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AFINAL, ESTÁ CERTO OU ERRADO

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AFINAL, ESTÁ CERTO OU ERRADO? UM ESTUDO SOBRE INDICAÇÕES DE 
USO DE BLOCOS BASE DEZ EM LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA NO 
BRASIL 
Everaldo Silveira 
Universidade Federal de Santa Catarina – Brasil 
derelst@hotmail.com 
RESUMO 
O objetivo da pesquisa aqui relatada foi problematizar casos de indicações ao uso de Blocos 
Base Dez (BBD) para o ensino e a aprendizagem do sistema de numeração Indo-Arábico e 
operações aritméticas contidas nas cinco coleções de livros didáticos de matemática dos Anos 
Iniciais do Ensino Fundamental selecionadas no PNLD
1
 mais compradas pelo MEC
2
 para suprir 
o sistema público de educação no Brasil no ano de 2017. Observamos e discutimos indicações 
que julgamos equivocadas em quatro das cinco coleções. 
PALAVRAS-CHAVE: Materiais Manipulativos; Blocos Base 10; Livros didáticos. 
ABSTRACT 
The objective of the research reported here was to problematize cases of indications to the use 
of Base Blocks Ten (BBD) for teaching and learning the Arabic numeration system and 
arithmetic operations, contained in the five collections of textbooks of mathematics of the Early 
Years of Elementary School selected in the PNLD
3
 most purchased by the MEC
4
 to supply the 
public education system in Brazil in the year 2017. We observed and discussed indications that 
we believe are misleading in four of the five collections. 
KEYWORDS: Manipulatives; Base 10 blocks; Textbooks. 
INTRODUÇÃO 
O sistema de numeração que utilizamos é de importância fundamental. Esse 
sistema, chamado de Indo-Arábico, foi desenvolvido pelos indianos, difundido e 
divulgado especialmente pelos árabes. Mas o que, principalmente, levou a humanidade 
a optar pela utilização desse sistema de numeração, e não, por exemplo, pelo Sistema de 
Numeração Egípcio? Boyer (1996) afirma que os indianos articularam em um mesmo 
 
1
 Programa Nacional do Livro Didático. 
2
 Ministério da Educação. 
3
 Brazilian Textbook Program. 
4
 Brazilian Department of Education. 
 
 
 
 
 
 
 
2 
sistema três princípios, nenhum deles criado originalmente por eles, mas que formaram 
uma estrutura altamente coesa e prática. Esses princípios são: 1) base decimal; 2) uma 
notação posicional; 3) uma forma cifrada ou um símbolo diferente para cada um dos dez 
primeiros numerais. Percebamos que o sistema usado pelos egípcios congregava a base 
decimal e, necessariamente, tinha símbolos para as potências de dez, mas, embora 
organizasse a escrita numérica anotando da direita para a esquerda os símbolos segundo 
ordem de grandeza, essa organização parece ter sido utilizada no sentido de facilitar a 
leitura, já que os valores finais de cada símbolo eram convencionados, não se 
modificando em hipótese alguma. 
Essa forma de organizar um sistema de numeração foi genial. Com esse 
sistema passou a ser possível representar qualquer quantidade usando apenas 10 
símbolos. Sharma (1993) atribui tamanha vantagem à notação posicional. Para ele as 
principais características do pensamento matemático, eficiência, elegância e exatidão, 
estão demonstradas na representação de ―valor de lugar‖. O autor ainda afirma que 
nossa notação numérica poupa desperdício de trabalho mental (SHARMA, 1993). Isso 
pode ser um fator de facilitação no trabalho com números, especialmente em se tratando 
das operações aritméticas. 
Se esse sistema é tão importante, nos parece indiscutível a necessidade de que 
ele seja compreendido em sua plenitude pelas crianças (SHARMA, 1993; 
NURNBERGER-HAAG, 2018). Essa importância também é transparente nos inúmeros 
aparatos ou mecanismos, ou seja, recursos didáticos, criados ou reciclados por 
professores e pesquisadores preocupados com o ensino de aprendizagem de matemática 
objetivando facilitar a compreensão dos números e operações aritméticas. 
Tais recursos didáticos, especialmente aqueles que são manipuláveis, são 
constantemente lembrados nos livros didáticos de matemática utilizados no Brasil. 
Inclusive, segundo alguns autores, os livros didáticos, em sua maioria, apresentam-se 
como incentivadores à utilização de materiais manipuláveis (NÜHRENBORGER E 
STEINBRING, 2008; NACARATO, 2005). Dessa forma, nosso objetivo na pesquisa 
aqui relatada foi problematizar casos de indicações ao uso de Blocos Base Dez
5
 (BBD) 
 
5
 No Brasil é comumente conhecido como Material Dourado. 
 
 
 
 
 
 
 
3 
para o ensino e a aprendizagem do sistema de numeração Indo-Arábico e operações 
aritméticas contidas nas cinco coleções de livros didáticos de matemática dos Anos 
Iniciais do Ensino Fundamental selecionadas no PNLD
6
 mais compradas pelo MEC 
para suprir o sistema público de educação no Brasil no ano de 2017. 
MATERIAIS MANIPULATIVOS NO ENSINO DE NÚMEROS E OPERAÇÕES ARITMÉTICAS 
Materiais manipulativos específicos para auxiliar crianças na compreensão 
matemática têm sido criados ou readaptados há bastante tempo, tendo como históricos 
expoentes nesse quesito Maria Montessori e Zoltan Paul Dienes. A utilização desse tipo 
de material, especialmente em classes dos anos iniciais de escolaridade, é amplamente 
aceita (Kilpatrick, Swafford & Findell, 2001) e, para além disso, indicada em 
documentos normativos importantes (NCTM, 2014). 
Diversos pesquisadores em todo o mundo têm se dedicado a estudar os efeitos 
e contribuições da utilização de manipulativos para o ensino e aprendizagem de 
matemática. Encontramos, dentre eles, alguns extremamente otimistas e outros mais 
comedidos e céticos quanto às potencialidades de tais tipos de materiais. Dentre os mais 
otimistas, Cope (2015) acredita que estudos que relataram resultados insignificantes ou 
mesmo negativos referentes ao uso de manipulativos podem não os ter utilizado 
segundo as recomendações. Em contrário, os resultados seriam positivos. 
De uma maneira geral, pensando na utilização de manipulativos na educação 
matemática e na relação concreto/abstrato, observamos as contribuições de diversos 
autores. Kilpatrick, Swafford & Findell (2001) entendem que manipulativos podem 
fornecer links para ajudar os estudantes a relacionar seu conhecimento e experiência 
informal com abstrações matemáticas. Uribe-Flórez & Wilkins (2010) afirmam que eles 
ajudam os alunos a entender conceitos matemáticos abstratos, pois os auxiliam na 
conexão entre conceitos e ideias concretas mais informais. Moyer-Packenham & Jones 
(2004) entendem que esses materiais auxiliam alunos que têm dificuldades na 
 
6
 O PNLD ou Programa Nacional do Livro Didático é destinado a avaliar e a disponibilizar obras didáticas, 
pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à prática educativa, de forma sistemática, 
regular e gratuita, às escolas públicas de educação básica das redes federal, estaduais, municipais e 
distrital e também às instituições de educação infantil comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem 
fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público. 
 
 
 
 
 
 
 
4 
compreensão de símbolos abstratos e, dessa forma, ajudam a tornar visíveis os conceitos 
de matemática invisíveis (GOLAFSHANI, 2013), ou a tornar a matemática mais real 
para os alunos (BAROODY, 1989). Para Furner, Yahya & Duffy (2005) o uso de 
manipulativos auxilia as crianças a criarem conexões entre o concreto e o abstrato. 
Alguns autores defendem veementemente as contribuições do uso de 
manipulativos para a compreensão de conceitos ligados aos números e operações 
aritméticas. Sharma (1993), por exemplo, afirma que eles oferecem a melhor maneira de 
desenvolver habilidades que são pré-requisitos para a compreensão do conceito de valor 
de lugar. Fraivillig (2017) apresenta resultados positivos em relação à compreensão do 
conceito de base 10 e valor de lugar por crianças que utilizaram materiais 
manipulativos. 
Ladel & Kortenkamp(2016b) entendem que a base para promover processos 
de aprendizagem matemática está nas operações com manipulativos. Marshal (2008) 
entende esses materiais como catalisadores para o aprofundamento da compreensão 
matemática. 
Por outro lado, muitos pesquisadores apresentam ressalvas e ligam alertas 
quanto aos limitantes em relação ao uso de manipulativos. Kilpatrick, Swafford & 
Findell (2001) alertam que os materiais manipulativos não devem ser vistos como um 
fim em si mesmos. Eles são meios para que, quando utilizados por tempo suficiente, 
permitam que as crianças construam significados e façam conexões. Nesse mesmo 
sentido, Ball (1992b) apresenta suas preocupações quanto à noção de que os 
manipulativos possuem uma capacidade mágica de esclarecer e fazer compreender, 
fazendo com que o conhecimento matemático surja automaticamente. A autora ainda 
afirma que os conhecimentos matemáticos não residem na madeira, plástico ou papelão 
do material manipulativo, como imaginam alguns professores que já conhecem os 
conceitos que desejam ensinar. Não basta que os alunos apalpem ou manipulem 
materiais para que cheguem às conclusões corretas. Para Ball (1992b), as maneiras de se 
trabalhar com o material, os propósitos da utilização e os diálogos e interações nas 
atividades são tão importantes quanto o próprio manipulativo em uso. Nessa 
perspectiva, Uttal, Scudder & DeLoache (1997) também criticam a forma de pensar que 
os manipulativos são capazes de auxiliar de forma mágica aos professores. Para eles, o 
 
 
 
 
 
 
 
5 
uso de manipulativos pode até ser positivo, mas tais objetos não contêm na sua 
concretude a chave para ―desbloquear os mistérios da matemática‖. Outros 
pesquisadores também aderem à noção de que os manipulativos não carregam em si o 
significado à ideia matemática (CLEMENTS & MCMILLEN, 1996). Nessa direção 
Moyer-Packenham (2001) afirma que esses materiais não são inerentemente portadores 
de significado ou insight. É a reflexão dos alunos sobre suas ações com os 
manipulativos que pode ajudá-los na construção de significados. 
McNeil & Jarvin (2007), McNeil et al (2009) e Brown, McNeil & Glenberg 
(2009) entendem que manipulativos só serão úteis se não forem utilizados como 
brinquedos. Esses autores, baseados em diversos estudos, afirmam que os professores 
deveriam utilizar com menor frequência materiais manipulativos que são muito ricos em 
detalhes perceptivos ou muito familiares às crianças em seus contextos extraescolares 
(brinquedos, por exemplo). Segundo eles, os alunos podem decidir apenas brincar com 
esses materiais e não desenvolver o conhecimento desejado pelo professor. Alinhadas a 
essa perspectiva, Kaminski & Sloutsky (2013) afirmam que projetistas de materiais 
didáticos devem limitar a inserção de ―informações perceptivas estranhas‖ em suas 
criações, evitando que esses materiais funcionem para desviar a atenção dos aprendizes 
da informação que se deseja ensinar. Para Laski, et all (2015), manipulativo ―despojado 
de características perceptivas ou atributos irrelevantes‖ ajudam as crianças a concentrar 
melhor sua atenção na relação com o conceito matemático que representa. Esses são 
considerados os melhores tipos de manipulativos também por Uttal, Scudder & 
DeLoache (1997). 
Uttal, Scudder & DeLoache (1997) vão além. Para esses autores, pode ser 
contraproducente utilizar materiais manipuláveis sem ter certeza de que os alunos 
entendem a relação entre eles e o conceito matemático a ser ensinado. Se não houver 
essa sintonia, pode ser que as crianças se sintam sobrecarregadas ante a necessidade de 
aprender separadamente dois sistemas - o sistema de funcionamento dos manipulativos 
e o sistema de funcionamento da regra e convenção matemática - ao mesmo tempo. 
Brown, McNeil & Glenberg (2009), na mesma linha, entendem que os alunos precisam 
compreender, ao usar manipulativos, que não estão adentrando a um novo sistema 
isolado da matemática. Ao contrário, precisam ter claro que estão usando materiais 
 
 
 
 
 
 
 
6 
concretos para auxiliar na compreensão do sistema simbólico – matemático – que estão 
estudando. 
Baroody (1989) parece ter uma clara preocupação com a noção de que o 
simples uso de materiais manipulativos é suficiente (ou necessária) para que ocorra a 
aprendizagem significativa de matemática. Para ele, deveria haver um aviso nas 
embalagens de manipulativos levantando essa problemática. Willingham (2017) 
também entende que a eficácia da aprendizagem com determinado manipulativo 
depende de como o professor encoraja seu uso. Em consonância com essa ideia, Uttal 
(2003) afirma que o papel do professor é determinante para definir se os materiais 
manipulativos ajudarão, prejudicarão ou não farão diferença às crianças na tarefa de 
compreender matemática. Para o autor, é papel do professor fazer essa orientação de 
forma eficaz. Se usados de forma rotineira, mesmo que executem as etapas 
corretamente, a aprendizagem das crianças pode não ser potencializada (CLEMENTS & 
MCMILLEN, 1996). 
Por fim, McNeil & Jarvin (2007) fazem um importante alerta ao afirmar que 
não necessariamente porque um estudo com um determinado manipulativo, com um 
grupo específico de crianças, apresentou bons resultados, é possível generalizá-lo 
amplamente. 
Ante a todo esse aparato de pesquisas, algo nos pareceu evidente: não 
encontramos nenhuma pesquisa que afirme veementemente que materiais manipuláveis 
são dispensáveis para a aprendizagem em matemática. Ao contrário, nos parece que sua 
eficiência e eficácia foram sempre relacionadas a duas variáveis: a escolha do material 
correto e a clara e participativa instrução do professor. 
METODOLOGIA DE TRABALHO 
Embora tenhamos optado por discutir neste texto apenas as situações em que os 
Blocos Base Dez (BBD) aparecem, essa decisão está relacionada às questões de 
limitação de espaço. Nossa pesquisa, que vem sendo desenvolvida desde 2012, tem uma 
abrangência bem mais ampla, identificando e problematizando diversos outros tipos de 
materiais manipulativos ou iconográficos que são utilizados com a finalidade de ensinar 
 
 
 
 
 
 
 
7 
elementos do campo dos números e operações. Dentre eles citamos: ábacos, 
dinheirinho, quadros de pregas, amarradinhos de palitos ou canudos e material 
iconográfico. 
 O primeiro passo da pesquisa, portanto, foi identificar quais seriam as coleções 
eleitas para a pesquisa. Em consulta ao MEC, recebemos uma planilha com informações 
que subsidiaram a elaboração do quadro abaixo: 
Tabela 1 - número de exemplares de cada coleção adquiridos pelo MEC em 2017 
Nome da coleção N° de exemplares adquiridos pelo MEC 
Ápis – Matemática 1.383.907 
Projeto Coopera Matemática 878.334 
Porta Aberta (Edição Renovada) Matemática 753.279 
Projeto Buriti Matemática 736.583 
Novo Bem-Me-Quer Matemática 507.616 
Fonte: documento fornecido pelo MEC. 
Tomadas essas cinco coleções, passamos a consultar, página a página, as 
indicações ao uso de BBD para auxiliar no ensino e aprendizagem de números e 
operações. A seguir serão apresentados e problematizados alguns casos em que essas 
indicações foram identificadas. 
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS 
Os BBD são geralmente confeccionados em madeira e têm origem ligada aos 
Blocos de Dienes. Alguns pesquisadores (MCNEIL & JARVIN, 2007) os consideram 
um bom material para o ensino e aprendizagem de números e operações por não serem 
ricos em detalhes perceptuais interessantes, sendo mais fácil para que os alunos se 
concentrem nos conceitos matemáticos subjacentes. Bartolini Bussi (2011) afirma que 
eles são considerados ―livres de distrações‖. 
Tal material é amplamente apresentado em todas as coleções analisadas nessa 
pesquisa e, em alguns casos, quando os valores não envolvem unidades de milhar, há 
tabelas nas páginas finais do livro com um modelo ―plano‖ do material para que seja 
recortado e utilizado nas atividades.Os manuais do professor indicam a possibilidade de 
se utilizar o material original, ou seja, de madeira, na resolução dos exercícios. 
As indicações de uso dos BBD para auxiliar no ensino e aprendizagem de 
números e operações encontradas por nós nos livros analisados, tanto no corpo do livro 
 
 
 
 
 
 
 
8 
quanto nos manuais de orientações ao professor, resumem-se a três tipos básicos 
apresentados na figura 1. No tipo 1, os BBD são apresentados de forma ―solta‖ e, 
embora estejam, via de regra, organizados por ordem de grandeza, não estão inseridos 
no interior de nenhum tipo de tabela ou quadro. No tipo 2, os blocos (cubos, placas, 
barras e cubinhos), aparecem inseridos no interior de um Quadro Valor de Lugar 
(QVL), que aparece, ora com os nomes das posições escritas (centena, dezena e 
unidade), ora com as iniciais desses nomes (C, D, U). Ainda há o tipo 3, em que esses 
mesmos blocos aparecem inseridos no interior de um quadro cujas colunas são 
nomeadas segundo os nomes dos blocos (placas, barras, cubinhos). A imagem seguinte 
apresenta os três tipos: 
 
Figura 1 - Tipos de indicação de utilização de BBD nos livros didáticos pesquisados 
Fonte: as duas primeiras imagens da coleção Novo Bem-Me-Quer Matemática e a terceira imagem da 
coleção Ápis – Matemática. 
Na Tabela 2 apresentamos as indicações a usos de materiais encontrados em 
cada coleção. 
Nome da coleção Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 
Ápis – Matemática X X 
Projeto Coopera Matemática X 
Porta Aberta (Edição Renovada) Matemática X X 
Projeto Buriti Matemática X X 
Novo Bem-Me-Quer Matemática X X 
Tabela 2 - tipo de material indicado em cada coleção 
Embora em todas as coleções de livros apresentem-se diversas imagens 
indicando corretamente a utilização dos BBD, classificados aqui como ―Tipo 1‖, há 
casos, Tipos 2 e 3, em que essas indicações podem ser problematizadas e é exatamente 
delas que passaremos a falar. 
Os autores parecem ignorar que os BBD possuem, em cada modelo de bloco, 
um determinado valor agregado e que esses valores já estão estruturados em 
agrupamentos de 10. A quantidade de unidades que compõe cada bloco está gravada no 
 
 
 
 
 
 
 
9 
modelo do bloco e, especialmente nos cubinhos, barras e placas (no cubo as 1000 
unidades não estão claramente visíveis), pode ser contada pelas crianças sem grandes 
dificuldades. Em todos os livros analisados, o número de unidades correspondente a 
cada bloco é relembrado repetidas vezes. 
O Quadro Valor de Lugar (QVL) é a máquina de calcular que põe em 
evidência os princípios multiplicativo e aditivo regentes de qualquer sistema de 
numeração posicional. Dessa forma, quando blocos são introduzidos no seu interior, 
cria-se um conflito evidente. Se um bloco que vale 100 unidades (placa) é inserido na 
ordem das centenas em um QVL, o que deveria acontecer? Das duas, uma: ou passa-se 
a considerar que seu valor absoluto agora é 1 unidade, o que é absolutamente 
incoerente, dado que insistentemente os alunos são lembrados que uma placa vale 100 
unidades, ou seu valor relativo passa a ser 10.000 unidades, pois 100 (valor agregado da 
placa) vezes 100 (fator multiplicativo da ordem das centenas) é igual a 10.000. 
 
Figura 2 - BBD utilizado em um QVL 
Fonte: produção do autor 
Silveira (2014, 2016), Ladel and Kortenkamp (2016) afirmam que essas formas 
de representação são enganosas, pois, no momento que uma criança compreende o valor 
posicional, e é exatamente isso que desejamos que ela compreenda, tais representações 
se tornam falsas. Os autores ainda afirmam que esse é um erro muito recorrente quando 
são utilizados materiais com valor agregado. Ladel e Kortenkamp (2016) sugerem que 
os blocos não sejam utilizados em QVL. Já Silveira (2014, 2016), entende que os blocos 
de unidades (cubinhos), e apenas esses, podem ser utilizados como contadores no QVL, 
pois resultam em uma estrutura semelhante a um ábaco. 
Nas coleções ―Ápis Matemática‖, ―Projeto Buriti Matemática‖ e ―Porta Aberta 
Matemática‖, aparecem configurações do Tipo 3, em que os BBD são colocados em 
 
 
 
 
 
 
 
10 
tabelas cujas colunas são tarjadas com os nomes dos modelos de peças que devem ser 
colocadas em seu interior. 
Embora as tabelas não sejam QVLs, nelas também ocorre o problema da 
desconsideração do valor agregado nos modelos de objetos inseridos em cada categoria. 
Por exemplo, na imagem em que aparecem 4 barras dentro de um espaço cuja 
designação é ―Barras‖, o que isso quer dizer? Para nós, se o valor agregado em cada 
barra é de 10 unidades, 4 barras equivalem a 40 unidades. Dessa forma a resposta seria 
40 unidades de barras? Podemos perceber que tal confusão poderia, perfeitamente, ser 
evitada se não existissem rótulos para cada coluna da tabela utilizada. 
Para nós, a maneira mais adequada para se trabalhar com os BBD seria aquela 
apresentada no Tipo 1, em que se manipula o material de forma ―solta‖ e se registram os 
valores com algarismos no QVL. 
PALAVRAS FINAIS 
Os livros didáticos costumam servir de guias fiéis à maioria dos professores 
que ensinam matemática. As indicações para se utilizarem materiais manipulativos 
feitas pelos livros didáticos podem, portanto, ecoar entre esses profissionais. Dessa 
forma, é importante que se lance um olhar mais criterioso sobre os materiais 
manipuláveis e sobre o que se deseja a partir deles. Thompson & Lambdin (1994) 
afirmam que não é fácil usar manipulativos de forma profícua e, ao contrário, é muito 
fácil utilizá-los inadequadamente. Por outro lado, Nacarato (2005) entende que nenhum 
material, manipulável ou não, representa a salvação para a aprendizagem de 
matemática, porém, todo material pode ser eficaz, a depender da forma como é 
utilizado. Essas observações parecem nos indicar a necessidade de um maior cuidado 
em relação à seleção, indicação e uso de manipulativos para o ensino e aprendizagem de 
números e operações fundamentais. 
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