o do tônus muscular. É através da avaliação do tônus muscular que o fisioterapeuta pode compreender as disfunções motoras presentes no paciente que justificam sua queixa funcional. A alteração do tônus irá repercutir diretamente na capacidade de o paciente realizar movimento voluntário, bem como apresentar ajustes posturais adequados para a manutenção do equilíbrio. O tônus muscular pode ser definido como o estado de contração basal do músculo, sendo que mesmo em repouso, apresenta um grau mínimo de contração. 21 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Dessa forma, há duas situações fisiológicas de tônus: o de repouso (basal) e o postural. O tônus de repouso é explicado pelas propriedades elásticas das fibras musculares e pela ação do proprioceptor fuso muscular, cujo circuito neural está localizado na medula, sendo responsável pelo reflexo de estiramento (miotático). O tônus postural é aquele que será recrutado para a motricidade voluntária e os ajustes posturais. O controle do tônus postural depende da ação equilibrada de vias suprassegmentares descendentes excitatórias e inibitórias para a medula espinal. Essas vias suprassegmentares se originam em diferentes regiões do encéfalo e terminam fazendo sinapses excitatórias e inibitórias com os neurônios medulares. O quadro 2 mostra, de forma geral, algumas dessas vias descendentes. Quadro 2 – Vias descendentes medulares excitatórias e inibitórias Vias excitatórias Vias inibitórias Trato vestibuloespinal lateral Trato corticoespinal lateral Trato reticuloespinal pontino Trato rubroespinal Trato tectoespinal Trato reticuloespinal bulbar Diante de lesão no sistema nervoso central poderá ocorrer o comprometimento no controle do tônus, resultando em hipertonia ou hipotonia muscular. Antes de explicar as alterações de tônus muscular, vamos descrever como é realizada a sua avaliação. O tônus muscular pode ser avaliado através da inspeção, da palpação e do alongamento passivo rápido do músculo. Tanto a inspeção como a palpação não oferecem uma avaliação fidedigna do tônus muscular, mas podem auxiliar a interpretação do fisioterapeuta após a mobilização passiva do músculo. Pela inspeção, através da comparação entre os dois hemicorpos, é possível observar o posicionamento dos segmentos quando é solicitada ao paciente a manutenção na postura deitada (decúbito dorsal). Um hemicorpo na posição de flexão do membro superior pode sugerir a presença de hipertonia espástica nesse membro. Na palpação, o critério de avaliação também é a comparação entre os grupos musculares dos membros superiores e inferiores, sendo ainda realizada com o paciente posicionado em decúbito dorsal. O fisioterapeuta, ao palpar o ventre muscular, deverá observar o seu grau de consistência. Essa consistência está mais relacionada ao grau de elasticidade do músculo, responsável pelo denominado tônus muscular de repouso. Esse procedimento de avaliação do tônus não substitui a necessidade do alongamento passivo rápido do músculo, uma vez que será o alongamento rápido que possibilitará uma observação real da alteração 22 Unidade I da sensibilidade do fuso muscular, proprioceptor responsável pela resposta reflexa de contração que será verificada após o alongamento. Ou seja, o fisioterapeuta pode até realizar a inspeção e a palpação, mas será o alongamento passivo rápido que o ajudará a definir se o músculo está hipertônico ou hipotônico. Assim, através da mobilização passiva rápida das articulações, o fisioterapeuta detectará as alterações de tônus muscular. Inicialmente deve ser realizado um movimento lento de alongamento para verificação de presença de limitações articulares, para em seguida aplicar o alongamento passivo rápido. Nesse momento, tem de ser observado o grau de resistência oferecido pelo músculo. Essa resistência observada ao alongar rapidamente o músculo nada mais é do que a resposta reflexa de contração do músculo gerada pela ativação do fuso muscular. Nitrini e Bacheschi (2015) afirmam que na hipertonia muscular, ao se realizar o alongamento passivo rápido, o fuso muscular é estimulado através de seu arco reflexo, o músculo reflexamente contrai. A contração muscular reflexa é percebida pelo fisioterapeuta como uma resistência brusca que logo em seguida desaparece. Clinicamente, esse comportamento é denominado sinal do canivete, uma vez que essa resistência lembra aquela encontrada ao se abrir ou fechar um canivete. A redução brusca da resistência deve-se à ativação do receptor OTG (órgão neurotendíneo de Golgi), que promove o relaxamento reflexo do músculo. Essa hipertonia também é chamada elástica ou espástica. Corresponde à alteração de tônus muscular mais frequente após lesões do neurônio motor superior, ou trato piramidal. Mas a hipertonia ainda pode ser do tipo plástica ou rigidez. Trata-se de uma condição específica de tônus presente em pacientes portadores de doença de Parkinson. Nessa forma de hipertonia, o aumento da resistência durante o alongamento passivo do músculo é intermitente e independe da velocidade do alongamento, sendo que esse comportamento lembra o movimento de uma roda de engrenagem.Por tal motivo, esse sinal é conhecido como roda denteada. Quando há redução da resistência muscular ao alongamento passivo, têm-se a situação de tônus chamada hipotonia. Frequentemente é resultado de lesões localizadas no próprio músculo, como as miopatias, ou no neurônio motor inferior. No que se refere ao sistema nervoso central, a hipotonia pode ocorrer em fase aguda das lesões ou então após acometimento cerebelar. O domínio do fisioterapeuta durante o procedimento da avaliação do tônus é de extrema importância, uma vez que as alterações de tônus comprometem diretamente a capacidade de realização dos movimentos ativos e o controle do equilíbrio do paciente. As queixas funcionais apresentadas pelos pacientes geralmente estão associadas a dificuldades motoras e de equilíbrio. 23 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL 1.8 Reflexos profundos e superficiais A pesquisa sobre os reflexos profundos inclui, principalmente, a observação das respostas dos reflexos tendíneos ou miotáticos. Para testar os reflexos tendíneos, o terapeuta deverá posicionar o músculo em estado de pré-alongamento. Em seguida, com a utilização do martelo de reflexo, ele percutirá o tendão desse músculo pré-alongado. A percussão do tendão irá gerar reflexamente a contração do músculo, promovendo o movimento articular. O receptor muscular a ser estimulado com a percussão do tendão é novamente o fuso muscular. Daí a importância de se posicionar o músculo em situação de pré-alongamento, uma vez que o estímulo para ativar esse proprioceptor, localizado no ventre muscular, é o alongamento rápido. Será a comparação entre as respostas obtidas bilateralmente que possibilitará ao terapeuta interpretá-las adequadamente. Para Bertolucci et al. (2016), entre as principais características que se deve atentar durante a pesquisa dos reflexos tendíneos estão a presença ou ausência do reflexo, simetria entre os hemicorpos, aumento da área reflexógena e velocidade-amplitude da reposta. Uma graduação que pode ser feita diante das respostas obtidas é apontada no quadro a seguir. Quadro 3 – Graduação dos reflexos tendíneos Graduação Resposta 0 Abolido ou ausente +1 Hipoativo +2 Normativo +3 Vivo ou hiperativo +4 Exaltado Embora todos os músculos esqueléticos apresentem o reflexo miotático, na avaliação são testados alguns cuja resposta tende a ser mais evidente. Além disso, os grupos musculares devem ser testados bilateralmente, e o terapeuta, através da comparação entre as respostas, deverá interpretá-las. O paciente deve ser posicionado de maneira que o músculo a ser testado esteja relaxado. O reflexo aquileu depende do nervo tibial e é integrado nos segmentos de L5 a S2. Em seu teste, o paciente estará em decúbito dorsal, a perna a ser testada será posicionada em ligeira flexão e rotação externa e cruzada sobre a outra. O terapeuta manterá o tornozelo em pequeno grau de flexão dorsal e então, ao percutir o tendão aquileu, será observado o movimento de flexão plantar. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), quando o reflexo aquileu está exaltado, pode ser obtido já ao percutir estruturas como os maléolos e a face anterior da tíbia. Isso ocorre devido à transmissão de vibração, sinalizando a situação de hiper-reflexia. 24 Unidade I O reflexo patelar depende do nervo femoral e é integrado nos segmentos L2 a L4. Nele, o paciente sentado com as pernas pendentes ou em decúbito dorsal, com os joelhos em semiflexão apoiados pelo examinador, é percutido o ligamento patelar (entre a patela e a epífise da tíbia), observando-se o movimento de extensão do joelho. Quando a resposta está exaltada, já é possível a observação do reflexo ao se percutir a crista da tíbia. O padrão de resposta dos reflexos tendíneos varia entre os indivíduos sem lesão neurológica. Para facilitar a obtenção do reflexo, pode-se solicitar as manobras de reforço. Na manobra de Jendrassik, solicita-se ao paciente que mantenha os dedos das duas mãos semifletidos e enganche as duas mãos, mantendo as superfícies palmares em contato e as puxando em sentido contrário, sem permitir sua separação (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Além disso, o fisioterapeuta deve certificar-se se o paciente realmente está com o músculo relaxado, pois caso contrário, a análise do reflexo será dificultada, o que poderá ocasionar uma interpretação inadequada da resposta reflexa. Observação Procure nesse momento da avaliação distrair a atenção do paciente, para que não fique atento ao seu procedimento com o martelo de reflexo. Para verificar o reflexo dos músculos adutores da coxa, o paciente deve estar em decúbito dorsal com os membros inferiores semifletidos, em pequeno grau de adução do quadril, com os pés apoiados na cama ou sentado com as pernas pendentes. A percussão se dá na região do côndilo medial do fêmur, na inserção dos tendões. Com a interposição do dedo do terapeuta, através da percussão, observa-se uma pequena adução da coxa. A integração do reflexo dos adutores da coxa ocorre nos mesmos segmentos que o reflexo patelar, mas depende do nervo obturador. Outro reflexo tendíneo que pode ser verificado é o estilorradial, cuja integração ocorre nos segmentos C5 e C6 e é dependente do nervo radial. O antebraço é semifletido e apoiado sobre a mão do terapeuta, em pequeno grau de pronação. A percussão acontece sobre o processo estiloide do rádio, que determinará a contração do músculo braquiorradial, produzindo flexão e pequena pronação. Na hiper-reflexia, a contração reflexa é mais vigorosa, uma vez que ocorrem contrações associadas dos músculos bíceps e flexores dos dedos. O reflexo bicipital pode ser testado através do antebraço em posição de semiflexão e com a mão em supinação, sendo apoiado sobre o antebraço do terapeuta. Ao se percutir o tendão bicipital, ocorrerá a flexão do cotovelo e supinação do antebraço. Sua integração ocorre nos segmentos C5 e C6 e é dependente do nervo musculocutâneo. 25 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Já quanto ao reflexo tricipital, a inervação é feita pelo nervo radial e sua integração se dá nos segmentos C7 e C8. Sua verificação ocorre com o braço abduzido e sustentado pelo terapeuta, de modo que o antebraço fique pendente em semiflexão. Ao se percutir a porção distal do tendão tricipital ocorrerá a extensão do cotovelo. O quadro a seguir mostra os reflexos tendíneos mais frequentemente pesquisados e seus respectivos segmentos medulares. Quadro 4 – Reflexos tendíneos e seus segmentos medulares Reflexo tendíneo Segmento medular Bicipital C5-C6 (nervo musculocutâneo) Tricipital C7 (nervo radial) Estilorradial C5-C6 (nervo radial) Quadríceps (patelar) L3-L4 (nervo femoral) Aquileu S1 (nervo ciático) A análise do terapeuta sobre os reflexos tendíneos será baseada na comparação das respostas obtidas entre os dois hemicorpos, sendo que as assimetrias deverão chamar a atenção do examinador. Há variáveis que interferem na resposta do reflexo tendíneo em indivíduos sem história de lesão neurológica. No início da prática clínica, é comum encontrar dificuldades para testar os reflexos tendíneos e interpretar adequadamente os achados sobre o tônus. Uma dica valiosa que você não pode esquecer é que a avaliação do tônus muscular possui uma relação direta com a dos reflexos tendíneos, uma vez que nos procedimentos o receptor muscular a ser estimulado é o fuso muscular. Assim, na dúvida sobre o tônus de um grupo muscular, verifique como se encontra a resposta do reflexo tendíneo do respectivo grupo muscular. Vamos dar um exemplo prático. Ao testar o tônus do músculo bíceps braquial, você realizará de forma passiva e rápida o movimento de extensão do cotovelo. Vamos supor que tenha ficado com dúvida se há aumento de tônus do bíceps ou se o paciente realizou de forma ativa o movimento. Para solucionar a dúvida, verifique a resposta do reflexo bicipital. Se houver hipertonia espástica, o reflexo estará aumentado. Assim, diante de hipertonia espástica, a resposta do reflexo tendíneo estará aumentadaou exaltada (na espasticidade). Da mesma forma, na hipotonia muscular, a resposta tendínea estará diminuída (hiporreflexia). A hiper-reflexia ocorre quando há aumento da amplitude da resposta do reflexo tendíneo e crescimento da área da resposta reflexógena. A presença da hiper-reflexia sugere a existência de uma hipersensibilidade do fuso muscular, ou seja, o fuso está muito sensível e, assim, se o músculo sofrer um mínimo alongamento, como a percussão do tendão ou diante de uma saliência óssea próxima à inserção tendínea do músculo, será capaz de contrair reflexamente o músculo. Esse é um dos sinais clínicos presentes na síndrome da espasticidade. 26 Unidade I Além da hiper-reflexia, no paciente com espasticidade são encontrados os reflexos policinéticos, como o clônus muscular. Para Nitrini e Bacheschi (2015), o reflexo policinético consiste em contrações musculares repetidas em resposta a uma única percussão. Pode ser observado à pesquisa de qualquer reflexo profundo. Um dos mais observados durante a avaliação de pacientes espásticos é o clônus observado diante do alongamento brusco e mantido dos músculos tríceps sural, flexores de punho e dedos e reto-femoral (ao se deslocar a patela para baixo de forma rápida). Figura 2 – Representação do reflexo policinético clônus muscular Fonte: Clonus: clinical examination… (2016). Com relação aos reflexos superficiais, suas respostas se esgotam diante de estimulação repetitiva. De maneira geral, compõem contrações breves dos músculos superficiais após estimulação cutânea. Um dos superficiais mais importantes do ponto de vista clínico é o reflexo cutâneo plantar. Com o paciente deitado e relaxado, a estimulação cutânea deve ser realizada através da ponta de um lápis ou caneta sobre a superfície plantar na forma da letra “C” invertida, isto é, partindo o estímulo da região do calcâneo direcionando o lápis para a borda lateral do pé em direção ao hálux. Como resposta, haverá uma flexão global dos dedos. Durante o primeiro ano de vida, a resposta encontrada é a de extensão do hálux associada à abertura (abdução dos dedos) na forma de leque. A persistência do padrão de resposta presente no período de 1 ano é considerada patológica, e esse sinal é chamado Babinski. O sinal de Babinski também é um achado clínico presente na espasticidade, sendo sua presença indicativa de lesão do neurônio motor superior. 27 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL O reflexo cutâneo abdominal é aquele em que uma leve estimulação na parede abdominal no sentido lateromedial provoca a contração dos músculos abdominais homolaterais à estimulação, gerando o desvio da cicatriz umbilical para o lado estimulado. Esse reflexo é integrado nos segmentos medulares de T9 a T11 e está ausente na síndrome piramidal. É importante ressaltar que fatores como obesidade, flacidez e processo cicatricial podem dificultar a pesquisa desse reflexo. Precisamos considerar que a observação dos reflexos profundos e superficiais deve ser somada aos demais tópicos da avaliação neurológica. Em especial, na avaliação fisioterapêutica, os achados dos reflexos tendíneos não têm de ser interpretados de forma isolada daqueles observados na avaliação do tônus muscular. Nenhum profissional fará um diagnóstico clínico do paciente baseado somente nas respostas desses reflexos. 1.9 Motricidade voluntária e força muscular Para avaliar a motricidade voluntária, é necessário solicitar ao paciente que realize movimentos analíticos dos membros superiores e inferiores. Os movimentos de flexão, extensão e rotação do tronco também devem ser observados. O terapeuta deverá observar se o paciente é capaz de vencer a ação da gravidade, se há presença de oscilações e principalmente se é capaz de completar totalmente a amplitude de movimento. O paciente pode estar deitado em decúbito dorsal ou sentado. A avaliação deve ser realizada em todos os grupos musculares e de forma bilateral. Uma vez verificada a presença de movimentos ativos contra a ação da força de gravidade, faz-se necessária a avaliação da força muscular. Para isso, além da ação da gravidade, o paciente deverá realizar o movimento contra uma resistência extra oferecida pelo terapeuta. No quadro a seguir é possível verificar a graduação da força muscular, segundo Kendall, Kendall e Wadsworth (1979). Quadro 5 – Graduação da força muscular Escore Caracterização 0 Sem evidência de contração muscular 1 Evidência de contração muscular sem movimento articular 2 Amplitude de movimento incompleta 3 Amplitude de movimento completa contra a gravidade 4 Amplitude de movimento completa contra a gravidade e resistência submáxima 5 Amplitude de movimento completa contra a gravidade e resistência máxima 28 Unidade I Nem sempre é possível a graduação da força muscular em pacientes neurológicos com alteração de tônus, em especial naqueles que possuem espasticidade, que dificultará o recrutamento do músculo antagonista ao espástico. Sendo assim, é esperado que tanto o músculo espástico como seu antagonista sejam fracos. Diante da hipotonia, a graduação da força muscular já é mais possível. Outro aspecto importante a se lembrar é que existem variáveis que interferem na distribuição da força muscular entre os diferentes grupos musculares. A idade do paciente, a prática de atividades físicas assimétricas em relação aos membros e hemicorpos e o lado dominante são alguns fatores que influenciarão a força muscular entre os dois hemicorpos. Assim, o fisioterapeuta deve considerá-los para que possa realizar uma interpretação adequada dessa importante função motora. Os distúrbios da motricidade voluntária são denominados plegia ou paresia. A plegia é equivalente à situação clínica em que o movimento voluntário está ausente, sendo equivalente à paralisia. Quando o movimento voluntário está presente, porém de forma parcial, ocorre a paresia. A instalação da plegia após uma lesão neurológica possui um significado clínico de maior gravidade. Dependendo da distribuição topográfica do distúrbio de motricidade, pode-se encontrar as situações apontadas no quadro a seguir. São termos importantes utilizados no dia a dia da clínica neurológica, que auxiliam o fisioterapeuta a interpretar o quadro motor do paciente. No quadro, a primeira forma de acometimento é a monoplegia. Essa é uma condição clínica comum nas lesões de sistema nervoso periférico. Nela há perda total do movimento voluntário em um membro que pode ser superior ou inferior, a monoparesia, respectivamente, vem a ser a perda parcial do movimento voluntário em um membro. Outra forma frequente de acometimento motor após lesões encefálicas é a hemiplegia, caracterizada pela perda total do movimento em um hemicorpo, que pode ser o direito ou esquerdo. Pode também ocorrer o acometimento da hemiface. Na diplegia, o comprometimento motor está presente nos quatro membros, porém os membros inferiores são mais afetados e o comprometimento dos membros superiores é mais leve e distal, se encontrando na região de punho e dedos. Esse quadro é observado em crianças com diagnóstico clínico de paralisia cerebral. Observação A paraplegia não é equivalente à diplegia. Ela é um tipo de comprometimento motor decorrente de lesões da medula espinal (abaixo do segmento medular T1), em que o paciente perde os movimentos do tronco em direção aos membros inferiores. Na paraplegia, a função motora dos membros superiores está preservada. 29 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Quadro 6 – Distúrbios da motricidade voluntária, segundo distribuição topográfica Classificação Distribuição topográfica Monoplegia Ausência de movimento em um membro Hemiplegia Ausência de movimento em um hemicorpo Tetraplegia Ausência de movimento nos quatro membros Paraplegia Ausência de movimento abaixo de T2, presença de lesão medular Diplegia Acometimento dos quatro membros, porém com predomínio dos membros inferiores; comum na paralisia cerebral A tetraplegia (ou quadriplegia) é a condição clínicaem que a perda do movimento voluntário é simétrica e envolve os quatro membros, ocorrendo em lesões encefálicas extensas, ou então, lesões medulares altas, como aquelas localizadas na região cervical ou início da medula torácica. 1.10 Sensibilidade Outro item importante da avaliação neurológica é a observação da sensibilidade. Vale lembrar que há três categorias de sensibilidade: a exteroceptiva, a proprioceptiva e a interoceptiva. A sensibilidade exteroceptiva é aquela que inclui os sistemas que recebem os estímulos externos, como visão, audição, gustação, olfato e pele (cutânea). A proprioceptiva está relacionada com a noção de posicionamento dos segmentos do corpo em relação ao espaço e ao próprio corpo, enquanto que a interoceptiva está associada com as informações sensoriais originadas nos órgãos internos e vísceras. Na avaliação fisioterapêutica são focadas as modalidades de sensibilidade extero e proprioceptiva. Diante da suspeita de alterações nos sistemas de visão, audição, olfato e paladar, o fisioterapeuta deverá orientar o paciente a procurar por um especialista para uma avaliação mais detalhada. Com relação à sensibilidade cutânea (superficial), serão observados a dor, a temperatura e o tato protopático (grosseiro). Já a proprioceptiva engloba a sensibilidade cinética-postural, vibratória e o tato epicrítico (discriminativo). Além disso, o terapeuta deverá verificar, de forma geral, a presença de queixas como dores espontâneas, formigamentos e adormecimentos. Todas essas sensações não específicas são chamadas de parestesias, uma das mais frequentes alterações de sensibilidade. Antes de iniciar a observação da sensibilidade propriamente dita, é interessante que seja demonstrado ao paciente o que será utilizado como estímulo: alfinetes descartáveis, uma porção de algodão, tubos de ensaio com água gelada e morna. Essa estratégia é válida para se evitar uma interpretação inadequada de distúrbios reais de sensibilidade dos de origem cognitiva, que também podem estar presentes. 30 Unidade I Uma vez demonstrados os objetos, o paciente deverá permanecer deitado, relaxado e de olhos fechados. Então o terapeuta deve oferecer os estímulos ao longo dos membros superiores e inferiores. O paciente deverá ser capaz de identificar o estímulo e localizar o segmento de seu corpo que foi estimulado. No quadro a seguir são apontadas as modalidades sensoriais superficiais e objetos que podem ser utilizados na avaliação. Quadro 7 – Sensibilidade cutânea Sensibilidade Avaliação Dor Utilização de alfinetes descartáveis Tato protopático (grosseiro) Utilização de uma porção de algodão Temperatura Utilização de tubos de ensaios com água morna e gelada Na sensibilidade profunda, devem ser investigadas a modalidade cinética-postural, a vibratória e o tato epicrítico (discriminativo). O tato epicrítico pode ser avaliado solicitando ao paciente que indique o local exato do ponto estimulado ou da discriminação de dois pontos. A sensibilidade cinético-postural é aquela em que o paciente demonstra capacidade de identificar a posição dos segmentos do corpo em relação ao próprio corpo. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), uma forma simples de avaliação é solicitar que o paciente, de olhos fechados, acuse a posição assumida pelos segmentos deslocados passivamente pelo terapeuta. Com a utilização de um diapasão posicionado sobre as saliências ósseas, como, por exemplo, a crista do osso tíbia, a sensibilidade vibratória pode ser observada. Vale lembrar que a capacidade de reconhecimento de objetos ou formas através do tato requer a integridade da área de associação tátil, localizada no lobo parietal. Lesões dessa região podem ocasionar a agnosia tátil. Dependendo do tipo de acometimento sensorial, os distúrbios de sensibilidade podem ser do tipo hiperestesia, hipoestesia e anestesia. 1.11 Coordenação motora Para a observação da coordenação motora, o fisioterapeuta deve estar atento, uma vez que a queixa funcional do paciente pode ser explicada devido ao seu comprometimento. Ela pode ser verificada através de testes específicos como índex-índex, índex-nariz e calcanhar-joelho, entretanto também deve ser observada a coordenação motora envolvida na realização de atividades funcionais, como para abotoar e desabotoar uma camisa, calçar uma meia e amarrar o cadarço de sapatos, bem como aquela necessária para a escrita. 31 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Com relação à coordenação da região do tronco, é possível verificar, sobretudo, o equilíbrio e seu controle durante a manutenção de posturas como sedestação (sentada) e bipedestação (ortostática). Através da solicitação dos testes específicos, é possível verificar a coordenação dos membros superiores e inferiores. Antes de descrevê-los, será necessário demonstrar o teste ao paciente, que em seguida deverá realizar de forma lenta e de olhos abertos, para depois com os olhos fechados, aumentar a velocidade do movimento. Outra forma de coordenação motora envolve a diadococinesia, que é a capacidade de realizar movimentos rítmicos e alternados dos membros. Para sua avaliação, estando o paciente sentado e com os antebraços apoiados sobre os joelhos, poderá ser solicitada a realização alternada dos movimentos de pronação e supinação dos antebraços. Nos membros inferiores, podem ser realizados movimentos alternados de flexão e extensão do tornozelo. As orientações a serem dadas ao paciente são as mesmas para os testes específicos. Na prova índex-nariz, é solicitado ao paciente que, partindo da posição de abdução do ombro a 90° e extensão de cotovelo, leve a ponta do dedo de encontro à ponta do nariz. No índex-índex, a solicitação é para que haja o encontro bilateral da ponta do dedo à linha média do corpo. Para os membros inferiores, a prova calcanhar-joelho (figura a seguir), o paciente deitado em decúbito dorsal deverá tocar o calcâneo no joelho contralateral e depois deslizá-lo sobre a tíbia, em linha reta até o dorso do pé. Figura 3 – Representação do teste de coordenação calcanhar-joelho Fonte: Greve (2017, p. 60). Distúrbios de coordenação podem ser observados através da presença de oscilações, dificuldade para o controle da velocidade do movimento e para atingir o alvo. A incapacidade para atingir o alvo do movimento pode ser denominada dismetria, em que o paciente no teste pode não completar o movimento (hipometria) ou ultrapassar o alvo, tocando, por exemplo, a ponta do dedo sobre a fronte ou boca (hipermetria). A dificuldade na realização de movimentos alternados e rítmicos é denominada disdiadococinesia. 32 Unidade I Os distúrbios de equilíbrio e de coordenação envolvem as ataxias, que podem ser de origem cerebelar, vestibular e sensitivas. A ataxia sensitiva é resultado de acometimento nas vias de sensibilidade cinético-postural, onde as informações sobre o posicionamento das partes do corpo não são conduzidas de maneira adequada, gerando limitações no recrutamento de ajustes posturais. Nessa ataxia, a visão pode agir como compensação para o déficit sensorial, e um teste que pode ser observado é o sinal de Romberg. Ao solicitar o fechamento dos olhos com o paciente na postura ortostática, é possível observar oscilações sem tendência para um dos lados. Quando esse padrão de resposta está presente, é dito sinal de Romberg positivo. A marcha na ataxia sensitiva é denominada talonante ou calcaneante, uma vez que pelo déficit proprioceptivo, o paciente toca o calcanhar fortemente no chão, além de manter a visão durante cada passo, que é irregular e curto. Diante do fechamento dos olhos, essas alterações pioram e podem até impossibilitar a marcha. Polirradiculoneurites ou lesões dos gânglios espinais e nas raízes dorsais (tabes), esclerose múltipla no funículo posterior da medula espinal, podem resultar na ataxia sensitiva. As lesões cerebelares também podem gerar ataxia. Outro sinal presente nessas lesões é a dança de tendões. Para a manutenção da postura ortostática, é necessáriaa ação coordenada entre os músculos tibial anterior e tríceps sural. Essa coordenação está comprometida na lesão cerebelar, contribuindo para a presença de oscilações entre esses dois tendões. A marcha atáxica cerebelar, também chamada ebriosa, é caracterizada por passos irregulares, que alternam a largura e a velocidade, as pernas são mantidas afastadas, sendo difícil andar em linha reta, e o fechar dos olhos não interfere no desequilíbrio. O sistema vestibular é especializado por detectar constantemente a posição e os movimentos da cabeça. Essas informações são importantes para a elaboração de ajustes posturais. Diante das disfunções vestibulares, o controle do equilíbrio fica comprometido. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), alguns dos principais sintomas de disfunção vestibular são a vertigem e a sensação de rotação do ambiente ou do corpo. Na avaliação do equilíbrio estático, o paciente apresenta tendência de queda, principalmente diante do fechamento dos olhos, caracterizando o sinal de Romberg vestibular. A marcha dessa pessoa é caracterizada por aumento da base de sustentação e há tendência de deslocamento para um dos lados. Nas lesões periféricas do sistema vestibular, como nas labirintopatias, ao solicitar que o paciente caminhe quatro ou cinco metros para frente e para trás com os olhos fechados, observa-se que os desvios presentes permitem o desenho de uma estrela no chão. Quando a lesão no sistema vestibular ocorre no âmbito central, isto é, nos núcleos vestibulares (entre a ponte e o bulbo), há tendência de queda preferencial que não será influenciada pela movimentação da cabeça. Lesões unilaterais provocam tendência de queda para o lado em que o labirinto se encontra acometido. Ainda no exame do sistema vestibular, é possível observar o nistagmo, que é um desvio relativamente lento dos olhos num sentido, seguido de um abalo rápido no sentido oposto. 33 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL Para finalizar o tema das ataxias, ainda é possível o comprometimento do equilíbrio ser resultante de lesão no lobo frontal. Nele, há presença de vias descendentes para cerebelo e núcleos da base. Na ataxia frontal, o equilíbrio estático não é comprometido, porém a disfunção é observada durante a marcha, caracterizada pelo aumento da base de sustentação combinado com a flexão do tronco, os passos são hesitantes e seu início pode parecer difícil (os pés parecem “colados ao chão”), e o desequilíbrio aumenta ao mudar de direção. Essa ataxia, para alguns autores, é chamada de apraxia da marcha. Um aspecto interessante na apraxia é que a coordenação nos membros inferiores está, geralmente, preservada, e nos membros superiores poderá ocorrer a perseveração motora, que corresponde à dificuldade de realizar movimentos alternados ou em sequência, sendo o paciente incapaz de passar de um movimento a outro, havendo a persistência do movimento anterior. Quadro 8 – Tipos de ataxias e suas respectivas áreas de lesão Ataxia Áreas de lesão Sensitiva Vias de sensibilidade cinético-postural, lesão no funículo posterior da medula espinal e raízes dorsais Vestibular Sistema vestibular Cerebelar Cerebelo Frontal Lobo frontal 1.12 Exame das funções neurovegetativas (autonômicas) É comum esquecer que além das funções motoras, cognitivas e perceptuais, o sistema nervoso é responsável pelo controle das funções neurovegetativas ou autonômicas. Para o fisioterapeuta, a observação do controle autonômico é importante, uma vez que seus distúrbios podem estar presentes durante a terapia, como, por exemplo, a hipotensão ortostática ou o aumento súbito de pressão arterial que poderão até mesmo necessitar da interrupção da terapia. Os distúrbios nas respostas neurovegetativas podem resultar de lesões centrais e periféricas do sistema nervoso. Alterações vasomotoras localizadas nas extremidades dos membros, de salivação e sudorese, hipotensão postural, além de comprometimento no controle de esfíncter e sexual devem ser questionadas durante a própria anamnese do paciente. A inspeção da pele e anexos contribui, em grande parte, para a detecção de alguns desses distúrbios, como o grau de hidratação, temperatura, presença de ulcerações e processos cicatriciais e coloração. O termo “autônomo” é explicado pelo fato que esse sistema não está sob controle voluntário e depende da ação de diferentes estruturas, como córtex cerebral, núcleos hipotalâmicos e formação reticular do tronco encefálico. O estado emocional, a motivação e o movimento voluntários influenciam o sistema autônomo. 34 Unidade I Vale lembrar que é composto de três componentes: o simpático, o parassimpático e o visceral. O componente visceral apresenta grande autonomia em relação aos demais sistemas, sendo constituído por neurônios sensitivos e motores do trato gastrointestinal, com poucas conexões com outras partes do sistema nervoso. Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), o componente simpático é responsável por mudanças rápidas que permitem ao organismo adaptação a súbitas alterações dos meios externo (exemplo: temperatura) e interno (hemorragia). Já o parassimpático, de maneira geral, é responsável pela manutenção das condições basais no repouso, como frequência cardíaca, pressão arterial e metabolismo em condições normais. O controle esfincteriano deve ser pesquisado, cujo acometimento é comum após lesões nervosas centrais e periféricas, que acarreta sérias consequências clínicas e psicossociais. A bexiga neurogênica é um dos mais frequentes distúrbios autonômicos. A infecção urinária de repetição é uma das principais consequências clínicas da bexiga neurogênica, cujo agravamento pode inclusive comprometer a função renal. De maneira geral, há dois tipos de bexiga neurogênica: a arreflexa (ou flácida) e a hiper-reflexa (espástica). Na arreflexa (flácida), a lesão pode ter ocorrido nos nervos pélvicos, das raízes da cauda equina. Dependendo da ação do músculo detrusor, a urina é eliminada em pequenas quantidades e manobras que aumentam a pressão abdominal auxiliando no esvaziamento da bexiga. A bexiga hiper-reflexa ou espástica é aquela em que a lesão resultou de segmentos medulares acima de S2. Nessa forma de bexiga neurogênica, sua capacidade é menor e seu volume residual é variável, além disso, há associação com a espasticidade dos músculos dos membros inferiores. A incontinência urinária é um termo amplo que envolve disfunções de causas variadas no controle esfincteriano. Na avaliação neurológica, o fisioterapeuta deve questionar o paciente ou seu acompanhante sobre sua presença e deverá orientar sobre a necessidade de consulta de um especialista e sobretudo alertar sobre a possibilidade de infecção urinária e seus principais sintomas. 1.13 Exame dos nervos cranianos A observação dos nervos cranianos pode revelar aspectos importantes sobre o diagnóstico clínico do paciente, porém para o fisioterapeuta essa avaliação é focada para alguns pares de nervos, geralmente aqueles que possuem maior frequência de acometimento em lesões periféricas e centrais. Vale lembrar que a função dos nervos cranianos está relacionada com a inervação de músculos da região do pescoço e da cabeça, e diferente dos nervos espinais que são mistos, alguns são formados somente de fibras nervosas sensitivas, fibras motoras ou mistas. Esse detalhe anatômico contribui para a compreensão do fisioterapeuta do quadro clínico do paciente. Por exemplo, o nervo facial é composto 35 FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL de fibras motoras, na paralisia facial de natureza periférica, também conhecida como paralisia de Bell, a perda predominante será motora dos músculos da hemiface homolateral à lesão. O exame do nervo olfatório (I nervo) deve ser realizado quando o paciente apresenta queixas específicas de alteração do olfato. Sua avaliação pode ser realizada através da apresentação de estímulos olfativos, como chocolate, café e hortelã. Lesões localizadas na base da fossa anterior do crânio, como traumas ou tumores, podem