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CENTRO UNIVERSITÁRIO DO NORTE CURSO DE PSICOLOGIA LEONARDO VIEIRA GAMA RELAÇÕES FAMILIARES COMO PREDITORES DE ESQUEMAS INICIAIS DESADAPTATIVOS MANAUS 2023 LEONARDO VIEIRA GAMA RELAÇÕES FAMILIARES COMO PREDITORES DE ESQUEMAS INICIAIS DESADAPTATIVOS Monografia apresentada a Universidade do Norte como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientador (a): Prof. Edvania Oliveira Barbosa Coorientador (a): Prof. Silene Moreira de Souza MANAUS 2023 AGRADECIMENTOS Expresso minha profunda gratidão a Deus, que em toda minha jornada esteve comigo dando-me forças e sabedoria para percorrer esse caminho, proporcionando desde o início da graduação todos os subsídios para que eu fosse bolsista integral, facilitando minha dedicação exclusiva aos estudos. Além disso, agradeço também a minha família que sempre acreditou em mim e no meu potencial, oferecendo ajuda dentro das possibilidades individuais. Reconheço o valor de seu apoio, especialmente nos momentos em que a minha própria crença em mim mesmo estava abalada. Sou grato em especial a minha avó, Conceição, que foi meu pilar para trilhar esse caminho, obrigado por ser minha rede de apoio e me permitir não me preocupar com nada que não fosse a psicologia, seu amor manifestado em forma de atos de serviço foi imprescindível. Agradeço também a minha mãe, Dyanna Dark, que me inspirou a lutar por minhas próprias conquistas; suas escolhas profissionais me incentivaram a entender que nunca será tarde para (re}começar um sonho. Também dedico esse reconhecimento ao meu pai, Reigre, que desde a minha infância me incentivou e compartilhou dos meus sonhos. Onde quer que esteja, sei que ele está orgulhoso de mim; este é por você. Agradeço igualmente aos meus amigos que sempre foram suporte para os dias maus, sempre ouvindo-me, consolando-me e oferecendo suporte financeiro e emocional. Vocês fazem parte disso. Obrigado por entenderem a minha ausência durante os dias tempestuosos. Gostaria expressar minha profunda gratidão à minha dedicada parceira e dupla acadêmica, Rayandra Mafra, que me proporcionou apoio constante, contribuindo para tornar meus dias mais vibrantes. Minha jornada acadêmica não teria sido tão gratificante sem a presença e o suporte incansável dela ao longo destes cinco anos. Agradeço a minha orientadora Edvania Barbosa por todas as supervisões, orientações e conselhos destinados a mim, obrigado pela paciência de ensinar de forma mansa e tranquila, assim como por depositar em mim a confiança de realizar um bom trabalho. Seu bom humor, simplicidade, carisma e disposição fizeram esse fim de jornada ser repleto de risadas e bons momentos. A docência te escolheu, porque ser educador é antes de tudo gostar de pessoas, gostar de histórias e poder disseminar conhecimento em suas diversas maneiras, contextos e oportunidades. Tua atuação transcendeu a sala de aula e envolveu acima de tudo personificar a própria narrativa, sendo vitrine da própria história, que mesmo não contada, foi lida. E eu te li, li em cada supervisão e aula ministrada, cada ajuste e conselho oferecido; e tudo isso me deram gás para seguir com animação e euforia a profissão que escolhi, mantendo o olhar ético, empático e principalmente humano. Espero que eu seja possibilidade para outras pessoas assim como você foi para mim. Estendo meus agradecimentos a todos os meus professores, cujas contribuições, tanto diretas quanto indiretas, desempenharam um papel fundamental em minha formação. É graças a eles que desenvolvi uma paixão duradoura pela psicologia. Agradeço a cada um por seu papel crucial em minha jornada acadêmica e profissional. Manifesto minha sincera gratidão ao profissional de psicologia, Wendell Scott, que desempenhou um papel fundamental em minha jornada, sendo não apenas um terapeuta, mas também um refúgio de conforto, afeto e compreensão. Chegar até aqui vivo talvez não fosse possível sem você. Agradeço por sua habilidade em ouvir e por enxergar em mim aspectos que muitas vezes não reconheci durante esses anos. E por fim, expresso minha apreciação a mim mesmo, que mantive a perseverança e a resiliência que cresceram ao longo desses anos de desafios. Não foi uma tarefa fácil manter -me firme diante de tantos momentos em que a tentativa de desistir era forte. Agradeço a minha própria determinação por não ceder diante das adversidades e persistir, mesmo quando meus pensamentos insistiram em apontar para a opção de abandonar. Agradeço a todos! O princípio grandioso e determinante, para o qual converge diretamente cada argumento exposto nestas páginas, consiste na importância absoluta e essencial do desenvolvimento humano em sua mais rica diversidade. Wilhelm Von Humboldt RESUMO A família, desde a sua formação até a contemporaneidade, desempenha papel crucial na formação da personalidade. A psicologia, notadamente a Terapia do Esquema (TE), explora os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs), padrões disfuncionais e cognitivos originados na infância, sendo identificado dezoito tipos na literatura. Estudos recentes correlacionam estilos parentais (EP) ao desenvolvimento de EIDs, gerando questionamentos sobre as demandas nas relações familiares que propiciam a formação desses padrões disfuncionais. Desta forma, o objetivo principal da monografia foi explorar como as relações familiares predizem a ativação de EIDs, enquanto os objetivos específicos incluíram a investigação da relação entre configurações familiares e EIDs, a diferenciação de tipos de família e estilos parentais, além de demonstrar a causalidade entre esses elementos, com ênfase nas consequências na vida adulta. A metodologia utilizada compreendeu uma abordagem qualitativa e de caráter exploratório, sendo utilizado procedimentos técnicos de investigação de uma pesquisa bibliográfica. Em síntese, os dados da pesquisa preencheram lacunas na compreensão da relação entre família e EIDs, contribuindo para discussões e um entendimento mais aprofundado dessa relação. Por fim, constata-se, mediante a análise da literatura, que as relações familiares exercem uma influência significativa na configuração dos EIDs. Tais EIDs, por sua vez, acarretam implicações relevantes na vida adulta, manifestando-se por meio de psicopatologias, comportamentos disfuncionais e problemas emocionais. Este achado ressalta a correlação intrínseca entre as relações familiares, a formação de EIDs e as consequências posteriormente observadas na saúde mental e emocional na fase adulta. Palavras chaves: Família; Terapia do Esquema; Esquemas Iniciais Desadaptativos; Estilos Parentais. ABSTRACT The household, from the beginning to contemporaneity, plays a crucial role in the formation of personality. Psychology, specifically Schema Therapy (ST), explores Early Maladaptive Schemas (EMS), dysfunctional and cognitive patterns that originate in childhood, of which eighteen types were identified in the literature. Recent studies correlate parenting styles with the development of EMS, raising questions about the demands on family relationships that lead to the formation of these dysfunctional patterns. In this way, the main objective of the monograph was to describe how family relationships predict the activation of EMS, while the specific objectives included the investigation of the relationship between family configurations and EMS, the differentiation of family types and parenting styles, as well as demonstrating the causality betweenthese elements, with emphasis on the consequences in adult life. The methodology used comprised qualitative and exploratory-descriptive approach, using technical investigation procedures from a bibliographical research. In summary, the research data filled gaps in the understanding of relationship between family and EMS. Finally, it was found, through the literature analysis, that family relationships exert significant influence on the configuration of EMS. These EMS, in turn, had relevant implications in adult life, manifesting themselves through psychopathologies, dysfunctional behaviors and emotional damages. This results highlights the intrinsic correlation between family relationship of EMS and the outcome subsequently seen on cerebral and heart health in adulthood. Keywords: Family; Schema Therapy; Early Maladaptive Schema; Parenting Styles. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Perspectiva ecológica do desenvolvimento humano 25 Figura 2 – Configuração dos estilos parentais 30 Figura 3 – Gráfico de levantamento de dados dos artigos coletados 42 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Configurações familiares reconhecidas no Brasil 16 Quadro 2 - Domínios e seus respectivos EIDs 21 Quadro 3 - A influência familiar no desenvolvimento humano: teorias e impactos 26 Quadro 4 - Caraterização de alguns estudos sobre EIDs e sua relação com TUS 35 Quadro 5 - Caraterização de alguns estudos sobre EIDs e sua relação com depressão 37 Quadro 6 - Caraterização de alguns estudos sobre EIDs e sua relação com conflitos conjugais 39 LISTA DE SIGLAS CF. Constituição Federal DO. Domínios esquemáticos DSM. Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais EID. Esquema Inicial Desadaptativo EIDs. Esquemas Iniciais Desadaptativos EP. Estilos Parentais MBDH. Modelo Bioecológico do Desenvolvimento Humano TCC. Terapia Cognitivo Comportamental TE. Terapia do Esquema TO. Teoria do Apego TUS. Transtorno por Uso de Substância SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 11 2. AS RELAÇÕES FAMILIARES E ESQUEMAS INICIAIS DESADAPTATIVOS.... 13 2.1.Conceituação de família................................................................................................. 14 2.2.A disposição familiar brasileira ..................................................................................... 15 2.3.Pressupostos teóricos da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) ........................... 17 2.4.Aspectos históricos e contextuais. ................................................................................. 17 2.5.Terapia do esquema: origens e conceitos. ..................................................................... 19 2.6.Esquemas Iniciais desadaptativos .................................................................................. 20 3. DIFERENTES CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E A PRESENÇA DE ESQUEMAS INICIAIS DESADAPTATIVOS .................................................................... 22 3.1.Família Nuclear.............................................................................................................. 22 3.2.Família Monoparental .................................................................................................... 23 3.3.Família Reconstituída .................................................................................................... 23 3.4.Aspectos filogenéticos e ontogenéticos no desenvolvimento de EIDs .......................... 24 4. A DIFERENÇA ENTRE ESTILOS PARENTAIS E DIVERSOS TIPOS DE FAMÍLIA.................................................................................................................................28 4.1.Estilos parentais ............................................................................................................. 28 4.2.Modelo clínico de estilos parentais de Jeffrey Young ................................................... 31 4.3.A família de origem de cada domínio esquemático....................................................... 32 5. AS CONSEQUÊNCIAS DOS ESQUEMAS INICIAIS DESADAPTATIVOS EM ADULTOS ............................................................................................................................... 34 5.1.Transtorno por Uso de Substância (TUS) ...................................................................... 34 5.2.Transtornos Depressivos ................................................................................................ 36 5.3.Conflito conjugal ........................................................................................................... 37 5.4.Outros transtornos e disfuncionalidades ........................................................................ 39 6. METODOLOGIA .............................................................................................................. 40 7. RESULTADOS E DISCUSSÕES ..................................................................................... 42 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 46 9. REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 48 11 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão do curso de psicologia, da Universidade do Norte, teve como foco principal descrever, explorar e correlacionar a família e sua influência na ativação de Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs). A família existe desde a antiguidade, passando por várias mudanças e reformulações até a contemporaneidade, advindas das alterações na cultura, valores e costumes. Sendo assim, observou-se que a contribuição da instituição familiar é de grande valia na formação da personalidade do indivíduo a partir do compartilhar de experiências cotidianas. Atualmente no Brasil, existem significativas formas de configurações familiares, abrangendo não somente à família nuclear, o modelo mais antigo de família, mas também novas relações que foram não somente surgindo com o tempo, mas ganhando reconhecimento de que também são família, como por exemplo, família recasada, extensa, homoafetiva, entre outros. A literatura tem mostrado a relação entre a família e todas as suas nuances e o surgimento de esquemas remotos. Quando se fala desse termo, é importante compreender que ele deriva do conceito de “esquema mental”, criado por Beck. Ele discorreu que os esquemas são uma forma de guia interpretativo e resolutivo de problemas que visam explicar e entender a realidade e as experiências na qual o sujeito vive. O “esquema remoto” ou “Esquema Inicial Desadaptativo” - EID foi teorizado por Jeffrey Young, postulador da Terapia do Esquema (TE), sendo uma vertente teórica que amplia os tratamentos e conceitos de Aaron Beck, criador da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC). Na TE, é argumentado que durante o desenvolvimento, é fundamental satisfazer as necessidades emocionais fundamentais de cada indivíduo, especialmente durante a infância. A falta dessas necessidades pode contribuir para a formação do EID. Os EIDs são esquemas emocionais que envolvem memórias, sensações e emoções disfuncionais que se originam na infância principalmente dentro do contexto familiar, a partir de um padrão de pensamento, cognição e percepção negativo e desadaptativo sobre si mesmo ou sobre a relação com outraspessoas (Young et al., 2008) Os esquemas iniciam-se na infância ou adolescência como retrato do ambiente da criança, fundamentadas na realidade. Young diz que a forma como a criança interpreta o ambiente que ela vive é consideravelmente preciso, se perpetuando até a vida adulta, mesmo que suas percepções tenham se tornado inadequadas. Esses esquemas podem ser disfuncionais e as estratégias desadaptadas para enfrenta-los frequentemente estão associados a sintomas de ansiedade, depressão, uso de substâncias, entre outras psicopatologias, tendo como 12 consequência problemas nas relações conjugais, dificuldades no desempenho escolar e acadêmico, comportamentos erráticos e disfuncionais, entre outros. Young descreve os EIDs em dezoito tipos, sendo eles: Abandono; desconfiança; privação emocional; defectividade; isolamento social; dependência; vulnerabilidade a danos e doenças; self subdesenvolvido; fracasso; grandiosidade; autodisciplina insuficiente; subjugação; autosacrifício; busca de aprovação; negativismo; inibição emocional; crítica exagerada e caráter punitivo, divididos em cinco categorias de necessidades não atendidas, chamados de domínios de esquema (DE). Além disso, estudos recentes demonstraram a correlação entre “Estilos Parentais” (EP) e o desenvolvimento de EIDs, o que se remete a questionamentos relacionados às demandas vivenciadas nas relações familiares que predispõem o indivíduo a desenvolver tais esquemas. A monografia foi organizada em quatro capítulos, sendo o primeiro contextual e histórico discorrendo sobre família, Terapia Cognitivo Comportamental e Terapia do Esquema. O segundo abordou as configurações familiares, como nuclear, monoparental e recasada, além dos aspectos ontogenéticos e filogenéticos no desenvolvimento de EIDs. O terceiro diferenciou EP (autoritativo, permissivo e negligente) em tipos de famílias, destacando características específicas descritas pelos estilos parentais de Young. O último capítulo discutiu quais foram as implicações dos EIDs em adultos, retratando sobre transtornos mentais, padrões de comportamento disfuncionais e erráticos. Visando abordar a problemática sobre quais as consequências do desenvolvimento de EIDs em adultos e o papel da família nesse processo, este trabalho justificou-se pela relevante influência da família, pois, apesar de importante e frequentemente mencionada, a relação entre família e esquemas têm sido insuficientemente pesquisadas e aplicadas. Ademais, compreender o que a literatura descreve a respeito deste tema contribuirá para futuras discussões de intervenções na prática psicológica. Nesse sentido, o objetivo geral desta pesquisa foi de explorar e descrever como as relações familiares influenciavam na ativação de EIDs e em destaque, demonstrando por meio de estudos transversais a relação causal entre estes dois objetos de estudo, verificando se há consequências entre indivíduos adultos. A metodologia utilizada compreendeu uma abordagem qualitativa e de caráter exploratório e descritivo, a partir de uma revisão bibliográfica, apresentando uma visão geral sobre conceitos e modelos teóricos selecionados sobre a família e as relações desta com os EIDs e o que a literatura tem discutido sobre isso. 13 2. AS RELAÇÕES FAMILIARES E ESQUEMAS INICIAIS DESADAPTATIVOS O conceito de família iniciou-se depois do seu surgimento, passando por muitas transformações, tanto em sua estrutura interna, com mudanças na composição e nas relações entre seus membros, quanto nas normas sociais externas que a cercavam (Oliveira, 2009). Em outros tempos, a família era conectada por afinidades de interesse próprio, onde cada integrante preocupava-se apenas com si mesmo, seu status e qual proveito poderia retirar daquelas pessoas que estavam infortunadamente ligados a laços sanguíneos. As relações entre os integrantes consanguíneos eram apenas de honra, patrimônio, status e autopreservação (Ariès, 2014). Conforme descrito por Ariès (2014), as crianças desempenhavam papéis ativos na sociedade, algumas com poder e influência, enquanto outras, menos favorecidas, eram consideradas força de trabalho para a subsistência familiar, frequentemente com direitos negados. Muitas eram enviadas para aprender em outras residências, denominadas "aprendizes". Naquela circunstância, não existia uma demarcação nítida entre o âmbito pessoal e a vida cívica, sendo todas as atividades executadas de modo público para fortalecer os privilégios da família. Nesse contexto, as fronteiras entre família e sociedade eram altamente interconectadas, existindo apenas na realidade moral e social mais do que sentimental, onde os laços afetivos eram pouco valorizados (Ariès, 2014). O autor supracitado, relata que: Os progressos do sentimento da família seguem os progressos da vida privada e da intimidade doméstica. O sentimento da família não se desenvolve quando a casa está muito aberta para o exterior: ele exige um mínimo de segredo. Por muito tempo, as condições da vida quotidiana não permitiram esse entrincheiramento necessário da família, longe do mundo exterior. Um dos obstáculos essenciais foi sem dúvida o afastamento das crianças, enviadas para outras casas como aprendizes, e sua substituição em sua própria casa por crianças estranhas. A história aqui esboçada, sob um certo ponto de vista, surge como a história da emersão da família moderna acima de outras formas de relações humanas que prejudicavam seu desenvolvimento. Quanto mais o homem vive na rua ou no meio de comunidades de trabalho, de festas, de orações, mais essas comunidades monopolizam não apenas seu tempo, mas também seu espírito, e menor é o lugar da família em sua sensibilidade (Ariès, 2014, p.232) Conforme Ariès (2014), quando o estado se enfraquece, a família assume a posição de principal fuga para indivíduos. No entanto, à medida que as instituições políticas passam a oferecer proteção adequada, a dependência das pessoas em relação à família diminui, e os vínculos de consanguinidade perdem relevância. A trajetória das famílias é caracterizada por 14 períodos de transformação, que podem tanto fortalecer os laços familiares quanto separá-los. A transformação do conceito da estrutura familiar medieval para a organização familiar do século XVII e para o conceito de família contemporânea foi, por muito tempo, restrita aos indivíduos de origem nobre e da burguesia. Com a introdução da educação formal, da privacidade e a valorização da convivência entre pais e filhos, promovida por instituições, especialmente a Igreja, corroborou para o estabelecimento da família nucelar e a vida familiar expandiu-se, abrangendo toda a sociedade. Com o passar do tempo, a família foi sofrendo transformações e mudanças, readaptando os laços que antes eram fragilizados para relações preditadas por afetos e sentimentos e não apenas por consanguinidade. Ao decorrer do tempo, as configurações familiares foram sendo reconhecidas pela sociedade (Teruya, 2000). Em vista de todo o contexto do surgimento familiar supradito, chegou-se à conclusão de que a família burguesa e medieval tiveram uma relação mais de honrar o nome e os interesses envolvidos do que por laços afetivos, vale ressaltar que as famílias pobres apesar de terem outra configuração, ainda sim possuíam uma relação restrita entre os pares, sendo afetadas pelo meio social e pela época vigente. Por fim, o modelo de família nuclear surge desse momento histórico citado acima, sendo a mesma constituída por homem, mulher e filhos. Esse formato de família, perpetuou-se como a única possível durante muito tempo e até nos dias atuais essa configuração perdurou e teve predominância sobre as outras formas de família que surgiram ao longo do tempo, mesmo sendo reconhecidas pela sociedade (Oliveira, 2009). 2.1. Conceituação de família O conceito defamília é abrangente e diversificado, com vários estudos se dedicando a explorar esse tema. Cada pesquisa aborda a família a partir de uma perspectiva particular, podendo definir a família com base em fatores socioeconômicos, religiosos, culturais, étnicos e outros. Em diferentes momentos históricos e contextos, a família é moldada e demonstra flexibilidade. Devido a essa constante evolução, semelhante à sociedade em que está inserida, é difícil estabelecer uma única definição de família, uma vez que essa concepção está intrinsecamente ligada ao ambiente em que a família se encontra. Porreca (2004, p.13 apud Oliveira, 2009, p.26) discorre sobre o conceito de família enquanto contexto sociobiológico: 15 A família, enquanto unidade de reprodução social e biológica, constitui-se também como unidade de cooperação econômica e de consumo coletivo de bens materiais e simbólicos. As possibilidades de consumo estão relacionadas à heterogeneidade dos atributos sociais de seus integrantes, como idade, grau de escolaridade, ocupação, forma de inserção no mercado de trabalho, e repertório cultural, que, conjuntamente, conferem a cada um deles possibilidades diferenciadas de auferirem determinado rendimento. Conforme abordado por Bessa (2018), a influência da família desempenha uma função crucial na existência de um indivíduo, uma vez que é nesse contexto que ele experimenta seus momentos mais marcantes, quer sejam positivos ou negativos. Muitos dos questionamentos contemporâneos estão intrinsecamente ligados à influência da família na formação do indivíduo. A definição da família é complexa, dada a carga de valores psicológicos, jurídicos e sociais associados a essa instituição. Portanto, é crucial abordar com cuidado a delimitação teórica desse conceito. Para Gagliano e Filho (2023), a família é o principal impulsionador das maiores alegrias e, ao mesmo tempo, é nela que se enfrenta as maiores tristezas, decepções, traumas e medos. Para os autores, muitos dos desafios hodiernos têm origem no passado, especialmente na criação familiar, o que influencia também nos relacionamentos futuros, estando profundamente ligados à família e a dependência dela em diversos aspectos. 2.2. A disposição familiar brasileira Os estudos que se debruçaram a entender as famílias brasileiras, estão relacionados a dois pilares conceituais específicos: o primeiro que se iniciou a partir do surgimento da família patriarcal, representando a configuração historicamente mais antiga do Brasil e a outra, a contraposição desse modelo antigo (Teruya, 2000). O primeiro modelo de família brasileira, esteve sob o comando de homens, com papéis de gêneros e parentalidade bem divididos, em vista do poder masculino. Nesse modelo, o homem controla todas as decisões sociais, econômicas e morais, relacionadas ao resto dos integrantes da família, podendo se estender para agregados, escravos e parentes. Dessa forma, percebe-se o favorecimento do homem como autoridade suprema e a subjugação da mulher e do restante dos pares. Esse modelo perdura até os dias atuais (Verza; Sattler; Strey, 2015). O segundo modelo representava a revisão da configuração patriarcal, com algumas mudanças, tendo em vista que no Brasil, existiram outras formas de organização familiar, 16 refletindo a necessidade de sobrevivência dentro de um país estratificado socialmente (Verza; Sattler; Strey, 2015). Levou-se um tempo para que o estado reconhecesse essas outras organizações como família. Dito isso, a Constituição Federal Brasileira (CF, 1988, p.131), discorreu sobre o entendimento de família e os seus direitos. No Artigo 226, regido pelo inciso 1º diz que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Todavia, o modelo de família que tem total proteção do estado é a formada por duas pessoas de gêneros opostas, que consensualmente decidiram se unir perante a lei, sendo essa forma a única de ser reconhecida pela lei maior, desse modo, as famílias que foram surgindo após a constituição, não estão presentes dentro da carta magna. No Quadro 1 estão alguns modelos de família que foram surgindo na atualidade, que não estão na CF, mas que são devidamente reconhecidos pela jurisprudência e doutrinadores do ornamento jurídico brasileiro (Silva; Bolze, 2016). Quadro 1: Configurações familiares reconhecidas no Brasil Modelos de família Conceito Família Nuclear Composta por pai, mãe e filhos Família Informal: Formada pela união estável Família Monoparental Formado por um dos pais com seu filho (ex: mãe solteira e seu filho) Família Anaparental Ausência dos pais, compostas unicamente pelos irmãos Família Homoafetiva Composta por pares do mesmo gênero Família matrimonial Decorrente do casamento Família Reconstituída Formada por pessoas que já tiveram outras famílias (ex: pais separados que casam novamente e constituem outra família) Família Unipessoal Formada por uma única pessoa (ex: viúva) Fonte: Próprio (2023) Por fim, a família e seu funcionamento sofreu bastante mudanças e adequações durante sua formação. Atualmente, há múltiplas perspectivas para compreender o que constitui uma família e seu impacto na vida de cada indivíduo. Nesse cenário, destaca-se a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) como uma abordagem de relevância para a compreensão do comportamento humano, investigando as 17 crenças de cada indivíduo arraigadas desde a infância, muitas vezes, originados no contexto familiar e que perduram durante todo o seu desenvolvimento. Logo, a análise da TCC é crucial para uma compreensão mais aprofundada desses aspectos (Beck, 2014). 2.3. Pressupostos teóricos da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) A terapia cognitiva comportamental baseia-se na abordagem multidisciplinar biopsicossocial, que compreende o ser humano de forma biológica, psicológica e social em um aspecto indissociável, para entender fatos e acontecimentos da psicologia humana, focando nas questões cognitivas dos transtornos psicológicos (Bahls; Navolar, 2004). Segundo Beck (2007), os sentimentos e comportamentos dos indivíduos são motivados pela assimilação da eventualidade, conforme a terapia cognitiva, que é embasada pelos padrões cognitivos. Em conformidade com a TCC, o sujeito responsabiliza os eventos, pessoas, emoções e vários outros aspectos da própria vida e como isso o afeta, internalizando e agindo de maneira que a cognição, que é a forma como elabora-se os pensamentos fomentam múltiplas suposições sobre o futuro e sobre si mesmo (Beck, 2014). A TCC é uma vertente que continua com os pressupostos da Terapia Cognitivista, acrescentando o fator comportamental que são as ações, como consequência para a cognição. Levando em conta a ação, o comportamento e como influencia nos padrões de pensamento e emoções dos indivíduos (Wright et al., 2019). Dessa forma, se uma dessas condições forem modificadas, podem-se alterar as demais. A TCC trabalha com alguns pressupostos relacionados aos pacientes, uma dessas suposições é que o paciente ao procurar tratamento, está interessado em diminuir os sintomas, a desenvolver aptidões, a solucionar os obstáculos recentes e, assim sendo, com um pequeno incentivo e um reforço positivo, realize as técnicas fundamentais para o tratamento. Outra premissa é que com um pouco de prática se possa acessar e relatar as cognições e emoções para o terapeuta. Por fim, a TCC pressupõe que o paciente tenha uma dificuldade facilmente identificável (Young et al., 2008). 2.4. Aspectos históricos e contextuais. A abordagem foi criada por Aaron Beck, psiquiatra e professor, na década de 1960, nos Estados Unidos. Ele usava a psicanálise como forma de trabalho com seus pacientes 18 depressivos, todavia, ao longo de suas pesquisas tentou comprovar empiricamente a eficácia da teoria criada por Freud, querelatava sobre a hostilidade voltada para si, do paciente depressivo, sendo o pilar do sofrimento (Leahy, 2004). A partir disso, Beck começou a desenvolver uma nova teoria experimental da depressão. O psiquiatra observou que os conteúdos dos sonhos dos pacientes se assemelham aos seus pensamentos quando estavam acordados, como autocríticas, pensamentos negativos e pessimistas. A partir desses estudos, Beck desenvolveu um instrumento para medir a gravidade dos sintomas depressivos (Beck et a1., 1961 apud Leahy, 2004), chamado de inventário de Beck, sendo amplamente utilizado até os dias atuais para mensurar os sintomas depressivos. O inventário de Beck verifica não somente as mudanças de humor, mas também processos psicológicos básicos, como motivação, questões físicas e cognitivas (Leahy, 2004; Anunciação; Caregnato; Silva, 2019). Por conseguinte, os estudos da TCC começaram a tomar forma, baseado no tratamento e análise de pacientes depressivos, com o surgimento de conceitos como “distorções cognitivas”, “pensamentos automáticos” e a relação da cognição com a emoção (Leahy, 2004). Hodierno a isso, outros autores também começaram a discorrer sobre a TCC e outras formas de terapia cognitivo comportamental foram surgindo, como relata Beck (2007, p.17). Diversas formas de terapia cognitivo-comportamental foram desenvolvidas por outros teóricos importantes, notadamente a terapia racional-emotiva de Albert Ellis (Ellis, 1962), a modificação cognitivo-comportamental de Donald Meichenbaum (Meichenbaum, 1977) e a terapia multimodal de Arnold Lazarus (Lazarus, 1976). Contribuições importantes foram feitas por muitos outros, incluindo Michael Mahoney (1991), Vittorio Guidano e Giovanni Liotti (1983). Panoramas históricos da área fornecem uma rica descrição de como as diferentes correntes da terapia cognitiva se originaram e cresceram [...]. Jeffrey Young, terapeuta cognitivo comportamental, deu continuidade para os estudos de Aaron Beck, seu professor e orientador. A parceria entre eles impulsionou o crescimento da teoria inicial da TCC para o desenvolvimento da teoria do esquema (Callegaro, 2005). A terapia do esquema é uma abordagem terapêutica derivada da TCC, que se concentra na identificação e modificação dos esquemas mentais postulados por Beck, porém, trazendo suas próprias contribuições e intervenções para a temática, corroborando para acréscimos no conceito de “esquemas mentais” mencionado anteriormente. A TE debate de forma direta sobre a repercussão que a família tem na formação dos esquemas de cada indivíduo, levantando discussões acerca do histórico familiar, interações 19 sociais na família e as experiências que a família vivencia e proporciona para os indivíduos contribuindo no desenvolvimento saudável de cada membro (Young et al., 2008). 2.5. Terapia do esquema: origens e conceitos. Segundo Dobson e Dobson (2011), existem diferentes palavras para descrever os padrões de pensamento que já se enraizaram no indivíduo, abordados na terapia cognitivo- comportamental, como “atitudes, valores, hipóteses, crenças e esquemas”. As atitudes e os valores são em geral conceituados como opiniões que há muito existem sobre um tópico, objeto ou pessoa; elas geralmente envolvem alguma valência emocional […] As hipóteses (ou pressupostos), ao contrário, são em geral ideias que há muito existem sobre as relações entre vários conceitos ou pessoas. Podemos presumir, por exemplo, que as “pessoas más” serão de alguma forma punidas, que as pessoas que trabalham duro progredirão em sua carreira [...] As crenças e os esquemas são noções relativamente permanentes sobre os objetos, pessoas ou conceitos, e as relações entre eles. Da mesma forma que os conceitos anteriores, elas se formam como um resultado de um conjunto complexo de processos de desenvolvimento [...] (Dobson D; Dobson K, 2011, p.127). Os esquemas também podem possuir outros nomes que apresentam conceitos semelhantes, como afirmam os autores acima. Para a TE, abordagem criada por Jeffrey Young, um esquema é uma teia emparelhada e entrelaçada de crenças que são capazes de tornar -se ativadas, ou não, em concordância com experiências de vida traumáticas ou estressoras (Beck 1982/1979 apud Callegaro, 2005). As crenças e os esquemas são conceitos duradouros sobre pessoas, coisas ou ideias e as relações entre eles. Diversos fatores, como influências do ambiente que englobam pais, família, amigos, mídia, música e educação, entre outros, contribuem para a formação dos esquemas em desenvolvimento de uma criança. Conforme a criança vai crescendo, suas vivências pessoais também geram ideias e suas ações, por sua vez, fortalecem, desafiam ou modificam essas ideias, moldando gradualmente a natureza desses esquemas ao longo do tempo (Young et al., 2008). Young et al. (2008, p.24), propõe que os esquemas surgem de necessidades emocionais não atendidas na infância. Ele apresenta cinco imprescindíveis necessidades que todo indivíduo deve ter em sua vida: 1. Vínculos seguros com outros indivíduos (inclui segurança, estabilidade, cuidado e aceitação). 2. Autonomia, competência e sentido de identidade. 3. Liberdade de expressão, Necessidades e emoções válidas. 20 4. Espontaneidade e lazer. 5. Limites realistas e autocontrole. O teórico acredita que todas as pessoas possuem essas necessidades e que são coletivas a todos, apesar de alguns sujeitos apresentarem essa condição mais forte que outros. Uma pessoa mentalmente saudável é aquela que é capaz de ajustar-se às necessidades emocionais básicas. Os esquemas mais antigos e desenvolvidos geralmente se originam da base familiar. A dinâmica familiar de uma criança é basicamente a mesma que a dinâmica de todo o mundo fora do contexto familiar (Young et al., 2008). Baseado nos conceitos vigentes de esquemas da TCC, Young et al. (2008) formulou a terapia do esquema, surgindo como uma intersecção da abordagem já existente, de Aaron Beck, que em sua atuação clínica, percebeu que pacientes com problemas caracterológicos não correspondiam de forma eficaz aos tratamentos da TCC. Dessa forma, Young desenvolveu uma teoria para abordar transtornos de personalidade. O objetivo da terapia do esquema é auxiliar os pacientes a encontrar soluções adaptativas para suas necessidades emocionais essenciais, sendo as vivências adversas a causa principal de esquemas desadaptativos. 2.6. Esquemas Iniciais desadaptativos Um conceito relevante para entender-se como se originam os EIDs, é a noção de esquemas já falados anteriormente, que muitas vezes são moldados durante a infância, podendo se tornar mais complexos e se sobreporem às experiências futuras, mesmo quando são disfuncionais ou inúteis. Isso é chamado, em alguns casos, de "necessidade cognitiva" - a tendência de enxergar e agir comportamentalmente de forma estável acerca de si mesmo e do mundo, mesmo que essa visão seja imprecisa ou traga sofrimentos para o indivíduo. De acordo com essa definição abrangente, os esquemas podem ser positivos, adaptativos, negativos ou desadaptativos (Young et al., 2008). Os EIDs, de acordo com Jeffrey Young, são padrões de pensamento disfuncionais e crenças negativas profundamente enraizadas que se desenvolvem durante a infância e continuam a influenciar o comportamento e a cognição ao longo da vida. Esses esquemas são gerados a partir de vivências disfuncionais no contexto familiar exercendo influência sobre o surgimento de problemas emocionais e comportamentais (Young et al., 2008). É importante ressaltar que há pesquisas que contemplam as questões abordadas, uma vez que cada situação analisada decorre em uma definição ou resposta diferente. Decerto, para 21 elucidar o que se expõe satisfatoriamente, recorre-se ao que o Young et al. (2008) organizou, visto que o autor pensou em um modelo com dezoito esquemasagrupados em cinco domínios esquemáticos (DE), abrangentes de necessidades não supridas, como mostra-se no quadro 2: Quadro 2 – Domínios e seus respectivos EIDs Domínios de Esquemas Esquemas Iniciais Desadaptativos Desconexão e Rejeição 1. Abandono instabilidade 2. Desconfiança/Abuso 3. Privação Emocional 4. Defectividade/Vergonha 5. Isolamento Social/Alienação Autonomia e Desempenho prejudicados 6. Dependência/incompetência 7. Vulnerabilidade ao Dano e Doença 8. Emaranhamento/Self Subdesenvolvido 9. Fracasso Limites prejudicados 10. Arrogo/Grandiosidade 11. Autocontrole/Autodisciplina Insuficientes Direcionamento paro o outro 12. Subjugação 13. Autossacrifício 14. Busca de Aprovação/Busca de Reconhecimento Supervigilância e inibição 15. Negativismo/Pessimismo 16. Inibição Emocional Supervigilância e Inibicão 17. Padrões Inflexíveis/Postura Crítica Exagerada 18. Postura Punitiva Fonte: Próprio (2023). Esses esquemas estão presentes na vida de todos os adultos que tiveram suas necessidades ou negligenciadas ou atendidas em excesso, sendo alguns ativados com mais ênfase do que outros, porém todos trazem sofrimento significativo, prejuízo e mal funcionamento dentro das relações pessoais e na subjetividade do próprio indivíduo. Ao concluir este capítulo, tornou-se evidente a relevância de caracterizar os diversos elementos que fazem compõem a gênese da família. A análise minuciosa desses aspectos possibilitará uma compreensão mais abrangente das questões abordadas. No próximo capítulo, será aprofundado a observação da interação entre diferentes configurações familiares e a presença de EIDs, buscando correlacionar as possíveis relações e implicações existentes entre esses elementos. 22 3. DIFERENTES CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E A PRESENÇA DE ESQUEMAS INICIAIS DESADAPTATIVOS A dinâmica da família é essencial na iniciação e integralização dos esquemas, pois os cuidadores são responsáveis por suprir as necessidades básicas e proporcionar experiências aos indivíduos participantes da estrutura familiar. A influência dos cuidados maternos e paternos nos primeiros anos de vida é considerada um ponto extremamente importante. De acordo com Wainer et al. (2016), os cuidadores desempenham um papel crucial no desenvolvimento da capacidade de lidar com as questões da vida e alcançar bons níveis de resiliência. Prover afeto, assegurar estabilidade emocional e desenvolver habilidades de regulação emocional nas crianças têm um impacto notável em suas vidas, influenciando positivamente em sua estabilidade emocional. Essas ações dos pais e cuidadores proporcionam uma base segura que acompanha as crianças ao longo de toda a vida. Dito isso, se faz relevante o estudo de algumas configurações familiares vista no capítulo 1, sendo apresentados nos tópicos a seguir. 3.1. Família Nuclear A família nuclear ou também chamada de família tradicional, é o modelo descrito na CF (1988, Art. 266, § 3º, p. 132), que define família como “[...] a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar”, ou seja, família composta por um casal heterossexual que consensualmente possuem relação conjugal e tem filhos legítimos. Nessa configuração familiar, por ser a mais antiga, possuía uma configuração patriarcal, sendo o pai o responsável exclusivamente pelo sustento da família, enquanto a mãe provia os cuidados domésticos e da prole. Esse arranjo familiar é mantido até os dias atuais em muitos contextos, todavia, com a pós modernidade, esse modelo vem sendo cada vez menos presente no contexto brasileiro, dando abertura para o surgimento e reconhecimento de outros tipos de família (Dufner, 2023). Apesar de ambos os pais estarem presentes dentro dessa tipologia familiar, para Silva e Bolze (2016), isso não exime a criança de problemas, levando em consideração que existem conflitos conjugais que podem prejudicar o desenvolvimento infantil, à exemplo disso, a comunicação para o estabelecimento de funções coparentais. 23 3.2. Família Monoparental Esse modelo, caracterizado pela responsabilidade de um dos pais pelos cuidados do filho, assume essa configuração por diversas razões, como separação, divórcio, adoção, abandono de algum dos responsáveis ou morte do parceiro. Esse funcionamento pode ser experimentado em diferentes circunstâncias familiares. À vista disso, torna-se frequente que a monoparentalidade seja praticada por mães solteiras (Verza; Sattler; Strey, 2015). De acordo com Melo e Marin (2016), o desafio de equilibrar o sustento do lar com o atendimento das necessidades socioemocionais da criança é enfrentado pelos integrantes dessa estrutura familiar, podendo acarretar uma restrição na participação do responsável na esfera social e sentimental da criança. Deste modo, o resultado de um estudo feito por Cifuntes e Milicic (2012 apud Melo; Marin, 2016) apontou que o rompimento dos pais pode resultar em crise para o meninil, influenciando no seu desenvolvimento emocional, socioafetivo, favorecendo alterações de humor que podem ser notadas no contexto educacional e escolar. Isso, por sua vez, pode manifestar-se no ambiente educacional com dificuldades de adaptação e empobrecimento das relações sociais. 3.3. Família Reconstituída É quando um dos pares da relação conjugal já foi casado anteriormente e tem filhos de um relacionamento anterior. O nome “reconstituído” deriva do agrupamento de diferentes pessoas de origens distintas para a formação de uma nova configuração familiar, sendo composto por filhos biológicos ou adotivos do relacionamento anterior. Comumente se encontra padrasto ou madrasta exercendo papéis parentais em relação ao filho do parceiro ou parceira (Delatorre et al., 2022). A família recasada apresentam alguns impasses relacionados a adaptação dos membros participantes da relação familiar, principalmente crianças em idade escolar e adolescentes. Conforme Leme et al. (2014) citado por Silva e Bolze (2016), crianças de famílias recasadas mostraram questões no comportamento, como muita agitação, dificuldades nas habilidades sociais, como agir de forma cooperativa e dificuldades no autocontrole. Isso justifica-se devido a dificuldade de aceitação do novo relacionamento. É compreendido que, embora essas configurações sejam importantes para a abordagem de diversos aspectos do desenvolvimento humano, ainda há lacunas a serem preenchidas. 24 3.4. Aspectos filogenéticos e ontogenéticos no desenvolvimento de EIDs A literatura atual ainda carece de estudos que correlacionem as tipologias familiares com o surgimento de EIDs, todavia, os estudos mostram significativo aporte teórico para discussão das consequências positivas e negativas no desenvolvimento infantil. Dessa forma, faz-se importante a abordagem categórica de teorias que estão ligadas a esse desenvolvimento, visto que, conhecê-las corrobora para a compreensão do que é adaptativo, disfuncional, desadaptativo e funcional dentro do desenvolvimento e da configuração familiar, sendo envolvidas variáveis como contexto cultural, social, familiar, interacional, processo e cognição. A família e todas as suas nuances são relevante para o desenvolvimento socioemocional da criança, sendo responsável pelos esquemas adaptativos ou desadaptativos que a mesma possa vir a ter. Pode-se destacar a influência das emoções sobre as relações interpessoais, as quais, quando desencadeadas por determinadas ações no núcleo familiar, podem acarretar distúrbios emocionais que dificultam e distorcem o processo cognitivo, (Camargo, 2002 apud Souza et al., 2020). É compreendido que tais emoções têm a capacidade de provocar comportamentos benéficos ou prejudiciais ao rendimento de cada indivíduo. Nesse contexto, existem muitas bases teóricas que explicam o desenvolvimento saudável infantil, isto posto, um desses éo modelo bioecológico do desenvolvimento humano (MBDH), que discorre sobre o entendimento do ser humano enquanto sujeito influenciado e influenciador das interações sociais, ocorrendo mudanças mútua neste indivíduo. No MBDH, as influências que o indivíduo sofre são divididas em quatro categorias: Processo; pessoa; contexto e tempo. Na Figura 1, pode-se observar como funciona a perspectiva do sistema descrito acima. 25 Figura 1 – Perspectiva ecológica desenvolvimento humano Fonte: (Stasiak, 2010 apud Souza et al., 2020 p. 387). A figura mostra os contextos que o indivíduo está inserido desde o momento que nasce, sendo sujeito ativo e passivo de sua própria construção identitária. Moura (2019, p.7-8) relata que: A família, enquanto microssistema, abrange estruturas que favorecem o contato direto não só com a família, mas também com os pares e a escola. Ainda que, os pares assumam uma grande importância na fase da adolescência, é a família o pilar central de mediação, que abrange todas as etapas do ciclo de vida e consequentemente, possibilita as primeiras ligações entre a sociedade e o indivíduo […] Desta forma, o indivíduo é compreendido como um ser em desenvolvimento, em múltiplos contextos, com influências diretas e indiretas, de cada sistema e da interação entre os mesmos ao longo do tempo. Dessa forma, a partir da percepção do crescimento humano como um procedimento intrincado que se desenrola ao longo de toda a jornada da vida, é ressaltado, em sua teoria bioecológica, que as distintas maneiras de interação das pessoas não resultam unicamente do contexto no qual se desenvolveram, mas sim do processo, que é definido como a interação entre o ambiente e as características da pessoa em desenvolvimento (Souza et al., 2020). 26 Diversos modelos teóricos além da MDBH exploraram a relação casual entre família e a influência causada no desenvolvimento da personalidade, considerando aspectos filogenéticos, ontogenéticos (derivados da aprendizagem), visão de mundo, desenvolvimento físico e cognitivo da criança quanto o seu amadurecimento emocional e afetivo ao longo de toda a vida. Por isso, o estudo de algumas dessas teorias fomenta a compreensão ampla da configuração familiar e das características em comum que provocam o desenvolvimento saudável ou o aparecimento de EIDs. No quadro 3, é possível observar algumas teorias: Quadro 3: A influência familiar no desenvolvimento humano: teorias e impactos. Teoria do Apego John Bowlby (1988) Fala sobre a relevância do vínculo afetivo entre a criança e a primeira figura de apego, enfatizando as experiências iniciais de apego como molde para o Modus Operandi interno, influenciando nas futuras relações interpessoais da pessoa, atuando em todos os relacionamentos ao longo da vida. Terapia Estrutural Familiar Salvador Minuchin et al. (2008) Observa a estrutura e a dinâmica familiar, as interações familiares, padrões de comunicação, estrutura hierárquica e a influência disso no desenvolvimento adaptativo ou disfuncional que o indivíduo possa vir a ter. Zona de desenvolvimento proximal Lev Vygotski (1991) Correlaciona o limiar entre a autonomia da criança em fazer coisas sozinhas e o que ela pode fazer com ajuda de um adulto, destacando principalmente a importância das interações sociais e culturais como processo imprescindível no desenvolvimento cognitivo. Estágios de desenvolvimento Cognitivo Jean Piaget (1986) Propõe quatro estágios cujo a finalidade descreve a forma como a criança constrói seu conhecimento e compreensão do mundo ao seu redor, evidenciando a interação com o ambiente físico. Teoria do desenvolvimento Humano Erik Erikson (1987) Divide o desenvolvimento humano em oito etapas que se abrangem até a velhice. A teoria diz que o sujeito se desenvolve a partir de interações com o meio em que vive, e que cada estágio corrobora para características que compõe o self do indivíduo. Fonte: Próprio (2023). As teorias supracitadas são algumas das bases teóricas que endossam o surgimento de EIDs e todo o contexto envolvendo família e sua forte influência no desenvolvimento infantil . Com isso, pode-se concluir que as teorias mesmo com nomes e épocas diferentes, se conectam e correlacionam as figuras de apego/cuidadores/pais, como fundamentais no processo de formação de esquemas mentais adaptativos ou não. Apesar disso, ainda existem várias variáveis empíricas que corroboram para o aparecimento de EIDs que não foram amplamente estudadas pela comunidade científica, como a origem de cada esquema baseado nas configurações dessas famílias, todavia, a literatura já aborda a dinâmica interacional desse grupo, como os EP. 27 Dito isso, uma pesquisa feita por Pressi e Falcke (2016) correlacionou as experiências na família de origem e a ativação de EIDs na vida adulta, através da aplicação de questionários em adultos, sendo composta 372 sujeitos homens e mulheres. O resultado da pesquisa mostrou que as experiências na família de origem, como divórcio, abuso sexual e físico, figuras parentais desajustadas, podiam ser preditoras dos EIDs na vida adulta. No desenvolvimento do estudo, foram adotadas análises descritivas para examinar o comportamento das variáveis supracitadas, sendo utilizado a análise do coeficiente de correlação de Pearson e à análise de regressão para detectar quais experiências específicas na família de origem teriam a capacidade de serem indicativas no desenvolvimento de EIDs em cada DE avaliado. Os resultados obtidos nesta pesquisa destacaram a influência das experiências na família de origem na ativação de EIDs em diversos domínios. Constatou-se que os participantes que não compartilharam o convívio com seus pais durante a infância obtiveram níveis maiores de ativação esquemática em áreas específicas, tais como: desconexão e rejeição; limites prejudicados; orientação para o outro; supervigilância e inibição. Estes resultados ressaltaram a importância de considerar as dinâmicas familiares na análise da ativação dos esquemas remotos. Em outro estudo, o foco principal era examinar como o ambiente familiar afeta o desenvolvimento de sintomas psicopatológicos em jovens adultos. Foram empregados questionários como ferramenta investigativa para examinar a relação entre o contexto familiar e a incidência de psicopatologias. Os resultados indicaram correlações significativas entre essas variáveis (Correia e Mota, 2017). As experiências vividas dentro da família de origem e a influencia destes no desenvolvimento infantil, são uma parte significativa da formação dos EIDs. Ao que concerne a essas experiências vividas, pode-se considerar também a interação entre os cuidadores e a criança, uma vez que a maneira que eles educam e ensinam, se fazem importantes para o processo de formação desses esquemas. Essa abordagem é conhecida como estilo parental. No capítulo seguinte, serão investigadas de maneira mais detalhada os estilos parentais, seu conceito e suas conexões com as famílias de origem por trás de cada estilo. Ao desvendar essas nuances, contribui-se para uma compreensão maior da relação presentes na dinâmica familiar e o aparecimento de EIDs. 28 4. A DIFERENÇA ENTRE ESTILOS PARENTAIS E DIVERSOS TIPOS DE FAMÍLIA A literatura especializada na área destaca que os EIDs costumam se desenvolver do início da infância até a adolescência e estão intimamente ligados à dinâmica familiar. Isso ocorre porque os membros de uma família, independentemente da sua estrutura, estão interligados e se influenciam mutuamente. Wainer et al. (2016), relata que os EIDs tendem a se ativar com mais ênfase ainda nas primeiras experiências infantis, dentro da família nuclear do indivíduo. Destarte, é possível estabelecer uma correlação entre os estilos parentais e o aparecimento dos esquemasdesadaptativos, visto que os estilos parentais estão embutidos dentro das relações familiares. Dentre os vários temas que possuem inter-relação com os EIDs, além dos estilos parentais, está a teoria do apego (TE), que é fundamental para entender como os estilos parentais causam influência na ativação dos esquemas iniciais desadaptativos. Além disso, os estilos parentais desempenham um papel significativo no desenvolvimento das crianças e podem até mesmo influenciar no estilo parental que os filhos adotarão no futuro, resultando em uma transmissão intergeracional de estilos parentais (Lawrenz et al., 2020). É pertinente o estudo relacionado ao estilo parental adotados pela família pois independente da dinâmica familiar os estilos parentais estão presentes e influenciam na ativação de esquemas de acordo com cada estilo parental adotado. O modo como os pais zelam e educam seus filhos desempenham um papel significativo na saúde psicológica e física das crianças. Isso acontece porque a família é o contexto onde são proporcionados os cuidados essenciais para a saúde, abrangendo interações afetivas fundamentais para o amadurecimento da saúde mental e da personalidade saudável de todos os seus integrantes (Sousa; Couto; Medeiros, 2023). 4.1. Estilos parentais Conforme apontado por Baumrind (1997), autora pioneira do assunto, discorre que o estilo parental engloba as atitudes dos pais que moldam o ambiente emocional e influenciam como os filhos se comportam. Isso inclui práticas parentais e diferentes formas de interação com os seus descendentes, como o tom de voz, gestos corporais, atenção aos detalhes e nuances 29 de humor. Para Lawrenz et al. (2020) os estilos parentais consistem em um conjunto de atitudes, práticas e comportamentos dos pais que influenciam o desenvolvimento de seus filhos. É importante entender que nos estilos parentais, há algo chamado "prática parental", que envolve comportamentos específicos com objetivos de socialização. Nesse contexto, variadas práticas parentais possuem o mesmo objetivo de obter resultados parecidos, com escolhas diferentes. Em uma perspectiva mais abrangente, esses aspectos referem-se às características gerais da comunicação entre pais e filhos, englobando elementos como o tom de voz, linguagem corporal e nível de atenção (Baumrind, 1997 apud Barbosa, 2019). A partir de seus estudos, Baumrind (1966) desenvolveu uma referência para classificação dos pais com três protótipos de controle: autoritativo, autoritário e permissivo, descritos abaixo: • O estilo autoritativo é caracterizado por pais que demonstram altos níveis de exigência e responsividade (Latorre; Anchía, 2020). Esses pais mantêm uma boa comunicação e demonstram afeto em relação aos filhos, incentivam o diálogo, ao mesmo tempo em que utilizam métodos disciplinares para exercer com firmeza os pontos de divergência, monitorando e acompanhando o comportamento (Garrote; Rubio; Gómez, 2018). • O estilo autoritário mostra pais controladores, com inúmeras regras estabelecidas, pontuam alto em exigências e baixa responsividade. Esse estilo se caracteriza pela falta de afeto e comunicação, com ênfase nas regras e na expectativa de que as ordens dos pais sejam acatadas sem questionamento (Latorre; Anchía, 2020). O estilo autoritário está associado a riscos, uma vez que os pais autoritários tendem a ser menos atentos às necessidades de seus filhos. • O estilo permissivo é identificado quando os pais se comportam de maneira não punitiva, não estabelecendo limites e nem regras, atendem a todos os desejos da prole, não direcionando seu comportamento. Esses pais demonstram muito afeto, mas impõe poucas normas (Lawrenz et al., 2020). Os EP, assim como as práticas parentais, influenciam e desempenham um papel importante no desenvolvimento infantil e são fundamentais para entender como a família funciona e como isso afeta a inteligência, as relações sociais e as emoções das crianças (Baumrind, 1997 apud Barbosa, 2019). 30 Após a teoria de Baumrind, Maccoby e Martin (1983), conforme citado por Lawrenz et al. (2020) classificou os diferentes estilos parentais supracitados usando duas medidas: exigência e responsividade. A exigência está relacionada ao modo como os pais controlam o comportamento de seus filhos e quais expectativas têm em relação à maturidade deles, enquanto a responsividade diz respeito à sensibilidade emocional dos pais, atitudes compreensivas, favorecendo a autonomia dos filhos. Dessa forma, a disposição dos EP proposto por Baumrind foram mantidos, mas o estilo “permissivo” foi subdividido em duas categorias: indulgente e negligente. O estilo negligente é caracterizado pela falta de imposição de regras e limites e a ausência de suprimentos das necessidades básicas dos pais, como vínculo seguro, liberdade de expressão e autonomia, resultando na falta de orientação adequada. O estilo indulgente deriva do mesmo conceito do estilo permissivo, que é a ausência de regras, limites, confrontos e o atendimento de todos os desejos dos filhos (Weber, 2017). Após a inclusão de contribuições de outros autores à primeira teoria, os estilos parentais foram redefinidos por Maccoby e Martin (1983 apud Lawrenz et al., 2020) conforme ilustrado no fluxograma 1: Figura 2 – Configuração dos estilos parentais. Fonte: Próprio (2023). Estilo parental Baumarind (1966) Autoritativo Permissivo Autoritário Negligente (Maccoby; Martin) Indulgente (Maccoby; Martin) 31 Os pais autoritários apresentam alta exigência e baixa responsividade, resultando em desequilíbrio. Pais autoritativos equilibram exigência e responsividade, promovendo uma relação recíproca. Pais indulgentes são excessivamente responsivos, enquanto pais negligentes demonstram baixa exigência e responsividade, tornando-se indisponíveis para lidar com as dificuldades dos filhos. Esses EPs impactam significativamente o desenvolvimento emocional e comportamental das crianças, corroborando para os esquemas desadaptativos (Collins et al., 2022; Young, 2008). De forma geral, os modelos e contribuições dos EP supracitados contribuíram para a análise de diferentes facetas do comportamento adulto, além de fornecer entendimento sobre as origens e o desenvolvimento de psicopatologias. 4.2. Modelo clínico de estilos parentais de Jeffrey Young Existem quatro tipos de ambientes dentro do contexto familiar que são capazes de estimular a formação dos esquemas remotos (Young et al., 2008), os quais são descritos: • Frustração nociva de necessidades: o ambiente da criança é caracterizado por deficiência de experiências positivas e boas, instabilidade, ausência de empatia e carência de expressões de afeto e amor. • Traumatização/Vitimização: ambiente no qual causa um dano ou trauma na criança, sendo realizada práticas que endossem e vitimizem a mesma. • Autonomia e limites realistas não atendidos: neste ambiente, é proporcionado uma significativa quantidade de experiências boas, com excesso de indulgencia. • Internalização seletiva: ocorre quando a criança, de maneira seletiva, identifica e incorpora os pensamentos, sentimentos, experiências e comportamentos dos pais. Ademais, além da ilustração dos quatro tipos de ambientes, Young et al. (2008), descreve dezoito tipos de estilos parentais. O autor relata que cada um está essencialmente ligado aos EIDs, onde cada EP tem o mesmo nome que o EID já descritos anteriormente. Por exemplo, se os cuidadores falham em providenciar o suporte e apoio emocional necessário para o desenvolvimento da criança, este EP corresponde ao nome do mesmo EID: privação emocional. OS EP são mapeados através do questionário de EP de Young – YPI. 32 Os estilos parentais também estão categorizados em cinco domínios esquemáticos, (os mesmos usados para catalogar os EIDs)nos quais são identificadas características específicas da família de origem para cada EP. Dentro de cada DE observam-se aspectos diferentes na família que definem cada estilo parental correspondente, contribuindo para uma compreensão mais clara e organizada das características familiares associadas a cada EP. 4.3. A família de origem de cada domínio esquemático Domínio I: desconexão e rejeição A família de origem desse domínio normalmente demonstra instabilidade, abuso, frieza, refreamento, impaciência, imprevisibilidade, rejeição e isolamento do mundo exterior. Pessoas que crescem nesses ambientes tendem a trocar de um relacionamento tóxico para outro, ou, evitar completamente relacionamentos íntimos. Domínio II: autonomia e desempenho prejudicados A família de origem desse domínio é superprotetora, aniquilando a confiança da criança ou não estimulando autonomia e competência fora do âmbito familiar. Na fase adulta, tende a ter dificuldade de desenvolver sua própria identidade, apresentando a crença de que é fracassado, burro, ou de que não consegue realizar as atividades de forma competente e sozinho; acha que não consegue viver ou ser feliz sem o apoio constante do outro. Domínio III: limites prejudicados A família típica de origem é excessivamente indulgente e permissiva, possui excesso de tolerância, falta de orientação ou sentimento de superioridade no lugar de impor disciplina e limites adequados. A criança criada nesse ambiente familiar tende a se desenvolver como um adulto com desafios na conformidade a normas, apresentando uma inclinação a se considerar superior aos demais. Além disso, enfrenta dificuldades em lidar com a frustração quando seus objetivos não são alcançados e evita situações desconfortáveis a todo custo. Domínio IV: direcionamento para o outro A origem familiar típica desse domínio se destaca pela aceitação incondicional, exigindo que a criança sacrifique partes fundamentais de sua identidade em busca de amor, atenção e aprovação. Nesses contextos, frequentemente, as necessidades emocionais dos filhos 33 são subjugadas em favor das demandas ou aspirações dos pais. Quando adulta, tende a ter um comportamento de submissão excessiva ao outro, muitas vezes ocultando suas emoções, invalidando ou se autosacrificando, suprindo em excesso as necessidades do outro ao mesmo tempo que busca por aprovação e reconhecimento. Domínio V: supervigilância e inibição A família de origem geralmente é severa, exigente e as vezes punitiva. Não estimulam momentos de prazer e bem-estar, se preocupando mais com a evitação de eventos negativos , perfeccionismo, dever, comprimento de normas. Dependendo da maneira como a mãe responde aos pedidos e necessidades do filho, este irá desenvolver diferentes formas de relacionar-se com ela e, posteriormente, com o mundo. Uma cuidadora que responde às necessidades da criança de forma afetiva e consistente irá ensinar-lhe que suas necessidades são importantes e que as relações podem ser agradáveis e seguras (Wainer et al., 2016, p.40) As formas como o sujeito estabelece relações com o mundo e consigo mesmo são moldadas pelas circunstâncias proporcionadas pela família de origem. O autor denomina esse conceito de representação cognitiva. Esse modelo cognitivo pode ser saudável e adequado dependendo do quanto o cuidador é afetivo e emocionalmente satisfatório. Além disso, essas representações são a forma como a pessoa irá interpretar e agir diante das experiências vividas (Wainer et al., 2016). Dito isso, a TE, responsável pelas postulações de vários conceitos descritos ao longo desta pesquisa, fortaleceu sua validade e confiabilidade ao fornecer dados qualitativos que sustentam a relação significativa entre os transtornos de personalidade, a influência das bases familiares, o aparecimento de EIDs e as consequências em indivíduos adultos. No próximo capítulo, serão exploradas as implicações dos Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) na formação de psicopatologias e problemas emocionais. 34 5. AS CONSEQUÊNCIAS DOS ESQUEMAS INICIAIS DESADAPTATIVOS EM ADULTOS Na área da psicologia, estudos têm mostrado como os EIDs podem desempenhar um papel no surgimento de psicopatologias e situações de risco na vida adulta. Alguns exemplos disso incluem o abuso de substâncias; relações conjugais conflituosas; aparecimento de depressão e estresse pós-traumático, além dos transtornos da personalidade descritos por Young et al. (2008) entre outras psicopatologias e comportamento erráticos. Na busca por conclusões deste estudo, foram encontradas na literatura relações entre esquemas remotos e uma variedade de comportamentos disfuncionais ou instáveis, mas apenas alguns foram abordados. Todos os artigos escolhidos e debatidos neste capítulo não contemplaram, de forma sistemática e integrativa, toda a produção de literatura oferecida pelas bases de dados descritos na metodologia. A seleção priorizou publicações recentes, sendo estes especialmente escolhidos para contribuir para o desenvolvimento do capítulo em questão, ressaltando que alguns estudos abordaram psicopatologias e disfunções diferentes das que serão exploradas, além disso, já existe bastante aporte teórico em relação a alguns temas tratados nesse capítulo, no entanto, por critérios temporais, esses estudos foram excluídos. 5.1. Transtorno por Uso de Substância (TUS) De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental - (DSM) (2014, p.483), “A característica essencial de um transtorno por uso de substâncias consiste na presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicando o uso contínuo pelo indivíduo apesar de problemas significativos relacionados à substância”, resultando em um padrão patológico que abrange o baixo controle, prejuízo social, o uso de risco, a tolerância e abstinência e o uso de substância psicoativas. É significativo observar a coexistência entre o uso de drogas e transtornos mentais. Em determinadas situações, verifica-se que a ansiedade, depressão ou esquizofrenia se manifestam antes do surgimento do TUS, em outros cenários, há situações em que o uso de drogas pode desencadear ou agravar essas condições de saúde mental, principalmente em indivíduos com algum contexto de vulnerabilidade. Essas pessoas enfrentam muitas dessas doenças através de entorpecentes para fugir de seus sentimentos (Nida, 2021). 35 Observou-se na literatura estudos que correlacionam o aparecimento de EIDs com TUS e quais eram esses EIDs. Em um estudo realizado por Golin (2019), foi feito uma comparação entre vinte e quatro pessoas com TUS e vinte e quatro irmãos que não manifestavam problemas envolvendo uso de substâncias e o envolvimento com EIDs e estilos parentais. Os resultados conclusivos indicaram que os indivíduos investigados com TUS manifestaram uma maior ativação de esquemas em comparação com seus irmãos. Dos dezoito EIDs analisados, doze destacados revelaram-se consideravelmente mais elevado na amostra com TUS versus à amostra sem TUS. Esses EIDs incluem: abandono, isolamento social; defectividade; dependência; emaranhamento; subjugação; inibição emocional; grandiosidade/arrogo; autocontrole insuficiente; busca de aprovação; negativismo e postura punitiva. A pesquisa também permitiu constatar que as correlações entre EIDs dos pacientes com TUS e a percepção do estilo parental foram consideravelmente mais numerosas em comparação com as correlações observadas entre os EIDs dos irmãos sem TUS e a percepção do EP. Este achado sugere uma ligação mais sugestiva entre os padrões de esquemas e a avaliação do EP nos indivíduos afetados pela TUS em comparação com seus irmãos não afetados. Embora não tenha sido identificado um consenso uniforme nas diversas publicações acerca deum padrão específico de EIDs relacionados ao abuso de substâncias, destacou-se que, entre as pesquisas examinadas haviam EIDs em comum, como: abuso; abandono; autosacrifício; emaranhamento; dependência/incompetência; vulnerabilidade ao dano; padrões inflexíveis, (Rocha; Lopes, 2019). Conforme as conclusões obtidas, evidenciou-se que os esquemas iniciais desadaptativos desempenham um papel crucial na instauração do abuso e dependência de substâncias. Assim, a adicção pode ser compreendido como uma forma do indivíduo de enfrentar a ativação dos esquemas mal adaptados (Lima; Ferreira, 2015). Na literatura, ainda houveram outras pesquisas empíricas, qualitativas, quantitativas, quanto revisões de literatura (Lima; Ferreira, 2015; Rocha, 2019; Rocha; Lopes, 2019; Zamirinejad et al., 2018) que corroboraram para a conclusão da influência de EIDs no TUS. Quadro 4: caraterização de alguns estudos sobre EIDs e sua relação com TUS. Ano País Autores Título Base de dados 2015 Brasil Lima e Ferreira Avaliação da prevalência de esquemas iniciais desadaptativos em sujeitos usuários de álcool e outras drogas SCIELO 2018 Irã Zamirinejad et al. Predicting the Risk of Opioid Use Disorder Based on Early Maladaptive Schemas MEDLINE 36 2019 Brasil Rocha Avaliação da relação entre esquemas iniciais desadaptativos e o coping em indivíduos com transtorno por uso de substâncias Repositório UFU 2019 Brasil Rocha e Lopes Transtornos por uso de substâncias psicoativas e esquemas iniciais desadaptativos RBTC Fonte: Próprio (2023). 5.2. Transtornos Depressivos O DSM- V (2014, p.155) discorre sobre os traços comum desses transtornos: “a presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo”. A depressão é caracterizada como um transtorno que desencadeia modificações nos âmbitos social, psicológico, fisiológico e biológico, indivíduos diagnosticados com depressão mostram impactos significativos no desempenho psicossocial, saúde física, estilo de vida saudável e mortalidade (Santos; Nascimento, 2023). A Organização Pan-americana da Saúde - OPAS (2023), discorre que no mundo todo, conjectura-se que mais de trezentos milhões de pessoas, independente da idade, estejam em sofrimento pela depressão, destacando-se como a principal razão de incapacidade na escala global. Ao procurar a relação entre EIDs e depressão na literatura, pôde-se verificar alguns estudos empíricos relacionando o tema com suicídio, dessa forma, será abordado um estudo concatenando a temática e seus desdobramentos. Em uma investigação feita por Méa et al. (2015) divulgada pela Revista de Terapias Cognitivas com o título de "Esquemas Iniciais Desadaptativos em Pacientes Hospitalizados por Tentativa de Suicídio", foram envolvidos duas amostras diferentes: a primeira composta por quinze pacientes hospitalizados por tentativas de suicídio, e a segunda, uma amostra não clínica composta por vinte e cinco participantes. A pesquisa tinha o cunho quantitativo, exploratório e correlacional. No que tange aos resultados, foi constatado que a amostra dos pacientes suicidas apresentou maior ativação em todos os EIDs em virtude da amostra não clínica. Por conseguinte, os EIDs que mais foram marcados na amostra clínica foram: defectividade/vergonha; isolamento social e inibição emocional. Os resultados indicaram que a amostra clínica apresentou maior comprometimento em todos os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) em comparação com a amostra não clínica. Notavelmente, os EIDs defectividade/vergonha, isolamento social e desligamento 37 demonstraram um número significativo de correlações entre si. 90% da amostra clínica preencheu requisito para os transtornos mentais principalmente o transtorno depressivo. Os pesquisadores sugeriram que uma avaliação precisa a respeito desses EIDs podem destacar um papel significativo na compreensão clínica do comportamento suicida, conforme evidenciado por Méa et al. (2015). A cerca dos resultados obtidos na literatura, além do artigo citado anteriormente, mostra-se outras evidências da relação entre EIDs, suicídio e depressão (Reula; García; Fernández, 2017; Kadyrov e Mironenko, 2017; Hennings, 2020; Gusmão et al., 2017). Quadro 5: caraterização de alguns estudos sobre EIDs e sua relação com depressão. Ano País Autor Título Base de dados 2017 Brasil Gusmão et al. Esquemas desadaptativos, ansiedade e depressão: proposta de um modelo explicativo. RBTC/PePsic 2017 Rússia Kadyrov e Mironenko Early maladaptive patterns of suicidal behavior. MedLine 2017 Espanha Reula, García e Fernández Relationship between early maladaptive schemes and traumatic childhood experiences with suicidal behavior in adults. MedLine 2020 Suíça Hennings Function and Psychotherapy of Chronic Suicidality in Borderline Personality Disorder: Using the Reinforcement Model of Suicidality. MedLine Fonte: adaptado de Cotrim e Neto (2023) 5.3. Conflito conjugal A família de origem é a principal instituição responsável por constituir os modelos de como lidar de forma cognitiva e afetiva, relacionados a situações estressoras na vida adulta (Wainer et al., 2016). Sendo assim, o objetivo da TE dentro desse contexto, é entender qual papel a família desempenha um papel importante na dinâmica das relações conjugais adultas, que pode se tornar disfuncional e desadaptativa, causando danos significativos aos sujeitos envolvidos na relação. Os fatores que predispõem a causa desses conflitos podem ser inúmeros, e dependem de vários fatores (Paim; Falcke 2016). As experiências norteadoras absorvidas e decodificadas durante o início do desenvolvimento humano tendem a ser o modelo cognitivo no qual o adulto busca nos relacionamentos amorosos, através das vivências durante sua vida adulta, tentando achar familiaridade e comodidade no que foi aprendido anteriormente (Algarves, 2018). 38 De acordo com Paim e Falcke (2016), as preferências românticas e a continuidade em relações conflituosas têm a possibilidade de estarem relacionadas ao funcionamento dos esquemas, sendo vistas pela ativação dos EIDs. Esse funcionamento é originado ainda na experiência repetida de vivências na meninice e juventude com as figuras parentais. Segundo o autor, a fim de preservar as emoções e crenças na família que já foram vivenciadas, é comum que a pessoa se envolva em relacionamentos que reafirmem sua coerência cognitiva, resultando na sustentação dos EIDs já conhecidos. Desta maneira, estabelece-se um fenômeno de repetição esquemático que desencadeia respostas emocionais relacionadas a aprendizagem e comportamento exercidos na infância, resultando em uma dinâmica de convívio subversivo entre os parceiros. O indivíduo sente interesse por eventos que despertem os EIDs, visando manter a consistência com aquilo que já é familiar e genuíno na sua história. Em outras palavras, ao reproduzir nas relações adultas as condições de infância, o sujeito busca preservar o vínculo e o conforto associados aos EIDs que lhe são comuns (Young et al., 2008). No Brasil, uma pesquisa empírica feita por Haack, Pressi e Falcke (2018), teve como objetivo correlacionar, quantificar e explicar quais características da família de origem, os EIDs, ajustamento conjugal e ambiente familiar, se associam à violência conjugal, considerando a compreensão da congruência cognitiva já abordado anteriormente. O estudo contou com a participação de sento e oitenta e seis homens e sento e oitenta e seis mulheres, que residiam em Porto Alegre, sendo todos os participantes casados ou vivendo em uma união estável, entre dezenove até oitenta e um anos. Os dados coletados foram a partir de questionários sociodemográficos; questionário de Esquemas de Young; questionário