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Literatura - Moderna Plus-547-549

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Lima Barreto: a vida nos 
subúrbios cariocas
Lima Barreto será responsável por compor um retrato de partes dos 
centros urbanos ignorados pela elite cultural do país: os subúrbios cario-
cas. Era lá que vivia a pequena classe média composta de funcionários 
públicos, professores, moças à espera de casamento e uma variedade 
de outras personagens que povoam a obra do autor. Dá assim voz a uma 
parcela da população que havia sido ignorada pelos principais escritores 
românticos e realistas. 
Os romances, contos e crônicas de Lima Barreto compõem um painel 
em que se desenham de forma mais clara os verdadeiros mecanismos de 
relacionamento social típicos do Brasil no início do século XX.
Isaías Caminha e Clara dos Anjos: 
a denúncia do preconceito
No primeiro romance publicado por Lima Barreto, Recordações do escri-
vão Isaías Caminha, já se pode identificar a denúncia do preconceito como 
uma das suas preocupações literárias. 
Idealista e inteligente, Isaías acredita ser possível vencer na vida gra-
ças aos seus esforços e superar até mesmo o preconceito racial. Assim 
que chega ao Rio, vindo do interior, procura um influente deputado a quem 
havia sido recomendado por um amigo da família. Seu suposto protetor 
recusa-se a ajudá-lo e o jovem passa por uma série de dificuldades. Apesar 
de sua capacidade e dedicação, é somente um fato casual que lhe permitirá 
realizar o sonho de se tornar repórter: surpreende seu superior em uma 
noitada de orgias. 
A leitura do livro deixa evidente seu caráter autobiográfico: assim como 
Isaías, Lima Barreto sofreu o preconceito por ser mulato e, também como 
ele, conseguiu relativo sucesso com a carreira jornalística.
Em Clara dos Anjos, um romance inacabado, o preconceito racial retorna, 
enfocando agora uma moça que é seduzida por um tipo suburbano, Cassi 
Jones. Após relatar a humilhação da jovem pela família do rapaz que a de-
sonrou, o narrador conclui:
[...] Na rua, Clara pensou em tudo aquilo, naquela dolorosa cena que tinha pre-
senciado e no vexame que sofrera. Agora é que tinha a noção exata da sua situação 
na sociedade. Fora preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus melindres de 
solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu algoz, para se convencer de que ela não 
era uma moça como as outras; era muito menos no conceito de todos. […]
[...] Ora, uma mulatinha, filha de um carteiro! O que era preciso, tanto a ela como 
às suas iguais, era educar o caráter, revestir-se de vontade […], para se defender 
de Cassis e semelhantes, e bater-se contra todos os que se opusessem, por este ou 
aquele modo, contra a elevação dela, social e moralmente. Nada a fazia inferior às 
outras, senão o conceito geral e a covardia com que elas o admitiam…
BARRETO, Lima. Clara dos Anjos. In: VASCONCELLOS,!Eliane (Org.). Prosa seleta. 
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001. p. 748. (Fragmento).
 Foto de Lima Barreto, s.d.
Afonso Henriques de Lima 
Barreto (1881-1922) nas-
ceu no momento em que o 
Realismo chegava ao Brasil. 
o eu o a o de eali a o 
da Sema a de A te ode a 
esti o e fil o de mesti os 
sofreu o preconceito de uma 
sociedade que discriminava 
as pessoas com base na cor 
de sua pele.
Como jornalista, alcançou 
uma certa estabilidade. Ao 
longo da vida lutou contra 
o alcoolismo, que acabou 
causando sua morte. Em 
seu funeral, ignorado pelos 
intelectuais da época, foi 
marcante a presença dos po-
bres anônimos e suburbanos 
sobre quem escreveu.
Deixou uma vasta obra 
literária, na qual se destacam 
os romances Recordações 
do escrivão Isaías Caminha 
(1909), Triste fim de Policar-
po Quaresma, Numa e ninfa 
(1915), Vida e morte de M. J. 
Gonzaga de Sá (1919), Clara 
dos Anjos (1948), sátiras 
como Os bruzundangas (1923) 
e dezenas de contos como A 
nova Califórnia e O homem 
que sabia javanês.
 Número 2 da revista Floreal, 
publicação bimensal de crítica 
e literatura, que tinha Lima 
Barreto como “director”, 1908.
O aspecto mais comovente da cena, além da desilusão sofrida pela jovem, 
é a constatação da impossibilidade de vencer uma sociedade acostumada 
a determinar o valor de uma pessoa pela cor de sua pele.
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[...] Havia um ano a esta parte que se dedicava ao tupi- 
-guarani. Todas as manhãs, [...] estudava o jargão caboclo 
com afinco e paixão. Na repartição, os pequenos empre-
gados, amanuenses e escreventes, tendo notícia desse seu 
estudo do idioma tupiniquim, deram não se sabe por que 
em chamá-lo — Ubirajara. Certa vez, o escrevente Azevedo, 
ao assinar o ponto, distraído, sem reparar quem lhe estava 
às costas, disse em tom chocarreiro: “Você já viu que hoje 
o Ubirajara está tardando?”.
[...] Sentindo que a alcunha lhe era dirigida, não 
perdeu a dignidade, não prorrompeu em doestos e in-
sultos. Endireitou-se, concertou o pince-nez, levantou o dedo indicador no 
ar e respondeu:
— Sr. Azevedo, não seja leviano. Não queira levar ao ridículo aqueles que 
trabalham em silêncio, para a grandeza e a emancipação da Pátria. [...]
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. In: VASCONCELLOS,!Eliane (Org.). 
Prosa seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001. p. 264-265. (Fragmento).
Policarpo Quaresma: 
um nacionalista quixotesco
O mais lido e conhecido romance de Lima Barreto é Triste fim de Po-
licarpo Quaresma. O protagonista, Policarpo Quaresma, é um major que 
trabalha como subsecretário do Arsenal de Guerra. Sua cegueira, contudo, 
é a pátria. Estudioso das coisas do Brasil, tem uma biblioteca de clássicos 
sobre a fauna e a flora brasileira, conhece as obras completas dos grandes 
escritores nacionais, interessa-se pelas tradições e costumes do povo. 
Esse patriotismo desmedido é ridicularizado por todos aqueles com quem 
convive, incapazes de perceber a pureza de seu idealismo.
Através de Policarpo, Lima Barreto tematiza o embate entre o real e o 
ideal. Em Policarpo, o patriotismo é um ideal. Ele assume ares de visionário, 
louco, por não pensar em si, por não se interessar por sua carreira ou tentar 
obter qualquer tipo de vantagem pessoal. Seu único 
objetivo é o engrandecimento do Brasil. 
O “triste fim” de Policarpo é a perda de todos os 
ideais, quando percebe que dedicou sua vida a uma 
causa inútil.
A desilusão final de Policarpo é a desilusão de 
Lima Barreto, que morreu acreditando ser o dever 
dos escritores “deixar de lado todas as velhas 
regras, toda a disciplina exterior dos gêneros e 
aproveitar de cada um deles o que puder e procurar, 
conforme a inspiração própria, para tentar reformar 
certas usanças”. Por esse motivo, o novo Brasil 
que surgia nos textos pré-modernistas, marcado 
por grandes desigualdades sociais, não era um país que motivasse o 
o ul o dos leito es as e a um a s real.
 Tropas legalistas durante a 
Revolta da Armada, c. 1893.
A desilusão de 
Policarpo Quaresma
Depois de várias tentati-
vas fracassadas pelo desen-
volvimento do país, Quaresma 
se alista entre os voluntários, 
chefiados por Floriano Peixo-
to, para defender o regime 
republicano durante a Revol-
ta da Armada, em 1893. Ao 
acreditar nos princípios do 
marechal, Policarpo terá sua 
última desilusão com a pátria 
que tanto ama.
Vencido o conflito, o presi-
dente Floriano Peixoto passa 
a perseguir os derrotados, 
que são executados. Indig-
nado com essa violência, o 
protagonista pede o fim do 
terror imposto pelo Estado. 
Por isso, é preso e condenado 
à morte por fuzilamento.
Amanuenses: funcionários públicos que cuidavam da 
correspondência, copiavam e registravam documentos.
Chocarreiro: zombeteiro.
Doestos: injúrias, acusações.
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TEXTO PARA ANÁLISE
...................................................................... 
V 
A afilhada
Acusado de traição, Policarpo Quaresma espera pela morte 
e reflete com amargura sobre o nacionalismo ingênuo que 
o impediu de ver o verdadeiro país que tanto defendeu.
[...] Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha ele 
feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a 
pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua 
felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade 
também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como 
ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o. [...]
Desde dezoito anos que o tal patriotismo o absorvia e por ele fizera a 
tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? 
Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos 
heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? 
Não. Lembrou-se das suas coisas de tupi, do folklore, das suas tentativas 
agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! 
Nenhuma!
O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e 
levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram 
ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando 
o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde 
estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? 
Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era 
uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções.
A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no 
silêncio do seu gabinete. [...]
Contudo, quem sabe se outros que lhe seguissem as pegadas não seriam 
mais felizes? E logo respondeu a si mesmo: mas como? Se não se fizera 
comunicar, se nada dissera e não prendera o seu sonho, dando-lhe corpo e 
substância? 
Lima Barreto 
Lima Barreto acreditava 
que a literatura devia ajudar 
a difundir as “grandes e al-
tas emoções humanas” e a 
construir a comunhão entre 
as pessoas de todas as raças 
e classes. Leitor apaixonado, 
usou a voz de diferentes per-
sonagens para difundir essa 
crença no poder dos livros. 
Como afirma o narrador de 
Vida e morte de J. M. Gonzaga 
de Sá, “alguns deles [...] me 
deram a sagrada sabedoria de 
me conhecer a mim mesmo, 
de poder assistir ao espetácu-
lo das minhas emoções e dos 
meus pensamentos”.
Ao lado de Balzac, Stendhal, 
Taine, Renan, Anatole France, 
Jonathan Swift e Flaubert, a po-
sição de destaque na estante 
do escritor era reservada aos 
grandes romancistas russos: 
Tolstoi e Dostoiévski. Deles 
herdou o olhar pessimista 
para a sociedade que aparece 
de modo destacado em sua 
produção literária.
A ESTANTE DE
 Dostoiévski, autor russo de 
quem Lima Barreto herdou 
o olhar pessimista para a 
sociedade. Foto de 1879.
 Ilhas das Cobras, Rio de Janeiro, c. 1865. Foto de Georges Leuzinger.
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