Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS DA VIDA CURSO DE MEDICINA MÓDULO: SISTEMA CARDIOVASCULAR, HEMATOPOIÉTICO E LINFÁTICO ORIENTADORA: PROFª DRA. VERUSCKA PEDROSA BARRETO CASO CLÍNICO: COMPROMETIMENTO CARDÍACO NA AMILOIDOSE SISTÊMICA Ana Stela de Andrade Parente Francisco Filipy Fernandes Rocha Lara Bianca Soares Brandão Pedro Italo Marques Nogueira Introdução O que é Amiloidose? ● Proteínas formadas de forma incorreta (alterando sua estrutura), por motivos genéticos ou influências do ambiente onde ela se encontra, como inflamações: proteínas amiloides. ● Função impossibilitada e, em alguns casos, não são degradadas e se acumulam, desencadeando a doença amiloidose. ● Diagnóstico, após a suspeita, é simples, mas devido à grande quantidade e variedade de sintomas que podem se apresentar, nem sempre a suspeita aparece de imediato. Amiloidose Cardíaca Cardiomiopatia restritiva ICC Alterações sistêmicas Evolução da doença e Morte EVOLUÇÃO DO CASO Discussão Apresentação do caso ● Paciente do sexo masculino, 42 anos, o qual deu entrada apresentando tosse seca recorrente, no mês de agosto de 1995. ● Busca por sintomas: ● Estudo radiológico de tórax discreta cardiomegalia à custa das cavidades direitas; ● Pesquisas de escarro e teste Mantoux resultados negativos. A) Radiografia do tórax evidenciando cardiomegalia à custa das cavidades direitas. ● Abril de 1996: desenvolvimento de outros quadros ○ Dispnéia progressiva, seguida de ortopnéia (agravamento da sensação de dispnéia com adoção da posição horizontal); ○ Presença edema de membros inferiores e ascite (acúmulo de fluidos na membrana que envolve os órgãos abdominais, o peritônio); ○ Permanência da tosse seca e perda de 60 kg no período de seis meses. ● Resultados do exame físico ○ Debilitado, em emagrecimento, com intensa palidez cutânea e acianótico; ○ Presença de icterícia +/4+ (indicando deposição de bilirrubina, forte indício de problemas hepáticos); ○ Estase jugular turgência da veia jugular causada por esvaziamento ineficiente, importante sinal de disfunção cardíaca. ● Pulmões apresentavam estertores crepitantes sons descontínuos, de forma curta e explosiva, usualmente associada com desordens cardiopulmonares; ● Também foi detectado ictus cordis (maior dilatação) no 4º espaço intercostal esquerdo; ● Ausculta cardíaca demonstrou ritmo regular em dois tempos, sem sopro ou atritos; ● Palpação abdominal revelou fígado palpável a 3cm da reborda costal direita, doloroso e com superfície lisa; ● O edema do membro inferior apresentava índice +++/4+, com aparência mole e fria. Também se encontrava indolor. ● Telerradiografia de tórax indicou acúmulo anormal de líquido na cavidade pleural (derrame pleural bilateral), e uma quantidade excessiva de fluido pode descompensar a ventilação por limitar a expansão dos pulmões; ● Eletrocardiograma revelou um hemibloqueio anterior esquerdo, alterações difusas da repolarização ventricular, além da baixa voltagem do complexo QRS. FO RM UL AÇ ÃO D E H IP Ó TE SE S CARDIOMIOPATIA RESTRITIVA PERICARDITE RESTRITIVA Restrição ao enchimento, com volume diastólico reduzido Espessamento da parede ventricular Decorrente do espessamento do pericárdio Restrição do enchimento diastólico do coração e evolução para a diminuição do débito cardíaco ● Ecodopplercardiográfico quadro compatível com cardiomiopatia hipertrófica ou restritiva do tipo infiltrativa; ● Decorrente disso, algumas complicações são apresentadas, tais como granulações ao nível de ventrículo direito e hipocinesia importante; ● Exames complementares laboratoriais se mantiveram normais (VHS, mucoproteínas, ácido indolacético, glicemia, ureia e creatinina, fosfatase alcalina, hemograma, gasometria arterial e imunofluorescência para moléstia de Chagas). ● Foi revelado apenas discreta alteração da função hepática e hipoproteinemia leve. ● Suspeita de amiloidose realizou-se biópsia retal, que foi normal, e biópsia transparieto-hepática por punção que revelou infiltrado amiloide ao redor de pequenos vasos sanguíneos no parênquima hepático; ● Houve também confirmação do diagnóstico de cardiomiopatia restritiva e amiloidose cardíaca (sistêmica); ● Seguiu-se com a investigação para averiguar se essa amiloidose seria primária ou secundária. Amiloidose Amiloidose primária ● Definição: É primária quando é hereditária ou está concomitante a várias situações clínicas. ● Principais locais de acúmulo: Coração, pulmões, pele, língua, glândula tireoide, intestinos, fígado, rins e vasos sanguíneos. Amiloidose primária ● O que ocorre? ○ Decorre de um descontrole da resposta imunológica e pode estar associada a quantidades elevadas de plasmócitos aumentando a produção de amilóide tipo B. ● Consequências: ○ Insuficiência cardíaca, dificuldade de respiração, língua grossa, glândula tireóide hipoativa, insuficiência hepática, insuficiência renal. Amiloidose secundária ● Definição: Ocorre principalmente associada às neoplasias, doenças inflamatórias ou infecciosas crônicas. ● Principais locais de acúmulo: Fígado, baço, rins, adrenal, pâncreas e linfonodos. ● O que ocorre? ○ Exaustão do sistema imunológico, resultado de superestimulação. ● Pode estar associada a: ○ Doenças crônicas, como lepra, sífilis, artrite reumatóide, carcinomas e sarcomas, quando o amilóide que predomina é o do tipo A e C. Alterações histológicas ● Depósito extracelular de substância constituída principalmente por proteínas do tipo amilóide; ● Cardiomiopatia restritiva por deposição; ● Utilizando métodos específicos de coloração como vermelho congo e HE, é possível demonstrar caráter fibrilar, características estruturais e modo de disposição nos tecidos da proteína amilóide. Lâmina de coração. Coloração HE. Lâmina de coração com depósito de amilóide. Coloração vermelho congo. CARDÍACA HEPÁTICA Origem da Proteína Amilóide Origem da Proteína Amilóide A infiltração amilóide cardíaca pode ter como possíveis origens: ● Como parte da amiloidose sistêmica primária ou associada ao mieloma múltiplo → amilóide AL; ● Como parte de amiloidose sistêmica secundária, associada a doenças crônicas inflamatórias → amilóide AA; ● Como manifestação de uma doença hereditária autossômica dominante → amilóide AF; ● Como fenômeno localizado no paciente idoso → amilóide SSA. Origem da Proteína Amilóide É provável que a proteína amiloide de depósito, no paciente em questão, seja do tipo AL. Origem e Anatomia do Coração Origem do Coração ● O coração começa a se originar por volta da terceira semana do desenvolvimento embrionário; ● Seu primórdio é formado a partir do mesoderma esplâncnico; ● Surge no mesoderma cardiogênico os cordões angioblásticos. Desenvolvimento inicial do coração. A, Desenho da vista dorsal de um embrião (cerca de 18 dias). B, Corte transversal de um embrião demonstrando os cordões angioblásticos no mesoderma cardiogênico e suas relações com o celoma pericárdico. C, Corte longitudinal do embrião ilustrando as relações dos cordões angioblásticos com a membrana bucofaríngea, o celoma pericárdico e o septo transverso. Origem do Coração ● Cordões angioblásticos originam coração tubular; ● O coração tubular se curva e dobra sobre si mesmo dando a forma anatômica final do coração; ● Concomitante a isso, está ocorrendo o desenvolvimento dos vasos sanguíneos; ● O coração começa a apresentar batimentos por volta da 22° a 23° dia de desenvolvimento embrionário. A a C, Miocárdio em desenvolvimento e a fusão dos dois tubos cardíacos para formar um tubo único. A fusão começa na extremidade cranial dos tuboscardíacos e se estende caudalmente até que esteja formado um tubo cardíaco único. O endotélio do tubo cardíaco forma o endocárdio do coração. Como o coração se alonga, ele forma segmentos regionais e se dobra sobre si mesmo, dando origem a um coração em forma de S (D e E). Origem Histológica dos Tecidos do Coração ● O coração primitivo é composto por: ○ Tubo endotelial ➞ endocárdio; ○ Tubo muscular (miocárdio primitivo) ➞ parede muscular do coração ➞ local de maior deposição da proteína amilóide; ○ Tecido conjuntivo gelatinoso (geléia cardíaca); ○ Células mesoteliais ➞ epicárdio. ● OBS.: no processo de diferenciação celular podem ocorrer mutações e erros genéticos associados ao desenvolvimento da amiloidose cardíaca. ● Ex.: Amiloidose primária associada à alterações das células plasmáticas. Anatomia do Coração ● O coração está localizado na caixa torácica (deslocado à esquerda), região do mediastino médio; ● Tamanho mais ou menos equivalente ao da mão fechada do indivíduo; ● É uma bomba dupla, autoajustável, de sucção e pressão; ● As partes trabalham em conjunto para garantir a circulação do sangue por todo o organismo; Anatomia do Coração ● Lado direito do coração recebe sangue venoso do corpo pelas VCS e VCI e bombeia através do tronco e artérias pulmonares para ser oxigenado nos pulmões; ● Lado esquerdo do coração recebe sangue arterial dos pulmões através das veias pulmonares e o bombeia para a aorta, de onde é distribuído para o corpo. Subdivisões e níveis do mediastino. As subdivisões do mediastino são mostradas como se a pessoa estivesse em decúbito dorsal. O nível das vísceras em relação as subdivisões definidas pelos pontos de referência na caixa torácica depende da posição do indivíduo porque os tecidos moles do mediastino pendem com a força da gravidade. Anatomia do Coração ● O coração é um órgão muscular oco; ● Subdividido por um esqueleto fibroso em 4 câmaras: ○ Átrios direito e esquerdo (superiores); ○ Ventrículos direito e esquerdo (inferiores). ● Os átrios são câmaras de recepção que bombeiam sangue para os ventrículos, as câmaras de ejeção; ● As ações sincrônicas das duas bombas AV cardíacas constituem o ciclo cardíaco. Ciclo cardíaco. O ciclo cardíaco descreve a movimentação completa do coração ou os batimentos cardíacos e inclui o período que vai do início de um batimento cardíaco até o início do próximo. O ciclo consiste em diástole (relaxamento e enchimento ventricular) e sístole (contração e esvaziamento ventricular). O coração direito (lado azul) é a bomba do circuito pulmonar; o coração esquerdo (lado vermelho) é a bomba do circuito sistêmico. Alterações Patológicas Cardíacas Alterações Patológicas Cardíacas ● Possíveis alterações causadas pelo depósito amiloide no coração: ○ Distúrbio da condução cardíaca, cardiomiopatia restritiva, baixo débito cardíaco e comprometimentos atriais isolados. ● Na doença, o coração pode estar aumentado e firme; ○ No caso relatado, por meio de uma telerradiografia de tórax, o paciente tinha área cardíaca discretamente aumentada. Alterações Patológicas Cardíacas ● Quando os depósitos são subendocárdicos, o sistema de condução pode ser danificado, resultando em anormalidades eletrocardiográficas; ○ No caso do paciente, um exame de eletrocardiograma revelou hemibloqueio anterior esquerdo, alterações difusas da repolarização ventricular, áreas inativas ântero-septal e lateral alta, além da baixa voltagem do complexo QRS. Alterações Patológicas Cardíacas ● Quando há a expansão destes depósitos no miocárdio, causa atrofia por pressão das fibras do miocárdio e com isso diminui a complacência ventricular; ● As alterações anatômicas decorrentes do acúmulo de amilóide na camada subendocárdica e do acúmulo de amilóide entre as fibras do miocárdio foram cruciais na realização dos exames para se chegar a suspeita clínica da doença do indivíduo no caso; Alterações Patológicas Cardíacas ● As manifestações de doença restritiva aliadas à baixa voltagem do complexo QRS no ECG, e um ecocardiograma que mostrava a associação de acentuada hipertrofia de câmaras ventriculares com restrição do enchimento diastólico, foram fundamentais para reforçar a suspeita. Fisiopatologia das alterações cardíacas a níveis sistêmicos Cardiomiopatia Disfunção mecânica e/ou elétrica: ● Hipertrofia ou dilatação ventricular inadequada; ● Podem ser restritas ao coração ou parte de distúrbios sistêmicos generalizados; ● Leva à insuficiência cardíaca. Classificação da cardiomiopatia ● Dilatada: contratilidade deficiente pela dilatação das paredes do coração; ● Hipertrófica: redução da complacência pela hipertrofia das células miocárdio; ● Restritiva: redução da complacência pela invasão de tecido cicatricial ou acúmulo de substâncias estranhas no miocárdio e endocárdio. 3 principais padrões morfológicos da cardiomiopatia. A cardiomiopatia dilatada leva principalmente à disfunção sistólica, enquanto as cardiomiopatias restritiva e hipertrófica resultam em disfunção diastólica. Observe as alterações na espessura da parede atrial e/ou ventricular. AE, átrio esquerdo; Ao, aorta; VE, ventrículo esquerdo. Cardiomiopatia restritiva ● Diminuição da complacência ventricular pelo enrijecimento das paredes; ● Enchimento ventricular deficiente durante a diástole; ● Redução do volume ejetado durante a sístole; ● Insuficiência cardíaca congestiva. Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) ● O coração é incapaz de bombear o sangue em uma proporção suficiente para atender às demandas metabólicas dos tecidos; ● Frequência de Ejeção (42%) e Débito Cardíaco reduzidos; ● Perfusão tecidual reduzida (palidez cutânea); ● Represamento de sangue no sistema venoso (Edema pulmonar e edema periférico (membros inferiores). Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) ● ICC esquerda: Acúmulo de sangue na circulação pulmonar, estase do sangue nas câmaras esquerdas e perfusão inadequada dos tecidos; ○ Ventrículo esquerdo não consegue expandir-se ➞ aumento na pressão de enchimento é transferido de volta à circulação pulmonar ➞ edema pulmonar; ○ Pulmões aparentam estar pesados e úmidos (tosse seca, dispneia, ortopneia); Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) ● ICC esquerda: ○ Edema: aumento da pressão nos capilares pleurais ➞ derrame pleural; ○ FE reduzida ➞ diminuição da perfusão renal ➞ ativação do sistema renina-angiotensina ➞ retenção de sal e água ➞ edema; ● ICC direita: edema periférico; exacerbação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Evolução do quadro de ICC ● Diminuição do DC; ● Hipotensão progressiva ➞ Barorreceptores ➞ Centro Vasomotor; ● Aumento da FC: ○ O SNAS é ativado para aumentar a FC, compensando a queda progressiva da PAS. Evolução do quadro de ICC ● Aumento da ativação do SNAS: ○ Hipotensão ortostática ou postural; ○ Diminuição da capacidade dos nervos terminais em captar catecolaminas (medida pela diminuição do acúmulo de metaiodobenzilguanidina (MIBG) no coração); ○ Redução das secreções lacrimais e salivares e anidrose. Evolução do quadro de ICC Morte do paciente por parada cardiorrespiratória. Tratamento e Prognóstico ● Paciente foi tratado de maneira convencional para insuficiência cardíaca congestiva ○ Com digital, que aumenta o inotropismo da fibra muscular cardíaca; ○ Diuréticos e inibidores da enzima conversora de angiotensina, pois, em sua maioria, o débito cardíaco desses pacientes é altamente dependente da pressão de enchimento. ○ A utilização de terapêutica vasodilatadora teve que ser suspensa pela tendência de acentuação da hipotensão arterial sistêmica; ○ O baixo débito cardíaco com hipotensão arterial rebelde ao tratamento foi responsável por várias internações, com o paciente dando entrada no setor de emergências, em julho de 1996, em parada cardiorrespiratória sem reversão às manobras clássicas de ressuscitação. TRATAMENTOS ALTERNATIVOS● A terapêutica é apenas sintomática, devendo-se evitar, se possível, digitálicos, uma vez que alguns estudos têm demonstrado aumento da sensibilidade a esses medicamentos; ● Pacientes com grave infiltração amiloide atrioventricular pode perder a contribuição atrial e formação de trombo amiloidose cardíaca grave necessitam de anticoagulação quando a função atrial estiver comprometida; ● Transplante em amiloidose cardíaca pequena experiência mundial demonstra a recidiva da amiloidose no coração transplantado, além de não se tratar a doença amilóide em outros órgãos. Conclusão Referências CARVALHO, S. et al. Comprometimento Cardíaco na Amiloidose Sistêmica. Diagnóstico in Vivo. Arq Bras Cardiol, volume 70 (nº 2), 119-123, 1998. Cintilografia miocárdica para estudo da inervação simpática. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, [s.l.], v. 86, p.18-20, abr. 2006. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0066-782x2006000700007. KUMAR, V.; ABBAS, A.; FAUSTO, N. Robbins e Cotran – Patologia – Bases Patológicas das Doenças. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. MONTEIRO, Natalia Fernandes; DIZ, Mary Carla Estevez. Difficulties in the diagnosis of primary amyloidosis: case report. Revista Médica de Minas Gerais, São Paulo, v. 25, n. 2, p.280-286, 28 mar. 2014. GN1 Genesis Network. MOORE, Keith L. PERSAUD, T. V. N. Embriologia clínica. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. MOORE, Keith L; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. NETTER, F. H. Atlas de Anatomia Humana. 4 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.