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AULA 3 PSICANÁLISE E PSICOPEDAGOGIA Profª Silvia Helena Brandt 2 TEMA 1 – FASES DO DESENVOLVIMENTO Ao observar diferentes comportamentos de crianças, Freud percebeu práticas que poderiam ser consideradas formas de expressão de sexualidade infantil. Em seu livro Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 1905, buscou o desenvolvimento da personalidade por meio da teoria das fases da sexualidade. Para isso, o pai da psicanálise buscou base também na teoria do inconsciente. De acordo com ele, a sexualidade é uma força motriz que impulsiona o desenvolvimento da perversão e da neurose. Freud foi pioneiro ao falar em sexualidade infantil, o que lhe trouxe, a princípio, muitas críticas de profissionais prestigiados da época. Ele afirma que o desenvolvimento se dá por estágios psicossexuais, que representam essas fases nos primeiros anos de vida. Freud descreveu cinco fases ou estágios distintos em que as energias que regem o princípio do prazer (ID) se focam em determinadas zonas erógenas. Essa energia psicossexual (libido) foi descrita como a força motriz por trás do comportamento. As fases são sucessivas e vão fazendo a passagem à medida que a criança cresce. Apesar de serem sucessivas, as fases não chegam a ser plenamente completas e continuam agindo durante toda a vida do indivíduo. Para a psicanálise, a personalidade é desenvolvida a partir das primeiras experiências infantis, em especial até os cinco anos de idade. A teoria da sexualidade aponta o caminho para a sexualidade saudável, a qual se dá quando a criança supera as fases da sexualidade (levando em consideração que elas se desenvolvem ao longo de toda a vida). Por isso, é importante que o profissional da educação não feche os olhos, rendendo-se a valores morais e preconceitos, mas olhe de frente questões relativas à sexualidade infantil, para que a criança se desenvolva de forma madura e saudável na vida adulta. Isso porque, se as etapas psicossexuais forem concluídas com êxito, o sujeito se constituirá com uma personalidade saudável. Por outro lado, se ficarem questões abertas, podem gerar demandas, as quais Freud chama de fixação. Saiba mais Fixação é um foco persistente em um estágio psicossexual. Até que o sujeito resolva este conflito, ele ficará fixado na fase de origem. Por exemplo, uma pessoa que está fixada na fase oral pode ser mais dependente dos outros e pode buscar estimulação oral por meio de fumar, beber ou comer. Freud chama a atenção de que, mesmo no sujeito mais saudável, pode haver certa perversão. 3 1.1 Fase oral (até 2 anos) Nesta fase, o bebê usa a boca para sobreviver. Uma vez que ainda não está inscrito no mundo das significações, ele sente desconforto e emite sons pela boca. O choro será saciado em sua necessidade de alimentação, higiene etc. É por meio da oralidade, então, que a criança inicia o processo de assimilação do mundo externo, a partir de atividades gratificantes (mamar, sugar...). Como Freud informa, desenvolvimento e as fases da sexualidade estão relacionadas ao prazer, e entende-se que esta seja a primeira fase do desenvolvimento. Primeira fase da evolução libidinal. O prazer sexual está predominantemente ligado à excitação da cavidade bucal e dos lábios que acompanha a alimentação. A atividade de nutrição fornece as significações eletivas pelas quais se exprime e se organiza a relação de objeto; por exemplo, a relação de amor com a mãe será marcada pelas significações seguintes: comer, ser comido. Abraham propôs subdividir- se esta fase em função de duas atividades diferentes: sucção (fase oral precoce) e mordedura (fase sádico-oral). (Laplanche e Pontalis, 1976, p. 184) 1.1.1 Fase sádico-oral É o segundo período da fase oral. Segundo Laplanche e Pontalis (1976), “é caracterizado pelo aparecimento dos dentes e da atividade de morder. A incorporação assume aqui o sentido de uma destruição do objeto, o que implica que entre em jogo a ambivalência na relação de objeto” (p. 186-187). 1.1.2 Fase do espelho Segundo J. Lacan, fase da constituição do ser hum ano que se situa entre os seis e os dezoito primeiros meses; a criança, ainda num estado de impotência e de incoordenação motora, antecipa imaginariamente a apreensão e o domínio da sua unidade corporal. Esta unificação imaginária opera-se por identificação com a imagem do semelhante como forma total; ilustra-se e atualiza-se pela experiência concreta em que a criança percebe a sua própria imagem num espelho. A fase do espelho constituiria a matriz e o esboço do que será o ego. (Laplanche; Pontalis, 1976, p. 176) Para Freud, há cinco modos de funcionamento que podem fazer correlação com comportamentos adultos: 1. A criança incorporar o alimento: incorporar o saber ou poder; capacidade de se identificar com outras pessoas; integração em grupos. 2. Segurar o seio, não querer separar-se: persistência; perseverança. 3. Morder é o protótipo da destrutividade: sarcasmo; tirania; cinismo. 4 4. Cuspir: rejeição. 5. Fechar a boca, impedindo a alimentação: condução da rejeição. O principal processo na fase oral é a criação da ligação entre mãe e filho. A criança é totalmente dependente do adulto cuidador, por isso pode-se dizer que há uma simbiose entre ela e a mãe, e é por pequenas frustrações (por exemplo, o lapso de tempo entre o choro pelo leite e sua satisfação) que ela vai se diferenciando como sujeito. A criança vivencia o seu corpo, nessa fase, como esfacelado. Ela não se percebe como uma unidade, nem sua mãe como uma unidade, mas sim como um seio. Por isso, é comum a criança morder uma parte de seu próprio corpo e chorar: ela não percebe que a boca que mordeu e a parte mordida são da mesma pessoa. Se há fixação nessa fase, isso pode gerar problemas com dependência ou agressão. 1.2 Fase anal (2, 3 anos) O foco desta fase são os esfíncteres (músculos que controlam a saída da urina e das fezes). Nesta fase, a criança começa a diferenciar o dentro e o fora, por meio da expulsão e retenção das fezes. Como os adultos à sua volta estão focados em ensinar a criança a controlar seu esfíncter, ela percebe e passa a manipulá-los com essa atividade. Aqui, a criança se sente ativa em relação ao meio externo, iniciando o processo de autonomia. Começa a compreender-se separada da mãe (dentro-fora) e percebe que há algo dentro dela (as fezes) que, dependendo da relação que possui com os educadores (pais), pode ser um presente a ser oferecido ou um objeto de barganha e manipulação. Nestas duas primeiras fases, os pais colocam seus filhos na posição de reis/rainhas do lar. Mudam seus mundos para recebê-los e acolhê-los, projetando neles seu próprio narcisismo: “Fui eu quem fez algo tão perfeito!”. A criança, então, aceita esse lugar, até porque ainda não conhece outro. No entanto, à medida que passa a conviver com a comunidade, por meio da escola, por exemplo, e perceber este jogo de dentro e fora, passa a observar as diferenças, inclusive as de anatomia, dando início à próxima fase. O prazer, bem como o conflito do desenvolvimento, de acordo com Freud, é o treino de toalete, ou seja, o controle de suas necessidades corporais. O prazer encontra-se no ato de conseguir o controle, dando a sensação de realização e autonomia, e, com o reforço externo, de satisfação. Na fase anterior, a criança buscava a realização do prazer de modo imediato; já na fase anal, com o 5 aprendizado do controle esfincteriano, a criança começa a aprender a lidar com a frustração, uma vez que há a necessidade da espera para chegar ao banheiro. Pais que usam elogios e recompensas incentivam resultados positivos e ajudam a criança a sentir-se capaz e produtiva. Para Freud, as experiências positivas durante este estágio ajudam a criança a tornar-se um adulto competente, produtivo e criativo. • Personalidade anal – expulsiva: pais usam abordagem muito branda.• Personalidade anal – retentiva: pais são muito rigorosos ou começam o treinamento do toalete muito cedo. Neste caso, quando adulto, pode se tornar rigoroso, ordenado, rígido e obsessivo. Tal como a zona dos lábios, a zona anal está apta, por sua posição, a mediar um apoio da sexualidade em outras funções corporais. É de se presumir que a importância erógena dessa parte do corpo seja originalmente muito grande. Inteiramo-nos pela psicanálise, não sem certo assombro, das transmutações por que normalmente passam as excitações sexuais dela provenientes e da frequência com que essa zona conserva durante toda a vida uma parcela considerável de excitabilidade genital. Os distúrbios intestinais tão frequentes na infância providenciam para que não faltem a essa zona excitações intensas. Os catarros intestinais na mais tenra idade deixam a criança “nervosa”, como se costuma dizer; no adoecimento neurótico posterior, eles têm uma influência determinante na manifestação somática da neurose e colocam à disposição dela toda a soma das perturbações intestinais. Considerando-se a significação erógena da zona retal, que se preserva ao menos em sua transmutação, tampouco podemos rir da influência das hemorroidas, às quais a medicina antiga atribuía tanta importância no esclarecimento dos estados neuróticos. As crianças que tiram proveito da estimulabilidade erógena da zona anal denunciam-se por reterem as fezes até que sua acumulação provoca violentas contrações musculares e, na passagem pelo ânus, pode exercer uma estimulação intensa na mucosa. Com isso, hão de produzir- se sensações de volúpia ao lado das sensações dolorosas. Um dos melhores presságios de excentricidade e nervosismo posteriores á a recusa obstinada do bebê a esvaziar o intestino ao ser posto no troninho, ou seja, quando isso é desejado pela pessoa que cuida dele, ficando essa função reservada para quando aprouver a ele próprio. Naturalmente, não é que lhe interesse sujar a cama; ele está apenas providenciando para que não lhe escape o dividendo de prazer que vem junto com a defecação. Mais uma vez, os educadores têm razão ao chamarem de perversas [schlimm] as crianças que retardam essas funções. O conteúdo intestinal que, enquanto corpo estimulador, comporta-se frente a uma área de mucosa sexualmente sensível como precursor de outro órgão destinado a entrar em ação depois da fase da infância, tem ainda para o lactante outros importantes sentidos. É obviamente tratado como parte de seu próprio corpo, representando o primeiro “presente”: ao desfazer-se dele, a criaturinha pode exprimir sua docilidade perante o meio que a cerca, e ao recusá-lo, sua obstinação. Do sentido de “presente”, esse conteúdo passa mais tarde ao de “bebê”, que, segundo uma das teorias sexuais infantis [ver p. 185], é adquirido pela comida e nasce pelo intestino. A retenção da massa fecal, a principio intencionalmente praticada para tirar proveito da estimulação como que masturbatória da zona anal, ou 6 para ser empregada na relação com as pessoas que cuidam da criança, é, aliás, uma das raízes da constipação tão frequente nos neuropatas. Além disso, o sentido pleno da zona anal espelha-se no fato de se encontrarem muito poucos neuróticos que não tenham seus rituais escatológicos especiais, suas cerimônias e coisas similares, por eles cuidadosamente mantidos em segredo A estimulação masturbatória efetiva da zona anal com a ajuda do dedo, provocada por uma comichão centralmente determinada ou perifericamente mantida, não é nada rara nas crianças mais velhas. (Freud, 1996, p. 175-176) TEMA 2 – FASES DO DESENVOLVIMENTO II 2.1 Fase fálica (3/4 até 5/6 anos) Na fase anterior, a criança adquiriu a percepção de dentro e fora e das primeiras diferenças entre ela e os outros. Na fase fálica, a criança amplia essa percepção e começa a observar as diferenças do próprio corpo, como a diferença biológica entre meninos e meninas. Essa observação gerará caminhos de desenvolvimento diferentes para os sexos, que tenderão a proteger seu narcisismo à sua própria maneira. Nesta fase fálica, o prazer está focado na região genital, e a diferença entre o masculino e o feminino dá origem ao processo de castração, que Freud nos explica ser o momento em que a criança descobre que não pode ser ou ter tudo o que quer. Entende que está submetida a regras e que deve segui-las para pertencer a uma comunidade humana, bem como dá estrutura ao modo de lidar com as perdas e limites. Esta fase se faz em uma importante ferida narcísica, pois a criança perde sua posição de onipotência frente à família e ao mundo. Neste momento, as crianças podem fazer perguntas acerca da diferença dos sexos e de onde vêm os bebês. Freud afirma que aqui inicia grande parte da repressão transmitida por meio da cultura, pois lhes é ensinado que não devem perguntar ou refletir sobre essas questões, e elas interpretam que não se deve pensar ou falar sobre isso, pois desagrada àqueles que atribuem o suposto saber. Por isso, Freud afirma que grande parte das dificuldades de aprendizagem tem como origem uma inibição intelectual relacionada à forte educação repressiva. 2.1.1 Meninos Nesta fase, é comum que os meninos gostem de brincar com seus pênis. Costumeiramente fazem brincadeiras de competição para ver quem faz xixi mais longe. Frente aos comportamentos apresentados pelos meninos, os adultos 7 reagem impondo-lhes interdições, como “Pare de mexer no seu pênis, ou vou cortar fora!”. Esta frase pode ter efeito real na imaginação da criança, pois ao perceber que outras crianças não têm (as meninas), pode pensar que alguém os cortou, assim como a ameaça que lhe está sendo proferida. Freud nos diz que é nessa fase que a ligação do menino com a mãe está mais intensa e ciumenta, pois começa a ver o pai como rival na disputa do afeto da mãe, que é, até este momento, o seu maior objeto de desejo – complexo de Édipo. Não obstante, ele teme que estes sentimentos gerem punição por parte do pai, o que Freud denominou de angústia de castração. O menino então abdica ao desejo da mãe por um amor narcísico a uma parte de seu próprio corpo, que lhe dá muito prazer: seu pênis. Resumidamente, o menino começa a fase fálica com o complexo de Édipo e termina com o complexo de castração. 2.1.1 Meninas Apesar de seu primeiro objeto de desejo também ser a mãe, o caminho do desenvolvimento psicossexual é diferente do menino. Quando percebe que algumas crianças têm pênis e outras não, a menina cria a fantasia de que sua mãe também lhe deu um pênis, só que ele é pequeno (e vai crescer) – o clitóris. Fazendo isso, ela nega a realidade da diferença. Quando percebe que a realidade efetivamente existe e que não possui um pênis, se ressente com a mãe por não lhe haver dado um. Para Freud, é aí que ela faz a passagem do amor à mãe pelo amor ao pai. A menina então espera receber do pai um substituto do pênis: um bebê. Nessa fase, as meninas adoram dizer que seus pais são seus namorados e que uma boneca é filha de ambos. A menina começa assim a fase fálica com o complexo de castração e termina com o complexo de Édipo. Fase de organização infantil da libido que vem depois das fases oral e anal e se caracteriza por uma unificação das pulsões parciais sob o primado dos órgãos genitais; mas, o que já não será o caso na organização genital pubertária, a criança, de sexo masculino ou feminino, só conhece nesta fase um único órgão genital, o órgão masculino, e a oposição dos sexos é equivalente à oposição fálico- castrado. A fase fálica corresponde ao momento culminante e ao declínio do complexo de Édipo; o complexo de castração é aqui predominante. (Laplanche; Pontalis, 1976, p. 176). 2.2 Fase de latência (6/7 anos) Esta fase se inicia quando a criança começa a escolarização, colocando o foco de seu interesse nas relações com os amigos, com atividades esportivas, 8culturais, entre outras. Freud aponta que o amor recalcado no complexo de Édipo/ castração aqui retorna, mas sublimado como ternura por seus colegas e numa transferência amorosa, muitas vezes explícita, pela figura do professor. Já inscritas no mundo das relações comunitárias e culturais que lhes transmitem os símbolos sociais, com todas suas interdições, são desenvolvidos o ego e o superego, que, segundo Freud, contribuem para uma fase de calma, em que os interesses da libido são suprimidos. O período de latência, que vai dos seis/sete anos até a puberdade, é o momento de exploração, que apesar de a energia sexual ainda estar presente, é investida em outros objetos, como atividade intelectuais e relações sociais. Esta é uma importante fase para o desenvolvimento de habilidades sociais e de comunicação e autoconfiança. 2.3 Fase genital (12 anos) A fase genital se inicia na puberdade e acompanha o sujeito durante toda a vida. Aqui os impulsos sexuais que estavam sublimados com as mudanças hormonais retornam com grande potência. Até esta fase, o foco libidinal esteve centrado em si mesmo, mas, na fase genital, o interesse pelo bem-estar do outro aparece e se desenvolve. Se as outras fases foram concluídas com êxito, o sujeito se apresenta ao mundo equilibrado, tenro e carinhoso. As mudanças hormonais reacendem o complexo de Édipo e o modo como este foi “solucionado” na fase fálica. Naquela fase, como vimos, as figuras dos pais foram interditadas pelas regras sociais, mas sobrou uma promessa: “seus pais não, mas em compensação, você pode desejar todos os outros homens e mulheres”. A questão é que a promessa – inconsciente – é a de que o gozo será o mesmo. O adolescente é aquele que descobriu que essa promessa era mentira, pois nenhuma experiência é igual à primeira, bem como nenhuma experiência é igual à que criamos como expectativa. Esse prazer (por exemplo, o de ser colocado no lugar do narcisismo dos pais) é para sempre perdido. TEMA 3 – INFLUÊNCIAS NA ESTRUTURAÇÃO DO PSIQUISMO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Em Psicologia das massas e análise do eu, Freud busca explicar o comportamento individual em contextos grupais. Ele argumenta que “algo mais 9 está invariavelmente envolvido na vida mental do indivíduo, como um modelo, um objeto, um auxiliar, um oponente, de maneira que, desde o começo, a psicologia individual, nesse sentido ampliado, mas inteiramente justificável das palavras, é, ao mesmo tempo, também psicologia social” (Freud, 1921). Para o autor, fazer parte de um grupo transmite segurança, sentimento de pertença, o que ao mesmo tempo leva a uma perda do si mesmo consciente. Dessa forma, quaisquer sentimentos dentro do grupo tendem a ter grande influência, sendo vividos individualmente e retornando ao grupo em forma de consciência coletiva. 3.1 Identificação e intersubjetividade As três variáveis nos remetem a processos de grupos e de identificação. Segundo Freud (1921), no horizonte relacional, o outro é via de regra considerado enquanto referencial, objeto parcial, equivalente ou adversário. O sujeito, então, forma sua identidade por meio de características específicas das pessoas com as quais possui laços afetivos. Isso porque, ainda de acordo com Freud, o homem se pensa como modelo, colaborador ou rival, e o indivíduo em relação intersubjetiva concebe sempre um outro também como sujeito, objeto, rival, colaborador ou modelo. 3.2 Ideal de eu Para Maldavsky (1986), uma vez que as palavras permitem representar o pensamento e o sentimento da realidade que se apresenta, elas estão ligadas ao superego, permitindo a passagem do eu ideal para o ideal de eu. Segundo ele, as três funções do superego são: a da auto-observação, a da consciência moral e a da formação de valores. A auto-observação determina a distância percebida entre o self e o ideal do self, e entre o self e o julgamento moral e a formação de ideais. Essas três funções são interdependentes. Um exemplo disso seria que, a partir da auto- observação e do confronto do ego com o ideal, a desvalorização e o sentimento de inferioridade e vergonha podem surgir. (Maldavsky citado por Stein-Sparvieri, 2018) 3.3 Rival, modelo, objeto ou auxiliar Para Freud (1921), as relações estabelecidas pelo homem com os outros, – pai, mãe, irmãos etc. – são fenômenos sociais e pertencem ao campo da psicologia social. Os fenômenos sociais são externalizações de um impulso social e geram uma mente grupal, que se desenvolve no primeiro círculo social da 10 criança, que é a família. Nos laços que a criança estabelece desde a infância, a outra já conta como rival, modelo, objeto ou auxiliar. Ou seja, Freud atribui importância ao conceito de vínculos em relação ao social. O autor afirma que a coesão da massa devido a algum poder determina que, se o homem é deixado sugestionar-se pelos outros, é porque quer se juntar a eles e conclui que tal desejo pode surgir por amor a eles. Uma vez descritos os processos de complexidade psíquica que envolvem o desenvolvimento do eu realidade inicial, o eu prazer purificado e o eu realidade definitiva, nos concentramos nos processos psíquicos que envolvem a formação das representações. Cada sujeito é uma singularidade, porém uma singularidade que se constitui a partir da convivência com outros atores sociais. 3.3.1 Modelo Tem a ver com a catexia de objeto, quando o sujeito identifica-se com este de modo a querer ser como ele, investindo sua energia em moldar o próprio ego, segundo o aspecto daquele que foi tomado como modelo. 3.3.2 Objeto Alguém em quem o sujeito investe sua libido e busca sua satisfação. A nível individual, o investimento é a nível de objeto sexual. Quando fala-se em grupos, os instintos foram desviados de seus objetivos para algo que traga um investimento comum por todos os membros do grupo. Objeto, então, é aquilo que se quer possuir. 3.3.3 Oponente Podemos defini-lo buscando explicação a partir do complexo de Édipo, quando, por exemplo, o menino identifica-se com o pai, querendo ser como ele. À medida que investe sua libido no objeto mãe, passa a ver o pai como um rival/oponente, despertando o desejo de substituir o pai. 3.3.4 Auxiliar À medida que o objeto não pode ser o realizador de sua satisfação, o ego usa mecanismos como o da identificação, criando os sintomas. É quando um traço de outrem, que não tem relação com a história do sujeito, é internalizado e passa 11 a fazer parte de seu comportamento. Difere-se do modelo, pois este tem relação com a história do sujeito; o auxiliar é somente introjetado como objeto parcial, apenas um traço. A identidade, então, é constituída no processo intersubjetivo, por meio da identificação. E identificação é o “termo empregado em psicanálise para designar o processo central pelo qual o sujeito se constitui e se transforma, assimilando ou se apropriando, em momentos-chave de sua evolução dos aspectos, atributos ou traços dos seres humanos que o cercam” (Roudinesco; Plon,1998, p. 363). TEMA 4 – RELAÇÃO DINÂMICA TRANSFERENCIAL PROFESSOR/ALUNO Freud percebeu que, ao se relacionar com a figura do médico/terapeuta, que ali representava a autoridade, suas pacientes de certa forma repetiam padrões de comportamento que tinham base em modelos infantis (de amor, de ódio, ternura, desafio etc.). Em suas pesquisas, percebeu que determinada paciente tendia a desafiá-lo, a apaixonar-se por ele, ter medo dele etc. Ele aponta, então, que, quando observamos um padrão de repetição, podemos observar o inconsciente se comunicando. Isso significa dizer que as repetições de modelos de relação (abusivas, dramáticas etc.) não se dão ao acaso; ao contrário, são construídas pelo próprio sujeito, a partir da transferência de conteúdos inconscientes. Freud nos diz que a transferência é uma repetição de modelos infantis, sobretudo aquelesrelacionados à triangulação edípica. Esses modelos repetidos não necessariamente levam ao sofrimento (de fato, para Freud, vão estar presentes em toda forma de amor), mas em muitos casos, sim. Transferência designa em Psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se, aqui, de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de atualidade acentuada. (Laplanche; Pontalis, 1992, p. 514) A transferência é um fator relevante no impedimento ou na promoção do processo de aprendizagem. Isso porque, para que o sujeito se permita absorver um algo novo advindo de outrem, ele precisa ver este outro no lugar de alguém possuidor de um saber; é o lugar do suposto saber, um lugar investido de saber e autoridade. E a maneira como o sujeito se mostra frente a essa figura de autoridade dependerá dos modelos infantis que ele construiu a partir do seu 12 desenvolvimento, da forma como internalizou o modelo, rival e como se relaciona com os objetos de desejos e de quais mecanismos de defesa lança mão. A relação educacional implica interação do sujeito com o outro, pela presença do outro em mim. O conhecimento de si mesmo apenas passa a existir à medida que a descoberta do que de mim me é estranho, é do outro, abrindo espaço para a consciência das próprias vicissitudes e desejos, tendo o domínio sobre o outro em si, podendo, então, aceitá-lo. Como vimos até aqui, o sujeito se constitui a partir do outro, que interage como agente socializador. Partindo dessa premissa, pode-se compreender que a relação pedagógica se dá no mesmo campo do desenvolvimento, baseando-se muito mais nas relações que se dão a partir do concreto do que do repassado por meio da linguagem propriamente dita, ou seja, muito mais pelo modelo (quem se é) do que pela palavra falada ou o que se diz de uma relação. Isso remete, de acordo com Silva (2006, p. 165), à ideia de que o conhecimento que o educador tem sobre si próprio é o parâmetro da qualidade e profundidade da educação colocada em prática. Pensar a educação no âmbito da interação pressupõe, então, analisar uma nova direção do sentido de saber ser e não só de saber fazer. Aqui cabe uma reflexão: você, aluno(a), se conhece? Você que é um(a) futuro psicopedagogo(a), tem domínio do outro em si? Ocupa e se identifica com o lugar de todo saber? Sente-se ameaçado(a) por críticas? O não saber te angustia? Como lida com o desejo de saber dos alunos? Tais reflexões se fazem mister, a fim de controlar a própria atitude (contratransferência) e poder orientar seus alunos, pais, pacientes etc. É importante relembrar que o sujeito lê o mundo a partir de seus próprios filtros, portanto, o que realmente conta para a formação da realidade psíquica é a forma como vivenciou determinada experiência, e não a veracidade do fato/ato em si. É a realidade psíquica que será projetada e transferida, e é nessa instância que a psicanálise trabalhará para a superação de sofrimentos, buscando compreender, para além da história do sujeito, o modo como ele fala de sua vivência, tanto por meio da narrativa quanto em suas repetições. Retomando a assertiva de Freud, de que se há repetição, há a ação do inconsciente, podemos citar como exemplo uma criança no ambiente escolar. Digamos que ela seja repetidas vezes encaminhada à direção com uma queixa de desafio à autoridade do professor. A repetição desse fato nos aponta para algo da verdade acerca dessa criança: o modo como ela lida com a autoridade. O que 13 ela repete? É essa a questão. Outro exemplo seria um homem que se relaciona pela terceira vez com uma mulher controladora (tem repetição = transferência). Saiba mais Leia “A transferência de Freud”, de Elisabete Aparecida Monteiro, por meio do link: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v4n7/16.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2019. Veja esta história de Freud: um vendedor de seguros ateu estava muito doente, à beira da morte. Sua família, muito preocupada e religiosa, chamou um padre para que lhe desse a extrema unção. O padre se trancou por muitas horas no quarto com o homem à beira da morte. Este fato fez com que a família ficasse muito feliz, pois acreditaram que o padre tivesse, enfim, convertido o doente. E qual não é a surpresa: depois de horas intermináveis, o padre saiu... com um seguro na mão. Freud nos diz que, quando somos colocados no lugar de transferência de uma pessoa, temos que tomar cuidado para não responder ao inatual da transferência com a atualidade de nossa pessoa. Ao profissional cabe, então, reconhecer a transferência, para não respondê-la diretamente (contratransferência), mas sim qualificá-la como uma verdade acerca do próprio sujeito. Isto é, criar condições para que aquilo que está sendo repetido possa ser elaborado, mesmo sem que o próprio sujeito reconheça que está transferindo, pois ele repete sem saber, crendo que seu comportamento/ sentimento tem a ver com sua situação atual. Para Freud, a transferência é uma resistência à rememoração: o sujeito repete porque desconhece aquela verdade sobre ele mesmo. TEMA 5 – RELAÇÃO DE APRENDIZAGEM Eis a relação pedagógica: aprendemos a amar algo por amor a alguém. A transferência não é fato para um ou outro, mas inerente ao processo de humanização. À medida que nos relacionamos com os outros, atualizamos nossos desejos inconscientes, que foram registrados durante a infância e que se expressam em um modelo infantil. A relação de aprendizagem, especificamente a de professor e aluno, será sempre mediada pelo processo de transferência, no qual o aluno transfere, a partir 14 de seu inconsciente, ao professor o lugar de suposto saber, que passa a ser visto então como uma autoridade em determinado assunto. Kupfer (1989) nos informa que essa relação de transferência entre professor e aluno cria um paradoxo: de um lado, o inconsciente do aluno coloca o professor no lugar de ideal de eu; por outro lado, o inconsciente do professor pode colocar o aluno no lugar de seu eu ideal. Ou seja, na relação transferencial, pode haver a contratransferência, como, inclusive, já vimos na história do vendedor de seguros de Freud. É importante, então, voltarmos a um ponto já mencionado, a importância do autoconhecimento para que o professor suporte o lugar outorgado pelo aluno (pelo desejo de saber), sem, no entanto, sufocar o aluno em seu desejo de ensinar, isto é, permitir espaço de autonomia para o aluno. Sabe-se que essa não é uma tarefa fácil, pois se coloca à prova o lado narcísico do professor, exigindo dele que por vezes abra mão do próprio desejo de ensinar. Por isso, como já dito, o processo de aprendizagem está intrinsicamente ligado ao processo de desenvolvimento humano, portanto, o autoconhecimento é matéria-base. Do ponto de vista do inconsciente, o lugar que o aluno dá ao professor não depende de sua vontade, e sim de seus conteúdos internos que foram criados a partir da vivência das fases do desenvolvimento. Não obstante, é a partir desse lugar outorgado ao professor que seus ensinamentos serão ouvidos e apreendidos. Ser professor exige humildade e desprendimento imensos: o sujeito não é dono nem de nossas próprias palavras! O professor precisa ter ciência de que o aprendizado se dá pelo filtro do aluno, e o conteúdo repassado pode ter efeito imediato ou em longo prazo. Esse conteúdo não opera somente no campo da consciência, e o modelo do professor e o lugar em que o aluno o coloca também transmitem conhecimento. Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola adverte-me de que antes de tudo devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eramensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. (Freud, 1914, p. 286) Para Freud, governar, educar e psicanalisar são tarefas impossíveis, já que se dão em função do desejo que permeia a disposição do professor, o qual, de acordo com Millot (2001), é o desejo de poder. Kupfer (2001, p. 31) diz que o educador pode “ser um mestre não todo, matizado em certa medida pela posição 15 do analista, dos quais resulta um trânsito entre posições”. Ou seja, colocar-se em posição de humildade e dar autonomia ao aluno é o que permite o aprendizado. Quando se fala em educação de adolescentes, o processo pode ser ainda mais complexo. Isso porque, como aponta Freud (1905), a adolescência é um momento orgânico que gera um efeito psíquico. A mudança física gera excesso de libido, cuja carga potencializa lembranças infantis e exige um posicionamento no campo da sexualidade. Uma das principais tarefas, na adolescência, seria o abandono dos pais, percebidos agora com seus defeitos e limites (trabalho de desligamento das figuras parentais). O adolescente percebe que a promessa de gozo futuro realizada no Édipo e na castração era um engodo. Ou seja, ele percebe claramente que não há realização nem satisfação absolutas, tais quais ele vivenciou no começo de sua vida psíquica. Ele percebe também que o outro é castrado. Isto é, ele desconfia de qualquer discurso que se coloque como o verdadeiro, o todo certo e poderoso. Por isso, o aluno questiona e duvida de tudo o que o professor fala. É nesse sentido que se retoma Kupfer, ao falar do professor: um mestre não todo. O que não se ensina com método científico, mas trata-se de uma questão pessoal e subjetiva, na qual o professor se mostra como um sujeito igual a qualquer outro, que passou pelas fases de desenvolvimento sexual, que é um sujeito castrado, e que a falta (inerente ao ser humano), lhe faz trabalhar para saber. Isso permite a identificação e o desejo do aluno também de se colocar como um sujeito da falta e da pesquisa para o aprendizado. Na adolescência, com todas suas questões, o sujeito busca semelhanças e diferenças entre si e o outro, a fim de constituir sua própria identidade. É um momento em que se aponta os erros e defeitos dos outros – fato que, via de regra, é visto no cenário da educação. O professor lidará com tal situação dependendo da forma como aprendeu a lidar com sua própria falta (lembra-se de quando falamos que o processo de autoconhecimento é matéria básica?). Assim, mais uma vez é possível perceber que a transferência mediará a relação do aluno com a própria matéria ensinada pelo professor. Assim como aprende-se a amar algo por amor a alguém, também pode ser aprendido a odiar algo por ódio a alguém. Vamos refletir? Você já adorou uma matéria e, de repente, passou a detestá-la? E, quando parou para pensar no que mudou, observou que a mudança tinha sido de professor, com o qual você não teve tanta afinidade quanto o anterior? A transferência é, portanto, mola propulsora e possibilitadora da 16 educação, mas também pode se tornar ser impedidora do processo educativo. Apesar de não controlar o lugar onde é colocado pelo inconsciente do aluno, na transferência, o professor pode exercer um papel fundamental, lendo esse lugar por meio de uma perspectiva psicanalítica. Como já dito, isso implica na possibilidade de não responder o inatual (da transferência, do infantil) do aluno, com a atualidade de sua pessoa. Implica também a possibilidade de suportar o desejo de saber do aluno, abrindo mão, temporariamente, de seu desejo de dominar; sob pena de, caso isso não aconteça, obstruir o próprio processo de aprendizagem do aprendiz. 17 REFERÊNCIAS FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu. In: Obras completas de Sigmund Freud. v. 9. Rio de Janeiro: Delta, 1921. _____. Um caso de histeria, três ensaios sobre sexualidade e outros trabalhos (1901-1905). In: _____. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de Janeiro: Imago, 1996. LAPLANCHE, J.; PONTALIS J. B. (1976). Vocabulário da psicanálise. Lisboa: Moraes, 1976. Disponível em: <file:///C:/Users/Pri/Downloads/Laplanche%20- %20Vocabul%C3%A1rio%20de%20Psican%C3%A1lise.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2019 MILLOT, C. Freud antipedagogo. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. STEIN-SPARVIERI, E. Representaciones psicosociales: un aporte a la teoría y la investigación en psicología social: en subjetividad y procesos cognitivos. Buenos Aires: UCES, 2018.