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CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E PSICOPATOLOGIA GERAL W B A 04 60 _v 1. 0 2 Carla Priscila da Silva Pereira Londrina Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2020 CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E PSICOPATOLOGIA GERAL 1ª edição 3 2020 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Giani Vendramel de Oliveira Juliana Caramigo Gennarini Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Camila Braga de Oliveira Higa Revisor Fernanda Pâmela Machado Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Gilvânia Honório dos Santos Hâmila Samai Franco dos Santos Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) __________________________________________________________________________________________ Pereira, Carla Priscila da Silva P436c Concepções epistemológicas e psicopatologia geral/ Carla Priscila da Silva Pereira, – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2020. 43 p. ISBN 978-65-86461-34-3 1. Saúde mental. 2. Psicopatologia I. Pereira, Carla Priscila da Silva.Título. CDD 610 ____________________________________________________________________________________________ Jorge Eduardo de Almeida CRB 8/8753 © 2020 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. 4 SUMÁRIO Concepções epistemológicas e Psicopatologia geral ________________ 05 Terminologia em Psicopatologia ____________________________________ 18 Contribuições da Psicanálise a Psicopatologia ______________________ 36 Sistemas de Classificação Diagnóstica (DSM e CID) _________________ 51 CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS E PSICOPATOLOGIA GERAL 5 Concepções epistemológicas e Psicopatologia geral Autoria: Carla Priscila da Silva Pereira Leitura crítica: Fernanda Pâmela Machado Objetivos • Conceituar concepção epistemológica e a importância para a produção científica. • Apresentar o conceito de psicopatologia geral. • Entender a diferentes concepções de normalidade e psicopatologia. 6 1. Concepção epistemológica e Psicopatologia geral O estudo científico pressupõe a articulação de diferentes saberes de forma crítica, a arte de perguntar, maiêutica, é um requisito necessário para o desenvolvimento de produção científica. Em ciência, nada está pronto, tudo pode ser construído a partir de um olhar sensível às diferentes nuances que cada fenômeno apresenta. Ao longo deste material, você poderá compreender a respeito da importância das concepções epistemológicas para a produção do conhecimento na área de Psicopatologia. O material está organizado a partir dos principais pensamentos que fundamentam a prática em Psicopatologia e as diferentes concepções que nortearam os conceitos-chaves para a compreensão dos fenômenos psíquicos. Além disso, este material subsidiará ainda a compreensão das classificações diagnósticas de formulação de hipóteses e visão de sujeito em saúde mental. 1.1 Introdução O estudo de Psicopatologia pressupõe a compreensão de uma diversidade de concepções que fundamentam o pensamento e a prática em Psiquiatria e saúde mental. A tarefa inicial será de compreender que se trata de uma concepção epistemológica. Segundo o dicionário Houaiss (2009): Epistemologia–1. A reflexão geral em torno da natureza, etapas e limites do conhecimento humano, especialmente nas relações que se estabelecem entre o sujeito indagativo e o objeto inerte, as duas polaridades do processo cognitivo; teoria do conhecimento. 2. Estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico ou das teorias e das práticas em geral, avaliadas em sua validade cognitiva, ou 7 descritas em sua trajetória evolutiva, seus paradigmas estruturais, ou suas relações com a sociedade e a história, teoria da ciência. (HOUAISS, 2009, [s.p.]) Nesse sentido, as concepções epistemológicas são processos de reflexão sobre a constituição histórica dos conceitos fundamentais das teorias científicas, que ajudam a produzir um conhecimento por meio da reflexão contínua dos diversos pontos de observação de um fenômeno, postulados pela ciência ao longo do tempo. É essa visão crítica sobre as próprias teorias que faz com que a produção científica seja rica de sentido, e que lhes atribui o caráter de contínua formação, aberto, múltiplo, que permite sempre uma nova possibilidade de formulação e produção de saber. Popper (1984) reiterava que a ciência não era um objeto acabado, nem uma probabilidade, mas, ao contrário disso, a busca constante por uma verdade, guiada por crenças, metafisica, leis e regularidades, que nos permite descobrir novos referenciais, por meio de técnicas e métodos de contestação, dar uma nova resposta a cada momento, e isso é científico. Não existe conhecimento absolutamente certo, o certo é relativo ao contexto e para que seja científico precisa ser provisório eternamente. Esse postulado de Popper (1984), traduz a volatilidade dos conceitos científicos e nos provoca a compreensão de que precisam ser compreendidos à luz de seu tempo, dos referenciais filosóficos, culturais, sobre os quais foram criados e, a partir disso, analisar, discriminar e identificar, os fenômenos tal qual foram pensados e perceber as relações criadas para formular novas concepções. No caso da Psicopatologia, a compreensão de fenômenos que fundamentam esta ciência e os diferentes referenciais ao longo da história, bem como as transformações a cada descoberta científica. Desde os primórdios da Psiquiatria, a ideia de perturbações psíquicas sempre existiu, e suas causas estavam relacionadas a diversos fatores 8 como questões espirituais, ambientais, culturais, e, de acordo com essas perspectivas, as diferentes sociedades buscavam o alívio do sofrimento. A construção de conhecimento em saúde mental, pautado durante muito tempo nos modelos biológicos, orgânicos, com a busca de explicações de causa-efeito, localização de alterações sistêmicas, sofreu alterações ao longo do tempo e ganhou outras perspectivas do ponto de vista sócio-histórico e fenomenológico existencial. As diferentes perspectivas longe de se contradizerem, se complementaram trazendo novas percepções para os fenômenos psíquicos e reformulando os conceitos existentes. 1.2 Psicopatologia geral A Psicopatologia, enquanto ciência, fundamenta a prática da Psicologia e Psiquiatria, com a função de analisar, classificar e distinguir fenômenos psíquicos. Esta área do conhecimento nem sempre consegue reiterar seu caráter científico, devido a ausência de constância em seus fenômenos. Como a base da estruturação do modelo biomédico é a evidência, a repetição do fenômeno, a Psicopatologia é um terreno árido, pois os fenômenos são atravessados por uma série de contingências que alteram em cada indivíduo suas características e intensidades. O desafio da Psicopatologia é para além de perceber os fenômenos, ainda traçar paralelos, hierarquizar, classificar. Dalgalarrondo (2008) ressalta que a Psicopatologia é um campo complexo que exige abertura, multidisciplinaridade e atitude desprovida de preconceitos, a fim de discutir os achados a partir de olhares complementares e não competitivos.Mais do que dividir em abordagens, a expertise está em compreender o que os olhares da métrica médica, da fenomenologia existencial e da psicanálise, podem somar para a compreensão do fenômeno psíquico. 9 Desse modo, a Psicopatologia, como concebeu Jaspers (2006), identifica, reconhece, caracteriza e analisa os fenômenos psíquicos, tendo o indivíduo como o centro do processo. A própria condição humana de sujeito inacabado confere a problemática da Psicopatologia que, por vezes, não alcança o nível científico por não conseguir a reprodução dos fenômenos. Esse limite também é importante para que a prática não se torne reducionista ao ponto de restringir o homem ao conceito psicológico, mas, ao contrário, visualiza o indivíduo como alguém infinito que não se esgota em suas possibilidades. O objeto da Psicopatologia representa os fenômenos psíquicos conscientes, ou seja, o que o sujeito vivencia e como se dão essas vivências. Diferente da Psicologia, a Psicopatologia se ocupa apenas dos fenômenos patológicos e tenta compreender a realidade psíquica, estabelecer nexos entre as vivências e condições como ocorrem e o modo como se exteriorizam, assim, o conceito de doença mental não é uniforme, bem como sua manifestação. Pode-se dizer que enquanto a Psicologia se ocupa da vida psíquica normal, a Psicopatologia atenta para as correspondências anormais não encontradas, segundo Jaspers (2006). Nesse sentido, a Psicopatologia é o estudo dos sinais e sintomas dos transtornos mentais. Dalgalarrondo (2008) destaca que esses se traduzem em transtornos, patologias, sofrimento mental. Os sinais seriam as manifestações comportamentais externalizadas pela atitude de cada indivíduo, enquanto os sintomas se traduzem em vivências subjetivas (queixas ou narrativas), carregada de significantes (intensidade dada ao sintoma) e significados (conteúdo do sintoma). O autor destaca ainda a dupla dimensão do sintoma psicopatológico que atua como índice ou indicador, quando manifesta a presença de alguma disfunção de ordem biológica ou psíquica, ou ainda de símbolo na medida em que representa uma linguagem atribuída dentro do universo particular e cultural, produzindo, portanto, um sentido único. 10 A esses processos psicopatológicos, Jaspers (2006) chamou de multicausalidade de fenômenos psíquicos, no qual fatores somáticos interagem com processos psíquicos e fisiopatológicos do Sistema Nervoso Central (SNC), e destacou que a atitude científica fundamental para a compreensão desses processos é estar aberto para todas as possibilidades empíricas. Figura1 – Representação gráfica do fenômeno da multicausalidade em psicopatologia Fonte: elaborada pela autora. Esse dinamismo, presente na concepção de Psicopatologia, é verificado também na definição dada por Campbell (1986 apud DALGALARRONDO, 11 2008), a Psicopatologia trata da natureza essencial da doença mental, causas, mudanças estruturais, funcionais e formas de manifestações; o que retrata a complexidade dos fenômenos da psique humana. Dessa maneira, um ponto de concordância, na área da Psicopatologia, é de que todo olhar sobre os fenômenos psíquicos precisa se atentar para a multicausalidade. Com raízes no modelo biomédico, as evidências e classificações diagnósticas cumpriram o papel de identificar e descrever os problemas mentais ao longo de vários séculos de história, mas não foram suficientes para explicar muitas questões. Dalgalarrondo (2008) destaca que o campo da Psicopatologia é um campo complexo, pois inclui um grande número de fenômenos humanos especiais associados ao que se convencionou historicamente de se chamar doença mental. O grande tratado na área de Psicopatologia foi escrito por Jaspers, em 1913. A obra tem como referência a fenomenologi,- que compreende os fenômenos psíquicos, teve a pretensão de orientar o profissional para os desafios dessa prática. O autor assume as limitações desse campo em relação às demais teorias, porém, não as entende como excludentes, mas discute o caráter somativo para a compreensão dos fenômenos. Segundo Jaspers (2006), a doença mental, ou loucura, possui múltiplas possibilidades que se determina, ganha forma no homem e, ao contrário do que se pensa, não é um resultado, é formatada no individuo. O homem é o único ser capaz de dar sentido ao sofrimento, diferente dos animais. Para o autor, a vida psíquica é a somatória do conteúdo consciente, em sobreposição ao conteúdo extraconsciente (aquilo que não foi internalizado pelo sujeito). Assim, uma Psicopatologia é a somatória de pré-disposições individuais, fatores sociais e fatores culturais, sendo que este último seria 12 responsável pelo enriquecimento dos sintomas. Jaspers (2006) refere que a Psicopatologia tem cinco dimensões: • A doença mental é própria do ser humano, associada aos seus determinantes e condicionantes, e funcional, própria da psique. • Só é possível constatar o que se mostra ao mundo, isto é, fenômenos vivenciais, sejam conscientes ou inconscientes. • Consciência representa vivências internalizadas, reconhecidas e autorrefletidas. Inconsciente representa materiais não diferenciados. Falta de consciência representa materiais vividos e não internalizados. • O mundo interno só pode ser interpretado em seu contexto, pois interage com o meio ambiente. • A vida psíquica se diferencia por caráter individual e nível cultural. Ao longo da história foram observadas diferentes formas de diagnosticar e classificar as doenças mentais. O conceito saúde/ doença mental também se transformou em suas bases conceituais, Grinberg (2011) destaca que as transformações não foram conceituais, mas variaram em suas explicações: paradigmas mágico-religiosos, desequilíbrio do fluído magnético, recalque e conflitos do inconsciente e complexo autônomo dotado de um núcleo arquetípico, ou seja, a fenomenologia dos transtornos mentais variava de acordo com o sistema de crenças vigentes na época. Já Whitbourne (2015) destaca que as explicações sempre variaram em três temas: espirituais (possessões demoníacas), humanitárias (condições de vida) e científicas (causas objetivas alterações biológicas, falhas na aprendizagem ou estressores emocionais). Grinberg (2011) ressalta, ainda, que essas variações impactaram na transição da Psiquiatria a partir de três eixos do modelo mágico para o modelo 13 biomédico, da Psiquiatria da mente para a Psiquiatria do cérebro, da teoria dos quatro humores para a Psiquiatria clínica. Numa perspectiva da ciência contemporânea, o conceito de doença foi definido como fenômeno mórbido no qual se podem identificar fatores causais (etiologia), um curso, estados típicos, mecanismos psicológicos e psicopatológicos, antecedentes genéticos e familiares, especificidades ou generalidades mais ou menos reversíveis, segundo Dalgalarrondo (2008). Ao mesmo passo, o autor apresenta uma dimensão de normalidade que varia de acordo com as diferentes concepções científicas: normalidade como ausência de doença; normalidade ideal (adaptação a normas); normalidade estatística (que possui maior frequência); normalidade como bem-estar (saudáveis); normalidade funcional (não provoca sofrimento); como processo (dinamismo); subjetiva; normalidade como liberdade; e normalidade operacional, o que exige dos profissionais uma postura crítica e reflexiva para formatar uma concepção do normal e patológico, de acordo com Dalgalarrondo (2008). A discussão sobre normal e patológico varia de acordo com as diferentes correntes científicas. A Psiquiatria, como ciência médica, traz uma visão sistematizada sobre a questão, que é um tanto quanto eficiente para o diagnóstico, assim como para a compreensão didática dos fenômenos psíquicos. Whitbourne (2015) destaca que os profissionais de saúde mental se utilizam de cinco critérios para identificar se o individuo se encaixa na anormalidade: significância clínica (prejuízo mensurável); disfunção nos processos biológicos,psicológicos ou de desenvolvimento; comportamento associado ao sofrimento e não correspondente a comportamento desviante; se os conflitos entre indivíduo e sociedade não são considerados problemas psicológicos. 14 Essa visão traz a objetividade para o cenário da Psicopatologia e pressupõe testar ideias sobre os fenômenos psíquicos antes de aceitá- las como verdades, por meio de questionamentos, e vai ao encontro dos critérios propostos no Diagnostic Statistic Manual – DSM V (AMERICAN PSIQUIATRICH ASSOCIATION, 2015) para a definição do transtorno mental. Assim como a definição de normal e patológico varia de acordo com a concepção, a Psicopatologia também tem diferentes vertentes: Psicopatologia descritiva (foco na forma das alterações psíquicas) versus Psicopatologia dinâmica (interesse pelo conteúdo da vivência); Psicopatologia médica naturalista (centrada no aspecto biológico) versus Psicopatologia existencial (patologia como modo de ser no mundo); Psicopatologia comportamental –cognitivista (comportamentos resultam de representações cognitivas disfuncionais) se contrapõem a Psicopatologia psicanalítica (conflitos advindos do inconsciente); Psicopatologia categorial (transtornos bem definidos), Psicopatologia dimensional (dimensões complexas de transtornos, a partir de uma sintomatologia); Psicopatologia biológica (foco nas atividades neurais), Psicopatologia sociocultural (centrada em fatores socioculturais, históricos), Psicopatologia operacional – pragmática (a clínica como referência), Psicopatologia fundamental (busca compreensão de cada transtorno); isso segundo Dalgalarrondo (2008). A Psicopatologia possui diferentes abordagens e referenciais teóricos. Contudo, para fins didáticos, há uma divisão que possibilita a compreensão das múltiplas vertentes em Psicopatologia. O esquema abaixo representa esta divisão: 15 Figura 2 – Esquema representativo das múltiplas divisões de correntes da Psicopatologia Fonte: adaptado de Cheniaux (2015). Uma grande contribuição da Psicopatologia fenomenológica foi a descrição dos fenômenos psíquicos, a organização destes em classes e a caracterização dos sinais e sintomas, que auxiliaram na identificação dos 16 transtornos mentais. Tais trabalhos romperam com o modelo biológico, vigente até 1913, e abriram a discussão sobre multicausalidade dos fenômenos psíquicos. Nesse mesmo período, outros modelos de grande impacto nos estudos de Psicopatologia surgiram, como a Psicanálise Freudiana, que trouxe uma descrição mais dinâmica da vida psíquica, e não se mostram completamente divergentes, mas, ao contrário, podem se complementar na medida em que o foco se torna mais amplo. As diferentes correntes em Psicopatologia refletem a complexidade da prática em saúde mental, visto que numa equipe multiprofissional haverá diferentes concepções e formações que devem somar para o diagnóstico clínico, embora os manuais auxiliem na composição do diagnóstico, não são suficientes para a complexidade do fenômeno psíquico. A discussão de casos na equipe multidisciplinar é uma ferramenta importante assegurada pela Política Nacional de Humanização, por meio da estratégia conhecida como clínica ampliada, que possibilita a discussão entre diversos saberes, a fim de promover a reinserção psicossocial por meio de um atendimento personalizado (BRASIL, 2007). Queiroz Pinheiro e Albuquerque (2014) propõem que a articulação em saúde mental e Psicopatologia supõe uma discussão mais ampla, assim como já pontuado por Jaspers (2006), que tenha uma crítica presente e que atualize as formulações em Psicopatologia de acordo com as vivências da prática em Psiquiatria contemporânea. Nas palavras de Queiroz Pinheiro e Albuquerque (2014), a clínica vem antes da classificação normal/ patológico e com olhar voltado para a funcionalidade do indivíduo, do bem-estar social e da qualidade de vida, como indicadores de saúde mental. Desse modo, a avaliação de uma Psicopatologia não é tarefa simples e não pode ser vista por mieo de uma única lente do conhecimento. A saúde mental é multidisciplinar, pressupõe um bom conhecimento sobre as várias questões essenciais do ser humano, corpo biológico, 17 representação psíquica, fenômenos sociais que amplificam os sintomas e contexto em que ocorrem. Muito do que se sabe em saúde mental foi construído sobre as bases médicas, porém, a prática em saúde mental vai muito além do que está descrito nos manuais de diagnóstico, é um saber empírico. Dessa forma, o conhecimento de Psicopatologia é fundamental para identificar os fenômenos psíquicos, enquanto a formação profissional é a chave para o manejo em saúde mental. Referências Bibliográficas AMERICAN Psichiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM V. 5. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. BRASIL. Ministério da Saúde. Cartilha da PNH. Clínica Ampliada, Equipe de Referência e Projeto Terapêutico Singular. 2. ed. Brasília, 2007. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/clinica_ampliada_2ed.pdf. Acessado em 23/01/2020. Acesso em: 25 abr. 2020. CHENIAUX, Elie. Psicopatologia Questões Gerais. In: Manual de Psicopatologia. 5. ed., cap. 1, p. 18-21. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2015. DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e Semiologia dos transtornos Mentais. 2. ed., v. 1, p. 23-45. Porto Alegre, RS: Artmed Editora, 2008. DICIONÁRIO Houaiss de Língua Portuguesa. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa S/C Ltda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. GRINBERG, Luiz Paulo. Os transtornos mentais através dos tempos. In: BLOISE, Paulo. (Org.). Saúde Integral: a medicina do corpo, da mente e o papel da espiritualidade. p. 167-187. São Paulo, SP: Editora Senac, 2011. JASPERS, Karl. Psicopatologia Geral. São Paulo, SP: Editora Atheneu, v.1, 8. ed., 2006. POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. In: CHAUI, Marilena (org.). Primeira filosofia. p. 213-215. São Paulo, SP: Brasiliense, 1984. QUEIROZ PINHEIRO, Clara Virginia; ALBUQUERQUE, Kelly Moreira. Psicopatologia e saúde mental: questões sobre os critérios que orientam a percepção clínica. Revista Subjetividades, v.14, n.1, 2014. Disponível em: https://periodicos.unifor.br/ rmes/article/view/3269. Acesso em: WHITBOURNE, Susan et al. Krauss. Psicopatologia: perspectivas clínicas dos transtornos psicológicos. 7. ed. Porto Alegre, RS: AMGH, 2015. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/clinica_ampliada_2ed.pdf.%20Acessado%20em%2023/01/2020 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/clinica_ampliada_2ed.pdf.%20Acessado%20em%2023/01/2020 https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/3269 https://periodicos.unifor.br/rmes/article/view/3269 18 Terminologia em Psicopatologia Autoria: Carla Priscila da Silva Pereira Leitura crítica: Fernanda Pâmela Machado Objetivos • Conhecer as diferentes terminologias em Psicopatologia. • Correlacionar as sintomatologias às alterações da vida psíquica ou em seu rendimento. • Associar terminologias aos sintomas de patologias mentais. • Reconhecer a aplicabilidade e as dificuldades no uso das terminologias. 19 1. Terminologia em Psicopatologia geral A descrição dos fenômenos psíquicos foi amplamente discutida pela fenomenologia, mais especificamente no tratado escrito por Jaspers (2006). Há, na literatura, uma vasta lista de terminologias importantes para a atuação em saúde mental. Embora exista um grande consenso na área, algumas terminologias possuem mais que uma definição. Os manuais, como Código Internacional de Doenças (CID 10), Manual Diagnóstico e Estatístico e de Transtornos Mentais (DSM), apresentam a proposta de uniformização de caracterização dos transtornos, porém, quanto aos sinais e sintomas, ainda existem muitas definições, que variam de acordo com o autor de referência. O presente material traz a definição apresentada nos grandes tratados de Psicopatologia, que vigoram como referência para a área (CHENIAUX, 2015; DALGALARRONDO,2008; HALGIN, 2015; JASPER, 2006). Ao longo deste material, você estudará sobre as terminologias em Psicopatologia, com base na fenomenologia. Ao final, encontrará uma discussão sobre as diferenças no uso das terminologias e os problemas associados a elas. 1. Introdução A obra Psicopatologia Geral, de Jaspers (2006), foi escrita em 1913, e é considerada um manuscrito obrigatório para a aprendizagem da Psicopatologia na perspectiva fenomenológica. A própria organização do livro contempla uma sistematização que auxilia na compreensão dos fenômenos psíquicos. Inicialmente, aborda os fatos empíricos da vida psíquica, destacando questões somáticas e subjetivas e relaciona a intensidade dos sinais e sintomas. A seguir, destaca as conexões compreensíveis e causais, e auxilia no exercício da formulação de 20 hipóteses diagnóstica. Posteriormente, integra os conteúdos para a apreensão da vida psíquica como uma totalidade, a unidade da patologia a partir do seu diagnóstico, sua formulação geral e sua manifestação no contexto particular e também sócio-histórico, de acordo com Jaspers (2006). No que se trata de fatos particulares da vida psíquica, Jaspers (2006) distingue quatro grupos básicos: fenômenos vividos (vivências); rendimentos objetivos (o quanto o sujeito funciona em suas medidas de inteligência, memória, que pode ser mensurado quanti e qualitativamente); fenômenos somáticos concomitantes; e objetividades de sentido (expressão, ação e modo de ser no mundo). Por meio da observação destes, é possível identificar a diversidade do fenômeno e sua manifestação em cada indivíduo, caráter típico num todo próprio. Por exemplo, embora muitas pessoas possam passar por um transtorno depressivo, a forma com que os sintomas se manifestam em cada pessoa, a intensidade e a qualidade das produções de sentido em cada um são diferentes. Por isso, o desafio proposto por Jaspers (2006) é o de distinguir da forma mais precisa possível e designar com termos fixos o estado que os pacientes vivenciam, por meio da observação e comparação do fenômeno psíquico. O autor ainda destaca que a avaliação fenomenológica é um procedimento empírico que se dá por meio da comunicação com o paciente. Contudo, para eficácia deste processo é necessário que o encontro entre avaliador e paciente seja produtivo. Além das sistematizações classificatórias, o profissional precisa formular as falas e vivências do paciente no material de análise. Cheniuax (2015) lembra que, para a fenomenologia, a observação do fenômeno não pode ser meramente empírica, mas, após a coleta dos dados, o profissional deve utilizar dos conhecimentos científicos, somado a empatia para realizar a comparação do fenômeno e realizar a classificação deste. 21 Esse é um ponto de reflexão importante, visto que a fala do indivíduo, embora venha carregada de sentido, tem o olhar do bom avaliador como importante para identificação de caracteres de linguagem, próprios de uma patologia, por exemplo, nos casos de hipocondria ou psicopatia. 1.1 Fenômenos particulares da vida psíquica anormal A partir de agora, serão apresentados elementos da vida psíquica anormal e, para tanto, algumas concepções são importantes. Na vida psíquica, um sujeito se contrapõe a um objeto e se dirige aos conteúdos específicos. Assim, na contraposição da consciência do objeto e do eu, se instalam, por exemplo, algumas estruturas de anormalidade (distorções de percepção, delírios etc.), presentes em modos de alteração de consciência do eu, de acordo com Jaspers (2006). Na visão fenomenológica, tudo que vivemos são referências que nos ajudam a interpretar os fenômenos, que se chama totalidade de referências e se fundamenta em vivências de tempo e espaço, consciência corporal e da realidade, estado emocional e de impulso. Os fenômenos, por sua vez, podem ser distintos em mediatos e imediatos. Os mediatos são aqueles em que há possibilidade de reflexão e vontade. A este processo chamamos de reflexibilidade, dessa maneira, todas as referências podem ser afetadas pelo estado de consciência da psique. É importante destacar que, para a fenomenologia, as vivências do paciente não são consideradas fenômenos físicos, ou seja, o comportamento não é a única evidência da vida psíquica, mas a atribuição de sentido é o que caracteriza esta última. Entretanto, a fenomenologia não se atém às origens desses fenômenos, mas apenas à manifestação deles. Isso significa que o foco está em episódios conscientes, obtidos por meio de relatos do paciente, e não de 22 fenômenos inconscientes como em outras correntes como a psicanálise, segundo Cheniaux (2015). Portanto, na descrição do fenômeno, é preciso levar em consideração a forma e o conteúdo. Por exemplo, delírios, alterações de percepção, ideias delirantes, são formas, o conteúdo se refere ao contexto da ideia delirante, segundo Jaspers (2006). Cheniaux (2015) lembra que a forma seria a estrutura do fenômeno (delírio), e o conteúdo seria a história (exemplo: ser um guerrilheiro perseguido por forças nacionais). Para a composição diagnóstica, a forma é mais importante que o conteúdo, porém, o conteúdo fala muito sobre a vida psíquica do paciente, que, muitas vezes, é o fator que está mobilizando o indivíduo e pode ainda modificar o modo como vivencia o fenômeno. Jaspers (2006) destaca que os fenômenos não acontecem de maneira estanque, eles transitam entre si, uma vivência alucinatória pode conter uma vivência delirante, por isso, apreender distinguir e analisar os fenômenos é uma tarefa científica que exige formação e conhecimento sobre a Psicopatologia, os diferentes grupos de fenômenos psíquicos anormais. Ainda nesse sentido, Dalgarrondo (2008) faz um alerta importante sobre as funções psíquicas não acontecerem de forma isolada, nem a Psicopatologia ocorre em uma função específica. O sujeito adoece como um todo, pois as funções alteradas, consequentemente, modificam o funcionamento de uma personalidade e de sua estrutura, e impactam no modo do sujeito existir. A seguir serão descritos os grupos de fenômenos e suas sintomatologias com as diferentes concepções associadas: Anomalias na percepção As alterações de percepção podem ser de alteração na intensidade de sensações, aumento (hiper) ou diminuição (hipo) da intensidade 23 da percepção, ou ainda a ausência da percepção (agnosia), anestesia (perda da sensibilidade), alucinação negativa (ausência de registro sensorial), macropsia (aumento do objeto), micropsia (diminuição do objeto), dismegalopsia (distorção de objeto). Podem ocorrer nos delírios, intoxicações, psicoses agudas ou crises epiléticas; troca da qualidade nas sensações, por exemplo, as alterações de cores ou feições de pessoas; produção de sensações anormais concomitantes, associa uma sensação a um fato real (JASPERS, 2006, CHENIAUX, 2015). Alguns autores associam as alterações da percepção a outras alterações de sensações, denominadas senso percepção. As qualidades sensoriais podem ser classificadas em exteroceptivas (visuais, auditivas, gustativas, olfativas, táteis); interoceptivas ou cenestésicas (fome, sede, sensibilidade visceral); e proprioceptivas ou cinestésicas, sensações corporais, equilíbrio, sensibilidade a pressão (CHENIAUX, 2015; SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Jaspers (2006) destaca que podem ainda se manifestar por meio da estranheza (distorção do que se vê), divisão da percepção (dissociação do conteúdo) e produção de falsas percepções. Essas podem ser classificadas em ilusões (transformação da realidade), pareidolia (imagem criadas a partir de realidades externas e elementos de percepções sensoriais imprecisos, pode ocorrer de forma consciente ou inconsciente), alucinação (de forma clássica definida como percepção sem objeto, ou percepções corpóreas que se originam a partir de transformações internas, e ocorrem concomitantemente às percepções reais), segundo Cheniaux (2015). As alucinações se dividem em: • Alucinaçõesverdadeiras: que possuem uma imagem perceptiva real localizada no corpo e no espaço objetivo externo. Podem ser classificadas como visuais, auditivas, gustativas, olfativas, táteis 24 ou cutâneas, sinestésicas (sensações viscerais) ou sinestésicas (movimento). • Pseudoalucinações: são falsas alucinações, pois não têm uma correspondência ao corpo e espaço, o indivíduo tem a sensação de ouvir ou ver imagens internamente. Esse é um conceito um tanto quanto controverso, é descrito mais comumente relacionado à esquizofrenia. Alucinoses: são alucinações que ocorrem em estados de consciência e lucidez preservadas, geralmente, aparecem associadas a quadros orgânicos, ou neurológicos, como a síndrome de Wernick. Sinestesia: nesse caso, há uma troca da percepção sobre o receptor do estímulo e é possível, por exemplo, que o individuo relate ver a música, segundo Cheniaux (2015). Alterações no nível de consciência A consciência é relacionada ao nível de vigilância presente no indivíduo. Por sua etimologia, a palavra consciência, de origem grega syneidesis, significa uma ciência acompanhada de outra ciência, de acordo com Cheniaux (2015). Nas palavras de Jaspers (2006), é o conhecimento que o indivíduo tem sobre suas vivências, sejam do mundo externo ou do eu. As alterações podem ocorrer na quantidade do nível de consciência, aumento (hipervigilância) ou por rebaixamento do nível de consciência (perda da clareza da consciência no qual a percepção do mundo se torna distorcida). O rebaixamento da consciência é constituído por uma perda da lucidez, que varia entre a lucidez e o coma, e está relacionado a um comprometimento do funcionamento cerebral, associado a quadros orgânicos, que afeta, principalmente, atenção, orientação, pensamento, inteligência, senso-percepção, memória, afeto e psicomotricidade, de acordo com Cheniaux (2015). 25 Podem ser considerados quadros de rebaixamento da consciência: • Obnubilação simples: intensa sonolência, redução da atenção, desorientação no tempo e espaço, pensamento empobrecido, com o comprometimento de outras funções cognitivas. • Obnubilação oniróide: se caracteriza pela presença de sintomas psicóticos, presença de ilusões e senso-pecepções. • Coma: relativo à perda da consciência, sem sinal da visa psíquica. • Estado onírico: estado de alteração de consciência muito próximo ao sonho, porém, com a consciência vigil. É um quadro relativo ao uso de substâncias psicoativas (JASPERS, 2006; SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Do ponto de vista quantitativo, encontramos apenas a denominação do estreitamento da consciência, que é relativa a uma restrição da vida psíquica que ocorre por um bloqueio dos conteúdos, afetando a capacidade reflexiva do indivíduo. Pode ocorrer em quadros dissociativos, estados crepusculares, quadros de estresses agudos, entre outros, segundo Cheniaux (2015). Atenção A atenção foi classificada, por Jaspers (2006), como um estado de consciência. Já Cheniaux (2015), a define como a capacidade de dirigir o pensamento para um foco, que pode ser espontâneo (tenacidade) ou ativo (mobilidade). É possível dividir ainda em cinco tipos: seletiva (foco), vigilante e detecção de sinal (que correspondem a uma espera passiva), dividida (distribuída para vários estímulos), sondagem (busca por um estímulo). Do ponto de vista quantitativo, são encontradas alterações relacionadas à redução da atenção (hipoprosexia ), ausência da atenção (aprosexia). 26 Já qualitativamente, destaca-se a rigidez da atenção, que seria a dificuldade de modificar o foco da atenção (paraprosexia), comum em transtornos como o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), depressão, hipocondria; e inversamente a labilidade considerada a dificuldade de focar, também chamada distraibilidade, presente nos quadros de mania, intoxicação e TDAH, segundo Cheniaux (2015). Memória A memória se refere ao processo de conhecimento sobre o mundo, que se dá por meio de experiências (motoras e perceptivas) e vivências internas (pensamentos e emoções). A memória tem três processos fundamentais: fixação, evocação e conservação (CHENIAUX, 2015; JASPERS, 2006; SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). As alterações quantitativas podem ser amnésia, hipominésia e hiperminésia. Também são encontradas divisões de acordo com o tempo de permanência da lembrança: anterógrada (fixação) e retrograda (evocação) e por extensão do conteúdo generalizado (comprometimento de grande parte da memória), lacunares (localizada no tempo e espaço), seletiva (sistematizada) com conteúdo amplamente afetivo, de acordo com Cheniaux (2015). No caso da hiperminésia anterógrada, há o acúmulo de informações na memória comum em casos de autismo. Na retrógrada, há um excesso de recordação do conteúdo já armazenado que se manifesta em uma velocidade acima do normal, quadro comum em estados de terminalidade, conhecido como ecminésia. Já as lacunares, dizem respeito à memória de situações específicas, como nos quadros de pânico. A seletiva trata de foco num fato específico, segundo Cheniaux (2015). Qualitativamente, as alterações são as alomnésias ou ilusão de memória, na qual ocorre a distorção das memórias bases. As paramnésias 27 são consideradas como alucinação de memória (falsa lembrança), comum em quadros de esquizofrenia, delirium. Há ainda o Dé já vu (já visto) e o jamais vu (nunca visto), que ocorre mesmo na presença do objeto, quadros comuns em esquizofrenia e epilepsia. Pode ocorrer ainda a criptomnésia (falha ao recordar um fato passado) e ecmnésia (presentificação do passado), de acordo com Cheniaux (2015). As alterações patológicas de memória possuem diferentes formas de classificação. Para Jaspers (2006), as alterações se dividem em amnésias (ausência de memória), distúrbios de capacidade de reprodução do cabedal mnêmico e da capacidade de fixação (distúrbios da capacidade de reprodução, ou fixação das memórias, ou simples desintegração de memórias, como no caso de alzheimer) e falsificação de memórias (confabulações). Linguagem A linguagem é o processo de intermediação entre o pensamento e o mundo externo, que se estabelece por meio da comunicação. Podem ocorrer alterações na fluência no ritmo, volume que podem se apresentar aumentado ou diminuído (CHENIAUX, 2015; SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). As alterações quantitativas psicopatológicas são as afasias caracterizadas pela ausência da capacidade de falar ou compreender a fala. Isso pode ocorrer por situações motoras (lesões orgânicas) ou sensoriais (condução do estímulo). Seguem se alterações relacionadas à escrita (agrafia) a leitura (alexia), compreensão da fala (aprosodia), inflexão verbal (hiperprosodia), o mutismo (ausência da fala), logorréia (aumento da fala), oligolalia (diminuição da expressão verbal), hiper ou hipofonia (aumento ou diminuição da voz), taqui e bradilalia (aumento ou diminuição da velocidade da fala) e latência aumento do tempo de resposta, segundo Cheniaux (2015). 28 A autora destaca ainda que, quantitativamente, as formas de repetição de palavras: ecolalia, palidalia, logoclonia, estenotipia verbal. Alterações na forma da voz, mumitação (voz sussurrada), neologismo (novos significados), jargonofasia (desorganização da linguagem), parafasia (troca um sentido por outro semelhante), solilóquio (falar sozinho), coprolalia (uso de palavras de baixo calão), grossolalia (língua ininteligível), maneirismo (fala rebuscada ou em terceira pessoa), pedolalia (voz infantilizada), pararesposta (fala sem nexo com o conteúdo em questão), e resposta aproximada (resposta errônea com nexo à conversa), de acordo com Cheniaux (2015). Motricidade A motricidade diz respeito aos movimentos realizados sob o impacto da subjetividade. Dessa forma, as atividades motoras decorrentes do aparelho motor são objeto de estudo da Neurologia, chamadas de motilidade, enquanto os decorrentes de alterações psíquicas, que alteram a funcionalidade do aparelho motor, são objetosda Psicopatologia, segundo Jaspers (2006). A atividade motora pode aparecer lentificada ou agitada. Cheniuax (2015) destaca alterações quantitativas: as apraxias (incapacidade de realizar um movimento), hipocinesia e acinesia, hipercinesia. Outra divisão possível é a apresentada por Dalgalarrondo (2008), que associa as alterações de motricidade e as alterações de vontade, por entender que é um ato que passa pelo comando subjetivo. O autor divide as alterações em agitações psicomotoras e lentificação psicomotora. A agitação psicomotora é uma das alterações mais comuns da psicomotricidade e pode ocorrer associada à hostilidade e agressividade. Por4 isso, muitas vezes, é encontrada nos serviços de urgência e emergência, nos quadros de psicose. 29 Pensamento O pensamento é a relação subjetiva do sujeito com o meio. Pode ocorrer de diferentes maneiras: espontâneo, perseverativo (repetitivo), ruminativo (retorna num ponto fixo), evocado (quando estimulado), focado, difuso (atento a diversos estímulos). O processo de pensamento possui três fases: formulação do pensamento, organização e expressão. O pensamento normal segue uma linearidade, já nos processos anormais ocorrem alterações em diferentes etapas do pensamento. A seguir, serão listadas as alterações de pensamento e os processos decorrentes: Figura1 – Representação gráfica das principais alterações do processo de pensamento e suas características Fuga de ideias Variação rápida de tema, porém, com pensamento linear. Circunstancial Prolixo, com detalhes irrelevantes. Tangencial Distante do foco. Frouxos Sem conexões. 30 Perseveração Foco específico, com dificuldade de mudar o assunto. Bloqueio do Pensamento Pensamento perturbado, vago, incompleto. Neologismo Conexões novas, inexistentes. Fonte: adaptado de Cheniuax (2015); Sadock ,Sadock e Ruiz (2017). O delírio, ora é apresentado na literatura como parte do pensamento, ora como parte do juízo de realidade. Contudo, por se tratar de um fenômeno complexo presente em quadros graves em Psicopatologia, ganha um caráter primário sendo observado mais atentamente. Os delírios podem se tornar uma ideia fixa ou falsa sobre o objeto, isso porque se relaciona intimamente com valores e crenças do indivíduo, embora se traduzam em concepções irrealistas, sempre aparecem conectados a realidade, segundo Cheniuax (2015). Os delírios se dividem em: delírios bizarros, que possuem conteúdos desorganizados; não bizarros, que podem ser de grandiosidade; somático (relativo ao corpo); e persecutório (mania de perseguição) (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Também podem ser divididos em: primário (delírio típico, que ocorre na esquizofrenia); secundário (ideias delirantes que se originam de processos psíquicos comuns e que se distorcem ao longo da vivência, mais comuns em quadros depressivos); e ideia sobrevalorada (ideia errônea por superestimação afetiva). De acordo com a estrutura, podem ter a classificação de simples (monotemático) e complexos (pluritematizados); ou, ainda, sistematizado (com maior coerência entre as ideias, comum em transtorno paranoide) 31 e não sistematizado (são fragmentados ou caóticos, não estabelece um raciocínio sobre o assunto). Quanto ao conteúdo, o delírio pode se dividir ainda em delírio paranoide (perseguição, referência, projeção e influência), de grandeza, místico e religioso, delírios de conteúdos depressivos, dentre outros menos comuns (DALGALARRONDO, 2008; JASPER, 2006). Afeto A afetividade é um termo amplo que compreende, segundo Dalgalarrondo (2008): humor (disposição afetiva de base do indivíduo); sentimentos (representações de conteúdos intelectuais e valores que geram estados afetivos mais estáveis); emoções (estado afetivo intenso de curta duração que atua como resposta a estímulos externos); afetos (qualidade de tônus afetivo que acompanha uma ideia ou representação mental); e paixões (estado emocional intenso que domina a vida psíquica, dirigindo a atenção para um foco específico). Quanto à afetividade, podem ocorrer alterações de diferentes maneiras: do ponto de vista da qualidade das relações, ocorrem a disforia (sentimento de desagrado ou desconforto, insatisfação), eutimia (variação normal de humor, irritado). Dalgalrrondo (2008) acrescenta a distimia como alteração básica no estado de humor, tanto para a inibição quanto para a exaltação (não confundir com a distimia, transtorno depressivo), e acrescenta a euforia e a puerilidade (humor infantilizado) como alterações do humor. Em relação à quantidade, pode apresentar alterações de diferentes intensidades: leve, moderado e grave. Também ocorrem alterações quanto a variação do afeto: plano (sem correspondência), normal e lábil (emoções instáveis de rápida mudança). Pode ainda ser classificado em adequado e inadequado, em relação ao meio; ou congruente e incongruente, em relação ao estado de humor. Os afetos também 32 se relacionam com as alterações de linguagem e podem modular a apresentação destas, segundo Cheniuax (2015). São alterações da modulação do afeto: a apatia (hiporreativo a estímulos); hipomodulação de afetos (baixa capacidade de adequar suas respostas ao mundo); inadequação de afetos (reação incongruente às situações de vida); pobreza de sentimento; embotamento afetivo (impossibilidade de expressar os sentimentos); anedonia (perda da capacidade de experimentar prazer); labilidade afetiva (mudanças súbitas de humor); ambivalência afetiva (divergência de sentimentos em relação a um objeto); e o medo. Este último pode se manifestar ainda na forma de fobia (medo de algo específico) ou de pânico (medo de algo subjetivo que dispara uma reação de alarme mesmo na ausência do objeto), segundo Dalgalarrondo (2008). Orientação A orientação é a relação do indivíduo com o meio, ou sua localização em relação a si mesmo e o ambiente. As atividades de orientação se relacionam com outras funções como atenção, percepção, memória, segundo Dalgalarrondo (2008). Pode ser observada enquanto orientação tempo e espaço, que auxiliam o paciente a se localizar na relação com os objetos do mundo externo. Distorções, nessa orientação, tornam a percepção dos objetos aumentada ou diminuída, que podem ser componentes de delírios. Da mesma maneira, na relação com o tempo, o estado psíquico pode produzir vivências anormais de tempo, como a precipitação ou lentidão do tempo, ou mesmo a perda da consciência de tempo, paralisação do tempo, e o extermínio do futuro, segundo Jaspers (2006). Segundo Dalgalarrondo (2008), a desorientação ocorre primeiro em relação ao tempo, após o agravamento do caso, em relação ao espaço e, por fim, a desorientação em relação a si mesmo. Esta pode ocorrer por rebaixamento do nível de consciência, por déficit de memória, por 33 demência, por déficit intelectual, por apatia extrema, por dissociação ou desorientação histérica, desorientação, por desagregação (casos de psicose crônica), e em relação a própria idade (divergência entre a idade atual e sua correspondência). Vontade São representações conscientes chamadas de atos volitivos. Possui quatro etapas: intenção, deliberação, decisão e execução. As alterações da vontade podem ser da ordem da inibição: hipobulia (diminuição da atividade volitiva), atos impulsivos (abole as fases de planejamento e executa a ação) e dos atos compulsivos, que, embora semelhante, o indivíduo está consciente de sua indesejabilidade. São exemplos: a automutilação, tricotilomania, piromania, impulso ou ato suicida entre outros. (DALGALARRONDO, 2008; SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Inteligência A inteligência está relacionada à capacidade de resolução de problemas, de adaptação, análise ou síntese, de abstração e generalização, de julgamento e raciocínio e de utilizar o pensamento de forma produtiva. As alterações de inteligência têm uma relação direta com o rendimento. Quando ocorre abaixo do normal, é consideradoum déficit intelectivo (retardo mental), no alto rendimento estão as altas habilidades ou superdotação. A deterioração da inteligência ocorre em quadros de demência, delirium, e síndromes graves como a esquizofrenia e depressão maior, segundo Cheniuax (2015). Consciência do Eu A consciência do Eu também é conhecida como personalização, é o reconhecimento de si e da unidade de suas vivências pessoais, psíquicas, corpóreas, como algo integrado, e desejado pelo eu. Alterações na consciência do eu são apontadas por uma cisão na autopercepção, 34 que causa uma estranheza sobre a origem dos sentimentos desejos, ações. Essas alterações podem ser da ordem do tempo, espaço ou da própria despersonalização (sentimento de perda do eu). Podem ocorrer alterações da imagem e do esquema corporal. Segundo Dalgalarrondo (2008), são exemplos dessas alterações: a astenia, cenestesia. 1.2 Implicações atuais O estudo de terminologias é um campo vasto e complexo, que exige uma ampla pesquisa na bibliografia em saúde mental. Vários termos são utilizados com significados diferentes e classificados de formas diferentes, no contexto da Psicopatologia. É o caso dos delírios, por exemplo, que aparecem ora dentro das funções de pensamento, ora dentro de uma nova classe chamada juízo de realidade. Como já destacado anteriormente, os fenômenos psíquicos se sobrepõem e também retroagem na qualidade das vivências psíquicas. Embora os manuais de psiquiatria, como CID 10 e DSM, tenham surgido para uniformizar a descrição de sintomas, as diferentes concepções em Psicopatologia destacam a importância de um conhecimento profundo para a elaboração de diagnóstico em saúde mental, o raciocínio clínico é ferramenta fundamental para conectar os diferentes sintomas à manifestação subjetiva dos indivíduos. O DSM V, versão que foi amplamente criticada, traz uma série de mudanças em relação aos transtornos mentais, contudo, o bom conhecimento de Psicopatologia continua sendo referência para reconhecer o sofrimento mental, que existe por trás de cada quadro descrito, e o significado da sintomatologia apresentada (AMERICAN PSICHIATRIC ASSOCIATION–APA, 2015). 35 Assim, o estudo de terminologia permite não apenas reconhecer sinais e sintomas, mas compreender o impacto dessas na subjetividade de cada individuo. Aqui, estão listadas as principais terminologias, contudo, é necessário ampliar os estudos a respeito dos principais transtornos mentais, a fim de entender a complexidade desses fenômenos na prática clínica. Referências Bibliográficas AMERICAN PSICHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM V. Porto Alegre, RS: Artmed, 5. ed., 2014. CHENIAUX, Elie. Psicopatologia questões gerais. In: Manual de Psicopatologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 5. ed., cap. 1, p. 18- 21, 2015. DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre, RS: Artmed Editora, 2. ed., v. 1, p. 23-45, 2008. JASPERS, Karl. Psicopatologia Geral. São Paulo, SP: Editora Atheneu, v.1, 8. ed., 2006. SADOCK, Benjamin; SADOCK, Virgínia A.; RUIZ, Pedro. Compêndio de Psiquiatria: ciência do comportamento e Psiquiatria clínica. Trad. Marcelo de Abreu Almeida. 11. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2017. 36 Contribuições da Psicanálise a Psicopatologia Autoria: Carla Priscila da Silva Pereira Leitura crítica: Fernanda Pâmela Machado Objetivos • Associar os conceitos fundamentais da teoria psicanalítica. • Correlacionar a psicanálise como teoria psicopatológica. • Reconhecer a aplicabilidade das terminologias em Psicopatologia. 37 1. Introdução A Psicanálise e a Psicopatologia descritiva Para compreender as contribuições da Psicanálise e da Psiquiatria, é necessário localizar em que contexto há o encontro entre as duas vertentes. Para tanto, é necessário resgatar o contexto histórico da doença mental no qual surge o encontro dessas áreas científicas. O conceito de transtorno mental surge no século XVII, mas é no século XIX que a medicina, e mais especificamente a Psiquiatria e Neurologia, ganha projeção enquanto área do conhecimento. Ao longo do século XIX, surgem os grandes hospitais e também os grandes manicômios, que vão se estabelecer como forma de cuidado em saúde mental. Os trabalhos de psicopatologia descritiva também se iniciam no início do século XIX e, nesse mesmo tempo, os trabalhos da área de Neurologia ganham força. Os trabalhos em Psicopatologia, que vinham corroborando com a medicina até este período, passam a sofrer influência em primeiro lugar da fenomenologia, que vai se ocupar da descrição sistemática dos fenômenos psíquicos anormais, mas acrescentando a abordagem do sujeito integral à medicina. Isso posteriormente da Psicanálise, que vai se ocupar de uma psicopatologia dinâmica, que é ao mesmo tempo exploratória, compreensiva e interpretativa, e que postula a historicidade do corpo. Freud compreendia a Psicanálise como uma derivação das neurociências, contudo, ao invés de buscar causas, tanto quanto os fenomenologistas, buscou os significados das doenças mentais, segundo Meleiro (2018). Ao longo deste material, você estudará as relações entre Psicanálise e Psicopatologia. As contribuições de Freud com este novo modelo e a Psicopatologia psicanalítica. Ao final, encontrará uma discussão sobre a Psicopatologia psicanalítica no contexto atual. 38 2. Freud e a Psicanálise Freud foi médico neurologista, neurocientista, neuropatologista e fundador da psicanálise, realizou sua formação em Viena, especializou- se na França em neurologia. Suas bases teóricas estão na escola francesa de neurologia, corrente que se interessava pela clínica e comportamento dos doentes. Posteriormente retornou a Viena onde desenvolveu seus estudos em sobre as histéricas e desenvolveu a teoria psicanalítica (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Figura 1–Selo Áustria Sigmund Freud Fonte: TonyBaggett. iStock.com O início da Psicanálise tem sua etiologia nos estudos da Neurologia, desenvolvidos por Charcot e Breuer, que conduziam pesquisas sobre histeria. Localizavam no indivíduo a doença, negando qualquer forma de sofrimento psíquico, diziam que podiam retirar o sintoma por meio da hipnose (DALGALARRONDO, 2008; MORAES; MACEDO, 2018). Freud faz uma ruptura com o modelo médico vigente, que separava o normal do patológico, ao abandonar a hipnose como método de about:blank 39 tratamento por reconhecer que o alívio dos sintomas era transitório. Ao implementar o conceito e inconscientemente negar a intencionalidade da produção de sintomas, abre discussão para a produção das neuroses de angústia e obsessiva, que vão dar explicações sobre a histeria de conversão (MOREIRA; OLIVEIRA, 2017). A principal diferenciação entre a Psicopatologia geral e a Psicopatologia dinâmica está na observação do fenômeno. Enquanto a Psicopatologia descritiva tem uma observação objetiva, a Psicanálise faz uma observação subjetiva, isso porque, para Freud, os sintomas são meios de expressão de conflitos advindos do inconsciente. Desse modo, o sintoma evidencia algo significativo na história de vida do sujeito que, por meio da escuta, pode favorecer a cura para o sofrimento psíquico. Enquanto o diagnóstico médico determina a etiologia da doença por meio de uma análise semiológica, depois classifica o sintoma para localizar a patologia numa nosografia (descrição de doenças). O diagnóstico psicopatológico, em Psicanálise, não possui uma lógica na sua constituição, isso porque um sintoma pode ter várias possibilidades de interpretação. Dessa maneira, é necessário conhecer a dinâmica do sujeito para uma análise de sua subjetivação que prioriza a autonomia e liberdade (MORAES; MACEDO, 2018). Para a Psicanálise a Psicopatologia, é equivalente a um sofrimento psíquico que traz verdades sobre o sujeito interno. São essas verdades que trazem o desequilíbrio psíquico, a sintomatologia e, por fim, a manifestação psicopatológica.Freud estrutura então uma corrente psicológica em oposição às correntes de seu tempo, que define a descrição dos processos psíquicos considerando-os de forma dinâmica, estruturada e econômica. Esta última concepção está atrelada ao fato de que, para Freud, a produção psicopatológica também é dada pela cultura de uma sociedade (MORAES; MACEDO, 2018). 40 Assim, Freud funda a teoria psicanalítica calcada em três pilares: o inconsciente, o método de escuta e uma proposição teórica que fundamenta sua prática. A partir desses achados, Freud contribuía para a composição de uma Psicopatologia psicanalítica e apresentava conceitos-chaves, como as histerias conversivas e fóbicas, neuroses obsessivas e de ansiedade, psicoses, perversões e quadros psicossomáticos (MORAES; MACEDO, 2018; SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). 2.1 A Teoria Psicanalística - 1ª tópica modelo topográfico da mente A principal contribuição de Freud foi a descoberta do inconsciente, por meio dos estudos de histeria. A princípio, com os recursos da hipnose, percebeu que parte dos conteúdos subjetivos não eram reconhecidos pelas pessoas e a este conteúdo nomeou de inconsciente (BOOK; TEIXEIRA; FURTADO, 2011). A obra inaugural da Psicanálise foi o livro A interpretação dos Sonhos, de 1900, no qual apresenta o conteúdo do sonho como um objeto do inconsciente que não pode ser acessado em vigília. Dessa maneira, postula que existiam três níveis psíquicos: o consciente, o pré-consciente e o inconsciente. Além disso, existiam barreiras que impediam a transferência desses níveis de atenção. Esse foi o primeiro tópico do postulado de Freud (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). O trecho acima descrito retrata o modelo topográfico da mente, o sistema consciente seria composto por informações advindas do mudo externo, que se manifesta por meio da linguagem e do comportamento. Freud associava a manifestação desses conteúdos por meio de uma descarga de energia chamada de catexia de atenção, relacionada à intencionalidade do sujeito. Já o pré-consciente é um sistema de informações que permanecem armazenadas e que só é evocado à 41 consciência por meio de certo nível de atenção. O inconsciente, ao contrário dos demais, tem seu conteúdo inacessível pela consciência por meio da repressão que são relacionadas a forças denominadas por Freud de pulsões (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Esse modelo topográfico é, muitas vezes, representado pela literatura como um iceberg. A ponta que vemos seria apenas o conteúdo consciente, no limiar da água está o pré-consciente e abaixo dela, todo o conteúdo inconsciente. Figura 2 – Iceberg Fonte: Malekas85. iStock.com. Dessa forma, o sistema inconsciente seria a instância psíquica onde ocorrem os processos primários do pensamento, que é conduzido por instintos. Por essa característica é também importante considerar que o inconsciente não tem relação temporal, nem conexões com a lógica, o que permite construções muito diversificadas e contraditórias ao mesmo tempo. Nele, estariam as sensações, fragmentos de percepções e lembranças que foram reprimidas e que se manifestam por meio de subprodutos do consciente chamados sonhos, atos falhos, ou sintomas neuróticos. Já o pré-consciente, é composto de representações, ideias, sentimentos, que podem ser recuperados por esforço voluntário. 42 Dalgalarrondo (2008) ressalta ainda que, para Freud, o inconsciente não é simplesmente uma instância psíquica, mas, ao contrário, é a estrutura mais importante do funcionamento psíquico. Isso porque é regido por forças chamadas princípio do prazer, ou seja, não segue uma ordem da realidade, ao contrário, busca equilibrar as tensões psíquicas ignorando as regras sociais ou éticas. Se pudéssemos representar o funcionamento psíquico, poderíamos pensar como uma balança onde cada prato corresponde ao prazer e desprazer, o funcionamento positivo está em manter equilibradas as tensões (pesos da balança) para manter a dinâmica de prazer e desprazer equilibrados. Esse mecanismo se dá por meio de processos primários chamados de condensação e deslocamento. Assim, no conteúdo do sonho, é possível encontrar o resumo de vivências diárias, fragmentos de sensações e sentimentos, e impulsos reprimidos e, por isso, a representação do sonho pode favorecer uma gratificação parcial, quando tenta resolver os conflitos vivenciados, tanto na realidade externa quanto na realidade interna. O mecanismo de condensação é descrito por Sadock, Sadock e Ruiz (2017) como o mecanismo que reúne diversos sentimentos, impulsos e desejos do inconsciente combinados numa única imagem no conteúdo manifesto do sonho. Freud dividiu o conteúdo dos sonhos em dois: manifesto e latente, o primeiro corresponde ao conteúdo passível de ser lembrado ou acessado pelo consciente; e o latente seria o conteúdo que vem implícito no conteúdo do sonho, mas que não pode ser lembrado claramente. O trabalho da análise seria desvendar este conteúdo latente (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Já o processo de deslocamento, corresponderia ao deslocamento da transferência de uma quantidade de energia de um objeto para uma representação simbólica de um objeto. Isso permite que o objeto possa 43 ser aceito na representação inconsciente e encontre uma vazão para os desejos inconscientes, gerando certa gratificação. Esse achado trouxe à luz a representação simbólica que ocorre nos fenômenos psíquicos e que pode ser compreendido por meio das associações livres, o que deu origem ao processo terapêutico em Psicanálise (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). 2.2 Teoria dos instintos Em 1913, Freud escreve sua segunda tópica psicanalítica por ter percebido dois déficits teóricos importantes: os mecanismos de defesa (tensões que limitavam o controle de acesso dos conteúdos do inconsciente) não estavam acessíveis à consciência, e alguns indivíduos apresentavam um desejo de punição inconsciente e, por isso, este não poderia ser considerado um mecanismo do pré-consciente ou consciente, como revelado anteriormente. Assim, em 1905, Freud formula o segundo tópico que vai tratar da teoria dos instintos e pulsões (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Para Freud, os instintos teriam quatro bases de seu funcionamento: a fonte (parte do corpo de onde vem o instinto), ímpeto (quantidade de energia contida), objetivo (ação de liberação da tensão) e objeto (alvo da ação). Assim, temos a libido (instinto sexual e sua manifestação, que não é originalmente genital, mas culmina neste), que dá origem na teoria do desenvolvimento psicossexual; instinto de autopreservação (que estaria ligado a regulação de outros instintos não sexuais); e os instintos agressivos (de destruição) (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Anteriormente a esta teoria, em 1920, Freud postulou, na teoria dos instintos de vida e de morte (Eros e Tanatos), que eram consideradas forças instintivas subjacentes aos instintos sexuais e de agressividade, contudo, ao longo dos estudos, abandonou as questões relativas ao impulso de morte por não encontrar representatividade neste último e 44 considerar que o instinto de agressividade era suficiente para justificar os atos destrutivos (DALGALARRONDO, 2008; SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). 2.3 Teoria estrutural da mente – 2ª tópica A teoria estrutural do aparelho psíquico supõe a divisão do aparelho psíquico em sistemas com características e funções diferentes. Freud sugere a existência de uma estrutura tripartite: Id, Ego, Superego, que contém partes conscientes, pré-conscientes e inconscientes, funcionando como qualidade do funcionamento psíquico. O Id seria a sede das pulsões, dos instintos desorganizados, das tensões a serem descarregadas e, por isso, reconhecida como sede dos processos primários. O Ego teria porção consciente, pré-consciente e inconsciente, percepção da realidade e regulação da procedência dos impulsos. Sede dos pensamentos lógicos e abstratos regula as pulsões, testa e adia o prazer, estabelece relações objetaise relações satisfatórias, por meio da elaboração das defesas derivadas das angústias. O superego seria a consciência moral onde habitam regras e valores, estrutura-se por volta dos cinco a seis anos ao término do complexo de Édipo, no qual o sujeito internaliza regras e restrições. No superego, também existe uma porção consciente chamada de ideal de ego, que está relacionada à ideia de como o sujeito deve ser, segundo Dalgalarrondo (2008). Este modelo corresponde ao modelo psicodinâmico, no qual a interação das forças psíquicas, pulsões e a inter-relação das estruturas da mente implicam no desenvolvimento normal ou anormal do indivíduo, de acordo com Whitbourne (2015). 45 2.4 Desenvolvimento psicossexual infantil Em 1905, Freud propôs uma sequência normal para o desenvolvimento psicoafetivo ao longo da vida, que chamou de estágios de desenvolvimento psicossexual (HALGIN; STRAUBS, 2017). A teoria do desenvolvimento psicossexual infantil tem origem na observação das relações das crianças com seus pais (figuras maternas e paternas, pessoas significativas no ambiente) nos primeiros anos de vida. Isso porque a consciência do mundo externo se inicia de forma gradual no bebê e na satisfação de suas necessidades básicas (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). É necessário destacar, aqui, o que é sexualidade para a teoria psicanalítica, a fim de se possa compreender os quadros psicopatológicos que serão descritos a seguir. A sexualidade corresponde a uma manifestação secundária a necessidade de preservação que não necessita de saciação imediata, está ligada a carinho, afeto, qualidade dos relacionamentos, significações, pouco relacionada à sexualidade adulta, genital, segundo Kusnetzoff (1982). A saciação das necessidades básicas, e os instintos a elas correspondentes, Freud chamaram de instinto de autoconservação, e as sensações que derivaram desta experiência, instintos sexuais (energia excedente não satisfeita), tentativa de aliviar a tensão ou remover estímulos dolorosos sem um objeto específico (SADOCK; SADOCK; RUIZ, 2017). Assim, a partir das observações de bebês, Freud observou que a energia libidinal está concentrada em uma zona de gratificação, que se inicia não por gratificações sexuais, mas por sensações corporais com a amamentação, portanto, inicia na região oral e desta se deriva para outras regiões do corpo. 46 O quadro a seguir condensa as informações sobre o desenvolvimento psicossexual infantil: Quadro 1 – Estágios de desenvolvimento psicossexual infantil Estágio oral (0-18 meses) Os impulsos orais consistem em dois libidinais e agressivos, ligados a necessidade de relaxamento ao final da amamentação. O objetivo desta fase é estabelecer relação de dependência e confiança. Gratificações ou punições exessivas, nesta fase, podem resultar em traços patológicos, como otimismo excessivo, narcisismo, pessimismo (traços depressivos), alto nível de exigências. Pessoas com traços de caráter oral costumam ser dependentes e necessidades narcisistas. A boa resolução se traduz na capacidade de dar e receber sem dependência inveja, estabelecer vínculos de confiança. Estágio anal (1- 3 anos) Caracteriza-se pelo controle de esfincter anal, controle de retenção e expulsão das fezes, relacionada a mudança da passividade para a atividade, e percepção de controle das ações. Conflito de separação, individuação e independência. A resolução bem-sucedida implica na autonomia, independência, sem culpa e autodeterminação. Traços de caráter mau adaptativos resultam em organização, obstinação e teimosia. Quando as defesas falham, surge maior ambivalência, falta de asseio e desordem. As defesas anais são mais presentes em neuroses obssessivas compulsivas. 47 Estágio fálico (3-5 anos) Concentra os interesses, estímulos, excitação nos genitais. O pênis é o órgão de maior interesse, para a menina sinônimo de castração. Aparecem fantasias com o genitor do sexo oposto. Surge a ansiedade e ameaça da castração como resultantes da masturbação e conflito edipico. Forma as bases para a identidade de gênero e integra os demais estágios anteriores. O conflito edipico possibilitas as identificações posteriores e organização do caráter, enquanto os demais estágios contribuem para toda a formação neurótica e resolução edipica. A boa resolução implica no senso de identidade sexual, ausência de culpa, bom domínio de relações externas e internas (controle de impulsos). Estágio de latência (5-6 anos até 11 -13 anos) Configura-se pelo amadureciento das funções do ego, consolidação do superego, portanto, maior controle dos instintos. Fase de maior sublimação das energias libidinais em atividades de sociabilidade e aprendizagem do mundo externo. É uma fase importante de consolidações e adições pós-edipicas, estabelecendo padrões do funcionamento adaptativo. Capacidade de internalizar conceitos e objetos que possibilitam o desenvolvimento autônomo, e de resolução satisfatória de conflitos. Uma resolução de conflitos para dar, pode ocasionar o excesso ou a falta de controle interno podendo ocasionar uma imaturidade da formação da personalidade ou nos excessos de controle uma rigidez característica dos transtornos obssessivos. 48 Estágio genital (13 ano até a vida adulta) Equivale ao período de adolescência, por isso, se caracteriza pelas transformações fiológicas do amadurecimento genitosexual, com intensificação dos impulsos libidinais. Ocorre uma desorganização da personalidade, permitindo que conflitos anteriores seja atualizados, ocorrendo uma segunda individuação. Ocorre a separação definitiva dos pais, fim do apego, senso de identidade, aceitação pessoal e integração de papéis e valores sócio-culturais relativos a vida adulta, resultando em uma personalidade madura, consistente e integrado ao self, que permite a autorrealização. A má resolução deste estágio resulta em transtornos de personalidade e de identidade. Fonte: adaptado de Sadock, Sadock, Ruiz (2017). O desenvolvimento afetivo emocional foi descrito por Freud, a fim de demonstrar o dinamismo do psiquismo. A associação deste com o corpo (zonas erógenas) e com os objetos da realidade externa, vão desde o autoerotismo até o erotismo relacional, que é atribuído à sexualidade da vida adulta. Esse caminho leva a organização da personalidade, a persistência ou acentuação de uma fase, admite uma característica patológica que enrijece a personalidade e se manifesta por meio de um sintoma (FORLENZA; MIGUEL, 2015). Os sintomas são formas de comunicar o sofrimento mental, que é fruto de uma representação do inconsciente e que revela os mecanismos de defesa e resistências atuantes. O sintoma é o sinalizador da patologia, que é o resultado da fixação do indivíduo em um estágio do desenvolvimento, no qual o dinamismo é perdido, restrito e a energia libidinal contraditória (vida e morte), se fixa num único modo de ver, perceber e sentir o mundo (FORLENZA; MIGUEL, 2015). 49 A patologia, segundo Freud, se instala devido ao modo como o indivíduo se relaciona com o objeto, atribuída a três grandes processos: Neurose, Psicose e Perversão. • Neurose: condição de organização psíquica e de desenvolvimento da personalidade que se desenvolveu e permite manter o contato com a realidade externa. Os conflitos ativam mecanismos de defesa menos primitivos. • Psicose: se caracteriza pela dificuldade de manter o contato com a realidade externa, se utiliza de mecanismos de defesas mais primitivos, num funcionamento de personalidade pobre em autonomia, fragilizado, com baixa tolerância à frustração e alta sensibilidade emocional. • Perversão: a organização psíquica é suficiente para manter o contato com a realidade, porém, há uma distorção das relações com os objetos, ou na vivência com o outro que passa a ser submetido à sua vontade. Há problemas com normas e regras e no reconhecimento do outro. Falta angústia, culpa e dúvidas,segundo Whitbourne (2015). A Psicanálise entende a Psicopatologia a partir dos conflitos que se estabelecem entre o inconsciente e o consciente do sujeito. Por essa razão, é chamado de Psicopatologia psicanalítica, a variação ou o grau desse conflito indica o tipo de psicopatologia que se estabelece. A subjetivação do sujeito responde ao meio familiar e social em que ele se constitui, bem como a implicação cultural de sua época. Na atualidade, mesmo com os avanços das neurociências, alguns conceitos psicanalíticos são ainda o pano de fundo de se pensar os transtornos mentais. O inconsciente, por exemplo, continua sendo visto como a sede de muitas informações não acessadas. Do ponto de vista das neurociências, poder se dizer que há muita atividade cerebral ainda não identificada. Além disso, o conceito de transferência, trabalhado por 50 Freud na relação paciente-terapeuta, ainda é um contexto importante no trabalho terapêutico (FORLENZA; MIGUEL, 2015). Referências Bibliográficas BOOK; Ana Maria Merces; TEIXEIRA, Maria de Lourdes T.; FURTADO, Odair. Psicologia Fácil. São Paulo, SP: Saraiva, 2011. DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos Mentais. 2. ed. Porto Alegre, RS: Artemed, v. 1, 2008. FORLENZA, Orestes Vicente; MIGUEL, Euripides Constantino. Compêndio de Psiquiatria. Barueri: Manole, 2015. KUSNETZOFF, Juan Carlos. Introdução à psicopatologia psicanalítica. 5.ed. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1982 MELEIRO, Alexandrina Maria Augusto da Silva Psiquiatria: Estudos Fundamentais 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. Disponível em: https://integrada. minhabiblioteca.com.br/books/9788527734455. Acesso em 05 fev. 2020. MORAES, Fernanda Cesa Ferreira da Silva; MACEDO, Mônica Medeiros Kother. A noção de Psicopatologia: desdobramentos em um campo de heterogeneidades. Agora (RJ), Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 83-93, 2018. Disponível em: http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982018000100083&lng=en&nr m=iso. Acesso em: 26 abr. 2020. SADOCK, Benjamin; SADOCK, Virginia; RUIZ, Pedro. Compêndio de Psiquiatria: ciência do comportamento e Psiquiatria. 11. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. WHITBOURNE, Susan. Krauss. Psicopatologia: perspectivas clínicas dos transtornos psicológicos. 7. ed. Porto Alegre, RS: AMGH, 2015. about:blank about:blank 51 Sistemas de Classificação Diagnóstica (DSM e CID) Autoria: Carla Priscila da Silva Pereira. Leitura crítica: Fernanda Pâmela Machado. Objetivos • Conhecer o percurso histórico das classificações diagnósticas. • Identificar os principais manuais de classificação diagnóstica. • Conhecer a estruturação dos manuais diagnósticos. • Reconhecer a aplicabilidade dos critérios diagnósticos em Psiquiatria. 52 1. Introdução Ao longo da história da Psiquiatria, existiram mudanças significativas na compreensão dos fenômenos psíquicos influenciados por diversas correntes, teorias e novas compreensões dos mecanismos biopsicossociais envolvidos nos transtornos mentais. Há uma proposição controversa quanto a esta realidade relacionada ao fato de que, nos últimos cinquenta anos, embora sejam apontadas evoluções na Psiquiatria ao longo da história, avanços da Neurociência contribuíram para a compreensão dos neurotransmissores envolvidos nos transtornos mentais. A indústria farmacêutica, aliada a essas descobertas, produziu medicamentos cada vez mais eficazes para o controle dos sintomas. Além disso, pesquisas de incidência dos transtornos mentais, nos últimos cinquenta anos, apontam para um aumento considerável deste, o que já sugere uma epidemia de transtornos mentais no século XXI. Dessa maneira, é um desafio para os profissionais de saúde mental refletir tanto sobre os caminhos da prática clínica, quanto o impacto do diagnóstico na vida dos indivíduos acometidos por transtornos mentais. 2. Classificação diagnóstica A estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo critérios estabelecidos pelo Código Internacional de Doenças (CID – 10), manual diagnóstico, é de que a prevalência de transtornos mentais ao longo da vida ocorra em 45,9% das pessoas, sendo que, por ano, a estimativa é de 26,8%. A população brasileira, em 2016, era de aproximadamente 200 milhões de habitantes. Segundo Humes, Vieira e Fráguas Junior (2016), estimava-se que cerca de 91 milhões destes seriam portadores de transtornos mentais, cerca de 53 milhões acometidos em um ano. 53 Essa alta prevalência chama atenção dos estudiosos da área. Caponi e Martinhago (2019) falam de uma epidemia de transtornos mentais. Alguns fatores são apontados como controversos: evolução da Psiquiatria, avanço das neurociências, crescimento da indústria farmacêutica e, ao mesmo tempo, o aumento da prevalência de transtornos mentais no mundo. Será que há um verdadeiro aumento dos transtornos mentais, uma hipervalorização dos sintomas, uma patologização da vida? Para compreendermos este fenômeno, é importante compreender a trajetória da classificação diagnóstica ao longo da história e refletir a quem serve a Psicopatologia clínica. A Psiquiatria, desde o início de sua história, realiza classificação de patologias. A história da loucura atravessa a historia da civilização. No período escolástico, a presença de sintomas, como a alucinação, era correspondente à graça (divindade) ou ausência de graça (fruto do pecado). Na Grécia antiga, os quadros alucinatórios foram considerados, por grandes pensadores como Sócrates e Platão, como certo privilégio, uma loucura divina. Hipócrates foi quem se aproximou do modelo contemporâneo, propondo o modelo organicista da loucura, atribuindo a um desarranjo do cérebro os transtornos mentais. Na Idade Média, o retorno aos fatores externos e espirituais, os transtornos mentais, eram vistos como possessão demoníaca. Somente no pós-guerra, o modelo hospitalocêntrico ganhou projeção e impulsionou a Psiquiatria como classe médica (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). Assim, a Psicopatologia do século XVIII foi utilizada para validar a prática da Psiquiatria, que não possuía grande prestígio na medicina. Contudo, um problema impactante eram as divergências dentro das correntes psicopatológicas, que dificultavam esta validação por serem insipientes até mesmo quanto a nomenclatura dos transtornos mentais (BRAGA; FONSECA, 2018). A doença psiquiátrica, desde a Grécia antiga, tendeu a normatização, ou seja, levar os indivíduos para próximo da norma (DEMÉTRIO; 54 FERNANDES, 2018). Até o século XVIII, os quadros mentais eram descritos como categorias homogêneas, ou seja, por meio de características presentes em todos os quadros. Somente ao final do século XIX, Kahlbaum e Kraepelin estabeleceram critérios clínicos, que correspondem a apresentação psicopatológica da doença e sua evolução clínica (WANG; ANDRADE, 2015). Kraepelin foi considerado o fundador da Psiquiatria moderna, e reconhecido por sua contribuição histórica quanto à nosologia dos transtornos mentais (DEMÉTRIO; FERNANDES, 2018). Figura 1 – Fotografia de Emil Kraepelin, fundador da Psiquiatria moderna Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/5d/E._Kraepelin_flipped. jpg/200px-E._Kraepelin_flipped.jpg. Acesso em: 26 abr. 2020. https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/5d/E._Kraepelin_flipped.jpg/200px-E._Kraepelin_flipped.jpg https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/5d/E._Kraepelin_flipped.jpg/200px-E._Kraepelin_flipped.jpg 55 3. Trajetória das classificações diagnósticas A trajetória das classificações diagnósticas, em Psiquiatria, mostra um movimento de coesão e rupturas dentre as diferentes correntes na compreensão dos transtornos mentais, que se inicia ao longo do século XIX até o século XXI (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). A primeira metade do século XIX foi marcada por novas formas de compreender as doenças mentais. Os sintomas eram reconhecidos como diferentes dos comportamentos, ou pela produção de uma atitudealterada pela doença. Já na segunda metade do século XIX, surge o interesse pelas estratégias de intervenção mais eficazes, assim, a classificação das doenças se diferenciava por sua sintomatologia e etiologia na busca pelo tratamento mais adequado. Entretanto, é no final do século XIX que os trabalhos conduzidos por Emil Kraepelin em Psicopatologia descritiva, fundamentado na nosologia, reconhece diferentes modos de sofrimento mental por meio da análise clínica, o que resultou em oito edições de manuais de Psiquiatria, que tinham por objetivo a formação de profissionais (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). A construção dos manuais teve a pretensão de criar uma linguagem universal sobre as patologias mentais, para tanto, a construção destes se valeu de ferramentas da estatística para organizar as classificações dos transtornos mentais, como os índices de confiabilidade (capacidade de um mesmo diagnóstico ser reproduzido por diferentes avaliadores) que são utilizados para validar as classificações encontradas (DEMÉTRIO; FERNANDES, 2018). O primeiro manual, datado de 1840, nos Estados Unidos da América (EUA), foi organizado a partir de um censo que resultou numa classificação estatística por distribuição de frequência dos transtornos mentais. Na ocasião, eram destacadas duas classes diagnósticas: idiotia 56 e insanidade (ARAUJO; LOTUFO NETO, 2014; CAPONI; MARTINHAGO, 2019). Em 1880, uma nova classificação diagnóstica é lançada com sete categorias: melancolia, mania, monomania, paresia, demência, alcoolismo e epilepsia. Este manual também teve como foco a organização das internações psiquiátricas. Em 1918, um novo manual estatístico é lançado com vistas à institucionalização de insanos, contendo vinte e duas categorias, dentre elas: psicose, melancolia, demência precoce, paranoia, psiconeuroses e neuroses (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). É importante destacar que, no período entre 1900 e 1950, há a expansão do trabalho psicanalítico de Freud, que vai fundamentar a classificação norte-americana de transtornos mentais, acrescido dos conceitos de personalidade e estrutura psicodinâmica. Além disso, influencia o modelo classificatório com vistas ao sofrimento psíquico, e instaura a escuta clínica como modelo de cuidado (CAPONI; MARTINHAGO, 2019; TRAJANO; BERNARDES; ZURBA, 2018). A construção dos manuais, além das questões de validade científica para a Psiquiatria, foi influenciada por questões políticas. A revisão de classificações e formulação dos manuais, de 1918 e 1947, tiveram como cenário de fundo o número de pessoas internadas nos EUA que oneravam os cofres públicos (BRAGA; FONSECA, 2018). Em 1948, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publica a sexta edição do Classificação Internacional de Doenças e problemas relacionados a saúde (CID), que traz, pela primeira vez, a classificação de transtornos mentais (ARAUJO; LOTUFO NETO, 2014). Em 1952, a Associação Psiquiátrica Americana (American Psychiatric Association–APA), o primeiro Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disordens – DSM I), com cento e seis categorias, apresentou uma padronização 57 nas categorias de doenças e um consenso para o uso das terminologias. Sob forte influência psicanalítica, traz caracteres da psicodinâmica, a oposição de neurose (ansiedade e depressão) e psicose (caracterizada pela presença dos sintomas de alucinação e delírio e perda da conexão com a realidade. Traz como principal diferenciação, da visão proposta anteriormente por Kraepelin e Meyer, a ideia de patologia associada a reação do indivíduo frente sua história de vida e dá uma característica de aplicação clínica à classificação diagnóstica (ARAUJO; LOTUFO NETO, 2014; CAPONI; MARTINHAGO, 2019; DEMÉTRIO; FERNANDES, 2018). A quebra do paradigma de classificação, adotado até o momento, fez surgir uma série de contradições teóricas que impactaram na revisão e reformulação do manual. Em 1968, a APA publica o DSM II com cento e oitenta e duas categorias de classificação dos transtornos mentais, que traz algumas mudanças consideráveis. A primeira delas foi a retirada do termo reação, que havia causado um impacto na comunidade psiquiátrica da época. Foi introduzida a oposição entre neurose e personalidade, diferenciando os transtornos de cada uma das partes. Realizada uma aproximação com o CID (Classificação Internacional de Doenças e problemas relacionados a saúde da OMS), que estava em sua oitava edição, ampliando trinta e nove categorias. E ainda a introdução da esquizofrenia, nos quadros psicóticos (ARAUJO; LOTUFO NETO, 2014; CAPONI; MARTINHAGO, 2019). O DSM III foi considerado o mais complexo dos manuais. Primeiro porque surge num contexto histórico da luta antimanicomial, e desinstitucionalização, diante do avanço da produção de novos fármacos e declínio do viés psicanalítico. Lançado em 1980, com duzentas e sessenta e cinco categorias, surge como uma revisão do DSM II, iniciada em 1974, por Spitzer, na tentativa de aperfeiçoar e uniformizar o material existente e de padronizar os manuais utilizados nos EUA e Europa (DSM e CID), por meio de nomenclaturas coerentes nos dois manuais (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). 58 Segundo Braga e Fonseca (2018), o manual foi considerado o mais pragmático e funcional das classificações da Psiquiatria. Reforçou a associação da Psiquiatria com a medicina, pois segue o modelo de medicina baseada em evidências, trazendo dados que ressaltam tanto a pesquisa como a base empírica dada pela clínica para a composição do diagnóstico de do tratamento. Com evidências fortes, por meio de ensaios clínicos, trazendo benefícios para profissionais, seguradoras, pesquisas e alocação de recursos públicos de saúde mental. Além disso, trouxe expansão e melhoria de comunicação e diagnóstico e uma divisão clara entre problemas da vida cotidiana e transtornos mentais (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). Além disso, pode-se destacar que o DSM III foi de grande impacto para o modelo seguido na época, pois propôs a biomedicalização da prática psiquiátrica, colocando no sintoma toda a caracterização do transtorno mental. Traz ainda uma abordagem completamente diferente das presentes nos DSM I e II, que era psicossocial e psicanalítica, e é uma sugestão de retorno ao proposto por Kraepelin, no período entre 1885 e 1926. Este achado vai ao encontro do proposto por Braga e Fonseca (2018), de que as ciências da mente (psique) e as definições subjacentes a elas não são estanque quanto às suas definições e conceitos, ao contrário, são influenciadas por fatores históricos, morais e culturais. O DSM III foi um marco da mudança no modelo classificatório, que passa a ser multiaxial, com agrupamento por sintoma, aumentando a confiabilidade e validade. Para isso, as classificações se tornam mais objetivas e o termo neurose aparece pela última vez enquanto categoria clínica, num acordo de revisão o termo aparece seguido de disorder, instalando um conflito com a teoria psicanalítica. Nessa edição, é excluída a categoria homossexualidade e introduzido o transtorno de personalidade narcisista (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). 59 Em 1987, Spitzer propõe uma revisão do DSM III, chamada de DSM III-R, com duzentas e noventa e duas categorias de transtornos, contudo, esta foi considerada controversa e muito insipiente. Isso desencadeou um novo processo de reformulação, coordenado por Allen Frances, que deu origem, em 1994, ao DSM IV, com duzentas e noventa e sete categorias, num modelo de cinco eixos: • I – Quadros clínicos. • II – Retardo subjacente ou que afeta a personalidade, como o mental. • III – Situação clínica aguda e doença física. • IV – Fatores psicossociais e ambientais. • V – Avaliação global do funcionamento. Apresentou, ainda, a inclusão de significância clínica para metade das categorias com sofrimento ou prejuízo social e ocupacional importante. Os quadros de histeria foram desmembrados em síndromes(dissociação, dismorfismo corporal, ansiedade, depressão e fibromialgia). De modo geral, acrescentou e eliminou transtornos, caracterizou os subtipos, incluiu grupos afins e criou normas de interpretação e generalizações (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). Em contrapartida, em 1992, a Organização Mundial de Saúde publica uma nova edição da CID, conhecida pela edição vigente, que recebe a nomenclatura na comunidade científica de CID 10. Foi reconhecido como instrumento internacional de comunicação, educação e pesquisa, pois viabiliza estatísticas de morbidade e mortalidade. Traz um capitulo (F) relativo aos transtornos mentais (tradução de disorder), que se traduz numa intenção de mostrar uma superioridade ao conceito de síndrome tratada até o momento. O manual não substitui, de modo algum, a avaliação clínica como ressaltado por Wang e Andrade (2015). 60 O CID 10 colaborou com a Psiquiatria, por meio do aumento da concordância diagnóstica, melhora do relatório de mortalidade, uso de serviço, tratamento e evolução, uso de padrão para a pesquisa, aumento da heterogeneidade no ensino de Psiquiatria, melhor comunicação entre os diversos atores profissionais, usuários, cuidadores e leigos (WANG; ANDRADE, 2015). Em 2000, foi feita nova revisão com o intuito de atualizar os transtornos de acordo com as descobertas e evoluções da ciência. Com pequenas alterações, o DSM IV- TR trouxe uma valorização das comorbidades e inter-relação entre os eixos diagnósticos, ressalta a importância da interpretação dos sintomas e dos transtornos serem compreendidos como tarefa clínica e não como consulta numa tabela diagnóstica. Esta versão do manual traz ainda duzentos e noventa e sete categorias, acrescidas de mais vinte e uma categorias no apêndice B (ARAUJO; LOTUFO NETO, 2014; CAPONI; MARTINHAGO, 2019; DEMÉTRIO; FERNANDES, 2018). Por fim, em 2013, é lançado o DSM V como fruto de anos de estudo e o envolvimento de muitos pesquisadores que se debruçaram sobre os diferentes grupos de sintomas para construir o manual. Este é composto por trezentas categorias, divididas em três seções. O objetivo era o de catalogar e descrever os sinais e sintomas que podem ser observados (APA, 2013; CAPONI; MARTINHAGO, 2019). O DSM 5 foi apontado, por Cheniaux (2015), como um manual de abordagem descritiva, ateórica e por critério operacional para o diagnóstico. Esse movimento foi decorrente do neokraepelinianos, que se basearam em estudos de validade estatística de áreas como a Neurologia, Anatomopatologia cerebral e genética, a Psiquiatria descritiva terminológica, na qual as classificações psicopatológicas passam a ser definidas como síndromes (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). 61 Assim, a caracterização dos transtornos é tida, pela American Psychiatric Association – Associação Psiquiátrica Americana (APA), como: Síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, regulação emocional ou no comportamento do individuo, que reflete uma disfunção nos processos biológicos ou desenvolvimento subjacente ao funcionamento mental. (APA, 2013 p.62) A nova edição do DSM segue o modelo categorial e dimensional (leve moderado e severo). Demétrio e Fernandes (2018) referem que o manual segue critérios diagnósticos, que tem como intuito uniformizar a linguagem médico científica. Entende-se por critérios, o subconjunto de sintomas mais característicos de um transtorno. Dessa maneira, os critérios operacionais do DSM 5 são hierarquizados, com descrição objetiva do fenomenológica de um sintoma em termos qualitativos (diferenciando um transtorno de outros) e quantitativo (intensidade e duração da sintomatologia). A proposição relativa à hierarquia dos sintomas se refere ao fato de que alguns sintomas são determinantes para o transtorno e outros são alternativos, mas devem ocorrer na sintomatologia. Esse é um ponto de grande discussão quanto a classificação diagnóstica e ao qual a comunidade científica atribui uma rigidez ao modelo classificatório. No DSM V, o processo de adoecimento é visto como um continuum de gravidade e intensidade de sintomas, incorpora o modelo de espectro somado ao modelo categorial e dimensional. Assim, a classificação se constitui uma série heterogênea de avaliação (WANG; ANDRADE, 2015). No que diz respeito ao diagnóstico da doença, o modelo categorial corresponde a estruturação dos CID 10 e DSM V, que diferencia saúde e doença e, mais do que isso, diferencia a doença qualitativamente de outra doença, enquanto o modelo dimensional faz a diferenciação do ponto de vista quantitativo, segundo Cheniaux (2015). 62 O manual está dividido em três seções: • I – Para uso forense. • II – Critério e código diagnóstico. • III – Instrumentos para avaliação dos sintomas, critério de formação cultural, modo alternativo para transtorno de personalidade e descrição das condições clínicas para estados posteriores (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). Esse modelo, de três dimensões, já foi proposto por Leme Lopes, em 1954. Na proposição anterior, seguia a distribuição: (1) a síndrome; (2) personalidade pré-mórbida, comtemplando os fatores biopsicossocial; (3) constelação etiológica, fatores causais endógeno e exógeno, segundo Cheniaux (2015). As mudanças do modelo de eixos substituído por seção, encontram a seguinte correspondência: Figura 2 – Esquema representativo das principais alterações do DSM IV para o DSM V Fonte: adaptado de Caponi e Martinhago (2019). 63 Os capítulos passam a ser organizados de acordo com o ciclo da vida: • 1ª parte – Desenvolvimento – transtorno do desenvolvimento. • Parte Central – adolescência e vida adulta – (depressão, ansiedade e espectro esquizofrenia). • Parte Final – Velhice – Transtorno neurocognitivo. Algumas questões sociais passam a ser consideradas como condição para a patologia, tais como problemas de relacionamento, negligência, violência, ruptura familiar, entre outros (CAPONI; MARTINHAGO, 2019). O manual foi alvo de críticas de diversos profissionais de saúde mental, seja pela rigidez que lhes confere a objetividade dos critérios diagnósticos, seja pelo fato de não apresentar novas descobertas científicas, apenas renomear ou redefinir nomenclaturas. Na contramão dessas críticas, surgem aspectos positivos por apresentar a etiologia dos transtornos mentais fundamentada em aspectos neurobiológicos, com índices de validade e confiabilidade com as equivalências com as demais áreas da medicina (CAPONI; MARTINHAGO, 2019; DEMÉTRIO; FERNANDES, 2018). Os manuais diagnósticos, ao longo do tempo, apresentaram modificações estruturais e conceituais, contudo, a partir de 1980, é observado um retorno a Kraepelin, observando a importância do quadro clínico e o curso longitudinal da doença. Esses achados incluem as versões do CID 10 e CID 11, sendo que este último foi lançado e deverá entrar em vigor em 2022, segundo a Organização Mundial de Saúde. Além disso, o manual deve ter como atualização as equivalências com o DSM V e, como nova contribuição, a inclusão dos transtornos de jogos eletrônicos que podem levar à dependência (WANG; ANDRADE, 2015; DEMÉTRIO; FERNANDES, 2018). 64 O caminho diagnóstico e de classificação em Psiquiatria é extenso e sinuoso. Demétrio e Fernandes (2018) apontam que, desde o início da história da doença psiquiátrica, passando pela Grécia antiga, tenderam a normatização. A construção dos manuais constou de revisões de conceitos nosológicos, mas de fato não há nada de novo. Por assim dizer, Hipócrates teorizou a medicina moderna, contudo, os desafios da Psicopatologia psiquiátrica continuam, pode-se destacar: • Poucos avanços significativos. • Ausência de marcadores biológicos, levando à fragilidade do diagnóstico. • Fatores etiológicos não determinados. • Prognóstico impreciso de evolução. • Variabilidade de apresentação clínica dos transtornos de mesmo diagnóstico. • Psiquiatria baseada na atuação clínica, o que traz viés subjetivo. Ao mesmo tempo,há um consenso de que é necessário estabelecer uma linguagem universal em Psiquiatria. Nesse sentido, os manuais cumpriram bem suas funções, mas se tornaram um risco, para a prática clínica, de se tornar excludente, limitante e patologizante. Araújo e Lotufo Neto (2014), destacam que o instrumento é produzido para profissionais habilitados com experiência clínica e sólido conhecimento em Psicopatologia, e não pode ser utilizado como lista de pesquisa de sintomas. 65 Referências Bibliográficas AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and statistic manual of mental desorders. 5. ed. Whashington, DC, 2013. ARAÚJO, Álvaro Cabral; LOTUFO NETO, Renério Fráguas. A Nova Classificação Americana Para os Transtornos Mentais – o DSM-5. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. v. 16, n. 1, p. 67-82, 2014. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517- 55452014000100007&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 26 abr. 2020. BRAGA, Felipe Sette Martino; FONSECA, Gabriela Lemos. Reflexões sobre Psicanálise, saúde mental, e instituições: considerações acerca das dimensões do patológico e do sofrimento. Pretextos–Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas v. 3, n. 5. 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Introdução 2. Classificação diagnóstica 3. Trajetória das classificações diagnósticas Referências Bibliográficas