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1 Fundamentos da Clínica Médica - Saúde mental Professor: Almerindo Antônio Boff - Aula do dia 23/04 Nome: Sophia Neumann Frantz Relembrando sobre o transtorno de personalidade, segundo a classificação atual de transtornos mentais da OMS (1993), a CID-10, os transtornos da personalidade são definidos pelas seguintes características: 1. Geralmente surgem na infância ou adolescência e tendem a permanecer relativamente estáveis ao longo da vida do indivíduo (“O menino é o pai do homem”). 2. Manifestam um conjunto de comportamentos e reações afetivas claramente desarmônicos, envolvendo vários aspectos da vida do indivíduo, como a afetividade, o controle de impulsos, o modo e o estilo de relacionamento interpessoais, etc. 3. O padrão anormal de comportamento e de respostas afetivas e volitivas é permanente, de longa duração e não limitado ao episódio de doença mental associada (como uma fase maníaca ou depressiva, um surto esquizofrênico, etc.). 4. O padrão anormal de comportamento inclui muitos aspectos do psiquismo e da vida social do indivíduo, não sendo restrito a apenas um tipo de reação ou uma área do psiquismo. 5. O padrão comportamental é mal adaptativo, produz uma série de dificuldades para o indivíduo e/ou para as pessoas que com eles convivem. 6. São condições não relacionadas diretamente à lesão cerebral evidente ou a outro transtorno psiquiátrico (embora haja alterações de personalidade secundárias à lesão cerebral). 7. O transtorno da personalidade leva a algum grau de sofrimento (angústia, solidão, sensação de fracasso pessoal, dificuldades no relacionamento vividas com amargura, etc.); entretanto, salienta a CID-10, tal sofrimento pode se tornar aparente para o indivíduo apenas tardiamente em sua vida. 8. Em geral, o transtorno da personalidade contribui para o mau desempenho ocupacional (no trabalho, estudos, etc.) e social (com familiares, amigos, colegas de trabalho ou estudo). Entretanto, tal desempenho precário não é condição obrigatória Os transtornos da personalidade podem ser agrupados em três grandes subgrupos, que são: A. esquisitos e/ou excêntrico B. dramáticos, emotivos e/ou erráticos C. ansiosos, medrosos Um dos principais problemas de todo o capítulo de TP é que tais transtornos se sobrepõem muito frequentemente, uns com os outros. Assim, pessoas que preenchem critérios para um TP com muita frequência também preenchem critério para outro(s). Atividade 1: descreva os aspectos principais para o diagnóstico diferencial entre os transtornos da personalidade antissocial, narcisista, histriônico e borderline Transtorno da personalidade borderline (TPB) Esse é um dos TP mais frequentes na população em geral (prevalência de cerca de 1 a 5%, mediana em torno de 1,8%) e importante em populações clínicas, em serviços de saúde mental (Gras et al., 2014). • A grande maioria desses pacientes irá apresentar outro transtorno mental ao longo da vida (mais frequentemente transtornos do humor e/ou transtorno por uso de álcool e outras substâncias). Pessoas com TPB são mais representadas nos grupos populacionais “mais jovens”, acometendo mais mulheres do que homens, mais populações urbanas e pobres. 2 • Os fatores para o desenvolvimento do TPB estão relacionados com a infância do paciente, se sofreu traumas emocionais importantes, negligência, abuso físico e/ou sexual, problemas graves em termos de má ou não responsividade emocional de figuras adultas de ligação, além de componente genético. • Essas experiências ruins da infância marcam o indivíduo de tal forma que no período adulto a qualidade e a confiança nas relações interpessoais são gravemente afetadas. Assim o transtorno de personalidade borderline tem grande impacto sobre a vida pessoal e social dos indivíduos acometidos, assim como na de seus familiares e pessoas próximas; o TPB é marcado por importante instabilidade nas relações pessoais, na autoimagem, na vida afetiva e emocional, na identidade pessoal e social, assim como um padrão de impulsividade em diferentes contextos da vida, geralmente com consequências significativas. Em relação ao cognitivo das pessoas com TPB, eles apresentam distorções como tendência a tomar decisões de risco, processamento de feedback falho, estilo de atribuição defectivo e monocausal, tendência a chegar a conclusões inadequadas e muito e estilo cognitivo paranoide. • Há alterações na cognição social, como inferências errôneas em situações sociais, déficit de empatia social, reconhecimento facial pobre e reconhecimento de emoções faciais prejudicado Em resumo, os pacientes borderline apresentam-se como instáveis/imprevisíveis. Há um padrão abrangente de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, da autoimagem e dos afetos, bem como acentuada impulsividade, começando no início da idade adulta e presente em uma variedade de contextos. • Além disso é importante ressaltar que esses pacientes têm a tendência de sabotar a si mesmo quando perto de realizar um objetivo. Ademais há um sentimento de maior segurança com objetos não humanos do que com relacionamentos interpessoais. Para fazer o diagnóstico de TPB são necessárias pelo menos cinco das seguintes características para o diagnóstico de TPB (DSM-5): 1. Esforços excessivos e desesperados para evitar abandono, real ou imaginário; intensa sensibilidade às menores pistas de possível abandono. 2. Relacionamentos pessoais intensos, mas muito instáveis, oscilando em períodos de idealização de uma grande “paixão” ou “amizade-adoração” para outros de desvalorização, “ódio” e “rancor” profundos. 3. Perturbação da identidade: dificuldades graves e instabilidade com relação à autoimagem, aos objetivos e às preferências pessoais (inclusive as de orientação sexual e de identidade de gênero). 4. Impulsividade em pelo menos duas áreas autodestrutivas (p. ex., gastos exagerados, sexo com desconhecidos, uso de substâncias, compulsão alimentar, dirigir de forma perigosa/irresponsável). Atos repetitivos de autolesão (p. ex., cortar-se propositalmente). 5. Comportamentos, gestos e atos suicidas repetitivos ou comportamentos de automutilação. 6. Instabilidade emocional intensa, decorrente de acentuada reatividade do humor (irritabilidade ou ansiedade intensas, de poucas horas, raramente de dias), disforias episódicas. 7. Sentimentos crônicos de vazio (sentimentos depressivos com a marca de sentir um vazio interno). 8. Raiva intensa e inapropriada e/ou muita dificuldade em controlá-la (brigas físicas recorrentes, irritação, raiva, explosões comportamentais). 9. De forma transitória, podem ocorrer ideias de perseguição, de que se está sendo traído, perseguido, ameaçado, e/ou sintomas ou episódios dissociativos intensos, decorrentes de estresses, de situações pessoais difíceis. Em relação ao curso e o prognóstico: − Cerca de 25 a 30% das pessoas com TPB apresentam alucinações, principalmente auditivas, sobretudo audioverbais, em forma de vozes, mas também podem ocorrer alucinações visuais em menor frequência. E estima-se que até 75% dos pacientes com TPB apresentem, em algum momento, experiências dissociativas e ideação paranoide − Em indivíduos com TPB, estudos de neuroimagem têm identificado redução do volume da amígdala e do hipocampo, déficit de ativação em circuitos de regulação do comportamento, como o cíngulo anterior e o 3 córtex pré-frontal dorsolateral, e, diante da exposição a emoções negativas, hiperativação de estruturas do sistema límbico, como ínsula e amígdala. − Com o passar dos anos e com tratamento, uma parte dos pacientes apresentam melhora em relação a comportamentos suicidas, impulsividade, neuroticismo e traços de agressão-hostilidade. o O padrão de sociabilidade e de atividades na vida (trabalho, estudo, etc.) tende a permanecer problemático, com funcionamento psicossocial relativamente pobre. o A comorbidadecom outros transtornos psiquiátricos (transtornos do humor, alimentares, uso de substâncias, entre outros) e com outros TP permanece relativamente alta ao longo dos anos (Alvarez- Tomás et al., 2016). Transtorno da personalidade histriônica (TPH) Esse é um TP frequente na população em geral, com prevalência em torno de 2%, sendo levemente mais comum em mulheres. Esse TP, depois do TPB, é também muito importante em contextos clínicos. • No TPH, também pode ser notada certa infantilidade, ou seja, tendência a apresentar reações infantis, regredidas, com pouca tolerância à frustração. • Apresenta um padrão generalizado de autodramatização, emocionalidade excessiva e busca de atenção O transtorno de personalidade histriônica também está associado a dificuldade de alcançar intimidade emocional em relacionamento românticos ou sexuais. Por isso apresenta promiscuidade ou completa ingenuidade sexual, grande atração por excitação e estímulos. Esses pacientes também apresentam baixa tolerância em adiar gratificação. As principais características para o diagnóstico do TPH (DSM-5) são pelo menos cinco das seguintes: 1. O indivíduo sente desconforto em situações em que não é o centro das atenções. Há busca contínua de atenção e apreciação por parte dos outros; quer ser o centro das atenções. 2. A interação com as pessoas com frequência é caracterizada por comportamento sexualmente sedutor, inadequado e provocativo. 3. O indivíduo apresenta mudanças rápidas das emoções e expressão superficial delas. A afetividade tende, assim, a ser superficial, pueril e lábil. 4. Usa de modo reiterado a aparência física para atrair atenção para si. 5. Tem um estilo de falar, um discurso carente de detalhes e de exatidão, com um caráter impressionista, meio vago. 6. O indivíduo utiliza dramatização e autodramatização, teatralidade, expressão exagerada das emoções. 7. Há sugestionabilidade aumentada; o indivíduo é facilmente influenciado por outros ou pelas circunstâncias. 8. Considera as relações pessoais mais íntimas do que na realidade são. Transtorno da personalidade antissocial (TPA) (sociopatia, “psicopatia”) O TPA é mais frequente em homens (proporção entre 2:1 e 7:1), em jovens adultos, pessoas que vivem em áreas urbanas e de nível socioeconômico baixo. • História de abuso físico, emocional ou sexual -> tendência transgeracional do trauma As pessoas com TPA eram conhecidos anteriormente como personalidade sociopata ou psicopata. Nesse transtorno, os indivíduos apresentam muita dificuldade em ter uma interação afetiva recíproca, respeitosa e duradoura. Com frequência, não têm consideração ou compaixão pelas outras pessoas; mentem, enganam, trapaceiam, prejudicam os outros, mesmo a quem nunca lhes fez nada. • Segundo a tradição psicopatológica, pessoas com TPA têm muita dificuldade nas relações interpessoais; falta- lhes sensibilidade ao sofrimento dos outros (ou podem apresentar mesmo elementos de sadismo, tendo satisfação ou prazer com o sofrimento alheio). • Há um padrão difuso de desconsideração pelas outras pessoas, violação dos direitos alheios; que inicia no começo da adolescência e continua na vida adulta Para o diagnóstico de TPA, deve haver pelo menos três das seguintes características (DSM-5): 4 1. Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a comportamentos legais. Repetição de atos que podem constituir motivos de detenção. 2. Tendência à falsidade, a mentir repetidamente, a praticar a falsidade, falsificar nomes, documentos, trapacear para ganho pessoal ou por prazer. 3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro. No sentido da impulsividade e da inconstância, pode haver incapacidade de manter relacionamentos, embora não haja dificuldade em iniciá-los. 4. Irritabilidade e agressividade, envolvimento frequente em brigas, lutas e agressões verbais e físicas. Hostilidade em muitos contextos. Nesse sentido, também é comum haver baixa tolerância a frustrações e baixo limiar para descarga de agressão, inclusive violência. 5. Descaso pela segurança de si e dos outros. 6. Irresponsabilidade reiterada, indicada por falha em manter conduta consistente no trabalho ou em honrar obrigações financeiras (p. ex., pagar contas). Dessa forma, esses indivíduos apresentam irresponsabilidade e desrespeito por normas, regras e obrigações sociais. 7. Ausência de remorso, verificada pela indiferença ou racionalização em relação a ter ferido, maltratado, prejudicado gravemente ou roubado outras pessoas. Assim, verifica-se muitas vezes incapacidade de experimentar culpa e de aprender com a experiência, particularmente com a punição. Outras características, que, embora não sejam arroladas como critérios diagnósticos, são também com frequência encontradas: • propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer racionalizações plausíveis para o comportamento que gerou seu conflito com a sociedade • crueldade e sadismo • indiferença e insensibilidade aos sentimentos alheios • promiscuidade e incapacidade de sustentar uma relação monogâmica • falta de empatia, cinismo ou desprezo pelo sofrimento, sentimentos ou direitos dos outros • autoavaliação inflada e arrogante • irresponsabilidade e comportamento abusivo com crianças. Em relação ao curso desse transtorno, o auge do comportamento antissocial ocorre no final da adolescência; é propenso a diminuir com o decorrer da idade (após os 30 anos). Mas em geral são pouco responsivos aos diferentes tipos de tratamento − Propensos a desenvolverem comorbidade com depressão e transtornos por uso de substâncias − Pode levar a desfechos dramáticos: suicídio e homicídio Transtorno da personalidade narcisista (TPN) Nesse TP, observa-se um padrão de comportamentos em vários contextos que predominam a necessidade de ser admirado, a grandiosidade (em fantasia ou na vida real), inveja crônica e intensa, e a falta de empatia. • Esse transtorno de personalidade acomete menos de 1% da população, sendo mais diagnosticada em homens (50-75% dos casos). • Os pacientes com TPN tem maior risco para o desenvolvimento de DM, abuso/dependência de substâncias O TPN também está relacionado com a frágil autoestima (depende exclusivamente de admiração externa) com hipersensibilidade a críticas, medo de ter imperfeições e falhas reveladas, aos sentimentos intensos de vergonha e humilhação, com tendência ao exibicionismo Nesse sentido para a realização do diagnóstico, deve haver, então, pelo menos cinco ou mais dos seguintes aspectos (DSM-5): 1. O indivíduo apresenta senso grandioso (e irreal) da própria importância. Julga ter talentos especiais e espera ser reconhecido como superior sem que tenha feito algo concreto para isso. 2. É muito voltado para fantasias de grande sucesso pessoal, de poder, brilho, beleza ou de um amor ideal. 5 3. Acha-se excepcionalmente “especial” e “único”, acreditando que só pessoas ou instituições também excepcionalmente especiais ou únicas podem estar a sua altura. 4. Requer admiração excessiva. 5. Apresenta expectativas irracionais de tratamento especial, sentimentos de ter “direitos”, ou de que as pessoas estejam de acordo com suas expectativas. 6. Tende a ser “explorador” nas relações interpessoais, buscando vantagens sobre os outros para atingir seu fim ou sucesso pessoal. 7. Sem empatia pelos outros, reluta em reconhecer os sentimentos e as necessidades das pessoas ou em se identificar com elas em tais sentimentos e necessidades. 8. Frequentemente invejoso dos outros ou do sucesso alheio; acha sempre que os outros têm inveja dele. 9. É frequentemente arrogante nos seus comportamentos e atitudes. REFERÊNCIAS: Dalgalarrondo, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre, 2000. Editora Artes Médicas do Sul 2. KAPLAN, HI. & SADOCK, B. Compêndio de Psiquiatria. 9ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas,2007 SKODOL, Andrew. Visão geral dos transtornos de personalidade; Manual MSD, 2018 Disponível em: <https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-de- personalidade/vis%C3%A3o-geral-dos-transtornos-de-personalidade> Acesso em: 29 abr. 2021 https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-de-personalidade/vis%C3%A3o-geral-dos-transtornos-de-personalidade https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-de-personalidade/vis%C3%A3o-geral-dos-transtornos-de-personalidade