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Geografia_TSMG_V2_2016-295-297

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Ainda sob o regime militar, no início da década de 
1980 cientistas e educadores das áreas de Geografia 
e de História mobilizaram-se pela volta das duas dis-
ciplinas ao currículo escolar brasileiro. A Geografia 
Crítica, presente em muitos trabalhos acadêmicos 
do país, participava da luta pela redemocratização e 
pela justiça social. 
5 NOVOS HORIZONTES TEÓRICOS
A noção de que a Geografia Crítica, assim como a 
Tradicional, não considerava a subjetividade da relação 
humana e da sociedade com a natureza foi aos poucos 
ganhando atenção no meio acadêmico nacional. Ao 
mesmo tempo, no final da década de 1980, a crise 
do socialismo real colocou em xeque os postulados 
dos geógrafos críticos. A realidade em transformação 
expunha seus limites teórico-metodológicos. A queda 
do Muro de Berlim, a desagregação da União Soviética 
com a consequente crise do marxismo e “a falência 
dos paradigmas da modernidade na explicação da 
nova realidade em mudança, inclusive o da teoria 
social crítica, revolucionam o pensamento e a pro-
dução geográfica em todos os sentidos e direções”6. 
A ênfase dada na Geografia a um entendimento 
historicista da sociedade implicou um obstáculo em 
adequar tempo e espaço (História e Geografia). O 
próprio Yves Lacoste apontava para a dificuldade de 
apoiar a Geografia em Marx. De acordo com Josefina 
Gómez de Mendoza (1942-), professora da Universi-
dade Autônoma de Madrid, o enfoque marxista “não 
faz mais que extrapolar, para as estruturas espaciais, 
interpretações que remetem a estruturas econômicas e 
sociais, a reflexões da história e da economia política”7.
Ainda segundo essa mesma autora, a concepção 
dos geógrafos marxistas revela a ausência de uma 
elaboração conceitual e analítica mais aprofundada 
dos aspectos ecológicos e energéticos8. Convém 
esclarecer, contudo, que essa lacuna vem sendo 
gradativamente preenchida pelos geógrafos críticos.
A produção acadêmica na área de Geografia, nas 
últimas décadas, tem como característica fundamental 
a preocupação com as dimensões subjetivas da relação 
humana com a natureza. Nesse sentido, consideram-
-se as culturas das sociedades e, consequentemente, 
as distintas percepções do espaço geográfico e as for-
6 OLIVEIRA, Marcio Piñon. Geografia e epistemologia: meandros e 
possibilidades metodológicas. Revista de Geografia, v. 14, p. 153-164, São 
Paulo: Unesp, 1997. p. 155.
7 Los radicalismos geográficos. In: MENDOZA, Josefina Gómez et al. (Org.). 
El pensamiento geográfico: estudio interpretativo y antología de textos; de Humboldt 
a las tendencias radicales. Madri: Alianza, 1982. p. 152-153. [Tradução nossa.] 
8 Idem, p. 153.
mas de sua construção, implicando os conhecimentos 
de outras áreas, particularmente os de Antropologia, 
Sociologia, Biologia e Ciências Políticas.
Geografia Humanista ou da Percepção
As experiências das pessoas e dos grupos humanos 
na relação que mantêm com o espaço passaram a fazer 
parte das pesquisas de geógrafos que, por meio delas, 
visam compreender os valores, as crenças, os símbolos 
e os comportamentos dessas pessoas e grupos. Esses 
estudos deram origem, em meados da década de 1960, 
à Geografia Humanista ou da Percepção.
Nessa tendência, destaca-se a obra do geógrafo 
sino-estadunidense Yi-Fu Tuan (1930-), Topofilia: 
um estudo da percepção, atitudes e valores do meio 
ambiente9, centrada no estudo dos sentimentos de 
apego (topofilia) das pessoas ao ambiente natural 
ou construído em que vivem, buscando desvelar os 
elementos universais das percepções e dos valores 
sobre o ambiente por meio, entre outros caminhos, 
da identificação das respostas psicológicas comuns a 
todas as pessoas para, depois, mostrar que os mesmos 
tipos de respostas se manifestam na cultura dos povos. 
6 O DESAFIO DA ATUALIZAÇÃO 
EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO 
ACELERADA
O espaço geográfico gerado pelo fim da Guerra 
Fria e pelo acelerado processo de globalização eco-
nômica e de criação de tecnologias, ao lado da 
nova configuração geopolítica, impôs à Geografia 
o desafio de uma atualização em ritmo bastante 
intenso. Diversos estudos surgidos nas últimas déca-
das enquadram-se nessa tentativa.
David Harvey (1935-), geógrafo marxista britânico, 
em sua obra Condição pós-moderna10, criou o conceito 
de “compressão do espaço-tempo”, processo vivido 
pela humanidade desde a década de 1970 e que 
exige mudanças nos mapas mentais, nas atitudes 
e nas instituições. Esse processo, segundo ele, não 
ocorre em simultaneidade com os empreendimentos 
técnico-científicos no espaço, gerando uma defasagem 
que pode implicar sérias consequências para as mais 
diversas decisões (financeiras, militares etc.)11. Além 
da contribuição das novas tecnologias, Harvey explora, 
nessa obra, a prática da descartabilidade dos produtos 
9 São Paulo: Difel, 1980.
10 São Paulo: Loyola, 1993.
11 Idem, p. 275-278. 
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e a manipulação da opinião e do gosto, apoiada na 
construção de novos sistemas de signos e imagens12. 
Ao lado dele, incluem-se os pós-modernos bra-
sileiros Bertha K. Becker (1930-2013) e Rogério 
Haesbaert (1958-). Os três encaixam-se na tendência 
que considera novas formas de gestão do espaço 
geográfico, em vista da transformação dos espaços 
militarizados da Guerra Fria em territórios onde, sob 
o império da competitividade, o poder está vinculado 
ao domínio de recursos tecnológicos, e que as lutas se 
dão entre lugares, e não mais entre nações. Em opo-
sição ao âmbito global, em que existe um processo de 
coesão, de fusão de empresas, de criação de blocos 
econômicos, gerando a ideia de unificação, o âmbito 
local vive um processo de fragmentação, contando 
com suas próprias condições para se desenvolver. 
Para Becker, desde a Segunda Guerra Mundial a 
ciência e a tecnologia passaram a constituir o funda-
mento do poder, valorizando o espaço com base em 
suas diferenças, processo que, nas mãos das redes 
transnacionais de circulação e comunicação, permite 
tanto a globalização como a diferenciação espacial13. 
Segundo Haesbaert, o processo modernizador 
implicado nos avanços tecnológicos e na aceleração 
da globalização econômica compromete gravemente 
vastas áreas do planeta. Uma imensa massa de des-
possuídos vive sem a mínima condição de acesso 
às redes mundiais e de autonomia para definir seus 
circuitos de vida14.
O brasileiro Milton Santos (1926-2001) e o esta-
dunidense Edward Soja (1940-2015) estão entre os 
autores cujas obras contribuem para a definição do 
espaço geográfico em tempos de globalização.
Em sua obra Geografias pós-modernas: a reafirma-
ção do espaço na teoria social crítica15, Soja, baseando-
-se em sua defesa da força do historicismo no desen-
volvimento das ciências modernas, discute autores 
que tentaram fazer o resgate da categoria espaço 
e busca elaborar um método materialista histórico 
e geográfico, apoiando-se na inseparabilidade de 
espaço e tempo.
Entre as diversas obras de Milton Santos, podemos 
destacar, para os fins de nossa análise, Técnica, espaço, 
tempo: globalização e meio técnico-científico internacio-
nal16. Nela, o autor defende que a produção do espaço 
12 Idem, Capítulo 17.
13 Geopolítica na virada do milênio: logística e desenvolvimento sustentável. 
In: GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L.; CASTRO, I. E. (Org.). Geografia: 
conceitos e temas. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 287.
14 Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão. In: 
CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, L. L. (Org.). Geografia: conceitos 
e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 166.
15 Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
16 São Paulo: Hucitec, 1994. p. 48-49.
geográfico responde às demandas de quem o idealiza, 
visando ao fluxo de suas necessidades. O espaço geo-
gráfico é, portanto, um “conjunto indissociável de siste-
mas de objetos naturais oufabricados e de sistemas de 
ações, deliberadas ou não”, em que se materializam “a 
unicidade técnica, a convergência dos momentos e a 
unicidade do motor”, viabilizando, assim, a globalização. 
7 POLÍTICAS RECENTES 
VOLTADAS PARA A MELHORIA 
DO ENSINO
As mudanças políticas verificadas no Brasil desde 
o início da redemocratização tiveram reflexos na área 
da educação, tendo por indicativo essencial a publica-
ção, em 1997, dos Parâmetros Curriculares Nacionais 
(PCN), voltados aos ensinos Fundamental e Médio. O 
documento propõe a “desideologização” do ensino, 
principalmente com a desmistificação da manipulação 
realizada pela mídia. Em nível geral, ele reflete um obje-
tivo básico: a formação para o exercício da cidadania.
Quanto ao ensino específico da Geografia, os PCN 
apontam para a necessidade de, ao lado das contri-
buições da Geografia Positivista e da Geografia Mar-
xista, trabalhar com os avanços teórico-metodológicos 
na disciplina, destacando-se as contribuições da Geo-
grafia Humanista ou da Percepção. Nesse sentido, 
os PCN propõem a não exclusividade da explicação 
empírica das paisagens ou da explicação política e 
econômica do mundo. O documento destaca, ainda, 
a necessidade de se ensinar uma Geografia que 
abranja de modo mais complexo o espaço geográfico, 
superando a mera descrição de paisagens. 
Em 2011, são aprovadas novas Diretrizes Curri-
culares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), de 
1998. Elas sustentam a necessidade de contemplar o 
ensino das diferentes dimensões da vida em sociedade, 
abordando trabalho, ciência, tecnologia e cultura como 
eixos integradores entre os conhecimentos de distintas 
naturezas. Apontam, ainda, para a necessidade de o 
currículo do Ensino Médio promover práticas educati-
vas efetivas visando à formação integral dos estudantes.
As políticas educacionais destacam também a 
necessidade de estabelecer um diálogo com os 
jovens e sua realidade, dando sentido ao apren-
dizado dos conhecimentos construídos historica-
mente pela humanidade. Assim, no Ensino Médio, 
a Geografia tem o papel fundamental de desenvolver 
nos estudantes competências e habilidades que 
lhes permitam analisar a realidade, para nela poder 
intervir propositivamente.
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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
Tendo esses pressupostos em mente, tomamos 
como norte a ideia de que a Geografia, por sua pró-
pria dinamicidade, exige um processo contínuo de 
reaprendizagem do mundo construído, na medida 
em que o espaço geográfico, seu objeto central de 
estudo, resulta da vida em sociedade, dos seres 
humanos em busca da sobrevivência e satisfação 
de suas necessidades, dos intensos avanços tecno-
lógicos, dos conflitos sociais e geopolíticos, em uma 
realidade em permanente mudança e marcada por 
fortes desigualdades sociais e espaciais. 
As rápidas e profundas mudanças ocorridas entre 
o final do século XX e o início do atual geraram uma 
nova e complexa configuração socioespacial, em 
que se alteraram as noções de tempo e espaço e se 
intensificou o ritmo de transformação das paisagens, 
exigindo a construção de uma relação diferenciada 
do ser humano com os meios natural e social. 
Se, durante algum tempo, acreditava-se que o 
desenvolvimento científico e tecnológico seria o cami-
nho para gerar bem-estar geral, o que se tem hoje 
são problemas ambientais desafiadores num mundo 
em que se aprofundam cada vez mais as desigual-
dades socioeconômicas, tanto entre as camadas de 
uma população quanto entre países ou continentes. 
A globalização tem sido responsável pela perda da 
importância das fronteiras econômicas e culturais e 
pela perda de identidade dos povos e mesmo das 
pessoas, cujas vidas passaram a ser afetadas por 
decisões e fatos ocorridos no mundo todo. As rela-
ções, seja entre o ser humano e a natureza ou entre 
Estados-nação, tornam-se cada vez mais complexas. 
Ao professor de Geografia cabe, portanto, orientar 
os estudantes na compreensão dessas relações e, 
sobretudo por meio do entendimento da sua reali-
dade, desenvolver sua consciência crítica e compe-
tência intelectual, habilitando-os para apreender as 
características desse mundo complexo e dinâmico 
e para agir em prol das melhorias exigidas em seus 
contextos local e global.
É com essa preocupação, e entendendo que a 
função do professor é mediar a apropriação do conhe-
cimento pelos estudantes, que procuramos trabalhar 
metodologicamente esta Coleção, desenvolvendo-a de 
forma a estimular a compreensão dos temas aborda-
dos, por meio de recursos visuais, seções e ativida-
des variadas e contextualizadas. Buscamos também 
direcionar o trabalho com os conteúdos para uma 
formação social crítica e solidária, em que se propicia 
a aplicação do aprendizado pelos estudantes às espe-
cificidades de seu meio físico, político, econômico, 
social e cultural. Nessa perspectiva, proporciona-
mos situações em que eles terão oportunidades de 
aplicar os conteúdos visando a uma aprendizagem 
não apenas em termos conceituais, mas também 
procedimentais (saber fazer) e atitudinais (saber ser). 
A organização dos conteúdos e a sequência em 
que as unidades estão apresentadas nos três livros 
desta Coleção buscam atender a um encadeamento 
em que os diversos temas e conceitos não sejam 
fragmentados, mas estabeleçam relações que per-
mitam uma análise mais abrangente da realidade. 
Importante, porém, destacar que a Coleção deve ser 
entendida como um facilitador para o trabalho do 
professor com os estudantes, respeitando-se suas 
especificidades, e não como um guia a ser seguido 
rigidamente (veja no item Estrutura da Coleção, bem 
como nas Orientações específicas deste manual, 
sugestões de caminhos possíveis de uso dos livros 
e suas seções). 
As abordagens partem de duas concepções prin-
cipais sobre a Geografia: do espaço geográfico como 
processo de produção social em permanente trans-
formação e da análise do espaço como um sistema 
de relações em suas diversas escalas: local, regional, 
nacional e global. 
São as atividades dos diferentes grupos sociais 
que definem a organização da produção e do con-
sumo, as formas de apropriação dos bens produzidos, 
as relações de trabalho, as redes de circulação de 
mercadorias, pessoas e informações e dão vida aos 
elementos presentes na paisagem. A produção do 
espaço geográfico envolve natureza e sociedade de 
forma integrada, em um mesmo processo, e é dessa 
forma que buscamos desenvolver os conteúdos da 
Coleção. Temas e conceitos relacionados a natureza, 
inovação tecnológica, organização do trabalho, rela-
ções de poder, questão ambiental são recorrentes 
no desenvolvimento dos capítulos e dão coerência 
às unidades que formam a Coleção.
PROPOSTA DA COLEÇÃO
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