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DORDORPerguntas c h av e em D O R COORDENADORES: DURVAL CAMPOS KRAYCHETE JOSÉ TADEU TESSEROLI DE SIQUEIRA ALEXANDRE ANNES HENRIQUES Perguntas chave em www.permanyer.com PERMANYER BRASIL www.dor.org.br • dor@.org.br FERNANDO CO TAIT MALUF C OORDENADOR: www.permanyer.com PERMANYER BRASIL Perguntas chave em C O O R D E N A D O R E S : J O S É TA D E U T E S S E R O L I D E S I Q U E I R A A L E X A N D R E A N N E S H E N R I Q U E S D U R VA L C A M P O S K R AY C H E T E DOR © 2014 Permanyer Brasil Publicações, Ltda. Avenida Eng. Luiz Carlos Berrini, 1461, 4.o Andar CEP 04571-011 São Paulo, Brasil brasil@permanyer.com Edição impressa em Brasil © 2014 P. Permanyer Mallorca, 310 - 08037 Barcelona (Catalunha). Espanha Tel.: +34 93 207 59 20 Fax: +34 93 457 66 42 ISBN da colecção: XXXXXXXXX ISBN: XXXXXXXXX Ref.: 1409AR131 Impresso em papel totalmente livre de cloro Este papel cumpre os requisitos de ANSI/NISO Z39-48-1992 (R 1997) (Papel Estável) Reservados todos os direitos Sem prévio consentimento da editora, não se poderá reproduzir nem armazenar em um suporte recuperável ou transmissível nenhuma parte desta publicação, seja de forma eletrônica, mecânica, fotocopiada, gravada ou por qualquer outro método. Todos os comentários e opiniões publicados são da responsabilidade exclusiva dos seus autores. www.permanyer.com PERMANYER BRASIL 100 perguntas chave em Dor III Autores Alana Menêses Santos CRM: 147100 – SP Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares da Disciplina de Geriatria e Gerontologia – DIGG Universidade Federal de São Paulo São Paulo – SP Alexandre Annes Henriques CRM: 26146 – RS Serviço de Dor e Medicina Paliativa Hospital de Clínicas de Porto Alegre Porto Alegre – RS Antônio Carlos de Camargo Andrade Filho CRM: 37824 – SP Fundador do Serviço de Terapia da Dor e Medicina Paliativa da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Membro Fundador e Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (1994–1995) Coordenador responsável pela Rede de Reabilitação Lucy Montoro unidade Jaú São Paulo – SP Cristina Frange CREFITO: 139958F – SP Disciplina de Medicina e Biologia do Sono Departamento de Psicobiologia UNIFESP São Paulo – SP Daniel Ciampi CRM: 108232 – SP Supervisor do Programa de Residência Médica de Neurologia Área de Atuação em Dor Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo Professor Colaborador Departamento de Neurologia Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo Neurologista Centro de Dor do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octávio Frias de Oliveira Coordenador da Liga de Dor Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina e da Escola de Enfermagem da USP São Paulo – SP Durval Campos Kraychete CRM: 10486 – BA Médico Anestesiologista Área de atuação em Dor Professor Doutor da Universidade Federal da Bahia Vice-Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) Salvador – BA Eduardo Grossmann CRM: 7247 – RS Centro de Dor e Deformidade Orofacial (CENDDOR-RS) Disciplina de Dor Craniofacial aplicada à Odontologia Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre – RS Fabiola Peixoto Minson CRM: 90398 – SP Médico Anestesiologista Área de Atuação em Dor AMB (Associação Médica Brasileira) Coordenadora do Centro Integrado de Tratamento de Dor São Paulo Médica da Equipe de Tratamento da Dor do Hospital Albert Einstein São Paulo São Paulo – SP Fania Cristina dos Santos CRM: 70907 – SP Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares da Disciplina de Geriatria e Gerontologia (DIGG) Universidade Federal de São Paulo São Paulo – SP Autores IV 100 perguntas chave em Dor Josimari Melo De Santana CREFITO 7: 53209-F – SE Chefe do Grupo de Pesquisa Dor e Motricidade Departamento de Fisioterapia Hospital Universitário Universidade Federal de Sergipe Aracaju – SE Levy Higino Jales Neto CRM: 117903 – SP Médico reumatologista Hospital São Camilo Santana São Paulo – SP Lin Tchia Yeng CRM: 58089 – SP Responsável pelo grupo de Dor Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) São Paulo – SP Luiz Biela do Vale CRM: 70093 – SP Professor Adjunto de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo – ICB/USP São Paulo – SP Manoel Jacobsen Teixeira CRM: 17968 – SP Prof Titular de Neurocirurgia Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Fundador e Supervisor do Centro de Dor Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Fundador e Supervisor da Liga de Dor do Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) São Paulo – SP Mario Luiz Giublin CRM: 6112 – PR Clínica de Dor do Hospital de Clínicas Universidade Federal do Paraná Curitiba – PR Mirlane Guimarães de Melo Cardoso CRM: 2028 – AM Responsável pelo Serviço de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Amazonas STDCP/FCECON Amazonas – AM Monica Levy Andersen CRBM: 5712 – SP Disciplina de Medicina e Biologia do Sono Departamento de Psicobiologia, UNIFESP São Paulo – SP Irimar de Paula Posso CRM: 12934 – SP Professor Associado Aposentado de Anestesiologia Departamento de Cirurgia Faculdade de Medicina da USP Professor Titular Aposentado de Farmacologia Anestesiologia e Terapêutica da Dor Universidade de Taubaté São Paulo – SP Jamir João Sardã Jr. CRP: 12/1554 – SC Espaço da ATM Centro da Dor Baía Sul Florianópolis – SC Janaína Vall COREN: 97020 – CE Enfermeira Doutora em Ciências Médicas Professora Adjunta da Universidade Federal do Ceará Diretora Científica da Sociedade Cearense para o Estudo da Dor (SOCED) Ceará – CE João Batista Garcia CRM: 2603 – MA Prof. Doutor da Disciplina de Anestesiologia Dor e Cuidados Paliativos Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Responsável pelo Serviço de Dor e Cuidados Paliativos Hospital Universitário da UFMA Instituto Maranhense de Oncologia Maranhão – MA José G. Speciali Disciplina de Neurologia Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Ribeirão Preto – SP José Oswaldo de Oliveira Jr CRM: 31963 – SP Titular e Diretor do Departamento de Terapia Antálgica Cirurgia Funcional e Cuidados Paliativos da Escola de Cancerologia Celestino Bourroul da Fundação Antônio Prudente de São Paulo São Paulo – SP José Tadeu Tesseroli de Siqueira CRO: 14.645 – SP Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor – SBED Coordenador do Curso de Residência em Odontologia Hospitalar Área de Dor Orofacial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo São Paulo – SP Autores 100 perguntas chave em Dor V Norma R.P. Fleming Disciplina de Neurologia Universidade Federal Fluminense Niterói – RJ Onofre Alves Neto CRM: 4193 – GO Médico Anestesiologista, Área de Atuação em Dor Doutor em Medicina Professor Associado de Anestesiologia Universidade Federal de Goiás Chefe do Serviço de Anestesiologia Universidade Federal de Goiás Presidente em 2006/2008 da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) Goiás – GO Osvaldo J.M. Nascimento CRM: 52167823 – RJ Professor Titular de Neurologia da Universidade Federal Fluminense Rio de Janeiro – RJ Patrick R.N.A.G. Stump CRM: 28451 – SP Grupo de Dor Departamento de Neurologia Hospital das Clínicas Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) Instituto de Ortopedia e Traumatologia do HC-FMUSP Divisão de Reabilitação do Instituto Lauro de Souza Lima Bauru – SP Ricardo Galhardoni ABG: 177 – SP GerontólogoPesquisador do Centro de Dor HC-FMUSP Doutorando do Departamento de Neurologia FMUSP São Paulo – SP Ricardo Kobayashi CRM: 130678 – SP Pesquisador do grupo de Dor Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) São Paulo – SP Roberto Awade CRM: 25464 – SP Membro da Equipe de Controle da Dor Divisão de Anestesia Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Titulo Superior em Anestesiologia da Sociedade Brasileira de Anestesiologia Instrutor Corresponsável Centro de Ensino e Treinamento da Divisão de Anestesia do Hospital das Clínicas Faculdade de Medicina da USP São Paulo – SP Roberto Monclùs Romanek CRM: 69576 – SP Titulo Superior em Anestesiologia da Sociedade Brasileira de Anestesiologia Certificado de Atuação em Terapêutica da Dor emitido pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia Instrutor Corresponsável Centro de Ensino e Treinamento Faculdade de Medicina do ABC São Paulo – SP Sílvia Maria de Macedo Barbosa CRM: 62559 – SP Médica Pediatra Chefe da Unidade de Dor e Cuidados Paliativos do Instituto da Criança do Hospital das Clinicas da HC/FMUSP Coordenadora do Comité de Dor em Pediatria da Sociedade Brasileira Para o Estudo da Dor (SBED) Presidente do departamento de Cuidados Paliativos e da Dor da Sociedade Paulista de Pediatria São Paulo – SP Sílvia Regina Dowgan Tesseroli de Siqueira CRM: 70022 – SP Curso de Gerontologia Escola de Artes, Ciências e Humanidades Universidade de São Paulo (USP) São Paulo – SP Departamento de Neurologia Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulomés (FMUSP) Pacaembú – SP Telma Regina Mariotto Zakka CRM: 33741 – SP Ambulatório de dor abdominal Pélvica e perineal não visceral Centro Interdisciplinar de Dor Hospital das Clínicas Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo São Paulo – SP Thiago Mattar Cunha Departamento de Farmacologia Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo Ribeirão Preto – SP 100 perguntas chave em Dor VI Abreviaturas AINEs anti-inflamatórios não esteroides AMPP Estudo Americano da Prevalência e Prevenção da Migrânea ATM articulação temporomandibular ATP trifosfato de adenosina CATM cirurgia da articulação temporomandibular CC cefaleia crônica CCD cefaleia crônica diária CEM cefaleia por uso excessivo de medicação CGRP peptídeo relacionado ao gene da calcitonina CID-10 Classificação Internacional das Doenças COX cicloxigenase COX-2 cicloxigenase 2 CPs cuidados paliativos CTT cefaleia do tipo tensional CTTC cefaleia tipo tensional crônica DN dor neuropática DNP DN periférica DN4 Douleur Neuropathique 4 Questions DTM disfunção temporomandibular EAD escada analgésica de dor EEG eletroencefalograma EEME estimulação elétrica da medula espinhal EMADOR Escala Multidimensional de Dor EFNS European Federation of Neurological Societies FAN fator anti-núcleo FDA Food and Drug Administration G-CSF fator estimulante de colônias de granulócitos GRD gânglio da raiz dorsal HIV virus da imunodeficiência humana HTLV virus linfotrópico da célula humana IASP Associação Internacional para o Estudo da Dor IL interleucina LANSS Leeds Assessment of Neuropathic Symptoms and Signs Pain Scale LC lombalgia crônica MC migrânea crônica MCC microscopia confocal de córnea MMII membros inferiores NFF neuropatia de fibras finas NIT neuralgia idiopática do trigêmeo NPD neuropatia periférica dolorosa diabética NPH neuralgia pós-herpética NPT neuropatia pós-traumática NMDA N-metil-D-aspartato NNT número necessário para tratar NS nociceptivos específicos OMS Organização Mundial de Saúde PAINAD Pain Assessment in Advanced Dementia PACSLAC Pain Assessment Checklist for Seniors with Limited Ability to Communicate PATCOA Pain Assessement tool in confused older adults PIC pressão intra-craniana PEM potencial evocado motor PG ponto-gatilho PGM pontos-gatilho miofasciais PS ponto sensível PPS Palliative Performance Scale QST teste sensitivo quantitativo QV qualidade de vida SAB síndrome da ardência bucal SBED Sociedade Brasileira para Estudo da Dor SCDR Síndrome Complexa Dolorosa Regional SCP substância cinzenta periaquedutal SDM síndrome dolorosa miofascial SDPL síndrome dolorosa pós-laminectomia SNC sistema nervoso central SP sunstância P TSH hormonio estimulante da tireoide VI via intravenosa VO via oral WDR amplo espectro dinâmico de resposta 100 perguntas chave em Dor VII Índice Apresentação IX J. Tadeu Tesseroli de Siqueira Capítulo 1 Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos? 1 T. Mattar Cunha, M.L. Giublin, A.C. de Camargo Andrade Filho e J.T. Tesseroli de Siqueira Capítulo 2 Avaliação e tratamento da dor – Parte 1 9 O. Alves Neto, J. Vall e D. Campos Kraychete Capítulo 3 Câncer e dor 15 J.B. Garcia, M. Guimarães de Melo Cardoso, D. Ciampi e M.J. Teixeira Capítulo 4 Cefaleia e dor orofacial 23 J.G. Speciali, N.R.P. Fleming, E. Grossmann e S.R. Dowgan Tesseroli de Siqueira Capítulo 5 Dor aguda em traumatismos e após cirurgias 31 I.P. Posso, R.M. Romanek e R. Awade Capítulo 6 Dor na criança, na mulher e no idoso 37 T.R. Mariotto Zakka, S.M. de Macedo Barbosa, A. Menêses Santos e F.C. dos Santos Capítulo 7 Dor musculoesquelética 47 P.R.N.A.G. Stump, L. Tchia Yeng, J. Melo de Santana, L.H. Jales Neto, R. Kobayashi e R. Galhardoni Capítulo 8 Dor neuropática 55 O.J.M. Nascimento, M. Jacobsen Teixeira e D. Campos Kraychete Capítulo 9 Dor, saúde mental e sono 63 A.A. Henriques, J.J. Sardá Jr., C. Frange e M. Levy Andersen Capítulo 10 Tratamento da dor – Parte 2 71 J.O. de Oliveira Jr, F. Peixoto Minson e L. Biela do Vale 100 perguntas chave em Dor IX Será que 100 perguntas dão a resposta a um tema tão complexo e caro à existência hu- mana como a dor? Penso que não, porém, como o próprio título do livro sugere, podem auxiliar a abrir a porta de entrada do vasto e misterioso universo da dor humana, de modo a ajudar na reflexão de situações cotidianas da prática clínica, o que já seria um grande feito. O leitor poderá vislumbrar nas questões apresentadas esse vasto universo: são 10 capí- tulos e 100 perguntas sobre mais de 18 tópicos referentes à dor, escritos por 36 especialis- tas brasileiros de diferentes profissões e especialidades. Por isso, organizar um livro deste porte, contando com tantas pessoas ilustres que se dedicam ao tema no Brasil, certamente é um desafio. A Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) orgulha-se de tê-lo enfrentado. Ressalte-se que, além do conhecimento cien- tífico indispensável, base da construção deste livro coletivo, contamos com a paciência e a dedicação por parte de todos, sem os quais ele não seria facilmente finalizado. Integrar educando é também um desafio da SBED, que, com este livro, espera colaborar com todos aqueles que buscam conhecimento e atualização, sejam jovens estudantes das áreas da saúde, profissionais da saúde em formação na área de dor, clínicos já experientes e até gestores da saúde. É a união em prol daquele ao qual, no final, tudo é dedicado: o paciente. E paciente, em algum momento das nossas vidas, poderemos ser cada um de nós. Todos trabalhando por todos, literalmente. A participação dos coautores foi espontânea e voluntária. Por isso, em nome da SBED, deixo meu imenso e terno agradecimento a cada um. Agradecimento extensivo ao Labora- tório Mundipharma pelo apoio indispensável e à editora Permanyer, pelo valoroso esforço realizado. Não poderia esquecer a participação da secretaria da SBED neste trabalho. Boa leitura! José Tadeu Tesseroli de Siqueira CRO: 14.645 – SP Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor – SBED Coordenador do Curso de Residência em Odontologia Hospitalar Área de DorOrofacial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo São Paulo – SP Apresentação 100 perguntas chave em Dor 1 QUAL A DEFINIÇÃO DE DOR MAIS ACEITA ATUALMENTE? Durante o processo evolutivo, os seres vivos desenvolveram inúmeros processos fi- siológicos que permitiram sua sobrevivência. Entre esses processos certamente podemos incluir a dor, já que ela faz com que o indi- víduo tenha consciência de que sua integri- dade está sendo ameaçada ou que ocorre alguma disfunção em seu organismo. Etimologicamente, a palavra dor provém do latim dolore e significa sofrimento físico ou moral, pena, desgosto, tormento, aflição e tristeza. Vários indivíduos tentaram definir a dor. Homero, por exemplo, acreditava que ela era resultado de “flechadas atiradas por deuses”, revoltados com os humanos. Para Aristóteles, quem descreveu pela primeira vez as cinco modalidades sensoriais (visão, gustação, olfação, audição e tato), a dor era uma “paixão da alma” (ou padecimento), sendo considerada uma experiência oposta ao prazer. Já Platão considerava que a dor originava se não somente da estimulação periférica, mas também da experiência emo- cional originada no espírito, uma ideia que vai além da concepção de distúrbio mera- mente localizado no organismo e que, tal- vez, tenha deixado indícios para o conceito de dor como experiência emocional. Por fim, Descartes propôs que a dor resultava da de- sarmonia entre o sistema nervoso periférico Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos? T. Mattar Cunha, M.L. Giublin, A.C. de Camargo Andrade Filho e J.T. Tesseroli de Siqueira e o encéfalo, sendo a percepção pela alma da ação de objetos externos sobre o corpo ou no seu interior. A definição mais aceita atualmente para descrever foi elaborada pelo grupo de taxo- nomia da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP)1 e consiste em “expe- riência sensitiva e emocional desagradável associada a uma lesão tecidual real ou po- tencial”. Portanto, a dor envolve a percep- ção dos estímulos nocivos pelo sistema ner- voso central (SNC) quando receptores sensoriais especializados (neurônios nocicep- tivos periféricos) são ativados, ou seja, da mesma forma que a visão e a audição, a dor tem um sistema neuronal próprio, denomi- nado sistema nociceptivo. Adicionalmente, a dor apresenta um componente afetivo-mo- tivacional, incluindo atenção, estado emo- cional e aprendizagem. Simplificadamente, poderíamos definir a dor como a “percepção desagradável de uma sensação nociceptiva”. Este conceito também envolve dois compo- nentes da dor, a nocicepção (sensação) e a sua percepção. A nocicepção (do latim no- cere, “ferir”), ou sensação nociceptiva, re- sulta da detecção seletiva de estímulos ca- pazes de comprometer a integridade física de um organismo. A percepção é uma fun- ção integrativa modulada por condições emocionais, motivacionais e psicológicas, bem como experiências de vida de cada pessoa. Capítulo 1 T. Mattar, et al. 2 100 perguntas chave em Dor QUAIS SÃO OS “CAMINHOS” DA DOR? Os estímulos nocivos (ou nociceptivos), sejam eles físicos (mecânicos ou térmicos) ou químicos (bradicinina, capsaicina, serotoni- na, prótons etc.), são detectados pelas ter- minações nervosas livres (nociceptores) de fibras sensórias periféricas presentes nos di- ferentes tecidos. Os neurônios nociceptivos periféricos são neurônios pseudounipolares possuindo um ramo axonal distal, que se di- rige à periferia, e outro ramo axonal proximal, que se dirige ao corno dorsal da medula espinal ou ao tronco cerebral. Eles inervam amplamente pele, mucosas, músculos, arti- culações e vísceras. Os nociceptores que inervam a cabeça e o pescoço vão compor os nervos cranianos e possuem seus cor- pos celulares, principalmente, no gânglio trigeminal. Já os corpos celulares das fibras que inervam tronco e membros estão nos gânglios da raiz dorsal (GRDs) dos nervos es- pinais2. Baseado em critérios morfológicos, as fi- bras nociceptivas podem ser classificadas em fibras de pequeno e médio diâmetro. As fi- bras de médio diâmetro, também denomi- nadas fibras A δ, são finamente mielinizadas e possuem velocidades de condução entre 2 e 30 m/s. Elas correspondem a 20% das fibras que conduzem a informação nocicep- tiva e são responsáveis pela dor de curta duração, aguda e lancinante, sentida após uma estimulação nociva. As fibras de peque- no diâmetro, também denominadas fibras C, não são mielinizadas e por isso possuem velocidade de condução baixa (0,5 a 2 m/s), sendo responsáveis pela dor de longa dura- ção e difusa2. Elas correspondem a 80% das fibras condutoras da informação nocicepti- va. Também existem diferenças quanto ao tipo de estímulo nociceptivo capaz de ativar essas fibras. Enquanto as fibras A δ respon- dem, principalmente, a estímulos mecânicos e térmicos, as fibras C são ditas polimodais e respondem a estímulos mecânicos, térmi- cos e químicos2. As fibras C também têm sido implicadas na transmissão de estímulos responsáveis pelo prurido. Convém ressaltar que, durante processos patológicos (por exemplo, neuropatias), nos quais ocorre uma plasticidade neuronal central, as fibras A b, de largo diâmetro e altamente mielinizadas, responsáveis pela detecção de estímulos inócuos (por exem- plo, táteis), podem passar a responder como nociceptores. Nestas condições, estímulos táteis inócuos, detectados por estas fibras, são interpretados como nociceptivos, dando origem ao fenômeno de alodinia. Temporalmente e de forma simplificada, pode-se dizer que, na periferia, a informação nociceptiva (ou seja, um estímulo nocicepti- vo) é reconhecida por moléculas sinalizado- ras específicas (por exemplo, TRPV1, TRPA1, TRPM8, etc.) presentes nos nociceptores (fibras A δ e C), convertida em impulsos elétricos e transmitida pelos nervos espinais e cranianos aos neurônios de segunda e ter- ceira ordem no SNC. Os nociceptores que transmitem a informação nociceptiva de es- truturas cranianas contraem sinapses direta- mente com neurônios de segunda ordem, em núcleos no tronco cerebral. Já os presen- tes nos membros e tronco conduzem a in- formação nociceptiva para o SNC através da raiz dorsal da medula espinal, onde contra- em sinapses com neurônios de segunda or- dem. Estas sinapses ocorrem no corno dorsal da medula espinal na substância cinzenta, que foi dividida com base citoarquitetônica por REXED (1954)3 em 10 lâminas, sendo a lâmina I a mais superficial, a partir da região dorsal. A maioria dos nociceptores termina nas lâminas mais superficiais, sendo que as fibras A δ contraem sinapse com neurônios secundários presentes nas lâminas I, II e tam- bém na V, e as fibras C, principalmente, com neurônios da lâmina II, também conhecida como substância gelatinosa. É importante mencionar, ainda, que as fibras A b terminam Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos? 100 perguntas chave em Dor 3 principalmente nas lâminas III, IV e V. A co- municação entre os neurônios nociceptivos periféricos e de segunda ordem depende da liberação de vários neurotransmissores, sen- do que o mais estudado é o glutamato. Ou- tros neurotransmissores, como substância P (SP) e peptídeo relacionado ao gene da cal- citonina (CGRP), parecem estar envolvidos na modulação da transmissão espinal. A propriedade funcional dos neurônios de segunda ordem dentro de cada lâmina da me- dula espinal tende a ser um reflexo da distri- buição das terminações dos neurônios aferen- tes primários. Por exemplo, as lâminas I e II contêm, principalmente, neurônios que pos- suem alto limiar de excitabilidade, os quais respondem, exclusivamente, à estimulação cutânea nociva. Estes neurônios secundá- rios são denominados nociceptivos especí-ficos ou NS, do inglês nociceptive specific. Por outro lado, a maioria dos neurônios pre- sentes nas lâminas IV e V respondem à estimu- lação tátil. Há ainda um grupo de neurônios de segunda ordem presentes, principalmente, na lâmina V, que respondem tanto a estímulos de baixa quanto de alta intensidade, provindos tanto de fibras de grande quanto de pequeno diâmetro. Esses são denominados neurônios de amplo espectro dinâmico de resposta (WDR) ou neurônios multirreceptivos. A magnitude das respostas dos neurônios no corno dorsal da medula espinal não ocorre simplesmente em função da natureza e in- tensidade da informação nociceptiva aferente. Ela é também resultado de uma série de sistemas neuroniais distintos, que funcionam modulando os eventos, os quais ocorrem durante o processamento da informação no- ciceptiva em nível espinal. Por exemplo, na lâmina II, ou substância gelatinosa, existem vários interneurônios inibitórios que se pro- jetam para outras regiões do corno dorsal, constituindo um importante mecanismo de regulação da transmissão nociceptiva. Além disso, existem várias evidências de que es- truturas no tronco cerebral enviam projeções neuronais até a medula espinal, as quais, pela liberação de diferentes neurotransmissores (serotonina, noradrenalina, etc.), são capazes de modular tanto positivamente quanto ne- gativamente a passagem do estímulo noci- ceptivo. Esses fenômenos são denominados controle descendente facilitatório e inibitório da dor, respectivamente4. Após a informação nociceptiva ser passada dos neurônios primários para os secundários e sofrer todas essas modulações, ela ascende através de diferentes tratos nervosos especí- ficos até a convergência com populações de neurônios no núcleo posterior ventral do tála- mo. Essa informação neural se projeta, então, do tálamo para áreas sensoriais do córtex cerebral, região onde as várias submodalida- des, como qualidade, intensidade e localização são integrados na experiência da percepção. É importante mencionar, que a informação nociceptiva poderá ainda atingir outros núcleos centrais (ex. sistema límbico, amídala, etc.) que definirão a tonalidade afetiva da dor. QUAIS AS DIFERENÇAS ENTRE DOR AGUDA E CRÔNICA? De maneira simplista, poderíamos dizer que temos duas categorias de dor, depen- dendo do tempo de sua permanência. A dor aguda, que dura segundos, dias ou semanas, que informa rapidamente que os estímulos do meio ambiente agridem ou colocam em perigo a integridade física do individuo. Entre as causas da dor aguda podemos apontar cirurgias, traumatismos, queimaduras, infla- mação aguda ou infecção. A dor aguda não tratada adequadamen- te leva à dor crônica e se torna a própria doença do paciente. Atualmente, a dor crô- nica é um dos principais problemas de nossa sociedade. Além de gerar estresses físicos e emocionais para os pacientes, ela traz alto custo financeiro e social, uma vez que leva a uma breve ou, até mesmo, permanente incapacitação de milhões de pessoas. Para T. Mattar, et al. 4 100 perguntas chave em Dor que a dor seja considerada crônica, ela deve durar, no mínimo, de 3 a 6 meses, podendo acometer o indivíduo por muito anos. A dor tornar-se crônica, em condições patológicas, resultando em um estado de má adaptação do sistema nociceptivo, que ocorre por uma combinação de alterações nos eventos básicos da nocicepção, associado a disfunções de origem física, emocional, psicológica e so- cial. Portanto, trata-se de uma síndrome que compromete de maneira transitória ou per- manente, a qualidade de vida, assim como a capacidade de trabalho de seus portado- res. Dentre os tipos de dores crônicas, pode- mos destacar as dores nas costas, alguns tipos de cefaleias, fibromialgia, dor oncoló- gica5. As síndromes dolorosas crônicas resul- tantes de lesões primárias ou doença de estruturas do sistema nervoso periférico ou central, as quais podem acometer raízes e nervos periféricos, nervos cranianos, medula espinhal ou cérebro, são classificadas como “dores neuropáticas”. QUAIS AS DIFERENÇAS ENTRE DOR NOCICEPTIVA E DOR NEUROPÁTICA? Simplificadamente, o termo dor nocicep- tiva é descrito como sendo a dor gerada por uma lesão tecidual real ou potencial devido à ativação de neurônios nociceptivos perifé- ricos. Em outras palavras, este termo é usa- do para descrever a dor que ocorre em situ- ações nas quais o sistema nociceptivo está intacto, como, por exemplo, a dor que acompanha encostar a mão em uma chapa quente ou mesmo aquela decorrente de um beliscão. Também descrita como a dor fisio- lógica, ela é fundamental para a sobrevivên- cia dos indivíduos. Pessoas que não são ca- pazes de responder a estímulos nociceptivos, como, por exemplo, o que acontece em certas doenças congênitas, a expectativa dos indivíduos é bem baixa, comparado à popu- lação em geral. Por outro lado, a dor neuropática é des- crita como sendo aquela dor que decorre de lesão ou doença do sistema somatossenso- rial, que leva a anormalidades do sistema nociceptivo. Desse modo, esta nova denomi- nação para dor neuropática atualizada pela última vez pela IASP, em 2012, traz informa- ções importantes. Ou seja, para ser classifi- cada com dor neuropática, é necessária a demonstração de uma lesão real, bem como uma doença do sistema sensitivo que satis- faça critérios neurológicos de diagnósticos bem estabelecidos. Quando se fala em lesão, necessita-se da confirmação por métodos diagnósticos (imagem, neurofisiológico, etc.) de que a uma anormalidade neural ou um trauma mensurável. Além disso, a doença do sistema somatossensorial é devidamente uti- lizada quando a causa da lesão é conhecida. Entre os diferentes fatores que podem lesio- nar o sistema nervoso e resultar no apareci- mento da dor neuropática encontram-se a compressão mecânica de nervos, (neuralgia do trigêmio), doenças metabólicas (diabetes), infecções virais (herpes-Zóster, AIDS), neuro- toxicidade pelo uso crônico de drogas, do- enças autoimunes (esclerose múltipla) e cân- cer. Apesar das diferentes etiologias, todas essas síndromes que levam ao surgimento da dor neuropática compartilham uma ca- racterística comum: afetam diretamente as vias nociceptivas. Nessas condições, a dor caracteriza-se por percepções sensoriais anormais. Um sintoma característico da dor neuropática é a hipersensibilidade dolorosa para estímulos normalmente inócuos, fenô- meno conhecido como “alodinia tátil”6. No entanto, é importante ressaltar que a alodi- nia per se não define a classificação em dor neuropática. Existem diversas evidências de que a le- são ou doença do sistema somatossensorial promove mudanças funcionais, estruturais e bioquímicas ao longo de todo o circuito no- ciceptivo. Como resultado, diversas altera- ções neuroplásticas podem ser observadas Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos? 100 perguntas chave em Dor 5 perifericamente (no sítio e em outras regiões do nervo afetado) e/ou centralmente (na medula espinhal e no SNC), contribuindo de forma evidente para o desenvolvimento e manutenção da dor neuropática. COMO EXPLICAR OS MECANISMOS DA DOR NEUROPÁTICA POR LESÃO DE NERVO? A lesão de nervos periféricos frequente- mente leva à formação de um neuroma, uma estrutura que desenvolve mudanças em sua excitabilidade, as quais são suficientes para gerar potencias de ação espontânea, e conduzir o influxo sensorial independente de qualquer estimulação periférica5,6. Em adi- ção ao neuroma, fibras adjacentes ao nervo lesado também podem constituir focos de hiperexcitabilidade ectópica. De qualquer ma- neira, a hiperexcitabilidade neuronal pode ser decorrente do aumento da expressão de ca- nais de sódio e diminuição da expressão de canais de potássio,acarretando o apareci- mento de fenômenos como dor espontânea e a sensibilização de neurônios do sistema nervoso periférico e central5,6. Assim, a partir das mudanças na perife- ria, ocorre facilitação central ao nível do corno posterior e tálamo. O componente central reflete a facilitação da transmissão sináptica, em especial no corno posterior7. Nesse sentido, após a lesão de nervos, des- cargas ectópicas periféricas repetitivas pro- movem a liberação de neurotransmissores excitatórios que sensibilizam os neurônios secundários medulares, sendo importantes na amplificação e persistência de quadros hipe- ralgésicos6,7. Além disso, sabe-se que os processos neuronais que controlam a intensidade do- lorosa, passam a agir de forma desequilibra- da. Assim, a lesão do nervo periférico pode reduzir o controle inibitório, ou aumentar o controle excitatório, ou seja, ocorre uma desi- nibição dos neurônios do corno dorsal através de vários mecanismos6,7. Portanto, na pre- sença de desequilíbrio nas vias endógenas que controlam a dor, há um aumento na probabilidade de um neurônio do corno dor- sal disparar espontaneamente ou de forma exagerada em resposta à entrada de um pequeno estímulo proveniente dos aferentes primários. Considerando a complexa relação exis- tente entre a lesão e o aparecimento da dor, não é surpreendente que o controle farma- cológico efetivo da dor neuropática ainda constitua um grande desafio para a comu- nidade médico-científica, pois ela mostra-se resistente a uma série de fármacos com pro- priedades analgésicas. Entre as opções de tratamento disponíveis encontram-se os analgésicos tradicionais (opioides e anti-infla- matórios não esteroides [AINEs]), tratamen- tos tópicos, com adesivos de lidocaína a 5% e capsaicina, além de fármacos que não fo- ram originalmente desenvolvidos para o tra- tamento de dor, como anticonvulsivantes e antidepressivos tricíclicos. O QUE É SENSIBILIZAÇÃO PERIFÉRICA? Em situações normais, a dor resulta de impulsos nociceptivos ativados por estímulos mecânicos, térmicos ou químicos. Estas in- formações são carreadas ao SNC pelas fibras C e A δ. Quando há um processo inflamatório intenso e persistente com concentrações ele- vadas locais de mediadores inflamatórios (bradicinina, prostaglandina, histamina, in- terleucinas, leucotrienos, fator de necrose tumoral, fator de crescimento neural, entre outros) ou quando ocorre estimulação noci- va intensa, repetida e prolongada que po- dem durar horas ou dias, ocorre o fenômeno de sensibilização periférica7. Os nociceptores quando se encontram sensibilizados tem o limiar reduzido para ativação apresentando capacidade de gerar estímulos com uma fre- quência aumentada e com maior facilidade. T. Mattar, et al. 6 100 perguntas chave em Dor O QUE É SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL? Como consequência da sensibilização periférica, surgem alterações na sensibilida- de das fibras nervosas com aumento da atividade espontânea neuronal, diminuição do limiar necessário para ativação dos no- ciceptores e aumento da resposta aos estí- mulos. Com a continuação deste impulso afe- rente através da estimulação periférica in- tensa e crescente provenientes das fibras C ou de fibras nervosas lesadas diretamente, aumenta a liberação de neurotransmissores, e se ativam as cascatas de sinalização nos neurônios pós-sinápticos. Ocorre a ativação do N-metil-D-aspartato (NMDA), liberação de substância P e a hiperexcitabilidade de neu- rônios do corno posterior da medula espi- nhal que passam a responder a qualquer estímulo ou até espontaneamente, transmi- tindo informação nociceptiva aos centros neurológicos superiores de forma ampliada determinando a sensibilização central8,9. QUAIS SÃO AS IMPLICAÇÕES CLÍNICAS DA SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL? A sensibilização central é responsável por muitas alterações funcionais e espaciais na sensibilidade à dor aguda e crônica, exem- plificadas pela geração de um sinal de dor do SNC e hiperalgesia secundária. Quando ocorre o fenômeno de sensibili- zação central há uma alteração nos meca- nismos tanto para diminuir ou para aumentar a transmissão da dor e, consequentemente, o surgimento da dor espontânea, da redu- ção do limar da dor, aumentando a duração e intensidade do seu sinal e permitindo que estímulos geralmente inócuos também ge- rem dor. A maior parte das manifestações dolorosas, como dor referida, dor do tipo inflamatória e sensibilidade dolorosa, resulta da sensibili- zação periférica e central. Existem diversas síndromes de sensibiliza- ção central, como fibromialgia, lombalgia crônica, enxaqueca, osteoartrite, síndrome do cólon irritável, síndrome das pernas in- quietas, dor miofascial, cistite intersticial, dor neuropática diabética, entre outras9. QUAL A DIFERENÇA ENTRE HIPERALGESIA, ALODINIA E HIPERESTESIA? O termo hiperalgesia é utilizado quando uma pessoa com estímulos nociceptivos apresenta uma percepção dolorosa maior e desproporcional ao estímulo. Pode ser clas- sificada como primária a que ocorre quando a área de hiperalgesia corresponde à área de lesão, sendo consequência direta da sensibi- lização periférica, e secundária quando a área com hiperalgesia não está relacionada com a lesão inicial, sendo uma manifestação da sensibilização central. O termo alodinia refere-se a estímulos não nociceptivos que são sentidos como dolorosos, ou seja, dor ao estímulo que normalmente não provoca dor. Ela possui uma característica fundamen- tal que é induzir também uma mudança qualitativa na percepção da sensação espe- rada com base nas características do estímu- lo aplicado, ou seja, ocorre uma perda da especificidade da modalidade sensorial, por exemplo, um estímulo tátil provoca uma dor desproporcional. O termo hiperestesia é usa- do para descrever um distúrbio neurológico caracterizado por um aumento significativo de sensibilidade de um sentido ou órgão a qualquer estímulo. Resumidamente é o au- mento da intensidade das sensações. POR QUE A DOR CRÔNICA RECEBE O STATUS DE DOENÇA EM SI? Essa é uma questão controversa, pois dor sempre foi considerado um sintoma Enfim, o que é dor e quais são seus mecanismos? 100 perguntas chave em Dor 7 significativo de inúmeras doenças. Entre- tanto, quando persiste e torna-se crônica é associada a outros problemas, como imobi- lismo, distúrbios do sono, procura maior por medicamentos, médicos, profissionais da saúde e centros de saúde ou hospitais, alte- rações de humor, depressão e angústia10. Além disso, como já foi apresentado ante- riormente, são inúmeras as alterações neu- roplásticas no cérebro dos pacientes com dor crônica, algumas morfológicas5. Nesse con- texto, ela assemelha-se a uma doença. Em- bora existam controvérsias na literatura científica sobre essa questão, sob pontos de vista clínico, educacional e de gestão de saúde, é necessária essa abordagem da dor crônica, pois seu diagnóstico e tratamento são diferentes daqueles sugeridos para a dor aguda, além de ser em geral multidisciplinar e de custo mais elevado. No Brasil, na Uni- dade Básica de Saúde, a frequência de dor crônica chega a 30%, o que indica necessi- dade de preparo dos médicos envolvidos11. O que dificulta mais ainda o tratamento da dor é a demora no seu diagnóstico, e na dor neuropática isso pode ocorrer com mais frequência. BIBLIOGRAFIA 1. Merskey, Bogduk. Clasification of chronic pain. Seattle: IASP Press. 1994. 2. Julius D, Basbaum AI. Molecular mechanisms of nocicep- tion. Nature. 2001;413:203-10. 3. Rexed B. A cytoarchitectonic atlas of the spinal cord in the cat. J Comp Neurol. 1954;100:297-379. 4. Millan MJ. Descending control of pain. Prog Neurobiol. 2002;66:355-474. 5. 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The prevalence of chronic pain with an analysis of countries with a Human Development Index less than 0.9: a system- atic review without meta-analysis. Curr Med Res Opin. 2012;28(7):1221-9. 100 perguntas chave em Dor 9 COMO AVALIAR UM PACIENTE COM DOR CRÔNICA? Na avaliação de um paciente com dor crô- nica, a primeira análise do clínico é classificar sua dor como neuropática (iniciada ou causada por uma lesão primária ou doença do sistema nervoso somatossensitivo) ou como nociceptiva (somática ou visceral) – resultado da ativação de receptores nervosos periféricos. É importan- te estar atento ao conceito de dor neuropá- tica, pois é possível que a dor de outra etio- logia presente nos pacientes seja atribuída à dor neuropática e tratada de forma incorreta1-4. O diagnóstico clínico de pacientes com suspeita de dor nociceptiva ou neuropática inclui a história detalhada da doença, o in- terrogatório sistemático e o exame físico segmentar e neurológico. A história médica deve fornecer o início, a localização, a irra- diação e o antecedente de trauma. Na iden- tificação da localização do sintoma, deve-se estar atento à distribuição da dor em trajeto da raiz nervosa; múltiplos nervos; região ex- tensa ou ambos os lados do corpo. Descritores auxiliam a avaliar a qualidade da dor (choque, pulsátil, lancinante, etc.) e as anormalidades sensitivas na área do nervo lesado. A dor por lesão de nervo pode-se manifestar com sinais negativos (perda sensi- tiva) ou positivos (parestesia, hiperalgesia)5-7. A avaliação inadequada da dor, possivel- mente, é decorrente das dificuldades impostas Avaliação e tratamento da dor – Parte 1 O. Alves Neto, J. Vall e D. Campos Kraychete pelo sujeito ou pelo sistema de saúde (au- sência de protocolos específicos) e devido às experiências prévias e diferenças culturais entre os membros da equipe de saúde. A avaliação correta do sintoma identifica os fatores que contribuem para a experiência dolorosa e para detectar as repercussões da dor no indivíduo, selecionar o tratamento e aferir a eficácia terapêutica. A mensuração da dor requer o emprego de escalas que apresentam vantagens e limitações. As três escalas utilizadas na clínica são de categoria com descritores verbais (leve, mo- derada, intensa, excruciante) ou visuais (ex- pressão facial) e também são úteis na ava- liação de crianças, idosos e indivíduos com limitação de linguagem, fluência verbal ou baixo grau de escolaridade, tendo classifica- ção numérica (0 a 10), em que zero repre- senta ausência de dor e 10 a pior dor ima- ginável e analógica visual (linha de 10 cm) para o paciente marcar a dor8,9. A escala de avaliação multidimensional (McGill Pain Questionnaire) é validada no Brasil e analisa aspectos sensitivos, motiva- cionais e cognitivos da dor. Outras escalas estudam a qualidade de vida diária (ativida- de geral, humor, habilidade para deambular, capacidade para o trabalho, relações com outras pessoas, sono e prazer de estar vivo) e a função e a capacidade do aparelho lo- comotor, incluindo o impacto físico, social e psíquico decorrentes da dor7,9. Capítulo 2 O. Alves, et al. 10 100 perguntas chave em Dor Na abordagem inicial do paciente com dor crônica, o sintoma dor deve significar dor física e dor psíquica como componentes de um único relato sintomático. QUAL A FINALIDADE DOS QUESTIONÁRIOS DE DOR NA AVALIAÇÃO DO PACIENTE? Os questionários são importantes para o diagnóstico mais preciso da doença em questão e do impacto que a dor crônica pode causar na vida de um sujeito. Qualquer instrumento de medida deve ser válido e confiável. Válido significa que avalia o que pretende avaliar, isto é, avalia todo o fenô- meno, objeto de estudo, e não parte dele ou outro fenômeno. Confiável significa que avalia com precisão, e os resultados obtidos são estáveis, se a situação é estável e repro- duzível. Por exemplo, o relato da dor neuro- pática é acompanhado, frequentemente, de palavras como choque, queimor e formiga- mento, entre outras. Pesquisadores na área desenvolveram instrumentos de autorrelato contendo esses descritores, associados ou não a testes sensitivos, visando contribuir para a identificação da dor neuropática. Os instrumentos estabelecem faixas de corte ou escores a partir do qual se define um diag- nóstico, além de apresentar propriedades psicométricas capazes de diferenciar um tipo de dor de outra. A existência de instrumen- tos específicos para a avaliação da dor neu- ropática em língua portuguesa, como o Le- eds Assessment of Neuropathic Symptoms and Signs Pain Scale (LANSS) e o Douleur Neuropathique 4 Questions (DN4) devem ser empregados sempre que possível, visto que são questionários confiáveis, sensíveis e es- pecíficos no diagnóstico dessa síndrome. Ou- tros questionários que avaliam a qualidade de vida e a presença de ansiedade e depres- são são úteis para dimensionar o impacto que a dor crônica causa no sujeito e auxiliam na escuta e no tratamento da doença, prin- cipalmente com medidas de reabilitação10. QUE EXAMES DEVO SOLICITAR PARA PACIENTES COM DOR CRÔNICA? Além da história e do exame físico, os exames complementares auxiliam na pesqui- sa de lesões traumáticas, compressivas, in- flamatórias, expansivas ou degenerativas e devem ser verificados ou solicitados de acor- do com a suspeita diagnóstica. Isso inclui os exames de sangue, urina, fezes, imagem (raidiografias, ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética), endoscópicos e angiográficos e os estudos anatomopatológicos (biópsias de nervo, de pele, da área lesada)10-12. Na dor neuropática, além do exame neu- rológico a beira do leito, exames complemen- tares mais específicos podem ser solicitados, como a eletroneuromiografia. É uma das téc- nicas mais recomendadas para quantificar a neurofisiologia da neuropatia periférica de fibras grossas e avaliar a velocidade da con- dução nervosa e a amplitude do potencial de ação; teste sensitivo quantitativo (QST) para avaliação de fibras finas e grossas quanto à pesquisa de alodinia e hiperalgesia térmica e mecânica, além da vibração e de alterações neurovegetativas; teste quantitativo do refle- xo axônico sudomotor, que estuda a resposta da glândula sudorípara à estimulação; termo- grafia, que analisa as diferenças da tempera- tura corporal e é muito útil na detecção de áreas de redução de fluxo de sanguíneo, típi- co da síndrome de dor complexa regional; estudo do líquor, que avalia a presença de processo inflamatório ou infeccioso; Laser Evoked Potentials (LEPs) e Compounds Heat Evoked Potentials (CHEPS) para avaliação de fibras nervosas finas, o segundo evita quei- maduras; microscopia confocal de córnea, que permite a visualização de perda e ou regeneração de fibras amielínicas, reveladora do comprometimento de fibras finas13,14. A avaliação especializada psicológica e psiquiátricaé necessária quando o paciente Avaliação e tratamento da dor – Parte 1 100 perguntas chave em Dor 11 apresenta sintoma ou queixa de incapacidade funcional que seja desproporcional ao achado clínico, para aqueles que fazem uso exagera- do do serviço de saúde ou indevido de drogas lícitas ou ilícitas. É importante lembrar que a abordagem da dor requer a ação interdiscipli- nar, em um sistema coordenado e cooperan- te, para beneficiar principalmente o sujeito COMO CLASSIFICAR OS PACIENTES COM DOR? Depois de examinar um paciente com dor, deve-se classificá-lo, principalmente quem pen- sa em conduzir pesquisas, prescrever medica- mentos e avaliar a eficácia de tratamentos. A Associação Internacional para o Estudo da Dor (International Association for the Study of Pain – IASP) sugere uma “Taxonomia da dor”, en- contrada em todos os livros sobre o assunto15. Por exemplo, quanto à origem a dor, essa pode ser classificada em oncológica, não oncológica; quanto à evolução, aguda ou crônica; quanto ao mecanismo, somática, visceral e neuropática. Várias são as classificações propostas na lite- ratura. Talvez a maneira mais comum de clas- sificar a dor seja com base no diagnóstico médico, por exemplo, cefaleia vs. dor lombar. Na Classificação Internacional das Doen- ças (CID-10), a classificação é baseada na causa da doença (infecção, tumor, etc.), no sistema orgânico (gastrintestinal, genituriná- rio, etc.), no tipo de sintoma (migrânia, ce- faleia do tipo tensional ou cervicogênica, etc.). Uma classificação baseada na categoria da dor e do possível mecanismo de sua origem, como dor transitória (mecanismo: sensibilização de nociceptor); dor por lesão tecidual (mecanis- mo: sensibilização, recrutamento de nocicep- tores silentes, alteração no fenótipo, somatiza- ção, amplificação, etc.); dor relacionada à lesão nervosa (mecanismos: por lesão de afe- rentes primários ou mediada pelo sistema ner- voso central) também tem sido sugeridos16. Estas classificações são apenas alguns exem- plos das existentes. Não existe nenhum sistema de classificação universalmente utilizado por clínicos e pesquisadores, mas alguns itens são comuns a todos: a idade, a causa, a localização ou a duração da dor. A comple- xidade da dor é reconhecida por todos, e isso provavelmente impede uma classificação homogênea e universalmente aceita. Particu- larmente em casos de dor crônica, o médico deve não olhar apenas a possível causa da dor, mas se preocupar globalmente com o pacien- te, avaliando o seu humor, medos, expectati- vas e recursos para possíveis tentativas tera- pêuticas, assim como sua qualidade de vida de maneira geral. Deve-se avaliar não só a dor do paciente, mas o paciente como um todo. QUAL A RELAÇÃO ENTRE QUALIDADE DE VIDA E DOR? Especialmente os portadores de dor crôni- ca sofrem modificações no seu estilo de vida, resultado de sofrimento permanente, incapa- cidades resultantes, dependência medica- mentosa, efeitos colaterais, complicações da doença e do próprio tratamento, frustrações, exames poucos esclarecedores, afastamento do trabalho, inatividade, atrofias, etc, fazendo com que sua qualidade de vida se deteriore progressivamente. Lyndon Johnson, em 1964, então presidente dos Estados Unidos, decla- rou que “os objetivos não podem ser medi- dos através do balanço dos bancos. Eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que proporcionam às pessoas”6. Estudos sobre Qualidade de Vida (QV) resgataram a preocupação com o bem-estar das pessoas e o questionamento sobre tra- tamentos agressivos e inúteis são atualmen- te discutidos. O conceito de QV é complexo, pois envolve fatores subjetivos não mensu- ráveis, como o bem-estar das pessoas. Nunca é demais se lembrar do conceito global de saúde, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de que “saúde é o completo bem- -estar físico, mental e social, e não mera- mente a ausência de enfermidades”. O grupo de estudo da OMS, chamado de WHOQOL, propôs que qualidade de vida é a O. Alves, et al. 12 100 perguntas chave em Dor percepção do indivíduo sobre a sua posição na vida, no contexto da cultura e dos sistemas de valores nos quais vive, e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preo- cupações. A partir desse conceito, foram construídos instrumentos para avaliar quali- dade de vida, contendo alguns fatores: domí- nio físico, domínio psicológico, nível de inde- pendência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade, religião e crenças pessoais6. Diferente dos casos agudos de dor, que necessitam de atitudes rápidas e precisas com a intenção de eliminar o fator causal, nos casos de dor crônica frequentemente o objetivo não é a cura da enfermidade, mas a melhora fun- cional e o alívio dos sintomas, limitando a sua progressão, ou seja, melhorando a QV do pa- ciente. Tratamentos inúteis e dispendiosos de- vem levar o médico à reflexão sobre sua prescrição, lembrando-se o contexto da bio- ética sobre “futilidade terapêutica”. Em um paciente com dor crônica, parâ- metros de avaliação da terapêutica devem ser feitos não só pela análise de um questio- nário, mas também com aspectos como ca- pacidade de retorno ao trabalho, participa- ção em atividades recreacionais, motivação familiar do paciente. O QUE É E COMO UTILIZAR O QUESTIONÁRIO MCGILL DE DOR? O Questionário de Dor McGill17,18 é um dos instrumentos de autodescrição para ava- liação da dor mais utilizado em todo o mun- do. Foi idealizado para avaliar os três com- ponentes da dor baseado na teoria do portão, contendo várias partes, como ques- tões quanto ao problema da dor em si, ava- liação da intensidade baseada numa escala de seis pontos, seguido de 20 subclasses de descritores da dor. Os pacientes devem esco- lher apenas uma palavra dentro do subgrupo para caracterizar sua dor. Dez subgrupos re- presentam a dimensão sensitiva, 5 avaliam aspectos afetivos, 1 subgrupo representa o componente avaliativo e 4 avaliam uma miscelânea de informações. Versões adapta- das para crianças e resumidas existem. O questionário de McGill tem sido utilizado como forma de avaliação experimental para análise de efeitos de vários procedimentos e/ou técnicas de manipulação e alívio da dor, devido ao grau de concordância que existe entre os diferentes descritores de dor utilizados. Um dos problemas frequentemente levan- tados sobre o Questionário McGill, é que o mesmo não contem muitos dos descritores que são comumente relatados por pacientes com dor neuropática. Pensando nisto, outros questionários derivados do original foram de- senvolvidos e sugeridos outros mais específi- cos para portadores de dor neuropática. Se é muito utilizado em avaliação de pacientes de língua inglesa, a sua tradução para outras línguas tem encontrado dificuldades na cla- reza da utilização de palavras que descre- vam, exatamente, o que o original pensou. O QUE SÃO E COMO UTILIZAR OS “DIÁRIOS DE DOR”? Os “Diários de Dor” são úteis na avaliação das flutuações constantes de dor pelos pa- cientes, sendo muito utilizados em clínicas de dor, especialmente as que atendem dor crô- nica. Existem vários modelos com a finalidade de avaliar um problema específico, algum tipo de tratamento ou um tipo de paciente em tratamento. Usualmente, os pacientes descrevem o seu diário a cada hora, ao final do dia ou três vezes ao dia. São avaliadas a intensidade da dor, a duração e a interferên- cia das atividades diárias na dor, como uso de medicação, humor, eventos estressantes19,20. No rigor de avaliação de pesquisadores, discute-se a observação de que pacientes descrevem mais dor quando focam especifi- camente na descrição de um diário. Não existem evidências nem experimentais nem clínicas que comprovem essa ideia. Um modelo“simples” de Diário da Dor que pode ajudar o paciente e, principalmen- te, o seu médico assistente a avaliar resultados Avaliação e tratamento da dor – Parte 1 100 perguntas chave em Dor 13 de tratamento, deve incluir: nome do paciente, data, períodos do dia (manhã, tarde, noite), localização da dor, qualidade, intensidade, du- ração, fatores de melhora e piora, uso de me- dicação (qual o resultado obtido), humor (an- tes, durante e depois da dor), atividades (antes, durante e depois da dor) e pensamento (an- tes, durante e depois da dor). COMO AVALIAR A DOR NOS PACIENTES QUE PROCURAM UM PRONTO-SOCORRO? A dor é a maior causa de procura por atendimentos de emergência ou ambulato- riais, sendo sempre o maior sintoma. Geral- mente, as dores mais comuns são decorren- tes de lombalgias, fraturas e migrâneas. Em todos os casos é importante realizar uma anamnese para que se possa encontrar a causa da dor. Deve-se questionar a localiza- ção, a intensidade, a qualidade (tipo) de dor, frequência e duração dos sintomas, desde quando começou, se já usou ou está usando alguma medicação, fatores desencadeante e que aliviam os sintomas, interferência nas atividades do dia a dia e no trabalho. Escalas e exames complementares de imagem tam- bém podem ser necessários em alguns ca- sos. Um exemplo de escala prática e muito usada em situações como esta é a Escala Multidimensional de Dor (EMADOR), que mede a intensidade da dor, sua qualidade e localização. Alguns pacientes com proble- mas de sáude mais sérios cursam com dor intensa e muitas vezes por estarem incons- cientes não podem descreve-la. São exem- plos dessas situações a pancreatite, nefroli- tíase, aneurisma da aorta abdominal ou doenças sistêmicas (endocardites e síndro- mes virais). O importante em todos os casos citados é que os pacientes tenham sua dor aliviada e devidamente tratada, mesmo sem ter ainda o diagnóstico definitivo, pois sem o tratamento adequado, o quadro do paciente tende a agravar cada vez mais. Em 2011, o alívio da dor entrou para a lista dos direitos humanos básicos, e isso vale para os casos de emergência. Nos EUA, a classe de medi- cação mais utilizada nas emergências e prontos atendimentos são os opioides20,21. COMO AVALIAR E TRATAR A DOR NO PACIENTE QUEIMADO? A queimadura é considerada uma das mais dolorosas situações humanas, e a troca de curativos é o pior momento para o pa- ciente. Isso sem contar com os demais pro- cedimentos de fisioterapia e terapia ventila- tória. Essa rotina exige uma avaliação contínua da dor do paciente, pois pode se alterar em minutos. O paciente queimado também pode sentir dor aguda ou crônica. A classificação das queimaduras é feita por porcentagem de área corporal e segundo a profundidade. Para avaliação da dor do pa- ciente queimado, escalas unidimensionais não bastam. É preciso utilizar escalas multi- dimensionais que avaliem desde os aspectos sensitivos da dor até os aspectos emocioais e psicológicos. Um bom exemplo é o Inven- tário Breve de Dor e o Questionário de Dor de McGill. Para descobrir se há o componen- te neuropático, pode ser usado o questioná- rio para avaliação de dor neuropática DN4. Para a dor aguda, o tratamento medicamen- toso envolve ansiolíticos, anti-inflamatórios não hormonais, opioides, anestésicos (o mais usado é a quetamina), anti-histamíni- cos, clonidina, anestesia regional, anestesia geral e anticonvulsivantes. Já para a dor crô- nica, são usados antidepressivos tricíclicos, an- ticonvulsivantes (gabapentina, pregabalina), opioides e agentes tópicos (lidocaína a 5%). No entanto, só as medicações não são sufi- cientes, é preciso uma abordagem interpro- fissional, para que o paciente possa ter uma recuperação saudável desde o início da lesão até sua alta hospitalar e o período após a alta. Isso porque se sabe do estigma que uma pessoa queimada carrega quando sai de casa. Uma terapia cognitivo-comporta- mental desde o início da lesão, por exemplo, O. Alves, et al. 14 100 perguntas chave em Dor pode ser um suporte muito importante para quando esse momento chegar22,23. QUAIS AS ESCALAS DE MEDIDA DA INTENSIDADE DA DOR MAIS UTILIZADAS? Por ser uma experiência subjetiva, a dor não pode ser determinada por instrumentos físicos que usualmente mensuram o peso, a temperatura e os demais sinais vitais. Mesmo assim, é muito importante sua avaliação para que se possa intervir com um controle adequa- do para a dor do paciente. A avaliação é a pedra fundamental para o tratamento ade- quado da dor. Existem escalas unidimensio- nais, que avaliam apenas um aspecto da dor e existem as multidimensionais que, como o próprio nome diz, avaliam várias dimensões envolvidas no processo doloroso. Não existe uma escala melhor que outra, apenas escalas melhores para determinadas situações. Para utilizar no pós-operatório, por exemplo, as uni- dimensionais são as mais indicadas, pois é pre- ciso apenas saber a intensidade da dor para tomar a conduta necessária para seu alívio. Normalmente, as escalas unidimensionais men- suram a intensidade da dor, de 0 a 10, sendo 0 ausência de dor, 1 a 3 dor fraca, 4 a 6 dor moderada, 7 a 9 dor intensa e 10 dor insupor- tável. As escalas mais utilizadas mundialmente seguem estes critérios de avaliação, apenas com mudanças em seu formado. A Escala de Categoria Numérica, por exemplo, mostra os números aos pacientes, já a Escala Analógica Visual, tem a mesma interpretação, mas sem a numeração e a Escala de Faces, também com a mesma interpretação, é usada para crianças, idosos ou pessoas com alterações cog- nitivas que não compreendam os números22-29. BIBLIOGRAFIA 1. Pagura JR. Taxonomia da dor. In: Dor: princípios e prática. Alves Neto O. Porto Alegre: Artmed, 2009. p. 91-3. 2. Flor H, Turk DC. Chronic pain – An integrated biobehav- ioral approach. Cap 5 – Evaluation of the patient with chronic pain. Seattle: IASP Press, 2011. p. 139-76. 3. Woolf CJ, Bennett GJ, Doherty M, et al. Towards a mech- anism-based classification of pain? Pain. 1998;77:227-9. 4. Urk DC, Okifuji A. Assessment of patients’ reporting of pain: an integrated perspective. Lancet. 1999:353: 1784-8. 5. Fleck MP, et al. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). 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Do ponto de vista fisiopatológico, pode ser de qualquer um dos tipos: nocicep- tiva, neuropática ou mista. Ainda, pacientes com câncer podem sofrer de dores ocasiona- das por fatores diferentes de sua enfermidade, caracterizando dores não oncológicas, como a neuropatia diabética e a migrânea. Diante disto, pode-se concluir que este tipo de dor não tem apenas a característica fundamental de estar relacionada ao câncer, mas também tem semelhanças com a dor não oncológica1. QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS MECANISMOS DA DOR NO CÂNCER? A dor no câncer pode envolver meca- nismos variados que a caracterizam como Câncer e dor J.B. Garcia, M. Guimarães de Melo Cardoso, D. Ciampi e M.J. Teixeira dor por nocicepção, dor neuropática ou mista2. As dores nociceptivas são desencadeadas quando há um dano tecidual, associado à lesão de vísceras e/ou somática, que ativam de maneira direta os nociceptores seja por compressão, tração, infiltração ou alterações metabólicas e químicas. As células tumorais secretam substâncias que podem estimular de maneira direta ou sensibilizar os nocicep- tores. Entre elas, podem ser citadas as pros- taglandinas, endotelinas e interleucinas. O tipo de dor que apresenta alta prevalência nos pacientes com câncer e é o mais comum é o de dor musculoesquelética3. A dor neuropática surge como consequ- ência direta de lesões que afetam o sistema somatossensitivo. Vários mecanismos ten- tam explicar sua origem: atividade autôno- ma de fibras nervosas lesadas, que funcio- nam como marca-passos ectópicos por expressão aumentada de novos canais de sódio, a hiperexcitabilidade de fibras nervo- sas íntegras por sensibilização periférica ou por reorganização dos terminais no corno posterior da medula ou ainda alterações no sistema modulador endógeno. Uma vez que a maioria dos tumores tem uma inerva- ção importante por neurônios sensitivos e simpáticos, estes podem sofrer compressão, lesão mecânica, isquemia ou lise de suas proteínas, com consequente geração de dor. A dor neuropática pode estar relacionada à Capítulo 3 J.B. Garcia, et al. 16 100 perguntas chave em Dor administração de fármacos durante o trata- mento, pois vários agentes quimioterápicos são neurotóxicos e à radioterapia, que pode produzir lesões diretas a axônios e plexos, com a produção de microenfartos neurais nos vasa nervorum. Alguns tumores ósseos podem cau- sar dor neuropática porque, ao crescerem dentro destas estruturas, lesam e destroem os terminais de fibras sensoriais que inervam o osso. A dor neuropática costuma ser a de controle mais difícil4. O mecanismo fisiopatológico mais co- mum na dor no câncer é o misto, em que se destacam as dores ósseas e viscerais. Nes- te caso, uma superposição de mecanismos nociceptivos e neuropáticos estão presentes caracterizando a dor. COMO TRATAR A DOR NO CÂNCER DE MANEIRA GERAL? A Organização Mundial da Saúde (OMS) criou, na década de 1980, a Escada Analgé- sica, como uma proposta de padronização de tratamento analgésico, que divide a tera- pia em três degraus de acordo com a inten- sidade da dor que o paciente apresenta. O primeiro degrau recomenda o uso de medica- mentos anti-inflamatórios para dores fracas. O segundo degrau sugere opioides fracos, que podem ser associados aos anti-inflama- tóios do primeiro degrau, para dores mode- radas. O terceiro degrau consta de opioides fortes, associados ou não aos anti-inflama- tórios, para dores fortes. Os adjuvantes po- dem ser usados nos três degraus da escada5. A escada de três degraus indica classes de medicamentos e não fármacos específi- cos, proporcionando ao médico flexibilidade e possibilidade de adaptação de acordo com as particularidades de seu paciente e com disponibilidade no seu país. A Escada Anal- gésica da OMS é um método simples, rela- tivamente barato e eficaz em 70 a 90% das dores decorrentes de neoplasias malignas. Entretanto, mais recentemente, tem sido questionado um possível aperfeiçoamento. As novas sugestões de mudanças seriam nos casos de dores moderadas ou fortes, espe- cialmente em pacientes com doença avan- çada, quando se pode já indicar os opioides fortes em uma primeira avaliação. Além dis- so, há uma tendência forte de se associar procedimentos intervencionistas minima- mente invasivos em qualquer momento do tratamento, não apenas em um hipotético quarto degrau da escada6-8. Alguns princípios devem ser seguidos du- rante o tratamento da dor no câncer e são fundamentais. A saber. Deve-se tentar sempre usar a escada Inicia-se pelo primeiro degrau para dores fracas, quando não ocorre alívio da dor, adicio- na-se um opioide fraco e, quando esta combi- nação é insuficiente, deve-se substituir este opioide fraco por um forte. Somente um medi- camento de cada categoria deve ser usado por vez. Os medicamentos adjuvantes devem ser associados em todos os degraus da escada, de acordo com as indicações específicas (an- tidepressivos, anticonvulsivantes, corticosteroi- des, neurolépticos, bifosfonados, entre outros). Valorizar a via oral Os analgésicos devem ser administrados pela via oral e a vias de administração alter- nativas como retal, transdérmica ou paren- teral podem ser úteisem pacientes com di- ficuldade de deglutição, vômitos frequentes ou obstrução intestinal. Usar intervalos fixos Os medicamentos devem ser administra- dos em intervalos regulares de tempo, de tal forma que a dose subsequente seja adminis- trada antes que o efeito da dose anterior tenha terminado5,8. Câncer e dor 100 perguntas chave em Dor 17 O uso da morfina é fundamental no tra- tamento da dor intensa e não se deve espe- rar os últimos dias de vida do paciente para administrá-la apenas pelo risco de dependên- cia psíquica, efeito raro em doentes com dor. Deve ser usada a cada 4h e, caso haja dor nos intervalos da medicação, doses de resga- te podem ser utilizadas. Após administração oral, o pico de concentração plasmática é atingido em aproximadamente 60min5,8. Os opioides permanecem como os fár- macos mais efetivos e mais comumente uti- lizados no tratamento da dor moderada a intensa no paciente com câncer, de prefe- rência em uma abordagem multimodal, em que outros fármacos possam ser associados para se obter efeito aditivo ou sinérgico. A MEDICINA FÍSICA E REABILITAÇÃO SÃO INDICADAS NO TRATAMENTO DA DOR NO CÂNCER? A medicina física proporciona conforto, corrige as disfunções físicas, normaliza as propriedades fisiológicas e reduz a evitação associada à mobilização ou à imobilização dos segmentos do corpo. Entre os procedi- mentos fisiátricos, destacam-se os meios fí- sicos (termoterapia, massoterapia), os exer- cícios, a imobilização, a eletroanalgesia e a acupuntura. Os exercícios passivos, ativos assistidos e ativos resistidos melhoram a for- ça e o trofismo9. As massagens e os exercí- cios são utilizados para aliviar a dor e alon- gar e resgatar o comprimento muscular e tendíneo. O frio é indicado para reduzir a resposta tecidual aguda traumática. O calor superficial é contraindicado na fase aguda de processos inflamatórios, traumáticos ou hemorrágicos, discrasias sanguíneas, isque- mias teciduais e em doentes com hipoestesia regional e com anormalidades cognitivas que dificultem o relato da ocorrência de queima- duras. O ultrassom é eficaz no tratamento da dor após procedimentos cirúrgicos e reabili- tacionais, especialmente os ortopédicos; seu uso é controverso no doente com câncer. Acupuntura e eletroacupuntura proporcio- nam analgesia durante o período pós-ope- ratório e no tratamento da dor decorrente de afecções músculo-esqueléticas, da dor causada por traumatismos das partes moles e da síndrome complexa de dor regional. As infiltrações dos pontos-gatilhos e o alonga- mento são úteis para o tratamento da sín- drome dolorosa miofascial, frequentes em doentes com dor relacionada ao câncer10. QUAL A IMPORTÂNCIA DE INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS? A prevenção da ansiedade, e adoção de atitudes encorajadoras e a exposição clara, mas polida, das situações clínicas, propostas terapêuticas reduzem as incertezas e permi- tem melhor aderência ao tratamento e maior confiança nas atitudes terapêuticas. A orien- tação sobre as estratégias físicas e o encora- jamento reduzem a ansiedade, o consumo de analgésicos e o período de tratamento e me- lhoram a capacidade de o doente enfrentar a dor. A psicoterapia de apoio individual ou em grupo, técnicas de relaxamento, biofeed- back, hipnose e estratégias cognitivas são também eficazes no tratamento da dor11. É POSSÍVEL USAR RADIOISÓTOPOS PARA O CONTROLE DA DOR? O uso terapêutico de radioisótopos pro- porciona melhora em cerca de 60% dos do- entes, com dor metastática óssea a resposta é radiologicamente completa em 33% dos casos. O samário89 e samário153 são os mais utilizados e indicados em casos de acometi- mento ósseo difuso, situação em que radio- terapia e bisfosfonados são também efica- zes. Radioterapia analgésica em dose única pode ser utilizada para tratar metástases ós- seas, fraturas patológicas e acometimento medular. Também pode ser utilizada em casos de doença extensa desde que se considere J.B. Garcia, et al. 18 100 perguntas chave em Dor o potencial da ocorrência de efeitos adversos em tecidos sãos adjacentes12. QUAIS OS PROCEDIMENTOS NEUROCIRÚRGICOS PARA DOR E QUANDO INDICÁ-LOS? Os procedimentos neurocirúrgicos antiál- gicos estão indicados em casos em que os procedimentos não invasivos não proporcio- naram melhora sintomática satisfatória ou causam adversidades13,14. A interrupção dos aferentes primários deve ser prescrita para o tratamento da dor por nocicepção, as inter- venções neurocirúrgica psiquiátricas quando há anormalidades psíquicas (depressão, an- siedade), a estimulação elétrica do sistema supressor em casos de dor neuropática e o implante de dispositivos para infusão de opioides com adjuvantes no compartimento liquórico quando ocorrem efeitos colaterais com a terapia sistêmica. Procedimentos neuroablativos A neurotomia do nervo pudendo é eficaz para o tratamento da dor perineal, a neuro- tomia dos nervos occipitais é útil para a dor na região occipital, a do nervo gênito-femo- ral está indicada em casos de neuralgia do nervo gênito-femoral, a do femorocutâneo em casos de meralgia parestésica, a do ner- vo ciático menor em casos de neuralgia des- ta estrutura e a dos nervos recorrentes pos- teriores para tratamento da lombalgia, cervicalgia e dorsalgia15. Simpatectomias Estão indicadas para o tratamento da dor visceral da cavidade abdominal, pélvica ou to- rácica. A neurectomia do nervo hipogástrico inferior visa ao tratamento da dor visceral pél- vica, a neurólise do plexo celíaco é eficaz para o tratamento da dor visceral do abdome ros- tral (pancreática, gástrica, hepática, esofágica caudal, duodenal e pelve renal, glândula suprarrenal e estruturas retroperitoniais). Rizotomias São indicadas nos casos de dor em áreas restritas especialmente as localizadas na face, crânio, região cervical, torácica e perine- al. A rizotomia percutânea por radiofrequência do nervo trigêmeo ou do glossofaríngeo é eficaz para o tratamento respectivamente da dor na face, faringe, loja amigdaliana, base da língua e orelha externa. A rizotomia cer- vical, torácica ou sacral são indicadas para dores restritas às regiões superficiais do cor- po e a poucos dermatômeros. Lesão do trato de Lissauer e do corno posterior da medula espinal É indicada no tratamento das síndromes álgicas neuropáticas (dor no membro fantas- ma, a dor resultante de neuropatias plexulares actínicas, oncológicas ou traumáticas, neuro- patias por herpes-zóster, dor mielopática). Cordotomias Indicados para o tratamento da dor on- cológica que acomete unilateralmente os membros inferiores, hemiperíneo, hemiab- dôme, hemitórax e membros superiores. A cordotomia cervical deve ser evitada em do- entes com insuficiência respiratória. É reco- mendado quando há indicação de cordoto- mia bilateral, intervalo de, pelo menos três semanas, entre ambos os procedimentos16. Hipofisectomia Proporciona alívio da dor de doentes com dor causada por neoplasias dependentes de hormônio (mama, próstata, endométrio), como também em casos de neoplasias não dependentes da atividade hormonal ou neu- ropática17. Câncer e dor 100 perguntas chave em Dor 19 Dispositivos para a administração de fármacos analgésicos no sistema nervoso central O implante de câmaras carregáveis com agentes analgésicos e conectados por cate- teres ao compartimento peridural ou suba- racnoideo espinal ou ventricular encefálico é indicada quando a dor torna-se refratária à administração sistêmica de opióides, resul- tou em desenvolvimento de tolerância, per- da de eficácia ou na ocorrência de efeitos colaterais incontroláveis. O sulfato ou clori- drato de morfina, o tramadol, a fentanila, a buprenorfina, a clonidina, a somatostatina, a calcitonina, o baclofeno