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Revista ex-isto: Existencialismo e Filosofia

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revista ex-isto no. 1 | p. 1 
 
Revista ex-isto 
Há pouco mais de dois anos surgiu a ideia 
de criar uma revista sobre existencialismo, 
fenomenologia, filosofia e psicologia, 
relacionando com a história, as artes e a 
vida. Contudo, para colocá-la em prática, 
foi preciso tempo e amadurecimento dessa 
proposta, assim como somar interessados 
em difundir tais temáticas. Enfim, aqui 
estamos com o primeiro número da 
revista ex-isto​ em formato digital. 
 
Bruno Carrasco, novembro de 2020. 
 
Conteúdo 
Não há fatos, apenas interpretações ​ | p. 2 
O dia em que procurei um terapeuta existencial 
| p. 5 
Existencialismo: doutrina de ação ​ | p. 7 
Essência, existência, gênero ​ | p. 11 
Um “demônio” trágico ​ | p. 15 
A era da estupidez, George Christian ​ | p. 17 
Cotidiano, Guto Nunes ​ | p. 18 
Livro: O ser e o nada​ | p. 19 
Filme: A primeira noite de tranquilidade​ | p. 20 
O que é o esperanto?​ | p. 21 
Fundamentos da psicoterapia fenomenológico 
existencial ​ | p. 22 
O que é 'ex-isto'?​ | p. 34 
 
_____________________________________________ 
Imagem da capa​: Lago antes do nascer do sol, 
Ferdinand Hodler, 1918. 
 
 
 
 
_________________________________________________ 
  
Carrasco, Bruno Barbedo, 1982-, 
Revista ex-isto: existencialismo, filosofia,       
psicologia e artes / Bruno Carrasco (organizador). no.               
1. Pouso Alegre, MG: ex-isto, 2020. 
_________________________________________________ 
 
 
Este trabalho está licenciado com uma Licença 
Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 
4.0 Internacional​. 
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revista ex-isto no. 1 | p. 2 
 
Filosofia 
Não há fatos, apenas interpretações 
 
O que Nietzsche quis dizer com           
"Não há fatos, apenas interpretações"?         
Muitos são aqueles que criticam essa           
sentença, defendendo os fatos como         
inquestionáveis, criticando e classificando       
esta ideia como absurda e sem sentido,             
enquanto outros a enaltecem enquanto         
característica da filosofia pós-moderna. 
 
 
(Friedrich Nietzsche) 
  
Em ambos os casos, a própria frase             
gera diferentes interpretações e       
posicionamentos, portanto podemos     
começar seu entendimento partindo dela         
mesma, do modo como ela é interpretada,             
pois essa mesma citação não é um fato,               
que possui um entendimento igual para           
todos, mas sim entendida por meio de             
diversas interpretações. 
 
 
 
 
Para entendê-la, penso ser       
importante conhecer um pouco a respeito           
da filosofia nietzschiana, em especial o           
modo como esse pensador entende o           
conhecimento e a verdade. Para Nietzsche,           
a verdade e o conhecimento não           
correspondem a algo único, acabado ou           
absoluto, mas sim como elementos         
determinados por interesses e       
perspectivas distintas. 
 
Para Nietzsche, todo conhecimento é         
inevitavelmente guiado por interesses e         
condicionamentos subjetivos, ideológicos; o       
conhecimento resulta da projeção de         
nossos impulsos e anseios, razão pela qual             
Nietzsche considera sempre determinado       
por certa perspectiva, seja individual, seja           
sócio culturalmente determinada. 
(Oswaldo Giacoia, em 'Nietzsche', 2000) 
  
Granier (2009) apresenta como       
características da filosofia nietzschiana o         
perspectivismo e o pluralismo. Nesse         
sentido, um fato nunca é entendido como             
algo independente da perspectiva de quem           
o observa, ou seja, os fatos são sempre               
observados e interpretados por um viés e             
por valores específicos. Deste modo,         
coexistem diferentes interpretações e       
pontos de vista sobre um mesmo fato. 
De acordo com Giacoia (2006), o           
perspectivismo entende que todo       
conhecimento depende sempre de       
condicionamentos subjetivos, históricos,     
sociais, econômicos, culturais e       
psicológicos, que determinam a valoração         
e implicam uma perspectiva específica, de           
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modo que não há conhecimento absoluto,           
neutro ou objetivo. 
O pluralismo corresponde às       
tendências filosóficas que constatam a         
coexistência de variados princípios que         
constituem as coisas e a realidade,           
tendendo assim a acolher os diferentes           
pontos de vista, distintas formas de           
valoração, experiências culturais,     
convicções ou visões de mundo. 
 
O pluralismo Nietzschiano é uma         
determinação primordial da realidade, (...).         
Não existe conhecimento a não ser           
interpretativo, e não existe interpretação a           
não ser no plural. 
(Jean Granier, em 'Nietzsche', 2009) 
  
Harari (2015) comenta que até a           
década de 1940 não havia um crime de               
"estupro da esposa", pois a mulher era             
entendida como um "objeto" que pertencia           
ao homem: ao pai, ao irmão ou ao marido.                 
Seu "uso" era um direito desses homens.             
Hoje entendemos essa antiga prática como           
absurda e abusiva, portanto o         
entendimento sobre as relações sexuais e           
o respeito ao corpo se transformou de             
acordo com a época e contexto. 
Agora, analisemos outra frase de         
Nietzsche: "não há fatos, apenas         
interpretações". Ele não está proferindo         
uma verdade absoluta com essa frase, pois             
não é essa a intenção de sua filosofia. Além                 
disso, podemos aplicar essa sentença a ela             
mesma, de modo que a própria frase se               
apresenta como uma interpretação, e não           
como uma verdade. 
Em sua frase, o próprio filósofo se             
coloca neste sentido, ou seja, ele não             
apresenta a sua filosofia como uma           
verdade absoluta, mas como uma         
possibilidade, um caminho. Examinemos,       
então, essa frase contextualizada em seu           
fragmento póstumo: 
 
Contra o positivismo, que permanece no           
fenômeno: ‘só há fatos’, diria eu: não,             
justamente não há fatos, apenas         
interpretações. 
(Friedrich Nietzsche, KSA XII, 7 [60]) 
  
 
Positivismo é uma tendência de         
filosofia que se mantêm apenas nos fatos             
enquanto observáveis e mensuráveis. Mas,         
para Nietzsche, um fato nunca é observado             
apenas enquanto fato, por ser sempre           
interpretado e valorado. Não é possível           
entender as coisas "em si". Enquanto o             
positivismo se detêm aos fatos, o filósofo             
vai declarar que o entendimento de um             
fato é resultante de uma interpretação. 
Seu entendimento apresenta que os         
fatos são sempre tomados por uma           
perspectiva específica, e esse       
entendimento propõe um inacabamento à         
filosofia, pois todo entendimento e         
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interpretação se dá, inevitavelmente,       
dependendo de um momento histórico, de           
condições, interesses, situações e       
circunstâncias específicas, tal como       
comenta em 'Humano, demasiado       
humano': 
 
Falta de sentido histórico é o defeito             
hereditário de todos os filósofos (...) Não             
querem aprender que o homem veio a ser,               
e que mesmo a faculdade de cognição veio               
a ser (...) tudo veio a ser; não existem fatos                   
eternos: assim como não existem verdades           
absolutas. 
(Nietzsche em 'Humano, demasiado       
humano',aforismo 2) 
 
O conhecimento e a verdade não           
correspondem a algo dado, mas criado,           
inventado e recheado de interpretações.         
Apesar de conhecermos o mundo de um             
modo, ele pode ser sempre interpretado           
de outro modo, pois não há um sentido               
por detrás das coisas, mas inúmeros           
sentidos e perspectivas possíveis. 
Como crítico da metafísica,       
Nietzsche entende que o conhecimento e a             
verdade não correspondem a algo dado, a             
um fato. A verdade, para o filósofo, é algo                 
criado, inventado e recheado de         
interpretações. O mundo e as coisas           
podem sempre ser interpretados de outro           
modo, pois não há um sentido por detrás               
das coisas, mas inúmeros sentidos e           
perspectivas possíveis. 
Nosso conhecimento de mundo       
está sempre relacionado aos nossos         
impulsos e intenções, por isso mesmo           
Nietzsche coloca em questão a vontade de             
verdade, entendendo que interpretamos o         
mundo a partir de nossos impulsos e             
necessidades diversas, onde cada impulso         
opera com um desejo de domínio,           
buscando impor sua perspectiva como         
norma sobre os outros, onde não há             
verdades absolutas. 
 
Para ele [Nietzsche], o conhecimento não           
passa de uma interpretação, de uma           
atribuição de sentidos, sem jamais ser uma             
explicação da realidade. Ora, o conferir           
sentidos é, também, o conferir valores, ou             
seja, os sentidos são atribuídos a partir de               
uma determinada escala de valores que se             
quer promover. 
(Aranha; Martins, em 'Filosofando', 1993) 
 
 
 
Referências: 
ARANHA; MARTINS. Filosofando: introdução à         
filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. 
GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. Nietzsche. São         
Paulo: Publifolha, 2000. 
GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. Pequeno Dicionário         
de Filosofia Contemporânea. São Paulo:         
Publifolha, 2006. 
GRANIER, Jean. Nietzsche. Porto Alegre: L&PM,           
2009. 
HARARI, Yuval. Sapiens - uma breve história da               
humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2015. 
NIETZSCHE, Friedrich. Humano, Demasiado       
Humano. Companhia das Letras, 2005. 
 
 
 
 
Por ​Bruno Carrasco​, terapeuta dos afetos,           
estudioso de filosofia e psicologia, em           
favor da ampliação de possibilidades de           
escolhas e do cuidado de si. 
 
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Psicologia 
O dia em que procurei um 
terapeuta existencial 
 
Aconteceu quando eu ainda era         
um estudante de psicologia, que como           
outros passou boa parte da graduação           
pensando não precisar da tão falada           
psicoterapia, mas com a realidade dos           
atendimentos chegando tão rápido,       
decidi ir e falar de uma ou outra coisa que                   
me incomodava, “bobagem sabe”, “coisa         
do dia a dia”, “coisas que todo mundo               
vive”. Então foi assim, escolhi um           
profissional que já conhecia, sabia ser           
alguém sério, marquei a sessão e fui,             
chegando lá não sabia muito bem o que               
dizer, na sala de espera já me perguntava               
se realmente tinha sido uma boa ideia,             
por que afinal “eu não precisava, era só               
pela faculdade mesmo”. Deu o horário, o             
terapeuta me acompanhou até o         
consultório, eu escolhi uma poltrona e me             
sentei, e aí, a partir desse momento             
comecei uma das melhores experiências         
da minha vida. 
Conversei por uma hora com outra           
pessoa que realmente me ouviu, que           
estava atento a cada palavra, que           
demonstrou profundo interesse por cada         
banalidade ou “besteira” que eu contava e             
que fui percebendo não ser tão banal             
assim, e que nem era tanta “besteira”,             
que ali haviam coisas importantes que           
precisavam sair de dentro do meu           
imaginário, que precisavam ser ditas em           
voz alta, não para o psicólogo, mas para               
mim mesmo. 
 
 
 
 
 
 
 
Ao contrário do que eu esperava,           
não houveram muitas perguntas, mesmo         
estudando psicologia, eu ainda carregava         
o estereótipo das mídias de que o             
terapeuta vai te aplicar “zilhões” de           
perguntas, de que ele iria querer invadir             
meus mais profundos segredos e que de             
alguma forma poderia até mesmo saber           
se eu estivesse mentindo em algum           
momento, mas não as poucas perguntas           
que vieram foram simples, diretas e           
cirúrgicas, e talvez nem fossem bem           
perguntas, era o famoso “fale mais sobre             
isso” ou “como é isso pra você”, mas foi                 
tão bem aplicado, que me levava a pensar               
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em respostas e relacionar vivências e           
sentimentos que eu nunca havia         
considerado, que talvez nunca tivesse de           
alguma forma relacionado. 
Logo nessa primeira sessão, passei         
a compreender que força e coragem           
frente a vida não tinham nada a ver com                 
aguentar tudo calado, ou suportar a dor             
sem demonstrar, mas sim tem relação           
com compreender, ter a real bravura de             
encarar-se, de sentir de verdade e saber o               
motivo do que se sente, de avaliar as               
escolhas, boas e ruins e lidar de verdade               
com a responsabilidade, e não com viver             
a famosa má-fé de “está tudo bem”, logo               
de cara aprendi a importância que meus             
sentimentos e emoções tinham e quando           
eles precisavam ser demonstrados e         
expostos, assim como passei a pensar           
que haviam momentos que eram só           
meus, e tudo bem. Passei a me aceitar               
melhor, fisicamente e emocionalmente, e         
a não esperar tanto o julgamento dos             
demais sobre a vida, mas sim ter a minha                 
percepção e criar consciência desta. 
Quando a sessão acabou, eu saí           
do prédio e senti algo inédito, uma             
profunda leveza, um alívio enorme, como           
se existisse um peso invisível sob meus             
ombros que tinha finalmente sido         
aliviado. O que quero dizer aqui é que               
com um terapeuta existencial, encontrei         
empatia e acolhimento, encontrei       
realmente um espaço meu que não           
simplesmente me ligou a uma pessoa que             
tinha técnicas de psicologia para aplicar           
em mim, mas que me colocou realmente             
em contato comigo mesmo. 
 
Deixo este relato, pois tenho a           
esperança de que por aí tem uma outra               
pessoa nesse ponto crítico de ir ou não a                 
terapia, e espero que essa vivência possa             
auxiliar na sua escolha. 
 
 
 
 
 
Por ​Patricio Lauro​, psicólogo existencial,         
professor, responsável pelo podcast       
‘Sessão Brainstorming’, amante da       
filosofia, espírito livre. 
 
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Ser-com​: um casal de psicólogos falando           
sobre psicologia, relações e a vida. 
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Existencialismo 
Existencialismo: doutrinade ação 
 
Como estudante de Psicologia,       
buscava uma vertente que viesse de           
encontro com minhas ideias e percepções           
de indivíduo e de mundo para o             
atendimento clínico futuro. Quando,       
brevemente, tive contato com o conceito           
de que “o homem é o único responsável               
por seu caminho” e li, pela primeira vez,               
Jean Paul Sartre sentenciar que “não           
importa o que a vida fez de ti, e sim o que                       
você faz com o que a vida fez de você”,                   
percebi que havia encontrado algo que,           
finalmente, fazia sentido. Era o         
Existencialismo. 
A escola ou doutrina existencialista         
surge entre os séculos XIX e XX na Europa                 
e tem entre seus principais expoentes           
Søren Kierkegaard, Martin Heidegger e         
Jean Paul Sartre. Cada qual a sua             
maneira, esses pensadores refletem       
acerca de temas comuns, tais como           
liberdade, escolha, responsabilidade,     
angústia e finitude. E colocam o homem             
como o centro de sua experiência de vida,               
em outras palavras, como o autor de seu               
próprio destino. 
 
“A existência precede a essência” 
 
Contrariando a ideia cartesiana       
que separa o corpo e a mente, para os                 
filósofos do Existencialismo, corpo e         
mente são indissociáveis. Além disso,         
estudiosos existencialistas colocam que, 
 
 
 
 
antes de nascer, o homem é “nada” e,               
somente a partir do momento em que se               
coloca no mundo, em contato com outros             
homens e na ocasião de suas primeiras             
escolhas, é que esse homem se torna um               
indivíduo capaz de construir sua essência           
(valores, ideais, projetos). 
O homem, tal como o existencialista o             
concebe, só não é passível de uma             
definição porque, de início, não é nada: só               
posteriormente será alguma coisa e será           
aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim,               
não existe natureza humana, já que não             
existe um Deus para concebê-la. O homem             
é tão-somente, não apenas como ele se             
concebe, mas também como ele se quer;             
como ele se concebe após a existência,             
como ele se quer após esse impulso para a                 
existência (SARTRE, p. 10, 2014).  
 
Melhor explicando, a essência do         
homem se dá a partir de seu nascimento               
e das escolhas que faz ao longo de seu                 
projeto de vida, até a morte. Essa             
essência, portanto, não vem pronta, é           
mutável e se constitui ao longo da             
existência/experiência de cada indivíduo,       
em conformidade com suas escolhas. 
Ainda de acordo com Sartre em           
seu manifesto em defesa do         
Existencialismo – O Existencialismo é um           
Humanismo – “o homem nada mais é do               
que aquilo que ele faz de si mesmo: é                 
esse o primeiro princípio do         
existencialismo. É também a isso que           
chamamos de subjetividade: a       
subjetividade de que nos acusam” (p. 10,             
2014). 
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Liberdade x responsabilidade 
 
O ser é livre para escolher o seu               
caminho. Suas escolhas são realizadas a           
todo momento e, ainda que o indivíduo             
imagine “não escolher”, estará realizando         
a escolha de “se levar pela multidão”,             
deixar que outros escolham para si.           
Contudo, essa liberdade acarreta sempre         
a responsabilidade pelos resultados –         
positivos ou negativos – de cada uma             
dessas escolhas. 
Desse modo, o primeiro passo do           
existencialismo é o de pôr todo homem na               
posse do que ele é e de submetê-lo à                 
responsabilidade total de sua existência.         
Assim, quando dizemos que o homem é             
responsável por si mesmo, não queremos           
dizer que o homem é apenas responsável             
pela sua estrita individualidade, mas que           
ele é responsável por todos os homens             
(SARTRE, p. 11, 2014). 
 
O sujeito pode, por exemplo,         
escolher deixar um emprego de prestígio           
e com bom salário por não suportar as               
regras e a rotina do dia a dia. Porém, terá                   
de lidar com as consequências de ficar             
sem o dinheiro, de precisar buscar um             
novo emprego, da frustração da família           
com sua decisão etc. Ou ele pode, de               
outra forma, continuar nesse emprego         
que não lhe traz felicidade, mas que paga               
as contas, traz alegria para a família e               
prestígio social. Seja qual for a decisão, o               
sujeito sempre terá de fazer escolhas na             
vida, das mais simples às mais           
complexas. E se responsabilizar por cada           
uma delas, sabendo que as         
consequências refletem não apenas em         
sua vida, mas em toda a sociedade. 
 
Ainda de acordo com Jean-Paul Sartre, 
Ao afirmarmos que o homem se escolhe a               
si mesmo, queremos dizer que cada um de               
nós se escolhe, mas queremos dizer           
também que, escolhendo-se, ele escolhe         
todos os homens. De fato, não há um               
único de nossos atos que, criando o             
homem que queremos ser, não esteja           
criando, simultaneamente, uma imagem       
do homem tal como julgamos que ele deva               
ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar,               
concomitantemente, o valor do que         
estamos escolhendo, pois não podemos         
nunca escolher o mal; o que escolhemos é               
sempre o bem e nada pode ser bom para                 
nós sem o ser para todos. Se, por outro                 
lado, a existência precede a essência, e se               
nós queremos existir ao mesmo tempo           
que moldamos nossa imagem, essa         
imagem é válida para todos e para toda a                 
nossa época. Portanto, a nossa         
responsabilidade é muito maior do que           
poderíamos supor, pois ela engaja a           
humanidade inteira (p. 12, 2014). 
 
Angústia e má-fé 
 
A responsabilidade por cada       
escolha feita é imensa e, como vimos, não               
é possível deixar de escolher, a partir do               
momento em que o homem nasce no             
mundo, até o momento em que deixa de               
existir. O sentimento que acompanha         
essas escolhas é a angústia. Angústia,           
desamparo, desespero são termos       
bastante presentes nos estudos do         
Existencialismo. Pois não é possível estar           
no mundo escolhendo a si mesmo e aos               
outros homens sem deparar com esses           
afetos. 
Para Sartre, “o homem é angústia”           
(p. 13, 2014). E para compreender a             
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angústia na concepção existencialista, o         
pensador propõe o seguinte: 
O homem que se engaja e que se dá conta                   
de que ele não é apenas aquele que               
escolheu ser, mas também um legislador           
que escolhe simultaneamente a si mesmo           
e a humanidade inteira, não consegue           
escapar ao sentimento de sua total e             
profunda responsabilidade. É fato que         
muitas pessoas não sentem ansiedade,         
porém nós estamos convictos de que estas             
pessoas mascaram a ansiedade perante si           
mesmas, evitam encará-la; certamente       
muitos pensam que, ao agir, estão apenas             
engajando a si próprios e, quando se lhes               
pergunta: mas se todos fizessem o           
mesmo?, eles encolhem os ombrose           
respondem: nem todos fazem o mesmo.           
Porém, na verdade, devemos sempre         
perguntar-nos: o que aconteceria se todo           
mundo fizesse como nós? e não podemos             
escapar a essa pergunta inquietante a não             
ser através de uma espécie de má fé (p.                 
14, 2014). 
 
Diferentemente da ideia do       
senso-comum, para o pensamento       
existencialista a má-fé acontece quando         
um homem “mente para si mesmo”, não             
reconhecendo sua liberdade de fazer         
escolhas e se autodeterminar. Tentando         
mascarar sua angústia por ter de escolher             
a todo momento, o indivíduo abre mão             
de sua autenticidade, de uma vida           
autêntica, passando a viver escolhas de           
outros – vivendo de maneira inautêntica,           
fingindo crer que as escolhas já estão             
postas, sendo impossível, assim, de         
serem transformadas. 
O indivíduo que se submete às           
regras e normas sociais, sem         
questioná-las ou mesmo sem acreditar no           
que vive; aquele Homem que mente para             
si mesmo, seria o indivíduo que vive na               
má-fé existencialista.  
Cada homem deve perguntar a si próprio:             
sou eu, realmente, aquele que tem o             
direito de agir de tal forma que os meus                 
atos sirvam de norma para toda a             
humanidade? E, se ele não fazer a si               
mesmo esta pergunta, é porque estará           
mascarando sua angústia. Não se trata de             
uma angústia que conduz ao quietismo, à             
inação. Trata-se de uma angústia simples,           
que todos aqueles que um dia tiveram             
responsabilidades conhecem bem. (...)       
Veremos que esse tipo de angústia – a que                 
o existencialismo descreve – se explica           
também por uma responsabilidade direta         
para com os outros homens engajados           
pela escolha. Não se trata de uma cortina               
entreposta entre nós e a ação, mas parte               
constitutiva da própria ação (SARTRE, p.           
14-16, 2014). 
 
“Doutrina de ação” 
 
Posso finalizar o texto com a           
afirmação sartreana de que, acima de           
tudo, o Existencialismo é uma “doutrina           
de ação” (p. 48, 2014). Pois se trata de                 
colocar o sujeito como centro do seu             
universo, um “universo humano” ou         
“universo da subjetividade humana” (p.         
46, 2014), em que a relação dialética de               
ser-no-mundo (in Ser e Tempo,         
HEIDEGGER, 1927), em que o homem           
existe, nasce no mundo e, só depois,             
constrói sua subjetividade, sua essência,         
por meio de escolhas que transformam           
não apenas a si, mas a todos em               
determinado local, determinada época e         
contexto histórico, gera responsabilidade       
e uma angústia propulsora de ações e             
mudanças significativas tanto     
individualmente, como coletivamente. 
Por perseguir “objetivos     
transcendentes é que ele (o homem)           
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pode existir; sendo o homem essa           
superação e não se apoderando dos           
objetos senão em relação a ela, ele se               
situa no âmago, no centro dessa           
superação” (SARTRE, p. 47, 2014). Ainda           
sobre o caráter humanista do         
Existencialismo, que coloca o Homem         
como único legislador de si: 
...recordamos ao homem que não existe           
outro legislador a não ser ele próprio e               
que é no desamparo que ele decidirá             
sobre si mesmo; e porque mostramos que             
não é voltando-se para si mesmo mas             
procurando sempre uma meta fora de si –               
determinada libertação, determinada     
realização particular – que o homem se             
realizará precisamente como ser humano         
(p. 47, 2014). 
 
A transcendência do homem       
existencialista reside no seu esforço de           
superação de vida – nas escolhas           
ininterruptas objetivando romper     
barreiras, explorar possibilidades para       
alcançar sua subjetividade mais autêntica,         
alterando a si próprio, ao outro e à               
sociedade. 
 
 
 
Referências: 
REYNOLDS, J. Existencialismo. Petrópolis, RJ:         
Vozes, 2013. (Série Pensamento Moderno). 
SARTRE, J. P. O Existencialismo é um             
Humanismo. 4a ed. São Paulo: Vozes, 2014. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Jean-Paul Sartre (1905-1980) 
 
 
 
 
 
Por ​Luana Muñoz de Oliveira Orlandi​,           
jornalista e estudante de psicologia. 
E-mail: luana_orlandi@uol.com.br 
 
 
 
   
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Gênero 
Essência, existência, gênero 
 
Aristóteles defendia que     
compreender a verdadeira causa de um           
evento era intuir sua essência,         
especificidade e necessidade. Outro       
filósofo que corroborou com as idéias de             
Aristóteles foi o alemão Gottfried Wilhelm           
Leibniz (1646–1716). Para ele, o mundo           
foi criado para um determinado fim. Tudo             
o que existe tem uma causa final que               
define o seu propósito e a sua existência.               
Nada acontece sem uma razão profunda           
suficiente. Agir para um fim e, em relação               
a este, avaliar os próprios meios é típico               
da natureza humana. Conforme a         
hipótese finalista, a natureza também         
seria movida por análogo critério de           
intencionalidade. O cristianismo fez do         
finalismo sinônimo de providência divina.  
Influenciada pelo pensamento     
essencialista e finalista, as questões de           
gênero foram sendo construídas pelas         
normas religiosas, médicas, políticas e         
jurídicas. Portanto, o raciocínio       
estabelecido foi o seguinte: aquele que é             
definido como homem biológico foi feito           
com um pênis. Depois foi dotado de uma               
“essência masculina”. Sua finalidade é         
buscar uma mulher biológica que foi feita             
com uma vagina e dotada de uma             
“essência feminina”. A partir desse         
encontro, os dois estabelecerão uma         
relação complementar e serão os         
responsáveis pela perpetuação da       
espécie humana (Abbagnano, 2007;       
Chauí, 2003; Nicola, 2005 apud Antunes,           
2017). 
 
 
 
 
Além de garantirem a       
continuidade da vida, estarão cumprindo         
com as normas religiosas e         
mandamentos sociais estabelecidos.     
Aristóteles ainda dizia que tudo é           
composto de uma substância, o termo           
significa literalmente o que está por baixo             
de. Não possui uma existência acidental e             
eventual. Ela existe para si. Tem vida             
própria e goza de determinadas         
propriedades possuindo apenas uma       
essência. Substância e essência       
coincidem. 
Nesse caso podemos pensar na         
“essência masculina” e na “essência         
feminina”. Essas, por sua vez, são           
compostas de comportamentos     
normatizados e específicos para cada         
gênero em questão. Tal forma de           
raciocinar ficou conhecida na filosofia         
como essencialismo. As essências são         
produzidas através de respostas dadas à           
seguinte pergunta: o que é isto ou aquilo?               
Quando se pergunta, por exemplo, o que             
é o gênero, a mulher, o homem, o idoso                 
ou a travesti, está se perguntando pela             
definição desses entes. 
Para Aristóteles pode-se descrever       
a essência como aquilo que permanece e             
se conserva imutável, apesar da mutação           
aparente. Definir a essência da vida é             
mais difícildo que definir a essência de               
um triângulo, por exemplo. Em oposição           
ao essencialismo, há outra corrente na           
filosofia denominada de existencialismo.       
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Essa linha de pensamento diz que o ser               
humano não é um conjunto de teorias.             
Há uma preocupação com o sentido ou o               
objetivo das vidas humanas, mais que           
com verdades científicas ou metafísicas         
sobre o universo. 
Assim, o existencialismo foi       
influenciado pela fenomenologia do       
filósofo alemão Edmund Husserl (1859-         
1938). Tal pensamento dizia que a           
experiência interior ou subjetiva é         
considerada mais importante do que a           
verdade “objetiva”. O existencialismo diz         
que o homem não foi planejado por             
alguém para uma finalidade, como os           
objetos que o próprio homem cria. O             
homem se faz em sua própria existência.             
Não havendo tal essência, todos são           
iguais e igualmente livres para se fazerem             
em relação a determinado contexto.         
Afirma o primado da existência sobre a             
essência. 
Não há afirmações gerais e         
verdadeiras sobre o que os homens           
devem ser. Um de seus principais           
representantes é o filósofo francês         
Jean-Paul Sartre (1905-1980) que leva         
esse indeterminismo às suas mais         
radicais consequências. Para Aristóteles,       
e muitos outros filósofos, a essência de             
ser humano era ser racional. Mas para             
Sartre, a pessoa deve produzir sua           
própria essência. A existência precede a           
essência. Como seres conscientes,       
estamos sempre querendo preencher o         
“vir a ser” que na realidade é a verdadeira                 
“essência” do nosso ser consciente.         
Queremos nos transformar em coisas em           
vez de permanecer perpetuamente num         
estado em que as possibilidades estão           
sempre irrealizadas. 
Para Sartre só nos tornamos algo           
acabado quando morremos. O homem         
passa toda sua existência em um           
processo de devir. Estamos sempre         
abertos às novas possibilidades de         
reinvenção partindo de um determinado         
contexto existencial possível. Sartre       
chamou isso de facticidade. Ela diz           
respeito às resistências e objetos que a             
liberdade necessariamente se defronta       
quando cria nova situação. Como         
exemplo de facticidade, podemos pensar         
no sexo biológico, família, país, cidade,           
cultura, época e condição socioeconômica         
que nascemos. 
As condições impostas pela       
facticidade conjugadas ao significado       
dado pela liberdade se combinam para           
criar uma nova situação. Sartre defende           
que não importa o que foi feito do               
indivíduo, e sim o que o indivíduo faz com                 
aquilo que foi feito dele. A resistência é               
intrínseca à liberdade e ao humano.           
Travestis nasceram biologicamente     
homens. Podemos pensar que esse fato           
remete à facticidade ou àquilo que foi             
feito delas. Alteram seus corpos com           
signos considerados culturalmente     
próprios do feminino. Esse fato remete à             
liberdade ou ao que fazem com aquilo             
que foi feito delas. 
No entender de Sartre estamos         
condenados à liberdade. Cada ato         
contribui para definir como nos         
apresentamos ao mundo. Em qualquer         
momento podemos começar a agir de           
modo diferente e desenhar um retrato           
diferente de nós mesmos. Há sempre           
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uma possibilidade de mudança, de         
começar a fazer um tipo diferente de             
escolha. Temos o poder de nos           
transformar indefinidamente, tendo     
sempre como ponto de partida, nossa           
facticidade. Não há nenhuma “essência”         
determinada que oriente a priori o           
comportamento de ninguém. Porém, há o           
que Sartre chama “projeto original”. 
Como uma pessoa é uma unidade,           
e não apenas um amontoado de desejos             
ou hábitos sem relação, deve haver para             
cada uma delas uma escolha         
fundamental por um papel ou script de             
vida, o qual dá o significado de qualquer               
aspecto específico de seu       
comportamento. Essa escolha nem       
sempre acontece de forma consciente.         
Saber sobre o “projeto original” de           
alguém demanda cuidadosa análise de         
sua trajetória existencial. Sartre       
acreditava que não há nenhum deus e,             
portanto, não há qualquer plano divino           
que determine o que deve acontecer. Não             
há um sentido ou propósito último           
inerente à vida humana. Logo ela é             
absurda. 
Isto significa que o indivíduo foi           
jogado de fato na existência sem           
nenhuma razão real para ser.         
Simplesmente descobrimos que     
existimos e temos então que decidir o             
que fazer de nós mesmos. O homem não               
é mais do que aquilo que ele faz de si                   
mesmo. Se não há nenhum deus, não há               
nenhum padrão objetivo de valores.         
Consequentemente, devemos estabelecer     
ou inventar, a partir da liberdade e             
facticidade nossos próprios valores       
particulares. Tal é o primeiro princípio do             
existencialismo ateu de Sartre. Sem         
diretrizes absolutas, nós devemos sofrer         
a agonia de nossa tomada de decisão e a                 
angústia de suas consequências. 
A angústia é, então, a consciência           
da própria liberdade e a consciência da             
imprevisibilidade última do nosso       
comportamento. Sartre define como “má         
fé” a tentativa de fugir da angústia             
fingindo que não somos livres. Tentamos           
nos convencer que as nossas atitudes e             
ações são determinadas pela nossa         
personalidade, horóscopo, situação ou       
por qualquer outra coisa fora de nós             
mesmos. Segundo Sartre, nenhum       
motivo ou resolução passada determina o           
que fazemos agora. Cada momento         
requer uma escolha nova ou renovada.           
Mesmo que não fizermos nada, uma           
escolha já está sendo realizada: o não             
agir. 
Negar a liberdade é uma tomada           
de posição covarde, a fim de fugir da               
angústia da escolha, e achar o repouso e               
a segurança na confortável ilusão de ser             
uma essência acabada. Portanto, o         
existencialismo se contrapõe ao       
essencialismo, à medida que defende que           
não somos determinados. Para essa         
corrente filosófica, podemos nos       
reinventar a cada momento. Inicialmente,         
as ideias essencialistas se tornaram mais           
expressivas que as ideias existencialistas         
(Perdigão, 1995; Sartre, 2005 apud         
Antunes, 2017). 
Portanto, as primeiras     
influenciaram mais as ciências biológicas         
do que as ciências humanas. Logo, para             
as ciências médicas e biológicas, assim           
como todos os entes, homens e mulheres             
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também possuem uma essência e         
finalidade que serão manifestadas ao         
longo da vida. 
Os estudos ​queer se propõem a           
compreender as práticas sociais que         
organizam a sociedade como um todo           
através da “sexualização”,     
“heterossexualização”, 
“homossexualização” de corpos desejos,       
atos, identidades, relações sociais,       
conhecimentos,cultura e instituições       
sociais. Interrogação dos processos       
sociais normatizadores que criam       
classificações gerando a ilusão de que           
existem sujeitos estáveis, identidades       
naturais e comportamentos regulares       
(Seidman apud Miskolci, 2009 apud         
Antunes, 2017). 
Para Miskolci (2009) apud Antunes,         
(2017), a matriz essencializadora e         
hierarquizadora criada pela sociedade       
seria formada pela conexão entre etnia e             
sexualidade. Nela há um nó que evidencia             
o mesmo processo normatizador que         
acaba criando seres considerados mais         
humanos e menos humanos (seres         
abjetos). Os seres humanos só se tornam             
viáveis através de categorias socialmente         
reconhecidas. Portanto, segundo tal       
matriz essencializadora, travestis idosas,       
são consideradas abjetas e invisíveis,         
justamente por não corresponderem a         
nenhuma categoria considerada viável e         
às normas estipuladas.  
A teoria ​queer ​desafia a sociologia           
a não estudar mais aqueles que rompem             
as normas, nem os processos sociais que             
os criaram como desviantes. Ao invés           
disso, insiste em focar nos processos           
normatizadores marcados pela produção       
simultânea do hegemônico e do         
subalterno. Tais estudos se preocupam         
em criticar os processos normatizadores.         
Portanto, segundo Pelúcio (2009) apud         
Antunes, (2017) os estudos queer,         
procuram desvelar mecanismos de       
naturalização e essencialização dos       
termos e relações por eles significados.  
 
 
Referência Bibliográfica: 
ANTUNES, P. P. S. Homofobia         
internalizada: o preconceito do       
homossexual contra si mesmo. São Paulo:           
Annablume, 2017. 
 
Disponível em PDF:  
https://tede2.pucsp.br/browse?type=author&
value=Antunes%2C%20Pedro%20Paulo%20Sa
mmarco&fbclid=IwAR1I0drxfNKO40FTTT7gks
WiCJhtmZTTYBEE2-R1TaRc8wgDOfEQ5Gf-zeI 
 
 
 
 
Por ​Pedro Sammarco​, psicólogo clínico         
graduado pelo Mackenzie, com formação         
em Gestalt-Terapia pelo Sedes Sapientiae,         
especialização em Sexualidade Humana       
pela USP, mestrado em Gerontologia e           
doutorado em Psicologia Social pela         
PUC-SP. É autor dos livros "Travestis           
envelhecem" e "Homofobia internalizada:       
o preconceito do homossexual contra si           
mesmo", publicados pela editora       
Annablume. 
 
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Literatura 
Um “demônio” trágico 
 
A literatura russa nos legou         
grandes escritores, dentre tantos deles         
Fiódor Dostoiéviski (1821-1881) se       
destaca como um dos mais densos           
filosoficamente e psicologicamente. 
Em sua obra “Os demônios”         
encontram-se diversos personagens, um       
deles me recordou o filósofo Friedrich           
Nietzsche (1844-1900), o personagem       
Aleksiei Kiríllov incorpora o apolíneo e o             
dionisíaco da filosofia de Nietzsche e nos             
remonta a uma tragédia grega antiga do             
período pré-socrático. 
 
 
 
Fiódor Dostoiévski 
 
 
 
 
O personagem de Kiríllov é belo           
porque trágico, trágico à la Sófocles           
(497-405 a.C.). Kiríllov é um personagem           
febril, que se consome em seus           
pensamentos, num raciocínio constante       
sobre suas ideias que o levará a um               
destino trágico. Kiríllov quer provar que           
Deus morreu! Grande missão este         
personagem se impõe! Mas como, como           
provar a morte de Deus? Em seu estado               
febril Kiríllov decide que está disposto a             
levar às últimas consequências para         
tentar provar a inexistência desse “ser”,           
deus. 
Kiríllov raciocina: “...se crê, crê que           
não crê. Mas se não crê, então crê que                 
não crê.” Não há saída, para Kiŕillov é               
impossível deixar de acreditar em algo,           
mesmo não crendo em nada se crê             
sempre em algo, constata. A “salvação”           
para seus dilemas, e seu trunfo enquanto             
herói, é se matar por um ideal, matar-se               
em defesa do Ateísmo, que ele diz             
ninguém ainda o ter feito, ninguém se             
matou em defesa da “não-crença” e ele             
seria o primeiro! Grande constatação!         
Matando a si ele demonstra a todos que               
quem tem o poder sobre a vida, é ele, e                   
não Deus. Kiríllov almeja a independência           
de sua existência, sem submissão a nada             
transcendente. 
 
 
 
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revista ex-isto no. 1 | p. 16 
 
 
Esse “herói trágico moderno” -         
assim como nas tragédias gregas antigas -             
vence todas as circunstâncias colocadas         
pela sua razão pela tragicidade de seu             
ato, o suicídio. Seu ato é dionisíaco, pois é                 
a desintegração do “eu”, um somar com a               
natureza, e também apolíneo por ser um             
ato individual (​principium individuationis​)       
mesmo que para dar término da própria             
vida culminando numa tragédia. Como         
afirma Roberto Machado em seu livro           
Nietzsche e a verdade: 
Para o herói trágico é necessário perecer,             
por onde ele deve vencer. 
(pág.38) 
Kiríllov vence, por matar a si           
mesmo em defesa de uma ideia, um             
herói trágico que num ato de           
autoconsciência encontra uma forma de         
anunciar ao mundo que não é um deus o                 
mantenedor da vida, do mundo, o           
homem tem poder sobre si mesmo de             
dar cabo à sua vida justificado pela             
“razão”, e nisso encontra sua consolação. 
Eis a estranha consolação que proporciona           
a tragédia: a certeza de que existe um               
prazer superior a que acede pela ruína e               
pelo aniquilamento do herói, da         
individualidade, da consciência; pela       
destruição dos valores apolíneos. (pág. 40           
– Roberto Machado em Nietzsche e a             
verdade). 
Fica aqui o convite à leitura desta             
obra literária excepcional. Lembrando       
que as melhores traduções de         
Dostoiévski no Brasil são da editora 34,             
em especial dos tradutores Boris         
Shnaiderman e Paulo Bezerra. 
 
 
 
 
 
 
 
Por ​João Marcos​, proprietário do Sebo           
São Darwin, tatuador, interessado em         
literatura, filosofia e história. 
 
Sebo São Darwin: 
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Tatuaisô: 
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revista ex-isto no. 1 | p. 17 
 
 
Galeria Independente 
George Christian 
 
 
 
George Christian é compositor,       
multiinstrumentista e cantor, residenteem Salvador (BA), fortemente engajado         
na produção e difusão de sua música             
independente por distintos meios online,         
tendo produzido diversos EPs e álbuns           
lançados, utilizando como principal       
instrumento o violão elétrico, juntamente         
com explorações instrumentais. 
Também atua como compositor de         
trilhas sonoras, tendo em seu currículo os             
filmes "Imagens", de Luiz Rosemberg         
Filho, e a série "No Icons" (inédito), de               
Alexandre Guena. Seus trabalhos       
trafegam nos campos tanto da música           
experimental, quanto da música de         
concerto, realizando esporádicas     
performances ao vivo. 
 
 
 
 
 
 
A Era da Estupidez 
 
Seu álbum mais recente, 'A Era da             
Estupidez', é o álbum mais progressivo           
em sua discografia. Trata-se de um           
trabalho conceitual em que se observa,           
paradoxalmente, uma narrativa que se         
inicia como um lamento solitário e vai se               
desdobrando num cataclisma ultra       
psicodélico de timbragens ao observar a           
estupidez no mundo. 
O compositor se assume solista e           
multiinstrumentista, onde o corpo da         
improvisação e da composição       
espontânea percorre contornos mais       
estruturados e desafiadores. Das dores         
secretamente autobiográficas às dores do         
mundo ao redor. O álbum é um             
manifesto contra uma época de         
retrocessos éticos e um elogio à loucura             
criativa. 
 
Link para escutar o disco: 
hamfuggirecords.bandcamp.com/album/
a-era-da-estupidez 
 
George Christian: 
georgechristianmusic.wixsite.com 
instagram.com/gc.soundartifacts 
fb.com/georgechristianmusic 
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revista ex-isto no. 1 | p. 18 
 
 
cotidiano / junho 2020 
pastel seco em papel kraft 
 
 
 
 
Galeria Independente é um       
projeto do ex-isto que visa divulgar           
artistas que produzem um trabalho         
autoral, de caráter inventivo, crítico e/ou           
libertário, que se relacione (de alguma           
maneira) com as temáticas do         
existencialismo, fenomenologia, filosofia     
contemporânea ou psicologia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Guto Nunes 
instagram.com/gggguto/ 
 
 
 
 
 
O intuito desta galeria é gerar           
visibilidade de artistas pouco conhecidos         
pelos meios midiáticos de massa, que           
atuam principalmente de maneira       
independente, seja na música, pintura,         
escultura, literatura, fotografia, cinema,       
dança, teatro, história em quadrinhos ou           
arte digital. 
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revista ex-isto no. 1 | p. 19 
 
Livro 
O ser e o nada - Jean-Paul Sartre 
 
“O Ser e o Nada” do filósofo             
francês Jean-Paul Sartre é um grande           
clássico do existencialismo, publicado       
pela renomada Editora Vozes. Neste livro           
encontramos reflexões sobre a       
consciência, percepção, autoilusão,     
existência e o livre-arbítrio. Um livro           
robusto e de linguagem complexa, porém           
indispensável para os interessados dessa         
corrente de pensamento. 
Influenciado fortemente por     
filósofos como Martin Heidegger e         
Edmund Husserl no uso do método           
fenomenológico como ótica para explorar         
o ser (ontologia), nosso autor configura           
uma relação entre consciência e mundo           
de maneira posicional, pois, consciência é           
sempre consciência de algo e o método             
fenomenológico é justamente aquele que         
busca o fenômeno como ele aparece. A             
aparência não é mera ilusão que esconde             
a essência de algo, ao contrário, a             
essência mesma é uma aparição. 
 
Podemos rastrear também sua       
dívida com Kierkegaard, quando o filósofo           
francês escreve sobre a condição da           
humanidade como radicalmente livre e a           
relação dessa liberdade com a angústia.           
O ser não é pré-determinado, sua           
essência é uma construção, onde nos           
autoafirmamos através de nossas ações         
(escolhas), somos condenados a sermos         
livres e por isso somos obrigados a             
escolher, agir, a não escolha também é             
uma escolha onde somos totalmente         
responsáveis. Já a angústia jaz da           
liberdade, “um sentimento inevitável de         
profunda e total responsabilidade por         
nossas próprias escolhas e ações”. 
Constantemente tentamos fugir da       
responsabilidade, e essa tentativa foi o           
que Sartre chamou de má-fé, aqui           
concentra-se as temáticas do engano de           
si. A mentira implica que o mentiroso está               
completamente a par da verdade, não é             
um ignorante ou vítima de um erro, mas               
sim tem uma consciência cínica         
incoerente com suas palavras. A mentira           
também pressupõe o “outro”, o         
enganado. Já a má-fé compartilha muitos           
aspectos da mentira, porém, não         
pressupõe o outro: sendo assim uma           
mentira para si mesmo. A má-fé é uma               
“desagregação íntima no seio do ser”. 
 
Por ​Kaíque Jeordhanne​, bacharel em         
Ciências Ambientais, idealizador do       
projeto Ler e Despertar, onde faz           
resenhas e oferece dicas de livros. 
 
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revista ex-isto no. 1 | p. 20 
 
Filme 
A primeira noite de tranquilidade 
 
Valério Zurlini foi um diretor de           
destaque no cinema italiano nas décadas           
de 50 a 70, mas de alguma forma, no                 
âmbito internacional, seu nome ganhou         
menor repercussão que o de outros           
cineastas. Talvez obscurecido pela       
fenomenal repercussão que outros       
cineastas do período alcançaram – Fellini,           
Visconti, Antonioni... Mas certamente não         
por conta de seu cinema ser algo inferior.               
Zurlini dirigiu poucos filmes, mas alguns           
deles, como “A primeira noite de           
tranquilidade”, revelam seu talento para         
retratar o estado de espírito de           
personagens imersos em crises       
existenciais e situações limites. 
“A primeira noite de tranquilidade”         
remete a uma passagem da obra de             
Goethe, que ao final do filme irá revelar               
seu caráter trágico. A história é centrada             
no personagem de Daniele (Alain Delon),           
um professor de literatura de meia idade             
que fracassou em se mostrar a altura das               
expectativas de sua família burguesa. Um           
Delon derrotado, com olheiras e eterno           
semblante de quem passou a noite em             
alguma festa decadente entrega uma         
atuação lapidar. Daniele parece ir de           
cidade a cidade, de emprego a emprego,             
sem qualquer desejo de chegar a algo ou               
algum lugar. Seu currículo é cheio de             
espaços vazios, e Daniele não está           
minimamente interessado em explicar       
tais ausências, assim como também         
parece ter pouco interesse por sua           
namorada deprimida. Numa Rimini       
poética e melancólica – Zurlini oferece           
belos takes da cidade no outono, período             
em que transcorre a história – Daniele             
tem sua existência maquinal e indiferente           
agitada por um sentimento que há           
tempos não o movia;o desejo. Ele é               
despertado por outra personagem que         
parece viver um impasse tão grande           
quanto o de Daniele. A bela e triste               
Vanina, a aluna adolescente que         
demonstra interesse por suas aulas.         
Daniele irá, é claro, se apaixonar por             
Vanina. Mas para além da diferença de             
idade e das relações sociais que irão             
obstruir os planos de Daniele, há também             
o fato de Vanina ser amante de um rapaz                 
envolvido com a máfia local e de ter um                 
passado tão complicado quanto o de           
Daniele. 
O filme se constrói pela força de             
seus personagens. Além de Daniele e           
Vanina, outras figuras interessantes       
habitam essa história onde parece que           
ninguém vai conseguir o mínimo de           
satisfação em suas complicadas       
existências. O filme lida com várias das             
questões centrais ao existencialismo –         
angústia, solidão, liberdade,     
singularidades que ora aproximam, ora         
afastam os indivíduos. “A primeira noite           
de tranquilidade” versa sobre um mundo           
onde impera a falta de sentido e sobre o                 
quanto nossas vidas são um tanto quanto             
absurdas. 
 
 
Por ​Graziela Maria Lisboa Pinheiro​,         
estudante de psicologia, mestre e         
doutora em letras, graduada em         
comunicação social e cinema. 
nov.2020 | ​ex-isto.com  
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revista ex-isto no. 1 | p. 21 
 
Diversos 
O que é o esperanto? 
 
Em poucas palavras, o esperanto é           
uma língua planejada criada na intenção           
de facilitar a comunicação entre pessoas           
que falam línguas diferentes. A base do             
esperanto foi iniciada pelo médico e           
filólogo polonês Dr. Lázaro Zamenhof, em           
1887. Desde então, o projeto de língua             
planejada transformou-se em uma língua         
viva, com cultura própria, mas         
internacional, tendo até mesmo falantes         
nativos. 
Hoje podemos também dizer que         
o esperanto é muito mais que apenas             
uma língua inventada, atualmente, é uma           
cultura rica e diversa que reúne pessoas             
de várias partes do mundo, essa cultura             
se mostra através de músicas, filmes,           
redes sociais, literatura, teatro e outras           
manifestações artísticas. 
O esperanto não pertence a         
nenhuma nação e pertence a todos           
aqueles que, de alguma maneira, têm           
contato com essa ferramenta       
extremamente eficaz de comunicação       
transnacional. Essa língua é culturalmente         
cosmopolita, aquele está inserido na         
comunidade esperantista, na maioria das         
vezes, também tem interesse por um           
mundo sem fronteiras e, principalmente,         
sem barreiras linguísticas. 
O livre contato e a facilidade desta             
comunicação fluida, possibilita aos       
usuários do esperanto total acesso às           
mais diversas culturas. Tendo como         
princípio fundamental à neutralidade, o         
esperantista se assume como um cidadão           
do mundo, totalmente integrado às         
interações transnacionais. 
O falante do esperanto tem a           
oportunidade de se inserir em qualquer           
grupo social, não impondo, de maneira           
alguma, sua língua nacional, dessa forma,           
tais indivíduos atingem uma aquisição         
cultural plenamente efetiva. Tolerância,       
respeito e cordialidade são alguns dos           
principais valores cultivados no meio         
esperantista. 
Será um grande prazer poder         
mostrar um pouco deste universo cultural           
para você leitor da revista ex-isto. 
 
 
 
Por ​Fábio Silva​, licenciado em Letras pela             
UFLA, pós-graduado em linguística       
aplicada à educação pela Faveni, membro           
da Liga Internacional de Professores         
Esperantistas e é diretor da Embaixada           
do Esperanto de Pouso Alegre. 
 
www.linguainternacional.org 
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revista ex-isto no. 1 | p. 22 
 
Artigo 
Fundamentos da psicoterapia 
fenomenológico existencial 
Bruno Carrasco 
 
Resumo: 
Este artigo tem como intuito apresentar           
os embasamentos filosóficos e       
metodológicos da psicoterapia     
fenomenológico existencial: a filosofia       
existencialista e o método       
fenomenológico, destacando sua     
particularidade no modo de encarar a           
existência humana e de proceder o           
processo psicoterapêutico. O     
existencialismo oferece um olhar sobre a           
condição humana enquanto algo não         
definido, livre e responsável por suas           
escolhas, e em constante transformação,         
que se constitui em seu existir concreto             
por meio de sua experiência singular, no             
mundo, em constante relação com as           
pessoas, objetos, espaços e consigo         
mesmo. A atitude fenomenológica dispõe         
uma abertura para as singularidades da           
existência em seus modos próprios de se             
manifestar, buscando compreender as       
distintas características, interesses e       
desinteresses de cada indivíduo, evitando         
pressuposições ou conceitos prévios       
sobre a pessoa, captando o modo como             
esta se revela a cada encontro. 
 
Palavras-chave: Psicoterapia, 
Existencialismo, Fenomenologia, 
Psicologia. 
 
 
 
 
 
Introdução 
 
O presente trabalho pretende       
oferecer uma breve introdução sobre os           
fundamentos filosóficos da psicoterapia       
fenomenológico existencial, expondo     
seus norteamentos teóricos, iniciando       
com a filosofia existencialista e seu           
entendimento sobre a existência humana,         
e o método fenomenológico, que indica           
atitudes e disposições para se aproximar           
da existência em seus distintos modos de             
se expressar. 
Existencialismo é uma filosofia       
contemporânea que encara a existência a           
partir de sua manifestação concreta,         
singular e afetiva, entendendo o ser           
humano livre para fazer escolhas e           
responsável por elas, sempre aberto a           
novas possibilidades. A fenomenologia se         
apresenta como uma atitude para se           
aproximar das singularidades, do modo         
como cada um se apresenta. 
O intuito desta pesquisa é explorar           
os pressupostos filosóficos e as teorias           
que servem de embasamento para a           
prática da psicoterapia fenomenológico       
existencial. Pretende-se, portanto,     
apresentar algumas questões do       
existencialismo e da fenomenologia com         
relação ao entendimento de ser humano,           
e sobre o modo como proceder a análise               
da existência humana, de acordo com           
estas vertentes. 
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revista ex-isto no. 1 | p. 23 
 
A psicoterapia fenomenológico     
existencial dispõe uma maneira específica         
de encarar a existência humana,         
entendendo esta como um processo e           
não como algo fixo, mas sempre aberto à               
transformações, sendo constantemente     
afetada pela relação com as outras           
pessoas, objetos e espaços, aberta a           
novos entendimentos de mundo e de si.             
O método fenomenológico possibilita       
uma aproximação das singularidades e         
da relação afetiva da pessoa com o             
mundo, com os outros e consigo mesma,             
compreendendo seus modos de ser e           
suas vivências no mundo. 
Este trabalho se inicia com a           
descrição dos fundamentosteóricos,       
filosóficos e conceituais da psicoterapia         
fenomenológico existencial, com a       
pretensão de oferecer uma introdução         
sobre esta vertente de psicoterapia, que           
por ser pouco conhecida, acaba sendo           
erroneamente confundida com outras       
tendências como a Abordagem Centrada         
na Pessoa, de Carl Rogers, a           
Gestalt-Terapia, de Fritz Perls, ou a           
Psicoterapia Existencial Humanista, de       
Rollo May. 
Para a pesquisa foram utilizados         
alguns dos livros mais destacados         
publicados sobre existencialismo e       
fenomenologia, juntamente com artigos       
sobre os temas abordados. Essa         
necessidade de voltar aos fundamentos         
possui justamente o intuito de oferecer           
um breve entendimento introdutório       
sobre as bases para que se possa             
compreender melhor sua proposta       
psicoterapêutica na prática. 
1. Existencialismo 
 
O termo ‘existencialismo’ é       
resultante da soma da palavra ‘existência’           
com o sufixo ‘ismo’. Segundo Penha           
(2014, p.11), a palavra ‘existência’ é uma             
derivação do verbo existir, que se origina             
do latim ​existere​, cujo significado         
corresponde a “sair de uma casa, um             
domínio, um esconderijo. Mas       
precisamente: existência, na origem, é         
sinônimo de mostrar-se, exibir-se,       
movimento para fora”. 
O existencialismo enquanto     
vertente de filosofia possui influências de           
diversos filósofos, entre eles Sören         
Kierkegaard (1813-1855), Friedrich     
Nietzsche (1844-1900), Martin Heidegger       
(1889-1976), e outros que contrariam boa           
parte das bases da filosofia ocidental           
desde a Antiguidade até a Idade           
Moderna. Porém, foi por meio do filósofo             
francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) que         
esta filosofia se tornou popular. Sartre se             
assumiu enquanto existencialista e       
destacou o existencialismo como uma         
filosofia do engajamento e da ação,           
evidenciando a responsabilidade de cada         
pessoa por sua existência. 
Reynolds (2014) destaca entre os         
temas fundamentais tratados pelos       
existencialistas: a liberdade, a morte, a           
finitude, a experiência fenomenológica, a         
angústia, a náusea, o tédio, a           
autenticidade e a responsabilidade.       
Segundo ele, eventos como a Segunda           
Guerra Mundial e a ocupação alemã na             
França, possibilitaram um maior       
questionamento sobre questões como a         
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revista ex-isto no. 1 | p. 24 
 
liberdade, a responsabilidade e a morte.           
Segundo Penha (2014), o existencialismo         
foi a corrente filosófica mais discutida           
entre as décadas de 1940 e 1950. 
No livro ‘O existencialismo é um           
humanismo’, Sartre cita sua célebre frase           
“a existência precede a essência” (2014,           
p.18), argumentando que este é o           
primeiro princípio do existencialismo,       
complementando que “o homem nada é           
além do que ele se faz” (2014, p.19).               
Segundo ele, não há nenhuma definição           
prévia sobre o ser humano com relação             
aos seus modos de ser, de se relacionar e                 
de se colocar no mundo. Cada pessoa se               
constrói na prática da vida concreta, na             
relação com outras pessoas e por meio             
das escolhas que faz. 
 
Que significa, aqui, que a existência           
precede a essência? Significa que o           
homem existe primeiro, se encontra,         
surge no mundo, e se define em seguida.               
Se o homem, na concepção do           
existencialismo, não é definível, é porque           
ele não é, inicialmente, nada. Ele apenas             
será alguma coisa posteriormente, e será           
aquilo que ele se tornar. Assim, não há               
natureza humana, pois não há um Deus             
para concebê-la. (SARTRE, 2014, p.19) 
 
O conceito essência, segundo a         
tradição filosófica, refere-se àquilo que         
seria previamente determinado, que       
caracterizaria algo ou um ser antes           
mesmo de sua existência concreta. Neste           
sentido, a existência seria resultante         
desta essência. A filosofia existencialista         
se contrapõe a esta vertente         
essencialista, entendendo a existência       
como resultante da própria existência         
concreta, e não de uma essência. 
Foulquié (1975) apresenta o       
existencialismo partindo de sua diferença         
para com o essencialismo. Para ele, até o               
século XIX o pensamento essencialista         
prevalecia, e a filosofia não questionava o             
primado da essência sobre a existência,           
ou seja, partiam do entendimento de que             
toda existência era fruto de uma essência             
previamente definida. 
Seja no mundo das ideias de           
Platão, como nas categorias em         
Aristóteles, ambos no século IV a.C., nas             
essências da escolástica, na segunda         
metade da Idade Média, e nas ideias             
inatas de René Descartes, no século XVII,             
todas estas filosofias priorizavam as         
essências em detrimento da existência. 
Uma tendência muito presente na         
filosofia ocidental, desde Aristóteles, que         
inclusive foi utilizada pela ciência         
moderna, é olhar para as coisas partindo             
das categorias que são estabelecidas         
sobre elas de acordo com suas           
semelhanças com relação a outras coisas,           
e que inclusive as discrimina por suas             
diferenças. Essa tendência de encarar as           
coisas partindo de suas categorias         
prévias, ao invés das experiências sobre           
as coisas, nos dificultou a captação das             
distintas particularidades sobre o que         
percebemos, ou seja, de suas distinções e             
singularidades. 
 
O existencialismo surge, pois, como uma           
teoria que afirma o primado ou a             
prioridade da existência. Mas em relação a             
que afirma este primado ou prioridade?           
Em relação à essência. (FOULQUIÉ, 1975,           
7p.) 
 
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Para a filosofia essencialista, a         
essência corresponderia a algo universal         
contendo todas as características de um           
ser, enquanto que a existência seria           
apenas uma disposição para transformar         
em ato tal essência, portanto uma mera             
efetivação das essências prévias. O         
existencialismo, pelo contrário, considera       
a existência como prioridade, ao invés da             
essência. Neste sentido, a existência não           
é uma efetivação de uma essência           
previamente definida, mas uma condição         
que constitui justamente os modos de ser             
e as características mais próprias de cada             
pessoa, na relação com as outras pessoas             
e com o mundo. 
 
Como indica a própria palavra, o           
existencialismo caracteriza-se sobretudo     
pela tendência de colocar o acento na             
existência. O existencialista     
desinteressa-se das essências, dos       
possíveis, das noções abstratas: situa-se         
nas antípodas do espírito matemático; seu           
interesse dirige-se ao que existe, ou           
melhor, à existência daquilo que existe.           
(FOULQUIÉ, 1975, 37p.) 
 
Segundo Foulquié (1975), o       
existencialismo também se coloca       
contrário ao racionalismo e ao         
positivismo, que priorizaram a razão e a             
objetividade, respectivamente, em     
detrimento da experiência. Contrariando       
essas teorias sobre a existência humana,a filosofia existencialista parte do         
entendimento de que é impossível fixar           
regras prévias para a existência e para os               
modos de ser de cada indivíduo,           
buscando olhar para as diferenças ao           
invés das teorias ou generalizações. 
No existencialismo, a existência é         
concebida como um privilégio do ser           
humano, não sendo algo pronto ou           
previamente determinado, tal como       
entendiam os filósofos essencialistas,       
mas como um constante vir-a-ser, em           
permanente transformação. Por não ser         
definida previamente, a existência       
humana é livre para fazer escolhas, pois             
para existir precisamos, necessariamente,       
escolher. Não escolhemos como e onde           
nascer, mas podemos escolher o que           
fazer diante das circunstâncias em que           
estamos inseridos. É por meio da relação             
que estabelecemos com os lugares, com           
os objetos e com as pessoas, juntamente             
com as escolhas que fazemos, que           
constituímos nosso modo de existir. 
 
(...) eu sou bonito ou feio, filho de               
proletário ou de ilustre ascendência, chove           
ou faz calor… diante destes fatos sou             
impotente. Mas sou senhor de minha           
atitude à respeito destas maneiras de ser,             
independentes de mim: posso       
orgulhar-me ou envergonhar-me delas,       
aceitá-las ou insurgir-me contra elas. Eu           
não as escolho, mas escolho a forma             
como as considero, ou, no dizer dos             
existencialistas, eu as assumo. (FOULQUIÉ,         
1975, 46p.) 
 
Essa liberdade de fazer escolhas,         
segundo o entendimento existencialista,       
não consiste em vivenciar momentos do           
modo como desejamos ou esperamos,         
mas escolher o que fazer diante das             
distintas situações e adversidades que         
atravessamos. 
Para a filosofia existencialista,       
todos somos livres para fazer escolhas e             
direcionar a nossa existência a todo           
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momento, de acordo com nossas         
condições e possibilidades. Porém, não         
temos nenhuma garantia sobre o que           
pode acontecer por conta de um caminho             
que escolhemos seguir, de modo que           
toda escolha é um risco, e isso nos gera                 
uma sensação de angústia. 
Por não termos uma essência que           
nos defina ou que nos constitua           
previamente, somos nós os únicos         
responsáveis pelas escolhas que fazemos.         
Isso nos torna responsáveis por nossa           
existência, pela pessoa que nos         
tornamos. A cada escolha que fazemos, a             
cada momento que escolhemos, estamos         
escolhendo a nós mesmos, a pessoa que             
estamos sendo. 
 
Mas se realmente a existência precede a             
essência o homem é responsável pelo que             
é. Assim, a primeira decorrência do           
existencialismo é colocar todo homem em           
posse daquilo que ele é, e fazer repousar               
sobre ele a responsabilidade total por sua             
existência. (SARTRE, 2014, 20p.) 
 
Toda pessoa pode, em certo         
sentido, e de acordo com suas condições             
e circunstâncias externas, escolher o que           
fazer de si mesma, a todo momento de               
sua existência. O que não é possível,             
segundo Sartre (2014), é não escolher. É             
neste sentido que ele declara que “o             
homem está condenado a ser livre”           
(Sartre, 2014, 24p.), ou seja, a liberdade             
não é uma opção, mas uma condição da               
existência humana. Enquanto condição       
implica em estarmos sempre escolhendo         
o que vamos fazer de nossa existência. 
Como não há uma essência prévia           
que determine nossa existência e nossos           
modos de viver, não há também nenhum             
sentido previamente estabelecido sobre       
como viver a vida. Essa constatação pode             
parecer angustiante, mas é também         
libertadora. Para o existencialismo, o         
sentido da vida pode ser acolhido,           
abraçado ou criado.  
 
Sem a orientação de regras universais de             
moralidade, da natureza humana ou de           
um Deus cognoscível, que emitiu certos           
mandamentos indiscutíveis (e várias       
teologias podem acordar com isso),         
devemos dotar o mundo de significado e             
somente nós podemos fazer isso.         
Devemos realizar este ato de fé: criar o               
significado em que buscamos viver.         
(REYNOLDS, 2014, 17p.) 
 
A escolha que cada um faz sobre             
sua existência é acompanhada, segundo         
Kierkegaard, pelo temor e por uma falta             
de tranquilidade, pois apesar de todas as             
nossas avaliações e deduções racionais         
sobre o que iremos escolher, nunca           
teremos certeza de que uma de nossas             
escolhas será como desejamos ou         
esperamos, ou mesmo que será melhor           
do que aquela que não escolhemos.           
Neste sentido, toda escolha que fizermos           
será sempre um risco, e cada escolha             
implica na negação das outras         
possibilidades de escolha. 
Tanto em Kierkegaard quanto em         
Sartre, a angústia consiste numa espécie           
de medo de si, do que pode ser feito                 
diante de uma escolha, e da dificuldade             
de se escolher, ao perceber-se o único             
responsável por sua escolha, portanto         
também responsável por sua existência. 
 
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2. Fenomenologia 
 
O termo ‘fenomenologia’ foi       
utilizado por diversos autores, com         
intenções distintas. Etimologicamente     
significa o estudo ou a ciência dos             
fenômenos, sendo os fenômenos aquilo         
que aparece. 
Do modo como hoje entendemos,         
essa temática começa a aparecer entre o             
final do século XIX e início do século XX,                 
com o filósofo e matemático alemão           
Edmund Husserl (1859-1938), sendo       
continuada e transformada por filósofos         
como Martin Heidegger (1889-1976),       
Jean-Paul Sartre (1905-1980), Maurice       
Merleau-Ponty (1908-1961), entre outros. 
Apesar de autores anteriores a         
Husserl terem utilizado este termo, como           
Hegel (1770-1831) ou Kant (1724-1804), é           
com Husserl que a fenomenologia segue           
um novo caminho, que irá influenciar a             
filosofia, a psicologia e o modo de se               
fazer ciências humanas no século XX em             
diante, entendendo que “o sentido do ser             
e o do fenômeno não podem ser             
dissociados” (Dartigues, 2008, 11p.). 
Partindo de um questionamento       
sobre a ciência positivista e a filosofia             
idealista, criticando o uso do método das             
ciências naturais na psicologia e nas           
ciências humanas, a fenomenologia       
aparece como um contraponto e uma           
nova perspectiva de se fazer ciência,           
contrariando o entendimento objetivista       
e as teorizações metafísicas, propondo         
encarar as coisas tal como aparecem,           
retornando ao mundo da vida. 
 
Entre o discurso especulativo da         
Metafísica e o raciocínio das ciências           
positivas deve, pois, existir uma terceira           
via, aquela que antes de todo raciocínio,             
nos colocaria no mesmo plano da           
realidade ou, como diz Husserl, das “coisas             
mesmas”. (DARTIGUES, 2008, 18p.) 
  
A fenomenologia é uma atitude         
que busca encarar o fenômeno do modo             
como este se mostra por si mesmo,             
libertado

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