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Constipação Profª. Márcia Favaretto Constipação é eliminação de fezes endurecidas com dor, dificuldade ou esforço acompanhada ou não por comportamento de retenção para evitar a evacuação. ➺ Aumento no intervalo entre as evacuações:menos que três evacuações por semana ➺ Incontinência fecal involuntária secundária à retenção de fezes (fecaloma). ➺ Podem cursar com diminuição do apetite, dor abdominal crônica e laivos de sangue na superfície das fezes, em consequência de fissura anal. ➺ Crônica: sintomas têm duração superior a 30 dias. Conceitos ❤ Incontinência Fecal Retentiva ➺ Denominada no passado de escape fecal (soiling) ➺ Caracteriza-se por perda involuntária de conteúdo retal fecalóide secundariamente ao acúmulo de fezes impactadas no reto e/ou cólon ➺ Comportamento de retenção: tentativas de evitar a eliminação de fezes quando atingem o reto e o processo da evacuação deveria ter iniciado. Assim, contraem -se os músculos voluntários do assoalho pélvico, incluindo o esfíncter externo do anus, e os músculos da região glútea (evidenciado bem mais a partir dos 2 anos de idade) ❤ Incontinência Fecal Não Retentiva ➺ Anteriormente denominada encoprese ➺ Caracterizada por evacuações plenas em locais inapropriados com o contexto social, pelo menos uma vez ao mês, por crianças com mais de 4 anos ➺ Causas: psicogênica; psiquiátrica; anormalidades neurológicas; anormalidades musculares Constipação Intestinal Funcional ❤ Critérios de Roma IV ➺ Até 4 anos Deve incluir 1 mês de pelo menos 2 dos sintomas seguintes · 2 ou menos evacuações por semana · Histórico de retenção fecal excessiva · Histórico de fezes de grande calibre · Presença de grande massa fecal em reto ➺ Maior de 4 anos Deve incluir 1 mês de pelo menos 2 dos sintomas seguintes, pelo menos 1 vez na semana, com critérios insuficientes para o diagnóstico de Sd. de Intestino Irritável · 2 ou menos evacuações no vaso sanitário por semana · Pelo menos 1 episódio de incontinência fecal por semana · Histórico de evacuações dolorosas ou difíceis · Presença de grande massa fecal no reto · Histórico de eliminação de fezes de grande calibre que podem entupir o vaso sanitário Fisiopatologia Considera-se que a constipação intestinal funcional é resultado da interação de fatores biopsicossociais. ➺ Constipação -> Retenção -> Distensão retal -> Diminui reflexo de evacuações, entrando em um ciclo ➺ Resposta motora distensão do esfíncter anal com a distensão do reto ➺ Distensão produz uma tensão passiva devido ao alongamento da parede do reto, e tensão ativa adicional quando a musculatura lisa da parede contrai. ➺ O esfíncter interno relaxa e o esfíncter externo contrai. ➺ A cada passo aumenta a distensão até a queda da pressão para atingir a defecação . ❤ Crianças pequenas ➺ Comportamento de retenção, que se inicia após evacuação dolorosa que, por sua vez, retarda a evacuação e faz com que as fezes fiquem maiores e mais ressecadas. ➺ Anamnese: se o paciente apresentar retardo da eliminação de mecônio, pode indicar que a constipação não é funcional e sim, congênita (ex: megacólon ou estenose ❤ Crianças escolares + adolescentes ➺ Comportamento de retenção, devido ao estilo de vida muito ativo ao sistema escolar no qual eles não têm tempo para evacuação adequada, sedentarismo. ➺ Resposta motora do esfíncter anal com a distensão do reto. ➺ Distensão produz uma tensão passiva devido ao alongamento da parede do reto, e tensão ativa adicional quando a musculatura lisa da parede contrai. ➺ O esfíncter interno relaxa e o esfíncter externo contrai. ➺ A cada passo aumenta a distensão até a queda da pressão para atingir a defecação. Quadro Clínico “A história da criança com constipação funcional é de um paciente que teve eliminação normal de mecônio” ➺ Início do quadro depois de meses de vida ➺ Fezes endurecidas e evacuações com dor e/ou dificuldade são manifestações que podem ser evidenciadas em todas as faixas etárias. ➺ Ocorrência de fatores precipitantes, coincidindo com o começo do quadro: · Fissura · Mudança na dieta · Época de treinamento de esfíncter (até 4 anos) · Infecção · Mudança de casa · Início da frequência à creche ou escola · Viagem · Mudança importante na família ❤ Lactente ➺ Inicialmente evacuações de fezes endurecidas, no formato de cíbalos, que são eliminadas com dor, esforço e dificuldade. ➺ É comum a presença de fissura anal. ➺ Nem sempre se constata aumento no intervalo entre as evacuações. ➺ Nessa fase da vida, deve-se dar atenção especial para o diagnóstico diferencial com a doença de Hirschsprung e alergia à proteína do leite de vaca. · Sugestivos de Doença de Hirschsprung: retardo na eliminação de mecônio, eliminação explosiva de fezes ao toque retal, distensão abdominal e massa fecal abdominal volumosa e eliminação de fezes em fita e ampola retal vazia ➺ Ampliação do intervalo entre as evacuações de fezes de maior calibre e consistência mais firme, piorando o esforço e a dor. ➺ Após o controle esfincteriano, pode-se constatar entupimento do vaso sanitário em função da eliminação de fezes muito volumosas. ❤ Outras manifestações Outras manifestações clínicas podem ocorrer em associação com a constipação intestinal: dor abdominal crônica que desaparece com o controle da constipação intestinal, enurese noturna, falta de apetite e sintomas de incontinência urinária ou infecção urinária atual ou pregressa. Abordagem ❤ Anamnese ➺ Histórico alimentar ➺ Mudanças no apetite ➺ Náuseas e vômitos ➺ Perda de peso ➺ História familiar de doença gastrointestinais ➺ Informações sobre o funcionamento intestinal · Frequência de evacuações · Formato e consistência das fezes · Dor, dificuldade e esforço excessivo para evacuar · Ocorrência de incontinência fecal · Relação temporal entre evacuações e períodos de piora da incontinência fecal · Dor abdominal. ➺ Escala de Bristol: avaliar o formato e a consistência das fezes. ❤ Exame físico O exame físico do paciente com constipação intestinal funcional, difere das doenças congênitas. Sendo que é esperado no paciente funcional: ➺ Bom estado geral, peso, altura e crescimento nos limites normais. ➺ Abdome: flácido, podendo conter massa fecal palpável • Em geral, localiza-se no hipogástrio, mas pode ocupar toda a extensão do cólon nos casos mais graves. ➺ Inspeção anal: posição anal, pregas anais, fissuras, presença de fezes, exame da região lombosacral (avalia ausência de fóvea coccígea, tufo de pelos, agenesia sacral, nádegas planas) ➺ Região lombossacra normal • Avaliar ausência de fóvea coccígea, tufo de pêlos, agenesia sacral, nádegas planas ❤ Toque retal ➺ Recomendado quando: • O paciente satisfaz apenas 1 critério de Roma IV • O diagnóstico de constipação funcional é incerto (quando há sinais ou sintomas de alarme) • Pacientes com constipação intratável ➺ O toque retal em pacientes com constipação funcional revela repleção fecal. ➺ O toque retal seguido de evacuação explosiva é sugestivo de doença de Hirschsprung. ❤ Sinais de Alarme ➺ Constipação com início no primeiro mês de vida ➺ Eliminação de mecônio após 48 horas de vida ➺ Antecedente familiar de doença de Hirschsprung ➺ Fezes com formato de fita ➺ Sangue nas fezes na ausência de fissura anal ➺ Déficit de crescimento ➺ Febre ➺ Vômitos biliosos ➺ Anormalidade na tireoide ➺ Distensão abdominal grave ➺ Fístula perianal ➺ Posição anal anormal ➺ Ausência do reflexo cremastérico ➺ Anormalidades na motricidade de membros inferiores ➺ Tufo de pelo na região espinhal ➺ Depressão (dimple) sacral ➺ Assimetria entre os glúteos ➺ Medo excessivo durante a inspeção anal ➺ Cicatrizes anais Diagnósticos Diferenciais ❤ Causas anatômicas ➺ Ânus imperfurado ➺ Estenose anal ➺ Ânis interiorizado ❤ Causas metabólicas ➺ Hipercalcemia ➺ Hipocalemia ➺ DM ➺ Doenças Celíaca: enteropatia crônica, mediada por fenômenos imunológicos, decorrente da ingestão de glúten. ➺ Fibrose cística: caracterizada por aumento de viscosidade de secreções exócrinas por todo o corpo, resultante do transporte anormal de íons de cloreto através das membranas apicais de células epiteliais.O transporte anormal de bicarbonato também afeta a formação de mucina na FC. O resultado clínico é a obstrução crônica, infecção do trato respiratório, insuficiência do pâncreas exócrino e níveis elevados de cloreto no suor. ❤ Drogas Opiáceos, antiácidos, anti-hipertensivos, anticolinérgicos, antidepressivo ❤ Causas neurológicas ➺ Medula presa ➺ Anormalidades medulares ➺ Anormalidades da musculatura abdominal ➺ Síndrome de prune belly ➺ Síndrome de Down ➺ Distúrbios da musculatura e sistema nervoso entérico ➺ Doença de Hirschsprung · Causa: Ausência de células ganglionares em ambos plexo mioentérico e plexo submucosa em segmento do cólon distal, como resultado de uma falha na migração crânio-caudal das células da crista durante o desenvolvimento. · Quadro clínico: Retardo na eliminação de mecônio; Eliminação explosiva de fezes ao toque retal; Distensão abdominal; Massa fecal volumosa; Eliminação de fezes em fita; Ampola retal vazia · Investigação: manometria anorretal, se reflexo anal inibitório -> biópsia retal · Tratamento: ressecção completa do segmento agangliônico e a porção do cólon acima anastomosado no reto ➺ Displasia neuronal ➺ Miopatia visceral ➺ Neuropatia visceral ❤ Pseudoconstipação do lactente Lactentes em aleitamento materno exclusivo podem ficar sem evacuar até 10 dias. Não é uma condição patológica. Diagnóstico O diagnóstico é clínico, então após identificação da constipação e descarte dos diagnósticos diferenciais, inicia-se o tratamento ➺ Avaliar se há ou não impactação: palpação; toque retal · Em casos de dúvida, realizar raio-x do abdome Tratamento 1 - Desimpactação: esvaziamento de fecaloma no reto e/ou cólon, sendo imprescindível para que as outras fases do tratamento surtam efeito, além do alívio para o paciente 2 - Manutenção: o cuidado da constipação é a longo prazo, exigindo medicações de auxílio para quebrar o ciclo vicioso e orientação de mudanças de hábitos, para manter o resultado do tratamento e evitar novos casos · Quebrar o círculo vicioso ou enfrentamento de mudança no estilo de vida · Recordatório das evacuações · Realizar hábito horário · Estimular alimentação adequada para a faixa etária · Estimular ingestão hídrica recomendada para a faixa etária ❤ Desimpactar ➺ Via Retal • Clister glicerinado 12% · Dose 10 - 20 ml/Kg via retal · 250 ml até máximo de 1000 ml · Gotejamento lento via retal • Enema fosfatado · 2,5 mL/kg/dia, dose máxima de 133 mL/dose, via retal · Efeitos colaterais: risco de trauma mecânico no reto, distensão abdominal e vômitos; pode provocar quadro grave e letal de hiperfosfatemia e hipocalcemia com tetania • Minienemas de sorbitol: 1 ampola · Efeitos colaterais são os mesmos do enema fosfatado. ➺ Via oral • Polietilenoglicol 3350 e 4000 Daltons · Dose: 1,0 a 1,5 g/kg/dia, via oral, máximo por 6 dias. ❤ Orientações ➺ Hábito horário Orientação quanto ao treinamento esfincteriano e ao uso do vaso sanitário sempre que houver o desejo de evacuação. ▪ Para pacientes com controle esfincteriano, deve-se recomendar que atenda prontamente o desejo de evacuar. ▪ Quando não se observa evacuação espontânea, deve-se sugerir a permanência no vaso sanitário durante alguns minutos após as refeições ou em outro horário que queira estabelecer ➺ Fibras Recomendação do consumo de fibras: 0,5g/Kg/d ou Idade + 5/g ao dia (máximo 25g) • Solúveis: frutas (p,ex cítricas), cereais, legumes (cenouras), vegetais, leguminosas (feijão, lentilha), sementes (chia), nozes. · Se dissolvem em água, formando uma mistura de consistência viscosa no estômago, o que aumenta a sensação de saciedade, pois o alimento permanece nele por mais tempo. • Insolúveis: Farelo de trigo, semente de linhaça, feijões, ervilhas e lentilhas, uva passa, grão de bico, nabos, vegetais, oleaginosas, maçã, morangos, · Presentes em todos os vegetais e não são completamente digeridas pelo organismo, por esse motivo, a quantidade de água que absorvem é mínima. ➺ Ingestão hídrica Recomendação de ingestão hídrica por idade: o Até 6 meses = aleitamento materno exclusivo o 6-12 meses = 800 ml a 1L o 1-3 anos = 1,3L o 4-8 anos = 1,7L ❤ Manutenção A duração do tratamento pode se estender por vários meses, e a interrupção do tratamento de manutenção deve ser feita de maneira gradual, com atento acompanhamento clínico que permita a detecção precoce de eventuais recorrências de impactação fecal/fecaloma. ➺ Laxativos orais • Mecanismo: agem fluidificando as fezes por meio de substâncias osmoticamente ativas, que “roubam” água do organismo humano através da mucosa digestiva • Tipos: · Polietilenoglicol: aumenta a concentração de água no cólon · Sal de magnésio: osmóticos salinos · Lactulose: sacarídeos ➺ Óleo mineral: agente amaciantes • Dose: 1 a 3 mL/kg/dia, via oral - Dose máxima: 60 a 90 mL/dia • Não prescrever para lactentes e portadores de neuropatias ❤ Acompanhamento ➺ Marcar consulta de retorno próxima ➺ Pedir recordatório de evacuação: dia, se evacuou ou não e aspecto das fezes, até o retorno ➺ Orientar a família que o tratamento requer tempo, perseverança e contato afinado entre família e pediatra ➺ Em casos mais graves ou recidivante, encaminhar para o pediatra gastroenterologista Referências Bibliográfica Júnior, Dioclécio, C. et al. Tratado de pediatria. v.1. Disponível em: Minha Biblioteca, (5th edição). Editora Manole, 2021. https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/Nutrologia_-_Vegetarianismo_Inf_e_Adolesc.pdf Sociedade Brasileira de Pediatria, Departamento de Nutrologia. Manual de orientação: alimentação do lactente, alimentação do pré-escolar, alimentação do escolar, alimentação do adolescente, alimentação na escola. São Paulo, 2012