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ANOTAÇÕES
VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Michel Vovelle é um historiador francês do século XX, especialista nos séculos XVII e XVIII. Antigo aluno da École Normale Supérieure de Sant-Cloud. Apesar de se aproxima do materialismo histórico de inspiração marxista, desde os anos 1990 tem contribuído a reabilitar o papel do ator individual, até então pouco valorizado pela atenção que se dava as estruturas econômicas e sociais. Com Bernard Lepetit, foi percursor francês da micro-história.
Michel Vovelle no presente capítulo levantou algumas questões sobre a história das mentalidades. Procurando analisá-la em suas múltiplas dimensões, sua análise possibilita um largo horizonte para a reflexão. Destas inúmeras possibilidades, uma em especial interessa ao presente texto. Numa comunicação apresentada ao Centro de Estudos e de Pesquisas Marxistas em Paris, no ano de 1979, o historiador começa por uma indagação: “existe um inconsciente coletivo.”.
“A história das mentalidades é hoje (1979) uma causa ganha”, tornou- se uma “noção operatória” aceita, sobretudo na França. Trata-se de uma modalidade que, para ele, se apresenta muito mais empiricamente do que em nível conceitual, ou seja, cujos praticantes estão interessados mais em escrevê-la do que em comentá-la. A partir daí ele encontra sua historicidade, as transformações nela ocorridas. A primeira delas é aquela que a impulsionou do domínio do pensamento manifesto ao das atitudes coletivas mais secretas; da transparência à opacidade. Para isso ele procede de uma comparação entre o trabalho sobre o Rabelais, de Febvre, e o de Bakhtin envolvendo a cultura popular e percebe “o quanto a leitura de Lucien Febvre, límpida demais, incapaz de compreender uma cultura popular cujos mecanismos e coerência lhe escapavam, está hoje historicamente datada” (p. 111). A impossibilidade histórica do ateísmo de Rabelais, segundo a visão de Febvre, nada mais é, pois, do que uma visão reduzida do universo mental dos indivíduos, o qual, em suas profundezas, não permitiria uma tal constatação. As mentalidades implicam e privilegiam a lembrança/memória e as formas de resistências, indica aquilo que se convencionou definir como a força da inércia das estruturas mentais. 
Vovelle adota o termo “imaginário coletivo” ao invés de Inconsciente Coletivo, associado ao conceito de mentalidades, vez que o considera mais operacionalizável e menos suscetível às extrapolações ligadas ao domínio da psicanálise. O mesmo autor utiliza uma afirmativa de Phillipe Ariés sobre a concepção de mentalidades. 
De meu ponto de vista, os grandes pólos de atração das mentalidades – atitudes diante da vida e da morte – dependem de motivações mais secretas. Mais imbricados no limite entre o biológico e o cultural, isto é, do inconsciente coletivo anima forças psicológicas elementares, que são a consciência de si mesmo, o desejo de superar-se ou, ao contrário, o sentido do destino coletivo, da sociabilidade, etc. (ARIÉS apud VOVELLE; 2004, p. 108)
Michel Vovelle também problematizou sobre a História das Mentalidades e criticou o conceito de “inconsciente coletivo” muito utilizado por Ariès e definido como um campo autônomo, submetido ao seu próprio ritmo e independente do determinismo sócio-econômico. Para o autor, o campo de atuação dessa dimensão historiográfica é “o jogo relativo que existe entre as condições de existência dos homens e a maneira pela qual eles reagem a elas”, (p. 116) preferindo assim o uso do conceito “imaginário coletivo”. Ou seja, procurou perceber não apenas os padrões de sensibilidade do homem em relação à morte, mas também as formas simbólicas associadas a eles. Tende a atribuir relevância maior aos costumes, as doutrinas religiosas, ideias políticas, sistemas socioeconômicos e efeitos psicológicos dos progressos científicos e técnicos na constituição das maneiras de sentir e agir. Para ele a história do tema continua convulsiva, balançada por golpes brutais onde se cria sentimentos negativos com surtos na Idade Média da peste negra
Em sua organização de hipóteses sobre as atitudes coletivas, admite uma dupla abordagem, tanto diacrônica quanto sincrônica, tanto o tempo longo quanto os traumas históricos. “O problema da cultura popular, tão aviltado hoje, mas tão crucial, ocupa o centro dessa abordagem, onde se coloca a questão que me parece essencial atualmente, não nos termos pobres da difusão vertical de uma cultura de elite, mas de uma história das resistências, como também uma história da inovação e da criatividade do imaginário coletivo” (p. 126).
Em resumo, para Michel Vovelle, a história das mentalidades, ao contrário da história das ideias com sua difusão vertical do pensamento de elite, se ocupa com a cultura popular, com as massas anônimas em seus comportamentos mais secretos, em seus segredos mais obscuros, em suas atitudes mais desconhecidas. Por isso mesmo, não consegue fixar em termos teóricos seus pressupostos, nem dar à noção de mentalidade um conceito estável. Trata-se, em essência, de uma “história em busca de si mesma”.
 Usando-se do conceito de Longa Duração, de Fernand Braudel, que compõe a Segunda Geração dos Annales, estudou a mudança da mentalidade do homem perante a morte na França em um longo período através do levantamento que fez. Segundo Vovelle a história da morte continua uma história convulsiva, balançada por golpes brutais onde se cria uma série de sentimento negativo com surtos na Idade Média da peste negra. Todavia é visto que as relações dos homens com a morte são sintetizadas conforme ideal coletivo ou individual. O estudo do medo da morte é um confronto com choque do silencio; pois tal processo é tecido no silencio involuntário. No entanto os pontos de atitude diante da vida e da morte dependem de motivações mais secretas, mais retrógrada nos limites entre a biologia e a cultura, isto é uma inconsciência coletiva. A qual tem poder animador das forças psicológicas elementares que ajudam a superar o medo de morrer. Podemos assim afirmar que a história da morte se desenvolve em um processo coletivo e de longa duração que faz explodir os quadros de manifestações onde se expressa o imaginário coletivo.
SOBRE A MORTE*
Michel Vovelle nos presente texto busca demonstrar como o relevo é direcionado para os modos pelos quais os sujeitos pensam, sentem e compreendem a experiência da morte e, de igual modo, para as construções de imagens relacionadas à cultura fúnebre e cemiterial. Logo, os signos funerários assumem relevância como elementos essenciais à rememoração dos mortos.
Vovelle chama atenção para o desenvolvimento das pesquisas sobre a morte a partir de três níveis, a saber: a morte sofrida, vivida e os discursos sobre ela. O primeiro deles direciona o olhar para as taxas de mortalidade, envolvendo, inclusive, os momentos de epidemias e de pestes. Nesse nível, é válido analisar os parâmetros e comportamentos sociais relacionados à referida taxa, levando em consideração as diferenças de sexo e idade (morte do homem, da mulher, da criança); os contrastes entre o campo e a cidade, bem como entre sujeitos e grupos sociais pobres e elitizados. O segundo nível corresponde a “um complexo de gestos e ritos que acompanham o percurso da última doença à agonia, ao túmulo e ao além” (VOVELLE, 1996:14). Todavia, não deve ser reduzido às práticas fúnebres, religiosas, mágicas e cívicas. É necessário adentrar as sensibilidades dos vivos para entender o lugar do morrer na vida destes, seus medos e as mudanças nas atitudes e sentimentos. O terceiro nível, por fim, diz respeito ao discurso coletivo sobre a morte. Neste, são enfatizados sua construção e seus significados. Consoante Vovelle (1996), a partir do século XVIII, proliferaram diversos discursos sobre ela, como é o caso dos filosóficos, cívicos e científicos. Tais saberes organizados também se manifestaram de diferentes formas, sendo reproduzidos em suportes variados, como a televisão, o cinema e etc. A partir do discurso, é possível perceber os aspectos do imagináriosobre a morte.