Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO Dra. Françoise Dominique Valéry - Professora orientadora A METAMORFOSE SOCIOESPACIAL DE PIUM Dissertação de Mestrado DÁLIA MARIA MAIA CAVALCANTI DE LIMA Natal - RN 2000 DÁLIA MARIA MAIA CAVALCANTI DE LIMA A METAMORFOSE SOCIOESPACIAL DE PIUM Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação “Stricto Senso” de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo sob a orientação da professora Dra. Françoise Dominique Valéry. Natal - RN 2000 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO A dissertação “A Metamorfose Socioespacial de Pium” foi apresentada por Dália Maria Maia Cavalcanti de Lima, com vista à obtenção ao título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, recebendo o conceito “A”, conforme avaliação da Banca Examinadora instituída pelo Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, composta pelas professoras doutoras: Françoise Dominique Valéry, presidente e orientadora da candidata, Rosa Ester Rossini, examinadora externa/USP, e Rita de Cássia Conceição Gomes, Examinadora interna/UFRN. Dissertação avaliada em Natal, 11 de outubro de 2000. AGRADECIMENTOS À professora Françoise Dominique Valéry por acreditar na minha potencialidade e pelo grande incentivo durante todo o mestrado. À Beta, amiga e nativa de Pium e sua família que por meio de suas conversas permitiram um melhor entendimento da vida do local. Aos professores Ademir Araújo, Edna Furtado, Márcio Valença, Rita Gomes e Valdenildo Pedro, pelas críticas construtivas que me levaram a procurar uma forma de fazer melhor. Aos professores do mestrado que me possibilitaram a aquisição de novos conhecimentos. Á Ana Carina e ao João César que auxiliaram na coleta dos dados para elaboração desta pesquisa. Á Liana Teixeira e Iaçonara pela contribuição na revisão final deste trabalho. À minha família, especialmente, a Carlos José, Veluzia, Cristiane e Carlos Eduardo pela paciência e colaboração nesta etapa de minha jornada. SUMÁRIO Páginas LISTA DE FIGURAS LISTA DE TABELAS RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO........................................................................................................ 9 1 – A PAISAGEM PIUENSE..................................................................................17 2 – A (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO LOCAL......................................................38 2.1 – A influência do lazer e do turismo na (re)produção do espaço piuense ................................................................................................................................43 2.2 – A Expansão urbana de Natal como fator influenciador na (re)produção do espaço local ...................................................................................................62 3 – MUDANÇAS NO MODO DE VIDA DA POPULAÇÃO....................................73 4 – PERSPECTIVAS LOCAIS...............................................................................81 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................91 6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................96 LISTA DE FIGURAS Páginas 1 - Rio Grande do Norte, Distribuição dos municípios localizados na Zona Costeira ..........................................................................................................................22 2 – Pium, localização e elementos característicos de seu entorno, enfatizando a “Rota do Sol”.................................................................................................24 3 - Residências da população de menor poder aquisitivo, demostrando um padrão construtivo simples e menos dispendioso ......................................................26 4 - Residências da população de maior poder aquisitivo, mostrando um padrão construtivo melhor elaborado e mais dispendioso .........................................26 5 – Pium, localização da duplicação da “Rota do Sol” em seu interior................28 6 – Pium, Início da duplicação da “Rota do Sol” - ...............................................29 7 – Pium, continuação da duplicação da “Rota do Sol” .................................29 8 – Pium, padrão construtivo.................................................................................32 9 – Pium, residência que apresentam reformas destinadas ao comércio ...........33 10 –Pium, comércio priorizando o turismo............................................................34 11 – Pium, feira permanente de frutas e verduras, destacando o estacionamento de veículos dos visitantes...............................................................................35 12 – Pium, Pousada, construção adequada a esse fim ........................................35 13 – Pium, Panificadora com loja de conveniência, onde encontram-se produtos mais sofisticados, destinados principalmente a clientela de turistas e moradores temporários.............................................................................................................36 14 – Pium, Aspectos do fluxo de veículos na estrada duplicada..........................51 LISTA DE TABELAS Páginas 1 –Pium - Modificação nas residências nos últimos 10 anos...............................30 2 –Pium - Tipo de modificações nas residências .................................................31 3 – Pium – Tipo de Utilização dos imóveis ...........................................................37 4 – Pium - Caracterização por naturalidade dos moradores ................................54 5 – Pium - Motivo de residência dos moradores...................................................55 6 – Pium - Grau de instrução dos moradores .......................................................57 7 – Pium - Ocupação dos moradores....................................................................58 8 – Pium - Maior fluxo de pessoas e veículos por meses do ano .......................60 9 – Pium - Dias da semana de maior fluxo de pessoas e veículos ......................60 10 – Natal – Região Metropolitana – Taxas de crescimento populacional dos municípios, 1991-96........................................................................................69 11 – Pium - Local de trabalho dos moradores .......................................................71 12 – Pium – Constatação das Mudanças ocorridas na vida da comunidade........75 13 – Pium - Principais tipos de transformações apontadas pelos moradores nos questionários...................................................................................................76 LIMA, Dália Maria Maia Cavalcanti de. A Metamorfose socioespacial de Pium. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – UFRN, Natal, 2000. RESUMO A análise do processo de metamorfose socioespacial durante a década de 90 em Pium, bairro pertencente ao Município de Parnamirim-RN, apresenta a paisagem piuense no contexto do Litoral Oriental do Rio Grande do Norte e a dinâmica que interfere na produção deste espaço; reflete a respeito dos principais fatores de sua produção, enfatizando as relações com seu entorno para o entendimento da transformação ocorrida nessa localidade. Para desenvolver esta análise utilizou-se pesquisa bibliográfica, observação de campo, registros feitos em mapas do uso e ocupação do solo na atualidade e fotografias tiradas da área, além da coleta de dados primários por meio de formulários aplicados aos moradores. A análise aponta que as mudançasna paisagem se relacionam com um conjunto de fatores, entre eles, com o crescente fluxo de veículos em função das atividades turísticas e do lazer desenvolvidas no Litoral Oriental do Rio Grande do Norte, assim como, com a expansão urbana de Natal, fatores esses que se articulam a outros fatores externos ao território norte-rio-grandense para a produção do fenômeno observado. Conclui-se que as mudanças percebidas nessa paisagem refletem uma relação recíproca entre elas e as transformações de natureza social, nas quais as mudanças no modo de vida e trabalho desta comunidade, articuladas à forma de uso do solo, caracterizam uma metamorfose socioespacial nesse local. LIMA, Dália Maria Maia Cavalcanti de. A Metamorfose socioespacial de Pium. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – UFRN, Natal, 2000. ABSTRACT The analyze the metamorphose process of the social and space variations in Pium, which belongs to the Municipal of Parnamirim/RN, it presents the view of the place in the context of the East Coast of Rio Grande do Norte, and the space dynamic that interferes in the production of this space; it reflects on the main factors of its production and emphasizing its relations around the understanding of the transformation which occurred in this region in the 90s. This analysis starts from the bibliographical research, field observation, from registrations done on maps about the use and occupation of the land nowadays, photographs taken of the area, and the collection of prime data obtained through questionnaires applied to the inhabitants. The analysis shows that the transformations are interrelated in a number of factors: the increasing number of vehicles dealing with tourist activities and the leisure activities developing on the East Coast of Rio Grande do Norte, and the urban expansion of Natal, factors which circulate around other external factors to the territory of Rio Grande do Norte for the production of the phenomenon observed. In conclusion, the changes observed in the landscape reflect the transformation of a social nature, with changes in the way of life and work of the local community which characterize a social and space metamorphose in this area. INTRODUÇÃO Entender a dinâmica da paisagem em Pium, os fatores que interferem na sua realidade socioespacial e como se apresenta na vida cotidiana foi a preocupação que permeou o presente estudo. Para tanto, foi analisada a metamorfose socioespacial ocorrida em Pium, compreendendo os principais fatores que a influenciaram, como este processo se percebeu na vida da comunidade, o que permitiu apontar tendências que possibilitem aos moradores, empreendedores e planejadores uma atuação consciente no local. O interesse em estudar essa localidade surgiu de observações empíricas do acelerado processo de mudança na paisagem em Pium, principalmente durante a década de noventa, da curiosidade em entender o sentido lógico das transformações ocorridas, e da necessidade de analisar os fatores e processos que interferem nestas transformações e que sirvam de parâmetros as intervenções adequadas no local. A análise da realidade socioespacial de Pium foi iniciada com dois estudos anteriores (Lima, 1999b e Lima, 1999a) que constataram respectivamente a influência da duplicação da “Rota do Sol” na transformação dessa área e o crescimento do setor terciário no local, devido ao fluxo de passagem de turistas. Os trabalhos elaborados anteriormente fazem parte de uma seqüência de produções acadêmicas que representam um permanente esforço para apreensão da realidade percebida e análise científica desta realidade. Pium é um bairro de pequenas dimensões, situado no Município de Parnamirim (Região Metropolitana de Natal), na Zona Oriental do Estado do Rio Grande do Norte que tem apresentado crescimento recente, influenciado, entre outros fatores, pelo adensamento urbano polarizado por Natal. 9 Esse adensamento polarizado por Natal tem se caracterizado por uma ocupação desordenada do litoral baseado no consumo dos lugares em sua proximidade e, principalmente, da parte que se encontra ao Sul dessa Capital, onde existe grande quantidade de casas de veraneio, ocupações de terreno da Marinha ao longo da costa e até invasões de áreas de reservas ambientais. As mudanças percebidas na paisagem em Pium apresentaram características semelhantes às existentes em outras localidades do nosso litoral, porém considerou-se relevante analisar de que forma estes aspectos se reproduziram nesse local e quais as especificidades encontradas. O estudo destas especificidades, a forma particular dos fatores internos e externos articularem-se na produção desse espaço, e como refletem-se no modo de vida dessa comunidade, foram sistematizados a partir de uma visão crítica dos fatores e processos que interferiram nessas mudanças. A tomada de consciência da realidade atual e a análise de como ocorreu seu processo de produção indicaram tendências que representam possibilidades concretas em prol da melhoria de vida da comunidade que reside permanentemente em Pium. Esta análise possibilitou a compreensão das interferências de variadas instâncias, públicas e privadas, tanto em nível nacional, estadual quanto municipal, pois as atividades econômicas aí desenvolvidas recebem influências de instituições governamentais que exercem o poder de decisão de forma espontânea ou articulada com a iniciativa privada. Neste sentido, as atividades de lazer e particularmente de turismo, que recebem incentivos estatais e a expansão metropolitana de Natal foram elementos importantes para o entendimento das questões que nortearam a presente análise. Sendo assim, passou-se a investigar: - Quais os fatores que interferiram nas modificações constatadas em Pium? - De que forma essas modificações foram influenciadas pela duplicação da via "Rota do Sol" no perímetro urbano de Pium? - De que maneira as mudanças do espaço local refletiram-se na vida da comunidade? 10 - Quais as tendências e perspectivas para a transformação deste espaço? Para concretizar o presente estudo, utilizou-se o arcabouço teórico de diversas disciplinas necessárias ao entendimento da organização do espaço, principalmente da Geografia, da Sociologia, da Arquitetura e Urbanismo, pois compreende-se que a problemática apresentada necessita de uma visão interdisciplinar. Segundo Japiassu (1976, p.112-113), ao abordar a construção do conhecimento de forma interdisciplinar: A exigência de unidade faz parte da própria natureza de nosso conhecimento. Ela está na própria origem de todo o saber, permanecendo imanente a cada uma de suas formas, por mais especializadas que seja. O conhecimento humano é sintético e global antes de ser analítico e especializado. A análise desenvolvida buscou a interpretação dialética e a aplicação de uma metodologia crítica adequada à dinâmica da realidade social, possibilitando a compreensão das contradições e o entendimento dos processos de mudança. Este movimento dialético permite um constante diálogo com o que foi produzido, desvendando novos conhecimentos, nos quais o que já existia permanece de alguma forma no atual. A escolha da dialética, deveu-se ao caráter dinâmico da realidade social estudada na presente pesquisa, que de acordo com Demo (1987, p.86): A dialética não escapa à condição comum de ser uma interpretação da realidade, ou seja, de ser uma das formas de a construir. Será preferível às outras, não porque não tenha defeitos, mas porque os tem menosem relação a realidade a ser pesquisada. A pesquisa científica apresentou-se aqui como uma forma de interpretação do mundo e das suas contradições; visou o entendimento mais aprofundado da vida cotidiana, resgatando, assim, a própria natureza humana, colocando o ser humano como elemento importante na discussão da produção do espaço, levando em consideração que sua humanidade é produzida ao longo da história e que se realiza no processo de reprodução da vida. 11 Este trabalho enfatizou a produção do espaço, analisada com base no materialismo dialético, porém numa abordagem não dogmática, que permitiu uma articulação entre a forma espacial e o processo social, combinando a descrição dos fenômenos geográficos com explicações fornecidas pela economia política marxista adaptada ao nosso tempo. Os dados secundários utilizados no desenvolvimento desta pesquisa foram encontrados em estudos bibliográficos e documentais, por meio de leitura e análise em documentos oficiais e em trabalhos selecionados de acordo com sua pertinência para o aprofundamento da análise proposta, enfatizando o processo de urbanização, morfologia urbana, características litorâneas e das atividades turísticas. Foram utilizadas as abordagens que tratam os problemas espaciais articulados aos problemas sociais, encontradas nas obras de Gottdiener (1997), “A Produção Social do Espaço Urbano”, e na de Soja (1993), “Geografias Pós- Modernas: A Reafirmação do Espaço na Teoria Social Crítica”. Estes estudos apresentam as tendências de análise urbana marxista e de uma geografia comprometida com a sociedade. Foram utilizadas, como suporte teórico na análise da realidade brasileira, as formulações dos seguintes autores: Milton Santos (1997, 1998a, 1998b, 1999), que teoriza sobre a ciência geográfica e aponta caminhos para o entendimento dos fenômenos geográficos no Brasil; Antônio Carlos Robert Moraes (1996, 1999), ao articular reflexões sobre as bases teórico-metodológicas para a análise da problemática ambiental e sua gestão; Ruy Moreira, e a preocupação com a práxis da geografia no nosso País (1987); Ana Fani Alessandri Carlos (1994) que, ao analisar a (re)produção do espaço urbano, permite repensar o lugar do homem dentro do espaço; Adyr Balastreri Rodrigues (1997a, 1997b) que fundamenta as reflexões sobre as manifestações espaciais do fenômeno turístico; Flávio Vilaça (1998), que trata da questão do espaço intra-urbano no Brasil; Luiz César de Queiroz Ribeiro, Osvaldo Alves Santos Júnior (1997) e Luiz César de 12 Queiroz Ribeiro, Robert Pechman (1996), que apresentam reflexões sobre as cidades brasileiras, o urbanismo no Brasil e as possibilidades de superação da crise das cidades brasileiras. Quanto à análise das transformações ocorridas no litoral do RN, dentre as várias pesquisas existentes, destacaram-se os trabalhos técnicos, como: os estudos feitos pelo Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro, que apontam o perfil dos Estados litorâneos brasileiros (Brasil. PNMA, 1996); as pesquisas desenvolvidas pelo IDEC em prol do gerenciamento costeiro do Estado (IDEC, 1997b), nos quais se encontram subsídios importantes para a análise que foi realizada e a proposta do Plano Diretor do Município de Parnamirim, ainda em tramitação na Câmara dos Vereadores. Entre os trabalhos teóricos que apresentam as características socioambientais de nosso Estado, nos quais encontram-se dados importantes para a presente análise, destacaram-se o trabalho de Pontes et al. (1993), que trata da produção do espaço urbano da zona costeira dos municípios de Parnamirim e Nísia Floresta; os textos de José Lacerda Felipe e Rita de Cássia da Conceição Gomes (Felipe, Gomes, 1994), compilados na publicação “Rio Grande do Norte e outras Geografias”, que permitiu a contextualização da área estudada na realidade norte-rio-grandense, e na recente dissertação de mestrado, que tem por título, “O Turismo e a Transformação do Espaço e da Paisagem Litorânea Potiguar” (Marcelino, 1999), que encaminha questões sobre o turismo no litoral do Estado, um dos fatores considerados no estudo do espaço Piuense. Especificamente sobre Pium, foram utilizados os resultados das seguintes pesquisas: “A colônia do Pium do Japonês” (Dantas, 1982), que possibilita o entendimento dos processos históricos que influenciaram no crescimento de Pium; no que trata do fenômeno conurbação no local, utilizou-se o trabalho com o título “Conurbação” (Bandeira, Savalli, 1995), que aborda a existência deste fenômeno entre os municípios de Natal e Parnamirim. Quanto a dados primários mais recentes, utilizou-se de duas pesquisas desenvolvidas durante os anos de 1998 e 1999, as quais encontram-se nos trabalhos 13 apresentados em forma de dissertação denominados: “O Que Fica no Caminho: Conseqüências Sócio-espaciais Decorrentes da Duplicação da Rota do Sol em Pium” (Lima, 1999a) e “Transformações no Uso e Ocupação do Solo de Pium Provocados pela Duplicação da Rota do Sol” (Lima, 1999b). Essas pesquisas anteriores (Lima, 1999a, 1999b), constataram a existência de mudanças no uso e na ocupação do solo nessa localidade, apontada pela comunidade algumas vezes como sendo negativa, outras como benéfica, porém sempre referida como provocadora de alterações no seu cotidiano, motivando a continuação do estudo da área. Para avaliar a relação existente entre as mudanças percebidas na paisagem e os fatores que interferiram neste processo, utilizou-se na presente pesquisa: dados primários que foram obtidos através de pesquisa de campo, por meio da aplicação de formulários na comunidade ; sistematização dos registros do uso e ocupação do solo; e registros fotográficos. Estes dois últimos como resultado do levantamento in loco das características atuais da área e da comunidade residente. Quanto aos dados cartográficos para localização e delimitação da área estudada, utilizou-se o mapa planimétrico do litoral de Parnamirim, elaborado pela Prefeitura Municipal de Parnamirim/RN (1994), na escala 1/10.000, foram também utilizadas fotos aéreas no 788 e no 789 pertencentes a SPU-RN (Secretaria do Patrimônio da União – RN, 1998), correspondente ao trecho R. Potengi-R. Guajú, produzidas pela Universal S.A., na escala 1/8.000. Utilizou-se ainda, os mapas 1, 2, 4 e 5, anexos ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Parnamirim, elaborado em 1999, que tratam: Mapa 1 – Macrozoneamento Ambiental e Áreas de Conservação Ambiental; Mapa 2 – Zoneamento Funcional do Município; Mapa 4 – Estrutura Viária Principal; e Mapa 5 – Limites de Gabarito Estabelecidos. Todos na escala 1:30.000. Para a atualização do mapeamento do uso e ocupação do solo pela atividade terciária em Pium contou-se, em 1999, com a colaboração dos 14 componentes da base de pesquisa - Unidade Interdisciplinar de Estudos sobre a Habitação e o Espaço Construído - do Departamento de Geografia/CCHLA/UFRN, Coordenada pela Profa. Edna Maria Furtado. Essa equipe tomou como base um croqui fornecido pelo Setor de Cartografia da Fundação Nacional de Saúde, FNS/RN, de 1995. A coleta de informações no campo ocorreu no período de junho de 1998 à maio do ano 2000. A delimitação do recorte da área estudada foi possibilitada através do trabalho de reconhecimento de campo e pelo registro fotográfico das principais características encontradas no lugar. O universo analisado, foi definido como o assentamento em que vive a população residente no bairro de Pium, sendo incluídos neste estudo a Praia de Cotovelo e o Valede Pium, apenas a partir de dados secundários que possibilitaram o entendimento do que ocorre no referido local. Como procedimento adotado para aplicação dos formulários foram escolhidas as famílias domiciliadas no local, representadas por um dos seus membros, preferencialmente a pessoa mantenedora da família no domicílio. A escolha dos procedimentos de observação direta foi indicada pela consultoria técnica da CONSULEST (Consultoria Estatística - CCET - Centro de Ciências Exatas e da Terra) - UFRN, tendo sido definido também, em conjunto com essa consultoria, o percentual do universo a ser estudado e os locais de aplicação. No croqui de Pium utilizado neste estudo, existem 35 quadras identificadas no perímetro urbano. Para a observação direta, adotou-se o procedimento de seleção por amostragem numa amostra significativa em relação a todas as residências deste bairro. Foram aplicados 88 formulários, onde a forma de escolha das residências foi dada pela técnica de “amostragem por conglomerado”, onde cada conglomerado é identificado como sendo uma quadra, compondo, assim, 35 conglomerados, numerados de acordo com a FNS (Fundação Nacional de Saúde) – RN. 15 No primeiro estágio, foram escolhidas seis quadras apontadas de acordo com o tratamento estatístico escolhido pela CONSULEST, que foram as seguintes: 1, 3, 7, 18, 25, e 34. No segundo estágio, a seleção de oitenta e oito residências foi feita de forma aleatória. Cada uma teve a mesma probabilidade de ser escolhida. Entre elas, foram sorteadas quinze nos quatro primeiros conglomerados, e quatorze nos restantes, observando-se que as residências escolhidas não fossem vizinhas. Os resultados foram apresentados em forma de tabelas, que tiveram como objetivo apresentar elementos que possibilitem a análise da problemática proposta. Este trabalho foi sistematizado partindo da aparência da paisagem, que com o auxílio dos dados primários, secundários e referências teóricas, permitiu chegar próximo a essência das mudanças ocorridas e dos fatos que interferiram na modificação da comunidade de Pium, em suas condições socioespaciais, as quais materializaram-se no espaço construído. Nesta dissertação, o Capítulo 1, apresenta as mudanças percebidas na paisagem Piuense. Em seguida, o Capítulo 2 trata da (re)produção do espaço e os fatores que interferiram na sua organização, enfatizando como elementos chaves, o lazer e o turismo e a expansão urbana de Natal. As transformações ocorridas na vida da população são analisadas no Capítulo 3, onde foram relacionados os dados locais no contexto socioespacial do Rio Grande do Norte. O Capítulo 4 aponta as perspectivas locais e conclui-se este estudo no Capítulo 5, com algumas observações consideradas pertinentes ao tema e à presente pesquisa. 16 1 – A PAISAGEM PIUENSE O espaço foi considerado neste trabalho como o resultado da ação humana no meio ambiente, num movimento dialético intermediado pelos objetos naturais e artificiais. Na medida em que o ser humano interfere na natureza, há entre os dois uma relação recíproca cultural, que é também política e técnica, que provoca sua própria alteração. O espaço apresenta-se, assim, como o resultado da soma e da síntese sempre refeita da paisagem com a sociedade, em que os objetos servem para concretizar uma série de realizações, sendo o espaço o resultado da ação dos seres humanos sobre estes objetos. Todos os espaços são geográficos e são modificados pelo movimento da sociedade e da produção, sendo a paisagem a dimensão percebida do espaço. Porém, o fenômeno geográfico vai além de sua dimensão corpórea, pois existe uma essência no acontecer geográfico. Neste estudo, a paisagem foi considerada como um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais, porém que não apresenta-se apenas como um conjunto de elementos estáticos (uma fotografia), e sim uma manifestação concreta do processo de produção do espaço como elemento percebido a partir da dimensão real criada pelas relações sociais em cada momento. A paisagem apresenta um aspecto relevante na análise do espaço, pois nela se manifesta o movimento do real, sendo na sua forma que se expressa a “concretude momentânea” da produção e reprodução do espaço. A existência social dos seres humanos não se faz fora de sua existência material. Portanto, as formas se manifestam a partir dos atos práticos, das relações concretas entre os indivíduos. Lefebvre, chama a atenção para o fato de que a paisagem reproduz, num determinado momento, vários momentos passados que na articulação com o novo, reproduzem uma paisagem peculiar onde a história tem peso importante (Carlos,1994, p. 46). 17 A paisagem tem um movimento que pode ser mais ou menos rápido dependendo da dinâmica social e desvendar essa dinâmica é fundamental para o entendimento do percebido. A paisagem, contudo, não consegue dar conta da apreensão da totalidade do espaço, porque ainda que seja a materialização das relações que produzem o espaço, revela apenas um momento da sociedade. Por isso existe a necessidade de se articular as transformações percebidas com o processo de produção do espaço que possibilitaram sua existência. O conjunto de dados naturais (solo, relevo, clima etc.), em maior ou menor escala, transformados pela ação consciente do ser humano através de sucessivos sistemas de engenharia, e a dinâmica social, ou o conjunto de relações que definem uma sociedade em um dado momento, formam a configuração espacial. Em cada momento histórico, os modos de produzir a vida material são diferentes. O trabalho humano vai se tornando cada vez mais complexo, exigindo mudanças correspondentes às inovações assim como uma nova configuração espacial. No perímetro urbano, as casas, as ruas, as praças, são resultado do trabalho transformado em objetos culturais, suscetíveis às mudanças irregulares no tempo. Então, a paisagem é percebida, como um conjunto de formas heterogêneas representativas das diversas maneiras de produzir as coisas e de construir o espaço. Uma das características importantes quando utiliza-se a paisagem como categoria relevante de análise do espaço geográfico, é sua heterogeneidade, tanto em termos de concentração populacional, quanto em diversidade de utilização dos recursos disponíveis, o que revela informações sobre como este espaço encontra-se organizado. A interpretação das modificações na paisagem é um dos pontos de partida para se entender seu significado e as articulações entre as forças gerais que influenciam na sua mudança. A diversidade observada é condição e resultado, em que a divisão do trabalho é o processo pelo qual os recursos naturais disponíveis são distribuídos socialmente e geograficamente. 18 O estudo da paisagem de Pium foi feito a partir dos seus elementos entendidos em um constante movimento de composição, onde o ritmo de mudança se deu de acordo com o desenvolvimento das relações sociais, sem perder de vista a idéia de totalidade. As formas criadas recentemente juntaram-se às formas do passado, que foram percebidas nas mudanças na paisagem e possibilitaram uma relação com as mudanças estruturais da sociedade. As intensas mudanças ocorridas na paisagem local caracterizam um conjunto de alterações significativas nas formas, nos movimentos e na estrutura social, ao que denomina-se metamorfose. A percepção da mudança na paisagem que ocorreu em Pium induz a uma necessidade de compreender as modificações sociais que existiram nesse espaço. Interrelacionar essas mudanças visíveis com as mudanças sociais e analisar os fatores globais que interferiram no local representouuma elaboração complexa onde os fatores analisados entrelaçaram-se numa construção e reconstrução constante do conhecimento. Para compreender a metamorfose socioespacial Piuense, foi necessário analisar as mudanças estruturais e funcionais existentes nessa paisagem, partindo-se da descrição da paisagem e de suas mudanças articuladas aos principais fatores de transformação do espaço local, e como estes se interrelacionaram com a vida da comunidade. De acordo com Santos (1997, p.69), as mudanças estruturais apresentam alterações significativas nas formas com substituição de antigas edificações por edificações modernas, ou seja, existe a alteração das velhas formas empregadas para adaptação às novas funções, além da construção de novos edifícios e equipamentos urbanos. As mudanças funcionais da paisagem representam principalmente alterações nos movimentos, e sua ocorrência nas avenidas, ruas e praças em diversos momentos distintos dos dias, das semanas e do ano, compondo a paisagem de forma diferente. 19 O intenso movimento percebido na paisagem Piuense, em determinados períodos (determinados meses do ano e dias da semana), alteram totalmente a paisagem, saltando aos olhos também o número de novas formas edificadas, construções essas de caráter recente ou em processo de mudança. Esta metamorfose local apresenta-se vinculada ao processo de ocupação do espaço litorâneo brasileiro e particularmente do Rio Grande do Norte. Para compreendê-la, tornou-se necessário abordar Pium no contexto litorâneo brasileiro e norte-rio-grandense, apontando também as suas especificidades. A configuração espacial da urbanização brasileira é inicialmente concretizada pelos motivos que impulsionaram as ações dos nossos colonizadores, cujo caráter exploratório fixou as populações nas zonas litorâneas, a fim de, a baixo custo, melhor escoar nossas riquezas para o mercado europeu. Desde os tempos da colonização, a região litorânea em todo o Brasil apresenta as características de um desenvolvimento mal distribuído socialmente, e de uma grande degradação do patrimônio natural . Segundo Moraes (1999, p.66), o litoral brasileiro, que foi povoado inicialmente num padrão descontínuo, com arquipélagos demográficos de adensamento, apresenta hoje um processo vertiginoso de expansão do povoamento na zona litorânea de forma contínua, o qual iniciou-se no final da década de sessenta e consolidou-se nos anos setenta. Até esse momento ainda seria possível encontrar áreas isoladas bastante próximas das grandes aglomerações litorâneas, sendo a urbanização do litoral brasileiro, um processo contemporâneo ainda em curso na atualidade. A permanência dessa concentração é decorrente não só das condições fisiográficas da nossa costa, mas também dos tipos de ocupação e dos investimentos que favoreceram esse tipo de ocupação até hoje. Atualmente o processo de reprodução do espaço litorâneo do Nordeste Brasileiro de forma mais ampla, e o que ocorre no Litoral Oriental do Rio Grande do Norte, mais especificamente, está estreitamente relacionado ao 20 desenvolvimento das atividades de lazer e turismo, atividades que estão atreladas ao processo histórico de organização do espaço brasileiro e contribuem para um povoamento intenso da fachada atlântica. De acordo com Felipe (1994, p.10), no Rio Grande do Norte, três fatores contribuem para o tipo de distribuição populacional existente: 1)A concentração dos serviços e sua ampliação de influências na economia terciária, particularmente em Natal, juntamente com as atividades ligadas ao turismo, tornando-se fato econômico importante no Estado nas últimas décadas. 2) o surgimento de economias novas na Região de Mossoró, exploração de petróleo e produção de frutos tropicais (melão, caju, melancia, graviola, maracujá e manga), faz com que Mossoró assuma o papel de 2º pólo de atração do Estado (...). 3) Sem investimentos novos, sem perspectivas econômicas de curto e médio prazo, o resto do Estado e seus municípios com exceção de Natal e Mossoró, tendem a reduzir a sua população, reduzindo também a superação deste quadro econômico. Essa concentração dos serviços e sua ampliação de influências na economia terciária, particularmente em Natal, juntamente com as atividades ligadas ao turismo, as quais vêm se tornando fato econômico importante no Estado nas últimas décadas, justificaram a investigação acerca da interferência do lazer, em sentido amplo, e do turismo, em sentido mais restrito, na dinâmica da paisagem Piuense. No Rio Grande do Norte a Zona Litorânea Oriental do Estado é a mais urbanizada. De acordo com estudos feitos pelo IDEC-RN (1997a), está havendo desde 1970 um deslocamento para essa área, onde encontra-se a Grande Natal - Zona Metropolitana criada em 1997, pela Lei Complementar N.º 152, que envolve os municípios de Natal, Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo do Amarante, Extremoz e Ceará-Mirim. A proximidade de Pium a Natal, núcleo central da Região Metropolitana que envolve os vários municípios vizinhos e, particularmente, Parnamirim, onde Pium está inserido, reporta à necessidade de entender como essa área metropolitana tende a se ampliar através da incorporação dos espaços vizinhos e de que forma o crescimento de Natal influencia na mudança da paisagem em Pium . 21 Ainda segundo Felipe (1994, p.8-9), as políticas públicas assumem caráter discriminatório em termos espaciais e sociais, no momento que concentram investimentos e induz a concentração populacional num ponto do espaço geográfico, o que tem ocorrido no Litoral Oriental, uma área em que os investimentos feitos pelo Estado, através de construção de vias estatais, apresentam-se com uma certa constância devido à grande potencialidade de lazer e turismo decorrente das riquezas naturais e paisagísticas encontradas, e do clima agradável durante todo o ano. O Litoral Oriental (Figura 1), onde encontra-se Pium, tem características que possibilitam o desenvolvimento destas atividades, dentre essas características, destaca-se o clima tropical - litorâneo úmido, cuja temperatura média anual revela pequena amplitude térmica, com verões quentes e invernos amenos, onde a média das mínimas fica em torno de 23ºC e a das máximas em torno de 31ºC. Fonte: AtualizaçãoPium/RN satellite map large rectangle image link. Pium/RN satellite map maplandia.com Figura 1 – Brasil -Rio Grande do Norte, Pium. 22 Outras características naturais da paisagem desse trecho Oriental do litoral norte-rio-grandense, são os resquícios da Mata Atlântica e seus ecossistemas associados, as restingas, os manguezais e a formação vegetal denominada de tabuleiros litorâneos, cuja fitofisionomia assemelha-se ao cerrado (Figura 2). Nessa parte do litoral, apresentam-se dunas de altura bastante elevada, vasto complexo estuarino, enseadas separadas por portões rochosos, praias e falésias instáveis, que sofrem ação erosiva do mar, um importante potencial hídrico de superfície e, ainda, paralelos à costa, bancos rochosos (sedimentos do grupo barreiras, recifes etc.), que formam belas paisagens. Os ecossistemas naturais têm sido degradados, principalmente as dunas por causa da constante retirada de vegetação nativa fixadora, apresentando problemas no equilíbrio do sistema, com um processo acentuado de migração das areias, assoreamento de rios, riachos e lagoas. Nos principais rios, lagoas, estuários e manguezais, a expansão urbana também provoca impactos ambientais, acarretandoa contaminação dos lençóis de aqüíferos, uma vez que quase todo o esgoto dos núcleos urbanos não sofre tratamento adequado, sendo depositado in natura em suas águas. Estas áreas também sofrem influência da atividade pesqueira indiscriminada. Além disso, esta paisagem natural litorânea vem sendo descaracterizada principalmente em razão da especulação imobiliária e de empreendimentos turísticos. A paisagem desta área litorânea, apresenta como destaque do espaço construído a rodovia RN-063, mais conhecida como “Rota do Sol”, que liga o bairro de Ponta Negra em Natal à Nísia Floresta. Essa rodovia foi um dos componentes apresentados para a análise da ocupação urbana ao Sul de Natal, pois viabiliza a utilização de grande parte do espaço litorâneo, já dotado de assentamentos urbanos preexistentes, para atividades econômicas voltadas para o lazer e turismo (Figura 2). 23 Encontra-se nessa área o vale do Pium, um dos mais importantes situados nas proximidades de Natal, pois apresenta grande potencialidade para a produção de alimentos, tendo sido alvo de projetos de assentamentos de colonos para exploração desta potencialidade. Pode-se citar como exemplo o Projeto PIC/PIUM - Projeto Integrado de Colonização do Pium, na década de 50, elaborado e implantado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Contudo, existe um processo natural de assoreamento do rio, que em face de sua pequena declividade nesse trecho do vale, necessita da realização de serviços periódicos de dragagem, a fim de possibilitar o adequado aproveitamento do vale. Fonte: Atualização Fonte : PraiasaereoCotoveloePium.jpg vilaboadegoias.com.br Figura 2 – Pium, localização e elementos característicos de seu entorno, enfatizando a “Rota do Sol”. 24 http://www.google.com.br/imgres?q=pium+rn&hl=pt-BR&client=firefox-a&sa=X&rls=org.mozilla:pt-BR:official&channel=np&biw=1024&bih=665&tbm=isch&prmd=imvns&tbnid=azSwhgP0fJel0M:&imgrefurl=http://www.vilaboadegoias.com.br/pipa.htm&docid=wNoLkrG4NbtOSM&imgurl=http://www.vilaboadegoias.com.br/praias/Praias%252520aereo%252520Cotovelo%252520e%252520Pium.jpg&w=640&h=480&ei=uZ_HT4u5M8iigweC2MGKDg&zoom=1&iact=hc&vpx=724&vpy=154&dur=3621&hovh=194&hovw=259&tx=70&ty=237&sig=110676327854882895781&page=1&tbnh=144&tbnw=193&start=0&ndsp=12&ved=1t:429,r:3,s:0,i:76 Porém, a drenagem do vale não foi priorizada pelo poder público local e, conseqüentemente, a população, que tinha sua economia voltada principalmente para as atividades agrícolas, passou a deslocar sua força de trabalho para atividades do setor terciário. De acordo com pesquisa elaborada por Dantas (1982, p.46-47), sobre este local: “...a produção agrícola desta área, encontra-se decadente, e que os agricultores aí assentados, vêm abandonando as culturas de hortifruticultura devido a problemas financeiros, e em decorrência da especulação imobiliária...” Atrelada a estes fatores e com o incentivo às atividades turísticas no litoral ao Sul de Natal, que tem Pium como ponto principal de passagem, a comunidade local, que antes estava voltada para as atividades agrícolas de subsistência, hortifrutigranjeiras e extração de frutos nativos, passou a ter no setor terciário uma atividade que as substituíram e hoje se constitui na principal fonte de trabalho e renda, fator que apresentou-se na paisagem, materializada no grande número de estabelecimentos comerciais no bairro. Pium, comunidade vista por muito tempo como pequeno aglomerado urbano pertencente ao Município de Parnamirim, passou a ser considerada bairro pela Lei Municipal nº 841/94, que define toda a área que constitui o Município como perímetro urbano ou área de expansão urbana. A justificativa dada pela Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo de Parnamirim para que todo o Município, que ainda apresenta grandes vazios entre alguns dos seus bairros, ser considerado área urbana provém do seu acelerado crescimento, uma vez que esse Município recebe um contingente populacional deslocado de outras regiões do Estado, provocando assim, um crescente adensamento urbano. Entretanto, a paisagem Piuense, em alguns aspectos apresentou características de um pequeno povoado, intercalado de terrenos não urbanizados, na maior parte do tempo, pacata a espera de movimento e, em outros, com características de um subúrbio metropolitano, onde, dependendo da hora e do dia, o movimento acelera-se, e o fluxo de pessoas e veículos é grande. 25 Também apareceu na paisagem local as contradições sociais, principalmente no que diz respeito as diferenças de poder aquisitivo entre os moradores, que evidenciaram-se no padrão diferenciado de suas residências (Figuras 3 e 4). Foto: Fonte atuaçlização classidigi.com Figura 3 – Residências da população de menor poder aquisitivo, demonstrando um padrão construtivo mais simples e menos dispendioso. Foto: Fonte atualização classidigi.com Figura 4 – Residências da população de maior poder aquisitivo, mostrando um padrão construtivo melhor elaborado e mais dispendioso. 26 Quanto a sua população e quantidade de prédios, segundo informações fornecidas em maio de 2000, pelo Setor de Cadastramento Imobiliário da Secretaria de Finanças da Prefeitura de Parnamirim, em Pium existiam 348 prédios, com uma população residente de 1.566 habitantes. Pium apresenta interligações com os bairros e municípios vizinhos por meio de duas vias estaduais, a RN-313 e a RN-063 ou “Rota do Sol”. Sendo esta última a via que tem maior fluxo de veículos, que no interior do bairro desdobra-se em duas avenidas. Percebeu-se que o bairro tem como referencial para ocupação urbana a “Rota do Sol”. A duplicação dessa via transformou-se num importante fator para a ocupação de novas áreas e para mudanças de seu uso, visto que essa duplicação provocou a abertura de uma nova avenida no interior desse bairro. No período de 1980 a 1985, o Departamento de Estradas e Rodagem do Rio Grande do Norte (DER-RN), concluiu a rodovia RN-063, que passa no centro de Pium e faz a ligação entre Natal e todas as praias ao Sul da Capital, indo até o Município de Nísia Floresta, como já foi dito. Recentemente, parte dessa via foi duplicada, possibilitando melhor fluxo de veículos para praias do litoral ao Sul de Natal. De acordo com o Setor de Obras e Operações do DER-RN, a duplicação no interior de Pium teve início em março de 1992, sendo concluída em março de 1993, passando a ser composta por duas vias, cada uma com tráfego em apenas um sentido, desde o bairro de Ponta Negra, em Natal, até Búzios, em Nísia Floresta. O trecho entre o bairro de Ponta Negra e Pium estende-se por oito quilômetros. Em Pium essa duplicação resultou em duas avenidas distintas (Figura 5). As avenidas decorrentes da duplicação tiveram sua construção possível devido a desapropriação de terrenos vazios ou que tinham a função de quintais das residências situadas na rua Padre Cícero. A “Rota do Sol” percorre um quilômetro e meio no interior de Pium, desde o Posto Policial, ao Norte do bairro, até o Posto de abastecimento de veículos, ao Sul, delimitando-se, assim, a referida duplicação (Figuras 6 e 7). 27 Fonte: Atualização: rapadurabiker.blogspot.com Figura 5 – Pium, localização da duplicação da “Rota do Sol” em seu interior. 28 Foto: Fonte Atualização.viacertanatal.com Figura 6 – Pium, início da duplicação da “Rota doSol” Foto: Fonte Atualização: viacertanatal.com Figura 7 – Duplicação da “Rota do Sol” 29 A parte mais edificada do bairro tem formato triangular, cujas principais edificações são uma Igreja Católica; um Posto da TELEMAR - Telecomunicações do Rio Grande do Norte S/A; um Posto de Saúde; uma Feira de Frutas e Verduras, esta de caráter permanente; além de vários estabelecimentos comerciais. Esse local também se caracteriza por ter um permanente movimento de pessoas e veículos, apresentando-se como centro para essa comunidade, pois nessa área encontram-se concentradas algumas das principais instituições coletivas do bairro. A rodovia, na localidade, exerce a função de principais avenidas. O trecho que apresenta o sentido Natal-Praias, no perímetro urbano, é denominado Avenida Joaquim Patrício, e o que possibilita o tráfego no sentido Praias-Natal, chama-se Avenida Edgar Medeiros. Percorrendo-se Pium, percebeu-se o surgimento constante de novos elementos, com novas ruas surgindo nas proximidades da “Rota do Sol”, casas recém construídas ou em construção, e muitas reformas nas residências já existentes. As novas ruas apresentaram-se diferenciadas das principais, pois são pavimentadas por paralelepípedos ou apenas recobertas com piçarro, enquanto as principais são asfaltadas. Foram encontrados também, às margens da “Rota do Sol”, estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, com misto de construções de uso residencial. Na paisagem local a alteração na forma foi confirmada segundo dados averiguados nas entrevistas aplicadas aos moradores, que apontaram 42 % dos imóveis pesquisados apresentando modificações nos últimos 10 anos. Tabela 1 PIUM - MODIFICAÇÕES NAS RESIDÊNCIAS NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS Modificações/ no domicílios Total % Sim Não Total 37 51 88 42,0 58,0 100,0 Fonte: Dália Lima. Pesquisa de campo, abril de 2000. 30 Esse número expressivo de modificações, demonstrou que a paisagem está passando por um processo de alterações substanciais nos seus elementos fixos, confirmando a existência da mutação estrutural da paisagem local, onde essas mudanças também apontaram para novas funções desse espaço. Segundo Santos (1997, p.77), o espaço é formado de fixos e fluxos. Os elementos fixos compõem-se dos instrumentos de trabalho e das forças produtivas, que materializam-se em objetos técnicos e sociais, e formam os sistemas de engenharia. Sendo os fixos que dão o processo imediato do trabalho, enquanto os fluxos representam os movimentos e a circulação, estando vinculados aos fenômenos de distribuição e consumo. Outros dados apontados foram referentes aos principais tipos de modificações ocorridas nestes domicílios. Em 62,1% das residências, foram feitas ampliações nas construções já existentes; 32,4% mudaram a forma dos prédios, uns para atender um novo uso que geralmente passou de residencial para comercial ou para estabelecimentos de prestação de serviços, existindo também os imóveis que passaram a ter uso misto. Existindo ainda 13,5% que mudaram o próprio local de suas residências. Percebeu-se claramente na paisagem que os elementos novos como as reformas, as ampliações e outras construções estão ainda agregados a elementos mais antigos, em que construções rudimentares de taipa e alvenaria simples se misturam a lojas de dois pavimentos construídas com processo técnico mais avançado, permitindo afirmar que ocorreu um processo recente de mudanças. Tabela 2 PIUM - TIPO DE MODIFICAÇÕES NAS RESIDÊNCIAS Tipos / no de domicílios Total % Ampliação Uso Local 23 12 05 62,1 32,4 13,5 Obs. Alguns dos 37 questionários afirmativos de mudança, apontaram mais de uma modificação Fonte: Dália Lima - Pesquisa de campo, abril de 2000. Os pédios em Pium, em sua maioria, foram construídas em alvenaria, existindo algumas ainda em taipa, sem forro, rebocadas, com cobertura 31 de telhas, e duas águas, piso de cimento, instalação elétrica exposta, apenas um banheiro simples, algumas vezes com terraço, os jardins geralmente delimitados por cercas de estacas e arames, com ausência de calçadas e meio fio, apresentando, portanto, um aspecto rural, mesmo nas ruas mais movimentadas (Figura 8). As reformas efetivadas nos prédios modificaram, muitas vezes, o padrão de construção das residências, tanto no tipo de material utilizado, quanto na orientação das residências situadas na rua Padre Cícero, onde os principais cômodos foram colocados de frente para a Avenida Edgar Medeiros. Após a duplicação da “Rota do Sol”, em alguns locais já destinados ao lazer de turistas, os proprietários fizeram reformas que possibilitaram duas fachadas nos dois sentidos, para aproveitar melhor o fluxo de turistas que percorrem as duas avenidas. Exemplo disso é o “Recanto do Garcia” - restaurante anteriormente voltado apenas para a Avenida Joaquim Patrício, que, após reformado, abriu um novo acesso pela Avenida Edgar Medeiros. O mesmo ocorreu com a Associação dos Servidores do DNER-RN (Departamento Nacional de Estradas e Rodagem), destinada ao lazer e que serve de pousada para os associados que querem desfrutar a vizinha Praia de Cotovelo. Foto: Atualização Fonte: skyscrapercity.com. Figura 8 – Pium, Padrão construtivos. 32 As reformas citadas como ampliação geralmente apresentaram adaptações de partes das residências para a utilização comercial (Figura 9).ou para prestação de serviços(Figura 10), surgindo uma incipiente verticalização, com algumas construções em dois pavimentos, onde a parte térrea é destinada ao comércio, e o andar de cima ficando destinado à moradia Em Pium foi reservada uma área para Feira de Artesanato, onde foram construídos quiosques de madeira e alvenaria, padronizados, nos quais são vendidos produtos artesanais principalmente aos turistas. Essa feira está dotada de um amplo espaço calçado para estacionamento de ônibus e outros veículos utilizados para o turismo . Foto:Fonte atualização: rn.quebarato.com.b Dália Lima, 1999 Figura 9 – Pium, residências que apresentam reformas destinadas ao comércio. 33 Foto: Fonte atualização: rn.quebarato.com.b Figura 10 – Pium, comércio enfatizando ao turismo A Feira de Frutas e Verduras, antes existente na parte central do bairro, teve seu espaço aumentado e modificaram-se os tipos de barracas, que anteriormente eram rudimentares e sem alinhamento. Passaram, então, a ser padronizadas e delimitadas, cobertas com lona, existindo também um espaço destinado ao estacionamento de veículos dos passantes, turistas e veranistas (Figura 11). A ampliação da referida feira desencadeou um aumento da área destinada às barracas e, conseqüentemente uma priorização de um maior espaço para o comércio em detrimento do conforto das moradias ali existentes, pois provocou uma maior proximidade dessas barracas com as residências nos seus arredores, dificultando a ventilação e a visualização das mesmas. 34 Surgiram, também, construções de alguns prédios apropriados a pousadas (Figura 12) e de algumas lojas de conveniência, onde encontram-se produtos mais sofisticados e até produtos importados de outros países, destinados principalmente a clientela de turistas e moradores temporários (Figura 13). Foto: Ana Melo, 1999 Atualização fonte - Margarete. Upload 2008-10-19 Figura 11 – Pium, Feira Permanente de Frutas e Verduras, destacando o estacionamento de veículos dos visitantes. Foto: Fonte Atualização: porondeandamos2011.blogspot.com Figura 12 – Pium, Pousada, construção adequadaa esse fim. 35 A alteração das antigas formas para adaptação às novas funções, deu- se em Pium principalmente em relação ao tipo de reforma, pois as residências receberam novos cômodos na parte frontal (no caso da Av. Joaquim Patrício) ou acréscimos na sua parte de fundos (no caso da Av. Edgar Medeiros), sempre com o objetivo de se beneficiar do tráfego mais intenso. Essas reformas geralmente envolveram a ampliação das portas para possibilitar melhor acesso aos compradores, existindo também o acréscimo de um terraço que serve para expor os produtos de maior venda. Essa diferença dos usos do espaço chamou a atenção na observação da paisagem, pois perceberam- se os usos comerciais e de serviços em determinadas ruas, que detêm melhor infra-estrutura disponível e nas quais existe o fluxo de passantes para outras localidades do litoral. Constatou-se que a metamorfose do espaço ocorreu em Pium de forma diferenciada, onde as áreas centrais modificaram-se, beneficiadas com a melhor infra estrutura e as ruas de formação recente, habitadas pela população de menor poder aquisitivo apresentaram-se sem infra-estrutura adequada (com ausência de drenagem, pavimentação, iluminação, saneamento básico). Foto: Fonte atualização: piumonline.com.b Figura 13 – Panificadora com loja de conveniência, onde encontram-se produtos mais sofisticados e até produtos importados de outros países, destinados principalmente a clientela de turistas e moradores temporários. 36 De acordo com a pesquisa de campo, 9,1% dos prédios apresentaram uso misto, ou seja, as famílias residiam e instalaram seu comércio; 3,4% foram destinados à prestação de serviços; tendo 86,3% dos imóveis destinados apenas a fins residenciais (Tabela 3). Nas margens da “Rota do Sol”, os principais tipos de serviços prestados identificados foram: borracharias, oficinas de lanternagem, mecânicas de consertos de eletrodomésticos, cabeleireiros, manicures, além da presença de várias lojas de material de construção, e verificou-se uma maior incidência de estabelecimentos comerciais. A mutação funcional da paisagem em Pium percebeu-se tanto na mudança das funções desempenhadas pelas edificações, como também no funcionamento diferenciado das avenidas e ruas, com ritmos distintos durante períodos de tempos definidos, segundo horas do dia, dias da semana e meses do ano. Essas diferenciações são causadas pelo fluxo de veranistas e turistas, bem como pelo próprio movimento dos moradores, nas idas e vindas para o trabalho e em outras atividades rotineiras pertinentes ao cotidiano do bairro. Tabela 3 PIUM – TIPO DE UTILIZAÇÃO DOS IMÓVEIS Tipo / no de domicílios Total % Residencial Prest. Serviços Resid e Comercial Outros Total 76 3 8 1 88 86,4 3,4 9,1 1,1 100,0 Fonte: Dália Lima. Pesquisa de campo, abril de 2000. A diferenciação percebida no trânsito foi evidente: os ônibus e automóveis percorrem a rodovia em grande número, principalmente nos finais de semana e em alguns meses do ano, quando o fluxo de turistas e veranistas intensifica-se. 37 Os ônibus destinados ao transporte público coletivo municipal e intermunicipal circulam pelas avenidas citadas. Observou-se que os principais pontos de espera dos coletivos estão situados precariamente nas laterais das referidas avenidas, sem a devida proteção quanto a radiação solar, chuva e vento. Foi constatado que no interior de Pium, a “Rota do Sol” não contém calçadas laterais ou semáforos que facilitem o fluxo de pedestres, privilegiando, assim, o fluxo de veículos em detrimento da segurança dos moradores da localidade. Existiam apenas algumas lombadas (elevações na estrada) para o controle da velocidade dos veículos. Apesar da melhor iluminação pública das avenidas centrais, percebeu-se que nas ruas adjacentes a mesma era deficiente, existindo ainda precários acostamentos e rara sinalização. Fazendo a ligação entre as duas principais avenidas decorrentes da duplicação, foram encontradas ruas secundárias, sendo a maior parte sem pavimentação e sem calçadas laterais. Percorrendo-se a Avenida Edgar Medeiros, observou-se o surgimento de novas ruas, transversais, sem traçado definido, existindo até ruas sem saídas. Constatou-se que nessas ruas, existiam grande número de casas recém construídas ou em construção. Essas mudanças percebidas na paisagem, são de natureza qualitativa, uma vez que vão surgindo novas construções a cada dia em lugares que guardavam predominância de elementos naturais, como sítios e granjas, assim como quantitativas, devido à maior quantidade de elementos agregados a esses espaços, ao aumento de infra-estrutura e ao crescimento da concentração populacional. A metamorfose apresentada na paisagem Piuense em sua área e nas formas espaciais, nas infra-estruturas disponíveis e no movimento de pessoas e veículos revelou a materialização de transformações funcionais decorrentes da dinâmica das relações sociais ali existentes. Para analisar as transformações funcionais e a dinâmica socioespacial existente em Pium, foi necessário articular mudanças percebidas na paisagem com fatores que interferiram na (re)produção espacial do local . 38 2 – A (RE)PRODUÇÃO DO ESPAÇO LOCAL Para proceder a análise do processo de (re)produção socioespacial que ocorreu em Pium, este estudo remeteu-se ao lugar como uma parcela de espaço que, apesar de sujeito às mesmas leis gerais do processo de produção espacial, também se reproduz a partir de fatores históricos específicos. ”O mundo é apenas um conjunto de possibilidades, cuja efetivação depende das oportunidades oferecidas pelos lugares.” (Santos, 1999, p.271). Pium apresentou-se neste estudo como uma totalidade real que, fundamentada na indissociabilidade dos fenômenos sociais, detém uma relação de interdependência com o todo, sendo o mundo o ponto de partida e de chegada da análise, que enfatiza o possível, onde em cada época existe uma pluralidade de possibilidades que se realizam no processo histórico. Para Lefebvre (apud Carlos, 1996, p. 129) “por meio do espaço atual, sua crítica e seu conhecimento se chega ao global, à síntese”. O espaço apresenta-se, assim, como um conjunto de possibilidades, organizadas pela relação existente entre os elementos naturais e sociais que o compõem. De acordo com Santos (1997, p.72) “...O espaço resulta do casamento da sociedade com a paisagem. O espaço contém o movimento. Por isso paisagem e espaço são um par dialético. Complementando-se e se opondo...” A paisagem artificial é a paisagem transformada pelo homem, a grosso modo podemos dizer que a paisagem natural é aquela ainda não mudada pelo trabalho humano. O que se percebeu na paisagem Piuense é que a paisagem natural, vem sendo substituída pela paisagem artificial, onde os objetos geográficos – casas, pousadas, bares, restaurantes, ruas, através dos seus arranjos, vão dando uma nova configuração ao lugar. As transformações estruturais e funcionais da paisagem em Pium foram indicadores da existência de fatores que interferiram na (re)produção do espaço local, estando por trás da paisagem o movimento, em que a luta entre contrários configura-se numa inter-relação dialética permanente entre o externo e o interno, o novo e o velho, o Estado e o mercado. 39 Um determinado lugar, num determinado momento, é o resultado da ação de diversos elementos, ou seja, toda situação apresenta-se como resultado e processo, pois “...O espaço torna-se o lugar e o meio da emergência e realização das diferenças (...) Obra e produto da espécie humana ...” Lefebvre (apud Carlos, 1996, p 134). O lugar apresenta-se,então, como o ponto de manifestação dos conflitos, dos desequilíbrios, das tendências da sociedade, daí a importância de sua análise para o entendimento da dialética global versus local, tão característica desse final de século, frente às mudanças territoriais econômicas e sociais que ocorrem no planeta Terra (Gomes, 1997). Para Carlos (1994, p.83-85), a (re)produção do espaço urbano recria constantemente as condições gerais a partir das quais se realiza o processo de reprodução do capital. O modo de ocupação de determinado lugar, dá-se a partir da necessidade de realização de determinada ação, seja ela de produzir, consumir, habitar ou viver. Para a maioria dos autores que trabalham a questão da produção do espaço, nenhum subespaço ou lugar pode escapar hoje ao processo conjunto de globalização e fragmentação. A globalização deve ser entendida como uma questão global de múltiplas diferenciações locais. A ordem global busca impor a todos os lugares uma única racionalidade, porém a ordem local responde segundo suas especificidades e contradições. A economia internacional encontra respostas nas políticas nacionais, tendo os Estados como atores importantes encorajando ou inibindo os desígnios do capital internacional. De forma concreta, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional vêm exercendo importantes intervenções em prol do capital “Global”. Mas, por mais maciças que sejam essas intervenções, a complexidade da organização espacial apresenta-se como problemas a serem regulados e geridos pelo poder nacional e pelos poderes locais nos seus diversos níveis (Santos,1999, p. 269). A produção espacial é conjugada a fatores internos, que num dado momento aparecem como local e, por fatores externos, a partir dos quais o processo de produção espacial do lugar vincula-se a uma produção espacial mais ampla. 40 Porém, nenhuma variável externa internaliza-se numa localidade, se esta não apresenta internamente condições para aceitá-la. Segundo, Santos (1997, p. 97) “...Os lugares se diferenciam pela maneira pela qual os fatores internos resistem aos externos, determinando as modalidades do impacto sobre a organização pré existente”. A diferente capacidade de oferecer rentabilidade apresenta-se como fator de maior ou menor interferência do capital global no lugar, estando a rentabilidade vinculada às condições técnicas locais (equipamentos, acessibilidade, infra-estrutura), às organizacionais (leis locais, impostos, mão-de- obra), e às naturais (clima, solo, relevo). Cada paisagem combina variáveis de tempos diferentes. Sendo assim, quando uma variável nova chega a um lugar, muda as relações preexistentes e estabelece outras. Em alguns lugares, as formas antigas resistem por muito tempo, o que também depende de um conjunto de variáveis e, portanto, as inovações penetram de forma diferenciada nos lugares. O tempo atual se defronta com os tempos passados, cristalizando-se em formas. Os elementos construídos representam um patrimônio que não se pode deixar de levar em conta, já que têm um papel na localização dos fenômenos observados. Paisagem e espaço apresentam uma acumulação e uma substituição de formas, onde a ação das diferentes gerações superpõem-se. Em cada momento a sociedade está agindo sobre ela própria, mudando a paisagem e sua dinâmica. Para Lefebvre (apud Martins, 1996, p. 54-56), é necessário compreender como ocorre atualmente a produção (e reprodução) das relações sociais pela ação do Estado e sua implicação na dinâmica social, já que o capitalismo se modificou (criando novos setores, como a informática e o lazer, entre outros). No momento atual, algo novo se impõe. O espaço mundial se reproduz acentuando as conexões locais e nacionais, por meio das forças produtivas, das tecnologias avançadas, das novas formas de organização, das ideologias, 41 existindo hoje uma dificuldade real na tomada de decisão dos governos dos Estados nacionais, em um contexto caracterizado por tendências contraditórias de globalização e de processos internos a nível local e regional. A nível de superestrutura, existe a interferência pelos órgãos de planejamento, instituições municipais, estaduais e federais, que exercem a gestão e o controle do uso do solo, que muitas vezes colidem com os anseios e necessidades da sociedade. Esta contradição leva aos antagonismos de forças que determinam a dinâmica da reprodução do espaço. O político une-se ao econômico, existindo dentro do próprio Estado uma divisão social do trabalho da qual a camada tecnoburocrática onde se incluem os planejadores (engenheiros, arquitetos, geógrafos...) atuam como os intelectuais do poder político, que viabilizam a implantação das concepções urbanas idealizadas nos escritórios oficiais. Muitas vezes, estas intervenções reúnem interesses que resultam em opções que modificam a organização do cotidiano dos lugares, sem preocupação em beneficiar a maioria da população. A forma de intervenção desses técnicos depende da concepção de espaço que adotam. Se a vêm apenas como objeto possível de remodelação por um saber científico, desvinculado da prática social, poderão estar se afastando do interesse da comunidade como um todo, visto que a construção de grandes projetos de infra-estrutura, muitas vezes atrelado a um discurso desenvolvimentista, está articulado a fatores econômicos mundializados e acabam redefinindo o espaço local. Para Gramsci (apud Soja, 1993, p.112-114), a ascensão de uma nova economia política urbana e regional voltada para os problemas locais, deveria ser centrada nas lutas locais e na mobilização dos movimentos sociais, numa elaboração conjunta entre trabalhadores e intelectualidade. Assim, para desenvolver-se a análise do processo de reprodução do espaço Piuense, tornou-se necessário compreender as intervenções feitas no local, que apresentaram-se como fruto de diversos fatores locais e globais. Destacaram-se entre eles, o incentivo às atividades voltadas para o turismo e 42 lazer nesta parte do litoral, como estratégia do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, para sua inserção no mercado mundial, que se concretiza por meio de obras de infra-estrutura e investimentos voltados para essas atividades. Também foi destacada nesta análise, a expansão metropolitana de Natal que de forma articulada refletiu-se no processo socioespacial que se configurou na paisagem. 2.1 – A influência do lazer e do turismo na (re)produção do espaço piuense Para a análise das modificações ocorridas em Pium, se fez necessário o entendimento de como as atividades de lazer e turismo interferiram neste local, tendo em vista as modificações nos elementos encontradas na paisagem deste lugar, que estão em grande parte relacionadas a expansão do comércio concentrada às margens da “Rota do Sol”, via que serve de corredor para o fluxo de pessoas e veículos que destinam-se aos locais de lazer e turismo no Litoral Oriental do Rio Grande do Norte. Estas atividades econômicas apresentaram-se como fatores importantes para a (re)produção do espaço local. O lazer foi apresentado no decorrer desta análise como a ocupação do tempo livre não destinado às atividades produtivas pelo ser humano. Segundo Rodrigues (1997b, p. 106-107), o ócio ou tempo disponível e não produtor de riqueza, atualmente representa um tempo também possível de ser controlado socialmente pelo Estado, que por meio de legislações e de estruturação de políticas de investimento, penetra indiretamente na escolha das atividades desenvolvidas nesse tempo livre do cidadão. Portanto, o tempo livre torna-seum tempo social e o lazer torna-se um produto da sociedade de consumo, mercadoria que se vende e se compra. O turismo representa um tipo de lazer, atividade que exige deslocamento e que se destina a ocupação do tempo livre do cidadão. Hoje a população mundial, de forma geral, introjetou que a viagem é necessária como fuga do trabalho e dos ambientes rotineiros causadores de tensão. Intensificou-se, então, o turismo como a busca de novos ambientes para a reposição de energia 43 física e mental, tornando, com o passar do tempo, a atividade turística uma das mais importantes fontes de reprodução do capital e de arrecadação de divisas no comércio internacional. “Situa-se entre os três maiores produtores de riqueza - 6% do PNB global - só perdendo para a indústria de armamentos e petróleo” (Rodrigues, 1997b, p.17). No entanto, o turismo não representa apenas uma atividade econômica, mas também um fenômeno complexo, que envolve a natureza econômica, social, política e cultural, exprimindo-se em espacialidades variadas. O espaço turístico é, antes de mais nada, espaço geográfico e, portanto, uma realidade objetiva, com um produto social em permanente processo de transformação. Para o seu desenvolvimento, o turismo cria espaços urbanizados, uma vez que depende, para sua realização, do comércio, dos serviços, das infra-estruturas básica e de apoio, dos sistemas de promoção e de comercialização, necessitando, também, das instituições que exercem o poder de decisão e da iniciativa privada de forma espontânea ou articulada às políticas públicas. O turismo também intensifica a substituição do espaço natural pelo espaço técnico, isto é, os elementos naturais da paisagem vão sendo substituídos por elementos culturais, onde os artefatos proliferam. A inter-relação entre o turismo e o meio ambiente é incontestável, uma vez que este último constitui elemento importante da atividade turística. Entretanto, esta inter-relação muitas vezes não se apresenta harmoniosa. Nunca é demais lembrar que, sendo o meio ambiente um elemento fundamental do turismo, seu equilíbrio é essencial para a manutenção dessa atividade. De acordo com Ruschimann (1997, p 37) “o impacto do desenvolvimento turístico sobre o patrimônio natural e cultural são percebidos local, regional, nacional e internacionalmente, e a intensidade dos impactos pode apresentar-se nestes diferentes níveis.” Compreender a inserção do Litoral Oriental onde encontra-se Pium, no contexto do turismo mundial levou a considerar que as características do Nordeste 44 brasileiro, devido à suas belezas naturais e características climáticas propícias às atividades turísticas praticamente o ano inteiro, apresentam esta região como foco privilegiado para projetos em prol do desenvolvimento dessa atividade econômica. Nos últimos vinte anos, duas políticas de turismo vem se destacando em escala regional no Nordeste. Uma, a que denomina-se de “Política de Megaprojetos”, e outra, o PRODETUR - NORDESTE, Programa de Ação para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste. A política de Megaprojetos, que surgiu na década de 70, destina recursos públicos sob forma de incentivos a projetos de grande porte, elaborados e apresentados pelo Governo Federal e tem como características principais a ocupação de extensas áreas de costa e o elevado custo da implantação. No Rio Grande do Norte, destaca-se o Projeto Parque das Dunas - Via Costeira, em Natal, como projeto pioneiro. O “Parque Estadual das Dunas de Natal”, criado em 1997, como parte do Projeto que deu origem ao Complexo Turístico da Via Costeira, procura aliar o incentivo ao turismo com a criação de áreas de preservação, que torna-se suporte político necessário para sua aprovação, tanto pelos órgãos ambientais competentes, quanto pela comunidade envolvida. O PRODETUR foi instituído pela Portaria n.º1, de 29/11/1991, por ação conjunta da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR), objetivando ordenar o desenvolvimento do turismo na região, mediante a alocação de recursos públicos nacionais e internacionais. Os recursos oriundos do PRODETUR-NE têm como principal objetivo a criação e/ou melhoria da estrutura básica como estratégia regional de apoio ao desenvolvimento da atividade turística em diversos estados da região. No Estado do Rio Grande do Norte, esses recursos totalizaram 48 milhões de reais, que representam o terceiro maior valor dos investimentos nessa região, segundo levantamento do PRODETUR/RN, dos quais as estradas abarcaram 20,47%, 45 estando também inclusas neste montante, as obras de melhoria e abertura de novas estradas de interligação entre as praias dos municípios de Parnamirim, Extremoz e Tibau do Sul (Marcelino, 1999, p.134). O Banco do Nordeste vem financiando à iniciativa privada para a implantação de projetos de apoio ao turismo que contam com recursos oriundos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. O Governo do Estado integra o programa de iniciativas para o Nordeste, inserido no plano mais amplo em nível de Governo Federal, chamado “Avança Brasil”, no qual o turismo está citado juntamente com outras atividades econômicas. Através de um plano de ação, que faz parte do programa de reestruturação política da base econômica, a Secretaria Estadual de Turismo enfatiza a municipalização do turismo e assume o subprojeto na área de marketing. Este programa atua indiretamente sobre as estratégias estaduais de desenvolvimento do turismo e reforça a concentração dos equipamentos turísticos em localidades previamente escolhidas, tornando claro que a tendência do crescimento dessa atividade econômica nessa área do litoral conta com o apoio de verbas tanto federais quanto estaduais. Essas duas políticas visam consolidar o território litorâneo nordestino dentro do mercado turístico global e geralmente obedecem a um modelo de urbanização turística que implica no uso intensivo do solo e reprodução de padrões urbanísticos de fora do local. É importante lembrar que a excessiva concentração de equipamentos turísticos e de infra-estrutura, significa maior risco de degradação de recursos ambientais e a valorização excessiva das áreas litorâneas, além de intensificar o crescimento desequilibrado da população em relação as outras áreas do Estado. A concentração populacional, é observado historicamente no Rio Grande do Norte e sua permanência se pode constatar através dos seguintes dados: no Litoral Oriental e região Mossoroense do RN o crescimento populacional entre 1980-1991 foi de 2,2%, enquanto nas outras regiões do Estado, o crescimento foi abaixo de 1% (IDEC-RN, 1997a, p.13). 46 Os investimentos voltados para o turismo foram um dos importantes fatores de atração da população do Estado para a área litorânea, graças aos fatores naturais aqui existentes que motivam esses investimentos estatais e privados em prol do desenvolvimento dessa atividade econômica. Este fato tende a intensificar-se, pois segundo Cardoso (1997, p.37- 39) ... Em curto período de tempo, o turismo possibilitou ocupar o segundo lugar no índice de arrecadação tributária aos cofres públicos (...) As atividades turísticas têm dimensões econômicas e sociais que atingem toda a sociedade norte-rio-grandense. Investimentos foram feitos pelo Estado e Prefeituras no litoral Oriental norte-rio-grandense através da construção de obras de infra-estrutura viária, como é o caso da duplicação da estrada que liga Ponta Negra, em Natal, a Nísia Floresta, a qual corta a área mais construída de Pium em toda