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1 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S 2 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S 3 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Núcleo de Educação a Distância GRUPO PROMINAS DE EDUCAÇÃO Diagramação: Rhanya Vitória M. R. Cupertino PRESIDENTE: Valdir Valério, Diretor Executivo: Dr. Willian Ferreira. O Grupo Educacional Prominas é uma referência no cenário educacional e com ações voltadas para a formação de profissionais capazes de se destacar no mercado de trabalho. O Grupo Prominas investe em tecnologia, inovação e conhecimento. Tudo isso é responsável por fomentar a expansão e consolidar a responsabilidade de promover a aprendizagem. 4 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Prezado(a) Pós-Graduando(a), Seja muito bem-vindo(a) ao nosso Grupo Educacional! Inicialmente, gostaríamos de agradecê-lo(a) pela confiança em nós depositada. Temos a convicção absoluta que você não irá se decepcionar pela sua escolha, pois nos comprometemos a superar as suas expectativas. A educação deve ser sempre o pilar para consolidação de uma nação soberana, democrática, crítica, reflexiva, acolhedora e integra- dora. Além disso, a educação é a maneira mais nobre de promover a ascensão social e econômica da população de um país. Durante o seu curso de graduação você teve a oportunida- de de conhecer e estudar uma grande diversidade de conteúdos. Foi um momento de consolidação e amadurecimento de suas escolhas pessoais e profissionais. Agora, na Pós-Graduação, as expectativas e objetivos são outros. É o momento de você complementar a sua formação acadêmi- ca, se atualizar, incorporar novas competências e técnicas, desenvolver um novo perfil profissional, objetivando o aprimoramento para sua atua- ção no concorrido mercado do trabalho. E, certamente, será um passo importante para quem deseja ingressar como docente no ensino supe- rior e se qualificar ainda mais para o magistério nos demais níveis de ensino. E o propósito do nosso Grupo Educacional é ajudá-lo(a) nessa jornada! Conte conosco, pois nós acreditamos em seu potencial. Vamos juntos nessa maravilhosa viagem que é a construção de novos conhecimentos. Um abraço, Grupo Prominas - Educação e Tecnologia 5 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S 6 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Olá, acadêmico(a) do ensino a distância do Grupo Prominas! . É um prazer tê-lo em nossa instituição! Saiba que sua escolha é sinal de prestígio e consideração. Quero lhe parabenizar pela dispo- sição ao aprendizado e autodesenvolvimento. No ensino a distância é você quem administra o tempo de estudo. Por isso, ele exige perseve- rança, disciplina e organização. Este material, bem como as outras ferramentas do curso (como as aulas em vídeo, atividades, fóruns, etc.), foi projetado visando a sua preparação nessa jornada rumo ao sucesso profissional. Todo conteúdo foi elaborado para auxiliá-lo nessa tarefa, proporcionado um estudo de qualidade e com foco nas exigências do mercado de trabalho. Estude bastante e um grande abraço! Professor: Igor Silvério Freire 7 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S O texto abaixo das tags são informações de apoio para você ao longo dos seus estudos. Cada conteúdo é preprarado focando em téc- nicas de aprendizagem que contribuem no seu processo de busca pela conhecimento. Cada uma dessas tags, é focada especificadamente em partes importantes dos materiais aqui apresentados. Lembre-se que, cada in- formação obtida atráves do seu curso, será o ponto de partida rumo ao seu sucesso profisisional. 8 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Esta unidade cuida de trazer os conceitos básicos a respeito do tema da Segurança Pública e seu tratamento constitucional, objetivando que o profissional passe a ter uma capacidade crítico-analítica a respeito do tema e seja capaz de analisar e propor soluções. Em seguida, o enfo- que passa a ser na criminologia, passando por entender do que se trata esta ciência, sua história e suas bases e metodologia, diferenciando-a das outras ciências criminais. As definições fundamentais do estudo da crimi- nologia são tratadas discutindo detalhadamente os seus objetos e suas relações com as ciências humanas, por se tratar de uma ciência multidis- ciplinar. Ao final, discute a história do pensamento criminológico iniciando pelas escolas Clássica e Positiva, precursoras dos estudos criminológicos, diferencia ainda, quanto às escolas modernas, a criminologia de consenso e criminologia de conflito, cada uma com suas principais escolas e teorias, cujas principais serão discutidas ao longo desta unidade. Segurança Pública. Criminologia. Metodologia da Criminologia. Escolas Criminológicas. 9 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S CAPÍTULO 01 CONCEPÇÕES SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA Apresentação do Módulo ______________________________________ 11 12Diferenciando Segurança, Segurança Pública e Ordem Pública _ Panorama da Segurança Pública no Brasil ________________________ Classificações de Prevenção Criminal ___________________________ Modelos de Policiamento ______________________________________ Recapitulando _________________________________________________ 15 22 27 37 CAPÍTULO 02 AS BASES DO ESTUDO DA CRIMINOLOGIA Conceito de Criminologia ______________________________________ Objeto da Criminologia ________________________________________ Da Identidade Epistemológica da Criminologia _________________ Métodos de Pesquisa em Criminologia _________________________ Recapitulando _________________________________________________ 41 43 53 55 58 CAPÍTULO 03 TEORIAS E ESCOLAS CRIMINOLÓGICAS História do Pensamento Criminológico _________________________ 63 Modelos Criminológicos Etiológicos ____________________________ 65 10 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Criminologia do Consenso e do Conflito (Escolas Sociológicas) __ Recapitulando _________________________________________________ Fechando a Unidade ___________________________________________ Referências ____________________________________________________ 72 95 99 102 11 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Além de ser tema de destaque na Constituição Federal, con- tando com capítulo próprio, a Segurança Pública é um dos assuntos mais discutidos no Brasil, seja no âmbito acadêmico, midiático ou até mesmo em conversas informais. A aplicação desse direito social garantido a todos os cidadãos está em crise e não é de hoje. Desde os anos 80, nos debates da As- sembleia Nacional Constituinte, já se discutia o crescimento da crimina- lidade do Brasil. O crescimento da criminalidade coincide também com uma ampliação vertiginosa do número de pessoas encarceradas no Brasil ao longo das últimas três décadas. Assim, conhecer e debater os pre- ceitos básicos da segurança pública possui um valor fundamental para o profissional do direito. Relacionado diretamente à segurança pública está a Crimino- logia, ciência criminal independente do Direito Penal e da Política Cri- minal e que tem como principal papel o estudo de fatores diretamente relacionados à criminalidade: o crime, o delinquente, a vítima e o con- trole social. Através das diferentes escolas da criminologia, conseguimos traçar e discutir a criminalidade e suas repercussões na sociedade, nas vítimas e nos própriosdelinquentes. Essa ciência possui a particulari- dade que cada uma de suas vertentes foca na análise de um ou mais desses fatores, com visões completamente diferentes que podem ser diametralmente opostas, como o pensamento da Escola Positiva que relaciona o crime exclusivamente ao indivíduo, ou à Teoria da Rotulação Social que afirma que é a sociedade quem prega no indivíduo o rótulo de criminoso, desviante ou delinquente. Cada uma dessas escolas ou teorias possui, naturalmente, um viés ideológico, sendo até mesmo as modernas divididas entre escolas de conflito e escolas de consenso, de acordo com sua visão, sendo importante, como faremos, conhecer a história e metodologia da crimi- nologia e também sua evolução através das escolas modernas e dos temas contemporaneamente tratados nessa ciência. 12 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S DIFERENCIANDO SEGURANÇA, SEGURANÇA PÚBLICA E ORDEM PÚBLICA A Constituição Federal de 1988 traz a segurança tanto como um direito individual e coletivo, em seu art. 5º, caput, quanto como um direito social, também no caput do art. 6º, tamanha a sua relevância. Mais detalhadamente, nossa Carta Magna dedica um capítulo específico ao tema e, no art. 144, trata da segurança pública como um dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, complementando que esta é exercida para a preservação da ordem pública e da incolu- midade das pessoas e do patrimônio, especificando seus órgãos e, em seguida, suas atribuições. Pode-se extrair do próprio texto constitucional, então, que a segurança pública é proporcionada pelo Estado, mas o constituinte não se desincumbiu de especificar o seu exato significado. CONCEPÇÕES SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S 13 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Moreira Neto (1987) traz clara definição de segurança pública como “o conjunto de processos, políticos e jurídicos destinados a garan- tir a ordem pública, sendo esta objeto daquela”. Mais simples ainda é o que traz o clássico constitucionalista José Afonso da Silva (2014), que, segundo ele, segurança pública seria a “manutenção da ordem pública interna”. Detalhando essa concepção, trazendo ao conceito as ideias trabalhadas por Montesquieu em O espírito das leis, tem-se que a se- gurança é proporcionada pelo Estado, por meio de a) um conjunto de normas que determinam o que é permitido e proibido; b) políticas pú- blicas que visam a prevenção de atos violentos em prol da convivência harmoniosa da sociedade; c) procedimentos que asseguram o direito a um julgamento justo e d) um conjunto de instituições responsáveis por aplicar as medidas preventivas e as sanções determinadas pelos juízes (SZABÓ e RISSO, 2018). Com essas simples ideias, conseguimos começar a preencher todas as lacunas conceituais deixadas pela Constituição Federal, siste- matizando algumas noções básicas. A segurança é, assim, é um direito individual pertencente a to- dos, como dispõe o art. 5º, isto é, um direito fundamental que não deve ser violado pelo Estado, definindo, assim, uma obrigação negativa ao ente, bem como, de acordo com o art. 6º, é um direito social, ou seja, um direito que exige um papel ativo, sendo dever do Estado garantir a todos a inviolabilidade de sua segurança, mesmo que numa relação horizontal entre particulares. Esse dever ativo do Estado se traduz propriamente na ideia de segurança pública. A princípio, a inclusão da segurança no rol de direitos sociais já obrigaria o Estado a ter esse papel ativo, mas nossa Constituição deixa explícito, como já mencionado, que a segurança pú- blica é dever do Estado e direito de todos. É relevante também discutir a conceituação de ordem pública, expressão utilizada inclusive na supramencionada definição de segurança pública proposta pelo autor Moreira Neto e no próprio art. 144 da Constituição. A expressão é também largamente utilizada nas leis penais e processuais penais brasileiras, aparecendo oito vezes no Código de Processo Penal. Há muitas discussões doutrinárias e jurisprudencial a respeito desse conceito, demasiado aberto para a relevância que possui, uma vez que é autorizador e justificador de medidas coercitivas, como a pri- são preventiva. Távora (2012) diz que “a ordem pública é expressão de tran- quilidade e paz no seio social”, conceito parecido com o de Afonso da 14 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Silva (2014), que define como “situação de pacífica convivência social, isenta de violência ou de sublevação que tenha produzido ou suposta- mente possa produzir, a curto prazo, prática de crimes”. Ocorre que mesmo essa conceituação não nos traz, quando trabalhamos com casos concretos, o que afetará, por exemplo, a ordem pública. No art. 312, do Código de Processo Penal, está definido que a prisão preventiva poderá ser decretada, dentre outras hipóteses, como “garantia da ordem pública”. O que isso significa, porém? No julgamento da Reclamação 24.506/SP pelo Supremo Tri- bunal de Justiça, o relator Ministro Dias Toffoli traz extensa discussão a respeito da conceituação de ordem pública, citando a relevante obra de Rodrigo Capez, “Prisão e medidas cautelares: a individualização da medida cautelar no processo penal”. Na discussão, o autor, corroborado pelo Ministro, rejeita definir claramente o que é ordem pública, trazendo uma noção de “certeza ne- gativa do conceito”, incluindo nesse espectro elementos como o estado de comoção social, a indignação popular, o clamor público e na “certeza positiva do conceito”, elementos como a necessidade de se evitar a prática de infrações penais e a de se impedir a reiteração criminosa, pois, aí sim, estaria sendo violado o conceito incerto de ordem pública. Rejeita, assim, em razão de sua indeterminação, delimitar ou mesmo de buscar um consenso para delimitar o conceito de ordem pú- blica, propondo que seja determinado, em situações práticas, caso a caso. Para fins de estudo, porém, são satisfatórias as conceituações genéricas adotadas pelos autores, embora seja salutar o olhar crítico mesmo nessas situações. É importante, portanto, ter em mente que segurança pública e ordem pública são conceitos abstratos e ensejadores de diversas discussões, tanto no âmbito acadêmico quanto no prático. Ademais, em que pese o art. 144 da Constituição, que trata de Segurança Pública, informar que esta é exercida através dos órgãos mencionados, quais sejam a polícia federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, as polícias civis, as polícias militares e os corpos de bombeiros militares e, por fim, as polícias penais federal, es- taduais e distrital, a segurança pública se compõe num conjunto muito maior de órgãos, instituições e políticas públicas. Não podemos ler que a segurança pública é exercida por estes órgãos sem lembrar da parte inicial do caput do artigo, que menciona ser também um direito e responsabilidade de todos. Desse modo, tanto o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defen- soria Pública e, naturalmente, toda a sociedade civil são responsáveis 15 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S pela construção de uma sociedade pacífica e harmônica. Por conseguinte, conseguimos concluir que um estado de se- gurança pública se atinge não somente com atuação das instituições nominalmente mencionadas no art. 144 da Constituição Federal, mas através de um conjunto de atos tanto das instituições públicas de todas as esferas e da própria sociedade civil, que se manifesta tanto indi- vidualmente por meio de cada cidadão, mas, também, nas coletivida- des, formais ou informais, através de associações, igrejas, instituições educativaspúblicas e privadas, equipamentos de saúde, de assistência social, da mídia, etc. Filme sobre o assunto: Última Parada 174 (Paramount, 2008), Cidade de Deus (Lumière Brasil, 2002) Acesse os links: https://observatoriodeseguranca.org Observação: Os filmes trazem, indiretamente, uma noção da relevância do papel do Estado e da sociedade na questão da segurança pública. O Observatório de Segurança Pública traz uma série de artigos, estudos e análises sobre o tema aqui estudado. PANORAMA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL É fato incontroverso, estatisticamente comprovado, que a segurança pública no Brasil vem se deteriorando nas últimas décadas. A vontade de se construir uma sociedade mais pacífica é praticamente unânime, existindo divergências naturais no momento de se discutir a forma de chegar a esse estado de harmonia. Inicialmente, é necessário salientar que a violência que afeta a almejada harmonia não possui categoria única. Embora estejamos acostumados a analisar os dados de homicídios anuais como parâme- tro de piora ou melhora da segurança pública, existe uma série de es- pécies de violência e cada um possui dinâmicas específicas de origens, fatores de risco e formas de combate e prevenção. Tratar do combate à criminalidade de maneira absolutamente genérica pode gerar resultados confusos. Há padrões diferentes para os tipos de violência, variando também por território e grupos específi- cos da população, isto é, mesmo que tenhamos hoje todos da socieda- de duramente afetados por uma evidente crise de segurança pública, os 16 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S crimes não afetam todas as pessoas de maneira igual, concentrando-se no espaço e no tempo (SZABÓ e RISSO, 2018). O estudo dos gráficos do Atlas da Violência dos Municípios Brasileiros (2019) evidencia que municípios específicos, especialmente localizados no Nordeste do Brasil e em regiões de maior densidade po- pulacional, possuem maior intensidade de prevalência de violência letal. Apesar disso, o estudo ressalta que mesmo os municípios me- nores vislumbraram um crescimento acentuado das taxas de homicídio ao longo das duas últimas décadas. Por outro lado, mesmo com esse cres- cimento, observa-se que 50% dos homicídios nos municípios brasileiros estão concentrados em 2,1% dos municípios mais violentos do Brasil. Não é, no entanto, objetivo dessa unidade discutir especifi- camente essa distribuição ou as razões de tal distribuição, servindo o exemplo do estudo aqui citado para demonstrar as diferenças nos pa- drões de criminalidade que ocorrem em diversas regiões pelos mais diversos motivos. 17 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Figura 1 - Mapa da violência dos municípios brasileiros Fonte: Atlas da Violência, 2019. 18 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Para além da distribuição geográfica, temos também a distri- buição das suas causas: as altas taxas de homicídio encontradas no sul do estado do Pará, por exemplo, têm razões diversas das altíssimas taxas do leste do Rio Grande do Norte, visto que esta ocorre em razão de disputas entre facções criminosas e o controle na rota de tráfico de drogas internacional e essa em razão de seu histórico de conflitos fun- diários (IPEA, 2019). De outro modo, quando tratamos dos diferentes tipos de cri- mes, podemos exemplificar com a violência doméstica, uma espécie de crime que ocorre majoritariamente com indivíduos de gênero específico, como demonstrado na tabela a seguir: Tabela 1 – Violência doméstica por gênero (em %) Sexo Sofreu violência (por parente/conheci- do/cônjuge) Total Sim Não Masculino 0,1 47,9 48,0 Feminino 0,3 51,7 52,0 Total 0,3 99,7 100,0 Fonte: Adaptado de PNAD 2009/IBGE. Podemos verificar que os relatos de violência doméstica por gênero, causadas por parente/conhecido/cônjuge, é três vezes maior para mulheres do que para os homens. Estabelecemos, assim, que a violência possui variações em decorrência de seu tipo, causa, localidade geográfica. Desse modo, respostas simples ou milagrosas para solucionar a crise de segurança pública pelo país são irrealistas, do mesmo modo que um remédio não pode ser usado para todo tipo de doença. O próprio Código Penal Brasileiro, na Parte Especial, nomina as mais diversas espécies de crimes ao longo de seus títulos capítulos: dentro dos crimes contra a pessoa temos os crimes contra a vida, as lesões corporais, os crimes contra a honra, entre outros, enquanto den- tro dos crimes contra o patrimônio temos o furto, o roubo e a extorsão, usurpação, dano, etc. 19 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Dentro desse contexto de situações diversas que podem ferir segurança pública no Brasil e, consequentemente, a situação de har- monia almejada pela sociedade e pelo próprio texto constitucional, é primordial a existência de um sistema coordenado e interdependente entre si, sendo impossível que essa tarefa seja realizada de maneira individual por qualquer um dos entes que tem a responsabilidade de atuar na segurança pública. Como mencionado no ponto anterior, é necessário um compro- misso de todos os entes, públicos ou não, que compõem a sociedade, pela atuação em prol de um objetivo comum, pois a conduta de um in- fluencia diretamente a ação do outro (SZABÓ e RISSO, 2018). Grosso modo, menciona-se que existem ações que serão de- senvolvidas pelos entes envolvidos com a segurança pública antes de o crime acontecer – são as chamadas medidas de prevenção – ou após o crime acontecer – nesse caso, temos aqui as medidas repressivas. As medidas preventivas visam evitar a prática de crimes e são extremamente diversas, como ordenamento urbano, investimento na primeira infância e na juventude, ações ostensivas de policiamento, en- tre outras. Já as medidas repressivas podem ser realizadas pela Polícia Militar, em seu trabalho de repressão imediata, mas, também, pela Polí- cia Civil, que só atua após a prática dos crimes, objetivando a apuração das infrações penais já praticadas, conforme art. 144, §4º, da Constitui- ção Federal. É também depois da ocorrência do crime que atuam o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública, cada um exercendo sua função constitucional, uma vez que após encerrado o inquérito policial, cabe ao Ministério Público realizar a denúncia, que será processada perante o Judiciário e a Defensoria Pública poderá atuar pela defesa no caso de o acusado não habilitar, em seu favor, um advogado particular. As medidas repressivas são também consideradas formas de prevenção – conceituadas pela doutrina como prevenção secundária e terciária, enquanto as medidas praticadas antes da ocorrência do crime são consideradas como prevenção primária. A Defensoria Pública, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário também podem participar da fase preventiva da busca pela 20 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S preservação da ordem pública. Os dois primeiros órgãos, embora façam parte do sistema de justiça, são autônomos e possuem competência para tratar de direitos coletivos, podendo buscar, judicial ou extrajudi- cialmente, solução para temas relacionados à saúde, educação e ou- tros direitos fundamentais e sociais. Essa atuação difusa pode garantir uma pacificação social que evitará a deterioração da segurança pública em certas comunidades. Ocorre que a segurança pública no Brasil enfrenta problemas tanto naquelas medidas anteriores quanto nas posteriores à prática de crimes. Quanto às medidas preventivas, é reconhecida a importância de manutenção das crianças e adolescentes na escola, sendo direito fundamental destes indivíduos, conforme Art. 53 do Estatuto da Crian- ça e do Adolescente.No entanto, índices de 7,6% de evasão escolar, sendo ainda mais grave nas regiões Norte e Nordeste (9,2%), conforme dados da Síntese de Indicadores Sociais (2019). O crescimento da desigualdade social, a urbanização rápida e irregular, abuso de álcool e o alto índice de impunidade também são fatores potencializadores da desidratação da segurança pública. Já nas medidas praticadas após a prática dos crimes, a situa- ção é também alarmante, com dados mostrando que 41,5% dos presos no país são provisórios, ou seja, ainda não condenados e aguardando julgamento1. Há também considerável limitação no caso de crimes elu- cidados, muito em razão do sucateamento das polícias civis que são responsáveis pelas investigações no âmbito dos estados. Convenciona-se que a melhor forma de reforçar a segurança pública está na prevenção primária, evitando-se que ocorram os crimes, o que possui custos menores e afeta de maneira positiva a qualidade de vida da população. O Brasil tem privilegiado desestimular crimes utilizando apa- rato de segurança, respondendo a eles prioritariamente com a prisão, acarretando custos altíssimos e, com o aumento na criminalidade esta- tisticamente demonstrada, tem sido ineficiente. Defende-se que deva se investir em estratégias que priorizem o reconhecimento dos danos que os crimes causam na sociedade, criando condições para autorre- gulação desta, parando, como já mencionado, de tratar a segurança apenas como sinônimo de polícia, mas passando a ressaltar aquele compromisso estabelecido pela nossa Constituição: a segurança públi- ca é responsabilidade de todos. 1 Dados do Conselho Nacional de Justiça em 2019, conforme Banco de Monitoramento de Prisões, disponíveis em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo-me- nos-812-mil-presos-no-pais-415percent-nao-tem-condenacao.ghtml 21 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S A chamada “sensação de insegurança” é plenamente justifica- da pelos números, afinal, somente no ano de 2017, houve mais de 65 mil homicídios no Brasil2, atingindo, assim, o maior nível histórico de letalidade violenta intencional. A curva ascendente do crime que afeta o mais valioso bem jurí- dico, que é a vida, pode ser observada nos gráficos que tratam do tema. Figura 2 – Taxa de homicídio no Brasil e regiões (2007-2017)* Fonte: IBGE, 2018. *O gráfico inclui os óbitos causados por agressão injustificada, bem como aquelas acarretadas por intervenção legal. Com o crescimento de número de crimes violentos no país, como demonstrado, ocorreu movimento natural de questionamento das políticas de segurança pública no país. A discussão não pode ser trata- da, entretanto, de maneira simplificada e sem embasamento, devendo ser debatidos temas como a partir de quando houve o crescimento des- sa sensação de insegurança, quais suas origens e se esse sentimento é justificado por dados reais. Embora tenha ocorrido uma regressão clara no âmbito do di- reito à segurança pública, observa-se que o sentimento de insegurança vem desde antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o deputado Ricardo Fiuza justificou, na Assembleia Nacional Constituinte, 2 Mapa da Violência (IPEA, 2017) 22 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S a criação de uma seção exclusiva sobre segurança pública: A onda de criminalidade e violência que atualmente atinge a vida urbana das cidades brasileiras, repercutindo até mesmo no meio rural, impõe tratamento mais adequado e transparente da questão segurança pública. Assim sendo, atendendo aos apelos comunitários e da sociedade como um todo, surge a necessidade de se dotar a Constituição Federal, de um título denominado “Da Segurança Pública”. Atualmente se observa uma lógica tradicional, onde somente os entes es- taduais passíveis de utilização ou convocação pela União integram o texto constitucional. O anteprojeto inova com a criação de uma seção sobre segu- rança pública, onde a definição conceitual é somada ao estabelecimento das competências da Polícia Federal, Forças Policiais, Corpos de Bombeiros, Polícia Judiciária e Guardas Municipais, modificando a lógica constitucional anterior (BRASIL, 1987, p. 29). A explanação do parlamentar, ao ressaltar uma “onda de crimi- nalidade e violência”, no ano de 1987, evidencia que há mais de 30 (trin- ta) anos discutimos e buscamos soluções para melhoria da segurança pública. Apesar de discutirmos atualmente esse tema, o tema vem sen- do trabalhado há muitos anos e, com isso, vê-se que não há solução ou respostas simples. Acesse os links: https://soudapaz.org http://igarape.org.br Observação: Trata-se de duas ONGs com relevante atuação no estudo da situação da segurança pública no Brasil, realizando pes- quisas, estudos e publicações de artigos com propostas para desenvol- vimento da segurança no país. CLASSIFICAÇÕES DE PREVENÇÃO CRIMINAL A prevenção criminal significa apostar em estratégias que atuem sobre os fatores de risco e de proteção da violência, antes de sua ocorrência (SZABÓ e RISSO, 2018). A prevenção é, portanto, um conjunto de ações que tem como objetivo evitar, direta ou indiretamente, a prática de delitos e a manuten- ção da ordem pública, visando sempre manter a paz social e harmonia nas relações sociais. Temos, assim, que, sendo a segurança pública dever do Es- 23 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S tado e responsabilidade de todos, evitar a prática delitiva, traduzida na transgressão das leis, é um dos principais objetivos do Estado Demo- crático de Direito. Para isso, estudam-se os fatores inibidores e estimulantes da criminalidade, através de ciências como a criminologia para elaboração de políticas que melhorem a segurança pública. Lima Júnior (2017) traz que existem medidas diretas que inci- dem de forma imediata sobre o próprio delito, como a pena e o regime prisional e as indiretas, que atuam de maneira mediata sobre o crime, ao incidir em relação às reconhecidas causas fomentadoras de delito, como melhoria nas condições de educação e saúde da população. Programas de Prevenção Criminal Há três espécies de programas de prevenção criminal reco- nhecidos pela Criminologia Moderna. A prevenção primária busca combater as raízes do crime, an- tes mesmo da sua gênese e tem como destinatários todos os cidadãos. Diz-se que é uma prevenção “social”, pois envolve a mobiliza- ção de todos os setores comunitários para enfrentar solidariamente um programa da comunidade, como bem traduz o caput do art. 144 da Cons- tituição Federal, pois a segurança pública é responsabilidade de todos. Nesse diapasão, a prevenção primária não se restringe aos órgãos de segurança pública e ou aos órgãos públicos, embora estes também façam parte desse tipo de prevenção com relevante papel. Esse programa está relacionado às questões sociais, implan- tando-se políticas ou realizando atuações que concretizem direitos so- ciais e afastem as pessoas da criminalidade. Portanto, ao falar em prevenção primária, a doutrina se refere aos investi- mentos, políticas e projetos de cunho social, cujo objetivo é impedir que as pessoas vejam na criminalidade a oportunidade para saírem das condições precárias em que vivem, e, desse modo, afastá-las da senda do crime (FON- TES e HOFFMAN, 2018, p. 217). A legislação brasileira está, indiretamente, repleta de suges- tões de atuação no que seguem o sentido da prevenção primária, ainda que indiretamente. A Constituição Federal traz diversos aspectos reco- nhecidos pela doutrina social e jurídica para eficaz prevenção, como no foco que dá à educação e na relevância que dá aos direitos sociais tratados no art. 6º. O Estatuto da Criança e do Adolescente, se corretamente apli- 24 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN AS cado, pode ser um ponto chave de uma prevenção eficaz num primeiro momento. O art. 7º, por exemplo, dispõe que a criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde mediante a efetivação de polí- ticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso em condições dignas de existência. Em obra propositiva, SZABÓ e RISSO (2018) trazem diversas propostas que se encaixam nesse programa de prevenção, por exem- plo, o foco em políticas de educação, a criação de espaços públicos se- guros que contribuam para a convivência saudável e o estabelecimento de relações pacíficas entre as pessoas, a promoção de programas de atenção à primeira infância, a melhoria da iluminação pública, criação de novas condições de trabalho para mães e pais de crianças de até doze anos, dentre outras. A participação da sociedade civil nesse âmbito também é fun- damental, e é realizada através de organizações não-governamentais que estudam e combatem a violência ou promovem cursos profissio- nalizantes gratuitos, cursinhos pré-vestibulares populares, atividades esportivas, ou mesmo através de igrejas, escolas particulares, núcleos jurídicos de faculdades de direito, entre outras atuações que podem ga- rantir a paz social e se evitar, ainda que indiretamente, a criminalidade. Já a chamada prevenção secundária trata de programas ou es- tratégias situacionais, não buscando atingir a etiologia da criminalidade, isto é, não visa combater as raízes ou fatores que a geram, mas impedir a sua manifestação na situação prática. São um conjunto de ações policiais e políticas públicas dirigi- das a grupos da sociedade, normalmente aqueles com maior risco de sofrer ou praticar delitos, que são praticadas no momento posterior ao crime ou em sua iminência. São, portanto, instrumentos dissuasórios de curto em médio prazo. Esse tipo de programa de prevenção se manifesta, por exem- plo, com programas de policiamento comunitário, como as Unidades de Polícias Pacificadoras implantadas no Rio de Janeiro. São vistos como instrumentos não necessariamente penais, mas que ainda assim alteram o cenário criminal, pois modificam alguns elementos deste. É a busca por se colocar obstáculos no processo de execução dos crimes, encarecendo os custos deste para o criminoso. Políticas públicas como o videomonitoramento das vias, am- pliação da iluminação pública, políticas de reordenação urbana, contro- les e vigilância dos meios de comunicação, entre outras. Já a prevenção terciária busca a chamada prevenção especial do delito, isto é, a ressocialização do chamado criminoso. Por pressu- por uma condenação, naturalmente seu momento é o mais distante das 25 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S raízes do crime, operando no âmbito penitenciário. São, portanto, medidas políticas de execução penal voltadas à população carcerária, com caráter punitivo e objetivando a “recupe- ração” do recluso, sob o argumento de que serviria para dissuadir a reiteração delitiva de maneira individual. É importante ressaltar que, embora a literatura trate majori- tariamente de políticas realizadas no âmbito carcerário, por vezes, os crimes não possuem pena de reclusão e algumas penas restritivas de direitos passam a ter o caráter de prevenção terciária, como acontece, por exemplo, em crimes praticados sob o âmbito da Lei Maria da Penha, que permite obrigar ao condenado que frequente cursos em centros de reabilitação para o reconhecimento da agressão realizada e modifica- ção no comportamento diante da mulher. Após experiência de sucesso em diversos estados e já aplicado por diversos Juizados de Violência Doméstica, em abril de 2020 foi san- cionada a Lei nº 13.984/2020 que incluiu, dentre as Medidas Protetivas de Urgência (MPU) da Lei Maria da Penha, a possibilidade de se deter- minar que o agressor compareça a programas de recuperação, reedu- cação, bem como que seja realizado o acompanhamento psicossocial desse indivíduo, por meio de atendimento individual ou grupo de apoio. Já no ambiente do cárcere, a prevenção terciária ocorre atra- vés de cursos profissionalizantes, oficinas de artesanato, carpintaria, alfabetização, dentre outras medidas chamadas de ressocializadoras. Quanto à ressocialização, é relevante que se tenha um olhar crítico, visto que esse tipo de prevenção, chamada de prevenção es- pecial positiva, é, muitas vezes, considerada sob um viés humanista, embora na prática tenha se traduzido como uma limitação dos direitos da pessoa condenada do que efetivamente como um projeto humanista de seu declarado objetivo de reinserção social. Há também críticas quanto à possível contradição entre a de- claração de que a pena serviria para ressocializar o indivíduo, enquanto o retira do convívio social. Essa crítica aduz que para que a educação nas prisões seja plena e não uma reeducação forçada, a educação não deve servir como uma medida de pena em si, mas uma medida apesar da pena (CACICEDO, 2016). Embora o estudo da teoria da finalidade da pena seja normal- 26 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S mente objeto de outras disciplinas, para a continuidade do nosso estudo é relevante também mencionar tais conceitos, ainda que de forma resu- mida, visto que tratam de prevenção criminal. A teoria absoluta da pena, baseada na teoria da retribuição ética ou moral de Kant, fundamenta a existência de uma pena para um delito exclusivamente na ideia de retribuição, como uma exigência de justiça para aquela situação concreta, seja como punição, seja como expiação do agente (PRADO, 2005). Já a teoria relativa suscita ter por objetivo a prevenção de no- vos delitos e possui diversas categorias. Para Carnelutti (2004), a fina- lidade do direito penal é a prevenção de novos delitos. Para esse autor clássico, ao se punir quem cometeu o delito, cria-se um contra-estímulo à prática de novos crimes pela sociedade. No quadro a seguir, podemos entender as subdivisões da teo- ria relativa da finalidade da pena. Quadro 1 – Teorias Relativas da Pena PREVEN- ÇÃO GERAL – Dirigida à coletividade. POSITIVA É a reafirmação do direito penal. O Estado pune para devolver a paz à sociedade. É o cumprimento do dever estatal de garantir as leis, a segurança pública. NEGATIVA É a intimidação da coletividade por meio da ameaça da punição. Dentre as teorias preventivas, é a primeira a ser reconhecida. 27 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S PREVEN- ÇÃO ES- PECIAL – Dirigida ao indivíduo. POSITIVA Busca a ressocialização do condenado. O Estado, além de evitar a reincidência, deseja preparar o praticante de um cri- me para o retorno à sociedade. Atribui a pena a missão de fazer o autor refletir sobre a prática de um novo crime. NEGATIVA Busca evitar a prática de novos crimes pela simples segregação do indivíduo no cárcere, gerando, assim, sua neutraliza- ção, impedindo-o de praticar novas infra- ções penais junto à sociedade da qual foi retirado. Fonte: Autor, 2020. MODELOS DE POLICIAMENTO Já demonstramos que segurança pública, embora esteja rela- cionada à atuação policial, não se limita a isso. Há de se reconhecer, porém, que a polícia, em suas diversas esferas, ocupa um lugar de des- taque no trabalho em busca da segurança pública que respeite o direito à segurança garantido a todos os brasileiros pela Constituição. Nesse sentido, dentro da atuação pela segurança pública, te- mos os órgãos que compõem o sistema de justiça criminal, quais se- jam, a Defensoria Pública, o Ministério Público, o Poder Judiciário e as unidades prisionais correspondentes, mas dentro desse sistema temos aqueles órgãos responsáveis diretamente pela segurança pública, que estão listados no art. 144 da Constituição Federal, que além de lista-los, estabelece também, a grosso modo, a funçãode cada um deles. A Emenda Constitucional 104/2019 acrescentou ao art. 144, como um dos órgãos que atuam em prol de garantir a segurança pú- blica, dever do Estado, as polícias penais federal, estaduais e distrital, apresentando também a sua função que é realizar a segurança dos estabelecimentos penais. A emenda teve objetivo de dar uniformidade jurídica sobre a 28 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S carreira daqueles que fazem a segurança pública dentro dos estabele- cimentos penais, uma vez que até então, enquanto alguns estados ado- tavam a carreira de agentes penitenciários, outros estados utilizavam policiais militares ou até mesmo funcionários terceirizados de empresas privadas. Com essa alteração, criando um órgão responsável constitu- cionalmente pela segurança dos estabelecimentos penais - a Polícia Penal, busca-se uma maior capacitação, organização e valorização desses profissionais e da própria prestação do serviço. Com o acréscimo da polícia penal, temos, então, listados os seguintes órgãos: a polícia federal, a polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, as polícias civis, as polícias militares e corpos de bombeiros militares e as polícias penais federal, estaduais e distrital. O § 8º do art. 144 ainda traz a possibilidade de instituição, pelos Municípios, de guardas municipais, destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Desse modo, o STF em apertado julgamento3 decidiu pela possibilidade de que essas guardas municipais atuem em fiscalização do trânsito, podendo, inclusive, lavrar infrações, uma vez que, para a Corte, o dispositivo constitucional não impede que a guarda exerça funções adicionais àquelas previstas em seu texto, mencionando que até mesmo as instituições policiais podem cumular funções típicas de segurança pública com exercício de poder de polícia administrativo. As polícias rodoviária e ferroviária, ambas federais, possuem atribuições específicas, atuando, respectivamente, no patrulhamento ostensivo das rodovias federais e das ferrovias federais. As polícias pe- nais, que existem no âmbito dos estados, Distrito Federal e da União também tem atuação especificada e são responsáveis pela segurança dos estabelecimentos penais. A polícia federal, por sua vez, já possui atuação mais ampla, sendo destinada, conforme art. 144, §1º, da Constituição Federal, a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha reper- cussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o con- trabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros ór- gãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) 3 RE 658570/MG. Rel. Min. Marco Aurélio. Rel. p/ Acórdão Min. Roberto Barroso. Tribunal Pleno. Julgado em 06/08/2015. 29 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. Percebe-se que, embora tenha uma série de atribuições, a po- lícia federal atua em situações específicas, restando como os maiores órgãos da segurança pública do Brasil, com competência geral para atuação, as polícias civis e militares. A Carta Magna distribui a competência dessas polícias da se- guinte forma: enquanto às polícias militares cabe a polícia ostensiva e preservação da ordem pública, às polícias civis, ressalvada a compe- tência da União, quando atuará a polícia federal, cabe as funções de polícia judiciária e apuração das infrações penais. A organização do trabalho policial dividida entre duas institui- ções distintas e autônomas entre si necessitam de completa e efetiva articulação entre as duas polícias, mas ocorre, na prática, conflitos entre as duas polícias, dispersão de recursos gerando baixa efetividade na atuação (BARBOSA e CRUZ, 2002). Até o momento, então, falamos de “polícia”, que são as estrutu- ras públicas e profissionais voltadas para a garantia da manutenção da ordem e da segurança pública. Já o “policiamento”, atualmente, é uma das atividades especí- ficas essas instituições, seja a forma que porventura tenham em cada comunidade, mas é caracterizado como a atividade específica de patru- lhamento preventivo. Zanetic (2012), mais especificadamente, trata policiamento como “uma forma particular de controle, alicerçada por atributos espe- cíficos de sistemas de vigilância e ameaças de sanção, conduzida por uma ampla variedade de corpos e agentes que possuem como sua prin- cipal atividade a manutenção da ordem e a promoção da segurança”. No Brasil, temos uma situação especial: a divisão das funções da polícia em duas instituições separadas, o que acarreta um desafio ainda maior para atuação eficiente. Em situações práticas, podemos vislumbrar essas dificuldades no fato de que a polícia militar possui, em tese, por estar na rua, maior proximidade com o cidadão. Numa inves- tigação criminal, portanto, os policiais militares, provavelmente, terão informações que poderão ser essenciais para a elucidação de crimes e, por falhas organizacionais na gestão dessa informação, podem não ser compartilhadas com a polícia civil, responsável pelo inquérito policial (SZABÓ e RISSO, 2018). Para outros autores, como Rolim (2006), a divisão das polícias pode até mesmo ser benéfica e preferível em relação à ideia de polícia única. As atividades exercidas por ambas as instituições são, entre- 30 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S tanto, de extrema relevância para a redução da criminalidade e a se- paração, em que pese trazer dificuldades, não impede, caso haja uma eficiente organização, a melhora na atuação. Os modelos de policiamento são, em resumo, as estratégias que a polícia, enquanto instituição, tomará para atingir os objetivos que justificam sua existência. Esses modelos refletem e discutem, na nossa realidade, as atividades da polícia militar – a polícia ostensiva e preven- tiva, que age proativamente e reativamente – uma vez que a polícia civil é a polícia judiciária, responsável pelas investigações. Quando falamos de polícia civil, tratamos de gestão de polícia, que possui diversos modelos, e não especificamente de modelos de policiamento. Quanto às atividades da polícia militar, tradicionalmente elas podem ser reativas, ou seja, quando são iniciadas e direcionadas por uma solicitação dos cidadãos, ou proativas, quando são iniciadas e di- recionadas pela própria polícia ou pelos próprios policiais, independen- temente de provocação pelos cidadãos. As características do modelo de policiamento tradicional são baseadas numa tradição militar, herdada pela polícia, o que ocorre es- pecialmente no Brasil, com o modelo da polícia militar. Trata-se a polícia como um órgão responsável pela aplicação da lei, sendo seu papel a maximização da solução de crimes e a eficiência seria supostamente mensurada pelo maior número de prisões no menor tempo possível. Embora seja uma ideia antiga, o referido modelo é aplicado e incentivado até hoje, com alguns estados da federação garantindo prêmios para policiais que apreendem o maior número de armas4 ou mesmo pela captura de acusados5. Apesar disso, críticas a esse sistema vem sendo feitas pelo menos desde a década de 1980 por diversos fatores, como a percepção de que o aumento do número de policiais não reduz necessariamente o índice de criminalidade e nem eleva a proporção de crimes solucio- nados, que o policiamento intensivo nãoreduz o crime, apenas o des- loca para outras áreas, que crimes como homicídio, estupro, furto em domicílio, roubo e assalto dificilmente são enfrentados pelo policial em patrulha, dentre outros motivos (BARBOSA e CRUZ, 2002). A existência de críticas ao modelo tradicional, chamado tam- bém de “profissional” de policiamento não impede o reconhecimento da 4 ATUAL, Amazonas. Policiais Ganharão Prêmio de Até R$ 1.000,00 por arma apreen- dida no Amazonas. 2019. Disponível em: https://amazonasatual.com.br/policiais-ganharao-pre- mio-de-ate-r-1-mil-por-arma-apreendida-no-amazonas/. Acesso em: 20 abr. 2020. 5 EXTRA, Jornal. Lei que prevê recompensa a policiais do Rio gera polêmica. 2019. Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/lei-que-preve-recompensa-policiais-do- -rio-gera-polemica-23562117.html. Acesso em: 19 abr. 2020. 31 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S importância que teve ao trazer inicialmente uma organização burocráti- ca de profissionais que são gerenciados de acordo com uma metodolo- gia, utilizando-se da racionalidade voltada ao patrulhamento. A formatação de uma estrutura rigidamente disciplinada e hie- rarquizada costuma também oferecer vantagens quanto ao combate à corrupção (ROLIM, 2006). A atividade policial, nesse modelo de policiamento, passa a ser o controle do crime, prender, identificar culpados, coibir momenta- neamente comportamentos desviantes e impor a ordem. Tanto na ação proativa como reativa, a atuação ocorre de forma interventiva, no mo- mento da prática do crime ou posteriormente. Baseia-se, portanto, na ideia de que a punição ou repressão da criminalidade irá prevenir novas práticas, em confirmação à teoria de prevenção geral da pena, mas no âmbito policial. Ressalta-se, ainda, que esse modelo tradicional, que é o mo- delo de policiamento mais comum, deixa os policiais, enquanto indiví- duos, restritos a um mundo definido pelas “ocorrências” durante sua atuação profissional. Assim, os policiais são obrigados a lidar com fenômenos sem- pre extremos, traumáticos e dolorosos, uma vez que o dia a dia comum das pessoas que habitam a comunidade não guardam qualquer relação com seu trabalho (ROLIM, 2006). Outro modelo, então, surge como alternativa já há vários anos, aplicado em vários países do mundo, como Estados Unidos, Canadá, Irlanda do Norte, Austrália, Japão e outros (ROLIM, 2006). É o modelo do policiamento comunitário. Embora a discussão e tentativa de aplicação desse tipo de mo- delo de policiamento no Brasil seja tardia em relação aos outros países, desde os anos 90 já se fala no tema no âmbito acadêmico e até legis- lativo. É importante ressaltar também que a disseminação de projetos de policiamento comunitário por diversos países não significa necessariamente que houve uma transição do modelo reativo para o modelo de policiamento comunitário de uma maneira geral. Pelo contrário: nos Estados Unidos e na maioria dos países eu- ropeus, o policiamento comunitário ainda é tratado como um “programa especial”, ou seja, que foge à regra. Ainda assim, o próprio Ministério da Justiça vem tratando do tema há diversos anos, tendo assinado em 20146 um Termo de Coo- 6 BRASIL. Diretriz Nacional de Polícia Comunitária propõe aproximação entre o sistema de segurança pública e a sociedade. 2019. Disponível em: https://www.justica.gov.br/ news/collective-nitf-content-1555096748.16. Acesso em: 20 abr. 2019. 32 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S peração com o Japão, a fim de estudar a aplicação de policiamento comunitário. Lançou ainda a Diretriz Nacional de Polícia Comunitária, no final do ano de 2019. O próprio documento traz a sua definição: Polícia Comunitária é uma filosofia e uma estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia. Tal parceria baseia-se na premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâ- neos, tais como crime, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais e, em geral, a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral de vida da área. A principal diferença entre o modelo tradicional, reativo, é que a presença da polícia naquela comunidade específica é contínua, fazendo com que tenha um caráter preferencialmente preventivo, que tem como objetivo não apenas reagir aos crimes que tem ocorrido ou venham a ocorrer, mas, também, em identificar e modificar fatores ambientais e comportamentais que venham a gerar delitos ou danos à paz social. Nesse modelo, o lado social da atividade policial passa a ser valorizado, pois o trabalho do policial não mais é apenas reagir àqueles mencionados fenômenos sempre traumáticos, mas para dar atenção integral aos cidadãos, numa maior integração entre polícia e os outros órgãos e entidades – públicas ou não – responsáveis pela melhoria da qualidade de vida. A eficiência da polícia passa a ser medida não apenas pelo número de detenções e prisões (ou até óbitos), mas pela redução no crime e na desordem. As equipes policiais passam a trabalhar em zona delimitada, trabalhando com consultas, delineamento de objetivos programas de treinamento em serviço, encorajamento de sugestões pelo público, que passa a ter um papel mais ativo, participação dos policiais nas ativida- des da comunidade. As relações com a comunidade, nesse modelo, passam a ter papel fundamental na função de patrulhamento. O serviço policial passa a ser amigável nos contatos nas ruas. A análise criminal e o planeja- mento das ações e operações passam a ser especificamente localiza- dos, adaptando a prevenção de crimes às necessidades da comunida- de local e, para isso, essas necessidades precisam ser identificadas, registradas e trabalhadas estrategicamente. Além de estratégia, o policiamento comunitário é um método de trabalho, ultrapassando a instituição da polícia, necessitando de coo- peração das forças de segurança, dos demais entes públicos e da so- 33 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S ciedade em geral. Talvez, o mais conhecido exemplo de tentativa de implantação de polícia comunitária no Brasil seja o das Unidades de Polícias Pacifica- doras (UPPs), idealizado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, que visava modificar a forma de combate ao tráfico nas favelas do estado. Embora atualmente descreditado em razão de diversos er- ros na sua aplicação, como o fato de o policiamento comunitário não ter sido acompanhado de políticas e investimentos sociais efetivos nas comunidades, bem como no caso de algumas comunidades não ter sido implantada efetivamente uma polícia de comunidade, mas apenas uma polícia de ocupação de território, deixou também algumas heranças positivas, como apresentado em reportagem do jornal El País, que conversa com atores envolvidos na implantação do projeto, disponível neste link: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/11/politi- ca/1520769227_645322.html Outro modelo estudado é o “policiamento orientado para a solução de problemas” (POSP), formulado por Herman Goldstein, que segue uma abordagem conhecida como SARA (Scanning, Analysis, Response and Assessment – Levantamento, Análise, Resposta e Ava- liação), quatro fases para essa atuação. Na fase de levantamento, a polícia buscaria identificar os proble- mas recorrentes que trazem preocupação à população e à própria polícia, priorizar os problemas que serão enfrentados, estabelecer objetivos de- finidos, confirmar a existência e dimensão dos problemas, selecionar um desses problemas para exame e coletar os dados a seu respeito. Na fase de análise consiste em tentar identificar e compreen- der os eventos e condições que precedem esse problema, quais suas consequências para a comunidade, qual sua frequência e identificar osrecursos disponíveis que podem auxiliar no desenvolvimento de uma melhor compreensão do problema. Na fase de resposta, pesquisar o que foi feito em outras comu- nidades que enfrentaram problema similar e quais foram os resultados obtidos, permitir que a equipe apresente ideias e opiniões e, com base nesses estudos, escolher a solução possível, elaborando um plano con- creto e apontando as responsabilidades de cada membro. Por fim, na fase de avaliação, identificar se e como o plano foi 34 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S implementado, se os objetivos foram alcançados, bem como novas estra- tégias que devam ser acrescentadas ao plano original para aperfeiçoá-lo. Esse modelo de policiamento traz, portanto, uma teoria para atua- ção localizada e resolução de problemas específicos em comunidades. Ro- lim (2006) traz vários exemplos bem-sucedidos de aplicação desse modelo nos Estados Unidos, em Green Bay (Winscosin) e San Diego (Califórnia). É relevante salientar que para qualquer mudança que parta dos sistemas tradicionais para outros mais novos enfrentará resistência. Rolim (2006) diz que uma das dificuldades para grande incentivo do policiamento comunitário é a visão que muitos têm de que se trata de uma resposta “leve” contra a criminalidade, pois esse modelo nega que a repressão seria a atividade principal e essencial da atividade policial. Isso se daria porque a cultura policial está marcada pela noção de retribuição. A demanda pública também pode ser marcada, em diversos momentos, por uma demanda punitiva, o que leva à exploração do fenô- meno da violência por setores da mídia e lideranças políticas, gerando, assim, pressões de toda ordem em favor de um sistema puramente retributivo, que pode até satisfazer momentaneamente essa demanda, mas evidentemente não tem gerado resultados a médio e longo prazo. Figura 3 - Evolução da População Carcerária no Brasil *Projeção da Human Rights Watch Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen)/Minis- tério da Justiça, 2016. 35 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Figura 4 - Evolução do número absoluto de homicídios no Brasil Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2018. Como se vê nos gráficos demonstrados, o crescimento da taxa de homicídios no Brasil acompanha o número de pessoas encarcera- das no país, ou vice-versa, demonstrando que independentemente das mais diversas ideias a respeito das formas de combate à criminalidade, a estatística mostra que o puro e simples encarceramento não traz uma efetiva diminuição nos números de violência, evidenciando que a socie- dade precisa discutir e propor soluções para a revigorar a segurança pública no país. Filme sobre o assunto: Operações Especiais (Paris Filmes, 2015), O Estopim (2014). Observação: Enquanto Operações Especiais é uma ficção que toca no tema das repercussões da implantação das UPPs na capital do Rio de janeiro em outras cidades, também discute indiretamente o papel da mídia e na relação entre polícia e comunidade, tema também discutido no documentário O Estopim que trata da morte do pedreiro Amarildo em 2013 na Rocinha e fala especificamente da conduta policial nas favelas. Outro caminho discutido, embora polêmico e que necessita de análise por diversas vertentes é a desmilitarização da polícia militar no Brasil, sendo relevante esclarecer alguns pontos, como o fato de que 36 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S desmilitarizar a polícia não é desarmar ou desuniformizar a polícia. No Brasil, isso significaria que a polícia ostensiva deixaria de ser força auxiliar e reserva do Exército e os membros dessa polícia não mais se submeteriam ao Estatuto dos Militares e ao Código Penal Mili- tar, passando também a ter uma flexibilidade bem maior para desenhar seus planos de carreira, sem mais ficar presa na hierarquização militar estabelecida atualmente. A maioria dos países possui alguma espécie de polícia militar, com diferentes níveis de amplitude de funções, mas países que mais se assemelham ao Brasil são o Chile, a Colômbia e a Itália, enquanto na França o sistema é praticamente misto: a Police Nationale atua em grandes cidades e grandes áreas urbanas e tem característica civil, a Gendarmerie Nationale é uma polícia militarizada e parte das Forças Armadas nacionais e atua nas cidades menores e nas áreas rurais, bem como nos portos e aeroportos do país. Os modelos de policiamento aqui discutidos podem ser aplica- dos tanto numa polícia militarizada quanto numa polícia ostensiva de caráter civil, possuindo grande relevância a formação, treinamento e seleção desses policiais, uma supervisão adequada, planejamento, es- tratégia e tecnologia. 37 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S QUESTÕES DE CONCURSOS QUESTÃO 1 Ano: 2017 Banca: FEPESE Órgão: PC-SC Prova: Agente de Polícia Civil Nível: Superior. O policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública são atribuições constitucionais da Polícia: a) Civil. b) Militar. c) Federal. d) Municipal. e) Rodoviária Federal. QUESTÃO 2 Ano: 2019 Banca: IBFC Órgão: Prefeitura Municipal de Cabo de Santo Agostinho-PE Prova: Guarda Municipal Nível: Médio. A CF/88 afirma que a segurança pública é dever do Estado e deve ser exercida para a preservação da ordem pública, evitando o risco das pessoas e do patrimônio, por meio da Polícia Federal, Civil, Rodoviária, Militar, entre outras. Nesse sentido, analise algumas funções dos órgãos e assinale a alternativa incorreta. a) A Polícia Rodoviária Federal, órgão permanente, organizado e manti- do pela União, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias, exercendo também as funções de polícia aeroportuária e de fronteiras. b) Às Polícias Civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. c) A Polícia Federal para prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpe- centes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência. d) Às Polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos Corpos de Bombeiros Militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. QUESTÃO 3 Ano: 2019 Banca: VUNESP Órgão: Prefeitura de Valinhos-SP Pro- va: Guarda Municipal Nível: Médio. Segundo texto expresso da Constituição Federal, os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas, conforme dis- puser a lei: 38 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S a) Ao policiamento repressivo, limitado ao território do Município. b) Ao patrulhamento das vias públicas, das rodovias e das escolas mu- nicipais. c) Ao policiamento ostensivo, ao combate ao crime e à preservação da ordem pública. d) À apuração de infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens do Município. e) À proteção de bens, serviços e instalações do Município. QUESTÃO 4 Ano: 2018 Banca: CEBRASPE Órgão: PC-MA Prova: Investigador de Polícia Nível: Superior. De acordo com a CF, às polícias civis cabe a: a) Execução de atividades de defesa civil. b) Apuração de infrações penais, exceto as militares. c) Função de polícia de fronteira. d) Função de polícia judiciária da União. e) Função de polícia ostensiva. QUESTÃO 5 Ano: 2015 Banca: FUNIVERSA Órgão: SEAD-GO Prova: Agente de Segurança Prisional Nível: Superior. De acordo com a CF, a segurança pública, dever do Estado, direi- to e responsabilidade de todos, é exercida para a preservaçãoda ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio por meio de determinados órgãos. Assinale a alternativa que apresen- ta o(s) órgão(s) que não se encontra(m) enumerado(s) na CF entre os que se destinam especificamente à segurança pública. a) Polícia Rodoviária Federal. b) Polícia Ferroviária Federal. c) Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares. d) Polícia Federal. e) Forças Armadas. QUESTÃO DISSERTATIVA – DISSERTANDO A UNIDADE Explique sucintamente, mencionando exemplos, a definição de preven- ção criminal primária, secundária e terciária. TREINO INÉDITO De acordo com a Constituição Brasileira, a segurança pública: a) É dever e responsabilidade exclusiva do Estado, exercendo a ordem pública através das instituições formais. 39 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S b) É exercida no âmbito dos estados apenas pela polícia militar. c) Além de ser dever do Estado, é de responsabilidade de todos. d) É exercida também pelas polícias penais municipal, estadual e federal. e) Deve ser sempre repressiva, a fim de preservar a ordem pública. NA MÍDIA E AGORA, BRASIL? Série de detalhadas reportagens da Folha de São Paulo a respeito de Segurança Pública, tratando de diversos temas, como a descoordena- ção, falta de integração entre as ações das polícias, que causam sua ineficiência, além de um diagnóstico do perfil dos mais atingidos pela criminalidade no país, detalhes sobre a Lei de Drogas, que é a lei que mais justifica prisões no Brasil, uma análise a respeito dos presídios e, por fim, traz propostas de especialistas para reduzir a violência. Fonte: Folha de São Paulo Data: 20 de abril de 2018. Leia a notícia na íntegra: https://temas.folha.uol.com.br/e-agora-brasil- -seguranca-publica/e-agora-brasil/serie-discute-politicas-publicas.shtml NA PRÁTICA Entender os conceitos de Segurança Pública e aprofundar seus estudos no tema é fundamental para carreiras policiais, carreiras políticas, mas também para as carreiras jurídicas. Promotores, Defensores Públicos e Magistrados, embora não sejam en- carregados diretamente de realizar política criminal, possuem um traba- lho definitivamente influenciador nesses casos. A atuação da Defensoria Pública, por exemplo, por se tratar da insti- tuição que normalmente está mais próxima da população, deve ser no sentido de compreender a realidade da população que atende, suas necessidades, ouvindo diretamente a população através de audiências públicas, dos atendimentos e da coleta de dados. Trata-se de um agente educador em direitos, podendo atuar especificamente em áreas como violência doméstica, empoderando a população, como na formação de defensores populares, projeto que vem sendo praticado em diversas Defensorias do Brasil e que visam prioritariamente os líderes comuni- tários, presidentes de associações de bairros, professores, coordena- dores de escolas, entre outros, mas normalmente são abertos a qual- quer cidadão, capacitando-os quanto a direitos dos cidadãos relativos ao SUS, medicamentos, saúde pública, direito do consumidor, direito do idoso e das mulheres e direitos humanos em geral. O reflexo de cidadãos conscientes e difusores de conhecimento nas comunidades mostra benefício indireto com relação à Segurança Pública. 40 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S O Ministério Público, através dos promotores, exerce, constitucional- mente, o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, da Constitui- ção), devendo atuar não apenas de forma reativa, mas numa perspecti- va transformadora, capacitadora, utilizando-se de dados estatísticos e, quando necessário, atuando na correção e adequação de procedimen- tos que venham a violar direitos da população. 41 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S CONCEITO DE CRIMINOLOGIA A ciência da Criminologia surgiu antes mesmo da própria pala- vra que a indica, palavra essa de resolução etimológica simples, estudo (logos) do crime (crimino). Tem-se, portanto, em sua própria nomencla- tura, um início de definição do objeto de estudo da criminologia, embora não seja razoável limitar essa complexa ciência apenas nisso. Houve uma evolução em sua conceituação ao longo dos anos, deixando de ser algo simples, como o “estudo do crime”, ou “estudo do criminoso”, para englobar, atualmente, temas diversos, mas inter- ligados, como o estudo e a explicação da infração legal; os meios for- mais e informais que as sociedades usam para lidar com o crime e atos desviantes; as posturas das vítimas desses crimes e a forma que AS BASES DO ESTUDO DA CRIMINOLOGIA 42 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S serão atendidas pela sociedade e o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes. Também é relevante para esta ciência a própria gênese do conceito do que é um fato desviante ou fato criminoso. Por se tratar de ciência de caráter social, deve-se cuidar em não limitar a criminologia à neutralidade científica, o que não ocorre. Também se distingue do próprio direito, por se tratar de uma ciência empírica e indutiva, do “ser”, isto é, ambientada no mundo real, não do “dever ser”. Algo que também sempre caracterizou a criminologia foi a in- terdisciplinaridade. Não que não seja dotada de autonomia, mas sem- pre influenciou e foi consideravelmente influenciada e continua a ser, por diversas outras ciências, como a sociologia, a psicologia, o direito, a filosofia e a medicina legal. Pode-se definir a criminologia simplesmente como “o estudo do crime e do criminoso”, mas como afirma Shecaira (2018), essa sim- plificação acaba por não dar a dimensão do que venha a ser criminolo- gia. Menciona que, afinal, o direito penal também é o estudo do crime e do criminoso, assim como a política criminal. Não se deve, entretanto, renegar a criminologia, como já ocor- reu e até hoje ocorre no Brasil, a uma ciência auxiliar do direito penal, pois possui métodos e objetivos diferentes. Como já dito, a criminologia é uma ciência empírica, baseada na observação do “ser”, enquanto o direito penal possui natureza formal, normativa, o proceder do seu estu- do é dedutivo sistemático. Criminologia seria, então, uma ciência empírica (baseada na realidade) e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, que trata de buscar informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime, que é contemplado como problema social e individual. Também analisa programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção sobre o homem delinquente (SHECAIRA, 2018). O seu caráter autônomo é dado por ter função, métodos e ob- jetos próprios, sendo uma das ciências penais, ao lado do direito e da política criminal, formando um de seus três pilares. A criminologia tem uma importância fundamental, consideran- do que visa analisar os fatores que culminaram no cenário atual. Esses fatores recaem sobre os objetos de estudo da criminologia: o delito (cri- me), o delinquente, a vítima e o controle social. Esses objetos compõem o fenômeno criminal e a criminologia se presta a compreendê-lo cien- tificamente, não necessariamente, ao menos na contemporaneidade, através de leis universais exatas ou mesmo com dados e estatísticas rígidos, elementos que são rejeitados pelas suas interdisciplinaridades, composta por ciências sociais que fogem da exatidão, como o próprio SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S 43 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S direito, a psicologia e a sociologia. Essa ciência pode ajudar a orientar a política criminal possibili- tando a prevenção de crimes, mas também podeinfluenciar o direito pe- nal, no sentido de que o próprio estudo dos objetos da criminologia pode demonstrar os motivos de tal conduta na sociedade vir a ser reprimida. Analisa também os diversos sistemas de resposta ao delito e bus- ca entender as razões que levam as pessoas a cometerem crimes, os mo- tivos pelos quais esses delitos ocorrem na sociedade e até mesmo porque determinada conduta é considerada crime em determinada comunidade. Enquanto tradicionalmente, na sua criação, a criminologia, an- tes mesmo de ser reconhecida como ciência autônoma, tinha como ob- jetos apenas o crime e o delinquente, seu conceito moderno incorporou também o estudo da vítima e do controle social. Ao longo dos anos, também foram modificados os paradigmas da criminologia: inicialmente, focava na análise etiológica, isto é, nas causas e raízes da criminalidade, seja quanto ao crime ou quanto ao delinquente. Modernamente, sem renunciar à análise etiológica, estuda-se também os modelos de reação ao delito, os chamados processos de criminalização. OBJETO DA CRIMINOLOGIA O Delito (ou Crime) A própria análise do objeto da criminologia não é simples e exata: o conceito de delito (crime) para a criminologia não é exatamente aquele do direito penal. Enquanto o direito penal se centra na tipicidade daquela conduta ou omissão, a criminologia vê o delito como um fenô- meno comunitário, um problema social. O estudo criminológico apura não só a tipicidade, antijuridici- dade e culpabilidade de um ato, mas também se interessa pelos fatores e critérios que levaram aquela sociedade a tipificar e tornar antijurídica referida conduta que, por vezes, era, até então, aceita, enquanto outras vezes eram condutas inexistentes na sociedade. Para melhor visualizar essa questão, exemplificamos com a caça: até certo período da história, não havia qualquer discussão a res- 44 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S peito dessa prática ser crime ou não. Atualmente, mesmo nos países em que se permite a caça, como nos Estados Unidos, ela é altamente regulamentada e limitada. Em outro pórtico, citamos os crimes virtuais, como a invasão de dispositivo informático alheio, que passou a ser tipificado na chama- da “Lei Carolina Dieckmann”, ou a Lei nº 12.737/2012, além do stalking, a perseguição ou importunação por meios virtuais, que ainda não foi tipificado, mas já é objeto de diversos projetos no Congresso. Antes da ampla difusão da internet, especialmente a móvel, não havia que se falar em tais condutas, muito menos em criminalizá-las, mas, a partir de certo ponto, passou a ser demanda da sociedade a sua tipificação. Caso a análise do delito na criminologia se limitasse à adoção do conceito jurídico-penal de delito, estaria essa ciência virando justa- mente o que não é: uma ciência auxiliar do direito penal. A criminologia não aceita, portanto, um conceito ontológico de cri- me, isto é, o crime como algo natural. Até mesmo quando falamos no crime de homicídio, cuja conduta se traduz em “matar alguém”, temos situações em que essa conduta é aceita na sociedade, em diversas circunstâncias: guerras, intervenções médicas, omissão estatal, legítima defesa. Nesse sentido, dentro do estudo do delito (ou crime), a crimi- nologia passa a questionar também os processos de criminalização, que são aqueles fatos ou fenômenos, além do poder decisório e em favor de quais interesses, que fazem com que determinado fato, em um determinado contexto, em uma determinada sociedade, passe a ser considerado um crime. O processo de criminalização é, portanto, uma espécie de “se- leção penalizante” realizada pelo Estado, através de diversas institui- ções, que se processa em etapas distintas e com características pró- prias: a criminalização primária e criminalização secundária. A criminalização primária é a criação de uma lei incriminadora direcionada, isto é, aquela criminalização que ocorre na esfera legislati- va, com todas as suas influências (mídia, pressão popular), elegendo as condutas que serão classificadas como criminosas e passíveis de per- secução penal. Essa eleição é considerada uma opção político-criminal. A criminalização secundária, por sua vez, é a ação punitiva propriamente dita, recai sobre pessoas em concreto e é aplicado pelas agências do Estado, quando detectam pessoas que supostamente pra- ticaram um ato criminalizado primariamente. 45 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S Dentro do tema de processos de criminalização, fala-se bastante na seletividade penal, que ocorre nas duas fases desses processos de cri- minalização, embora com maior incidência na criminalização secundária. Num primeiro momento, uma lei incriminadora sempre será di- recionada a determinada classe e seus aspectos punitivos sempre terão como base atingir interesses daqueles que possuem poder para influen- ciar na tomada de decisões que acarreta na criminalização de uma con- duta. Como exemplo, temos os crimes sexuais, que de 1940, ano de aprovação do Código Penal, até 2009 eram tratados como ação penal privada. A exposição de motivos do Código Penal dizia que “nos crimes sexuais, nunca o homem é tão algoz que não possa ser, também, um pouco de vítima, e a mulher nem sempre é a maior e a única vítima dos seus pretendidos infortúnios sexuais”. Essa opção legal acarretou, por muitos anos, em considerável impunidade, visto que pelo fato de a titularidade da ação ser da vítima, essa teria que custear o patrocínio de uma causa criminal, o que é excessivamente dispendioso e demorado, além de gerar a extinção da punibilidade a não propositura da queixa no prazo de seis meses, prazo baixo para crimes dessa natureza. Na criminalização secundária, porém, a seletividade penal é ainda mais clara, permitindo ao Estado uma atuação de forma mais seletiva. Há uma forte tendência de o poder punitivo ser precipuamen- te exercido sobre pessoas previamente escolhidas em face de suas fraquezas, como moradores de rua, prostitutas e usuários de drogas. Há uma incapacidade estrutural natural da realização prática de todo o programa de criminalização primária, havendo uma grande diferen- ça entre aqueles fatos puníveis praticados na sociedade e os que são efetivamente criminalizados pelas agências do sistema penal. Essas limitações operativas das agências do sistema penal trazem uma am- pliação dessa seletividade da criminalização secundária, recaindo esse ônus, normalmente, sobre aquelas pessoas com maior incapacidade de acesso ao poder político, econômico e midiático, causando menos problemas às referidas agências. O Delinquente (ou Criminoso) Outro objeto de estudo é o criminoso, ou delinquente. Embora não tenha sido o foco principal na primeira escola criminológica, a Es- 46 SE G U R A N Ç A P Ú B LI C A E C R IM IN O LO G IA - G R U P O P R O M IN A S cola Clássica, que via o ser humano como senhor absoluto de si mesmo e dos seus atos, elevando sobremaneira a questão do livre arbítrio e via o comportamento criminoso como um ato de um pecador que optou pelo mal e, portanto, merecia ser punido pela quebra do contrato social, a figura do delinquente foi central na segunda escola criminológica, a Escola Positiva, que é a primeira a fazer a dicotomia crime/criminoso e passou a negar o livre arbítrio. Cada escola criminológica representou de forma diferente a fi- gura do delinquente, dando-lhe maior ou menor relevância conforme cada contexto ou mesmo a ideologia que seguia. Os pensamentos criminológicos mais detalhados de cada esco- la serão tratados mais adiante, mas é relevante, para que se compreen- dam as bases da criminologia através do estudo detalhado do seu ob- jeto, mencionar como as principais escolas veem a figura do criminoso. Em alguns momentos, busca-se justificar a prática do crime, seja tratando-o como fruto das desigualdades sociais ou