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3 Dava gritos, muitos gritos, porque queria me ouvir e os sons não me chegavam. Meus chamados nada queriam dizer para meus pais. Eram, diziam eles, gritos agudos de pássaros do mar. Então apelidaram-me de gaivota. (...) Frequentemente as pessoas pensam que surdo quer dizer mudo. Não sou muda. Gaivota sim. (...) Em outras palavras: nunca vivi no silêncio completo. (...) Tenho minha imaginação, e ela tem seus barulhos em imagens. (...) Diferença... sim, apesar de tudo. (...) Quando tentava imitar a voz de minha mãe, era completamente diferente. Diziam- me: "Fale, fale, que compreendemos", mas sabia bem que aquilo era válido, pelo menos naquele momento, apenas em família. Na escola primária, a garotada zombava de mim e ria de meus esforços para falar (...) Certamente, não me compreendiam. Mas era eu que me esforçava para imitá-los (...) Que esforço faziam além de me ridicularizar? (...) Mas a ordem que se fez em minha cabeça, na época em que entrei na quinta série, me fazia, já então, recusar violentamente o rótulo de deficiente. (...) Para mim, a língua de sinais corresponde à minha voz, meus olhos são meus ouvidos. Sinceramente nada me falta. É a sociedade que me torna excepcional, que me torna dependente dos ouvintes. (...) Os ouvintes têm tudo a aprender com aqueles que falam com o corpo. A riqueza de sua língua gestual é um dos tesouros da humanidade. (...) Eu (...) Queria saber onde estava neste mundo, quem era eu, e por quê. E me encontrei. Chamava-me Emmanuelle Laborit. Emannuelle Laborit (1994). (Laborit é surda francesa, atriz e escritora) Na Antiguidade, período da divinização do Verbo ,o sujeito surdo era conhecido como “surdo-mudo”, considerado como um ser incapaz de adquirir conhecimentos ou herdar propriedades, casar, trabalhar etc. Acreditava-se que tal “surdo-mudez” era algo a ser curado através da fé religiosa. No transcurso do século XVI, sob influências renascentistas, foram descortinando- se possibilidades de educação a pessoas surdas com o surgimento do “preceptorado”. Naquele momento histórico, porém, a língua(gem) era tida como expressão do espírito e seu principal canal parece ser a via oral. Leitão (2006, p. 153) nos diz que: VERBO Divinização suscitada da referência bíblica: “No princípio era o Verbo". "Há evidências de que todo o contexto ideológico dessa época era desfavorável às pessoas que, de algum modo, se apresentavam impedidas de fazer uso da palavra falada".