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1 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos O transplante é o processo de remoção de células, tecidos ou órgãos, chamados enxertos, de um indivíduo e sua transferência para um indivíduo (geralmente) diferente. O indivíduo que fornece o enxerto é chamado doador, e o indivíduo que o recebe é o receptor ou hospedeiro. Se o enxerto é colocado em sua localização anatômica normal, o procedimento é chamado transplante ortotópico; se o enxerto é colocado em local diferente, o procedimento é chamado transplante heterotópico. A transfusão refere-se à transferência de células sanguíneas circulantes ou de plasma de um indivíduo para outro. Principios Gerais da Imunologia do Transplante O transplante de células ou tecidos de um indivíduo para outro geneticamente não idêntico leva invariavelmente à rejeição do transplante devido a uma resposta imune adaptativa. Esse problema foi inicialmente observado quando as tentativas para substituir a pele lesada de pacientes com queimaduras pela pele de doadores não relacionados mostraram-se invariavelmente malsucedidas. Um enxerto transplantado entre dois indivíduos geneticamente idênticos é denominado enxerto singênico. Um enxerto transplantado entre dois indivíduos geneticamente diferentes da mesma espécie é chamado enxerto alogênico (ou aloenxerto). Um enxerto transplantado entre indivíduos de espécies diferentes é chamado enxerto xenogênico (ou xenoenxerto). As moléculas reconhecidas como estranhas em enxertos são chamadas aloantígenos e aquelas presentes nos xenoenxertos são chamadas xenoantígenos. Os linfócitos e anticorpos que reagem com os aloantígenos ou xenoantígenos são descritos como alorreativos ou xenorreativos, respectivamente. A interrupção do suprimento sanguíneo para o tecido e órgãos durante o período entre a remoção de um doador e a transferência para um receptor normalmente causa algum dano isquêmico. Isso pode resultar na expressão de padrões moleculares associados ao dano (DAMPs, do inglês, damage-associated molecular patterns), estimulando respostas inatas mediadas tanto por células inatas do hospedeiro no interior do enxerto quanto pelo sistema imune inato do doador. Adicionalmente, as células natural killer (NK) do hospedeiro podem responder à ausência de moléculas de histocompatibilidade singênicas nas células do enxerto doado e, portanto, contribuir para a rejeição do enxerto. Essas respostas inatas podem diretamente causar lesão ao enxerto, mas também acredita-se que amplifiquem respostas adaptativas pela ativação de células apresentadoras de antígenos (APCs, do inglês, antigen- presenting cells), como é o caso das respostas imunes aos microrganismos. FIGURA 17.2 Rejeição de primeira e segunda fase de aloenxertos. Os resultados dos experimentos apresentados indicam que a rejeição do enxerto apresenta as características das respostas imunes adaptativas, ou seja, memória e mediação por linfócitos. Um camundongo da linhagem consanguínea B rejeitará o enxerto de um camundongo da linhagem consanguínea A com uma cinética de primeira fase (painel esquerdo). Um camundongo da linhagem consanguínea B sensibilizado por um enxerto anterior de um camundongo da linhagem consanguínea A rejeitará um segundo enxerto da linhagem consanguínea A com uma cinética de segunda fase (painel central), demonstrando memória. Um camundongo da linhagem consanguínea B injetado com linfócitos de outro camundongo da mesma linhagem que rejeitou o enxerto de um camundongo da linhagem consanguínea A rejeitará um enxerto do camundongo da linhagem A com cinética de segunda fase (painel direito), demonstrando o papel dos linfócitos como mediadores da rejeição e da memória. Um camundongo da linhagem consanguínea B sensibilizado por um enxerto anterior de um camundongo da linhagem A rejeitará o enxerto de uma terceira linhagem não relacionada com cinética de primeira fase, demonstrando assim uma outra característica da imunidade adaptativa, a especificidade (não mostrada). Enxertos singênicos nunca são rejeitados (não mostrados). 2 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos Respostas Imunes Adaptativas aos Aloenxertos Os aloantígenos elicitam tanto respostas imunes celulares quanto humorais. Natureza dos Aloantígenos A maioria dos antígenos que estimulam respostas imunes adaptativas contra aloenxertos são proteínas codificadas por genes polimórficos que diferem entre os indivíduos (MHC). O papel das moléculas do MHC como antígenos que causam a rejeição do enxerto é uma consequência da natureza do reconhecimento antigênico pelas células T. As regras básicas da Imunologia dos transplantes, inicialmente estabelecidas com base em experimentos realizados em camundongos geneticamente definidos, são as seguintes: • As células ou órgãos transplantados entre indivíduos geneticamente idênticos (gêmeos idênticos ou membros da mesma linhagem consanguínea de animais) não são rejeitados. • As células ou órgãos transplantados entre pessoas geneticamente não idênticas ou membros de duas linhagens consanguíneas diferentes de uma espécie são quase sempre rejeitados. • A descendência de um cruzamento entre duas linhagens consanguíneas diferentes de animais não irá rejeitar enxertos de qualquer um dos pais. Em outras palavras, um animal F1 (A × B) não rejeitará enxertos de animais da linhagem A ou B. [Essa regra é violada no transplante de CTHs, quando as células NK de um receptor F1 (A × B) rejeitam as CTHs de qualquer um dos pais.] • Um enxerto derivado da prole de um cruzamento entre duas linhagens consanguíneas diferentes de animais será rejeitado por qualquer um dos pais. Em outras palavras, um enxerto de um animal F1 (A × B) será rejeitado por qualquer animal da linhagem A ou B. No cenário de qualquer transplante entre doador e receptor geneticamente não idênticos, haverá antígenos polimórficos diferentes das moléculas do MHC contra as quais o receptor pode montar uma resposta imunológica. Esses antígenos normalmente induzem reações de rejeição fracas ou mais lentas (mais graduais) do que as moléculas do MHC e, por isso, são chamados antígenos de histocompatibilidade secundários. FIGURA 17.3 A genética da rejeição do enxerto. Na ilustração, as duas cores diferentes do camundongo representam as linhagens consanguíneas com diferentes haplótipos do MHC. Os alelos do MHC herdados de ambos os pais são expressos de maneira codominante na pele de uma prole A × B e, portanto, esses camundongos são representados por ambas as cores. Enxertos singênicos não são rejeitados (A). Os aloenxertos são sempre rejeitados (B). Enxertos de um progenitor A ou B não serão rejeitados por um descendente F1 (A × B) (C), mas os enxertos de F1 serão rejeitados por ambos os progenitores (D). Esses fenômenos se devem ao fato de que os produtos dos genes MHC são responsáveis pela rejeição do enxerto; enxertos são rejeitados somente se expressarem um tipo de MHC (representado por verde ou laranja), que não é expresso pelo camundongo receptor. Reconhecimento de Aloantígenos pelas Células T As moléculas alogênicas do MHC de um enxerto podem ser apresentadas para o reconhecimento pelas células T do receptor de duas maneiras diferentes, chamadas de vias direta e indireta. Reconhecimento Direto de Aloantígenos do MHC em Células do Doador No caso do reconhecimento direto, as moléculas intactas de MHC exibidas pelas células do enxerto são reconhecidas pelas células T do receptor sem a necessidade de processamento pelas APCs do hospedeiro. Uma provável explicação é que os receptores de células T têm alguma especificidade intrínseca por moléculas do MHC, independentemente do fato de serem próprias ou estranhas. Além disso, durante o desenvolvimento das células T no timo, a seleção positiva promove a sobrevivência de célulasT com fraca reatividade ao MHC próprio, e entre essas células T, pode haver muitas com forte reatividade às moléculas de MHC alogênicas. A seleção negativa no timo elimina eficientemente as células T com alta afinidade para o MHC próprio, mas não necessariamente elimina as células T que se ligam fortemente às moléculas de MHC alogênico, simplesmente porque essas moléculas não estão presentes no timo. O resultado é que o repertório maduro inclui muitas células T que se ligam a moléculas de MHC 3 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos alogênico com alta afinidade. Portanto, pode-se pensar em alorreconhecimento direto como exemplo de uma reação imunológica cruzada na qual uma célula T selecionada para ser restrita ao MHC próprio é capaz de se ligar a moléculas de MHC alogênicas estruturalmente semelhantes com afinidade alta o suficiente para permitir a ativação da célula T. Os complexos de peptídeos (próprios ou estranhos) e moléculas de MHC alogênico vão ter uma “aparência” diferente dos complexos peptídeo-MHC próprio. Em outros casos, o reconhecimento direto e a ativação de uma célula T alorreativa podem ocorrer de maneira independente de qual peptídeo é carreado pela molécula de MHC alogênica, porque os resíduos de aminoácidos polimórficos da molécula de MHC alogênico sozinhos formam uma estrutura que se assemelha ao MHC próprio mais o peptídeo. As respostas das células T para as moléculas do MHC alogênico diretamente apresentadas são muito fortes, porque há uma alta frequência de células T que podem reconhecer diretamente qualquer proteína do MHC alogênico. Estima-se que cerca de 1 a 10% de todas as células T de um indivíduo irão reconhecer diretamente e reagir contra uma molécula de MHC alogênica de uma célula do doador. Em um notável contraste, a frequência de células T naive que reagem contra qualquer peptídeo microbiano exibido pelas moléculas do MHC próprias é de aproximadamente 1 em 105 ou 106 células T. Há várias explicações para essa alta frequência de células T capazes de reconhecer diretamente moléculas do MHC alogênico. • Muitos peptídeos diferentes derivados de proteínas celulares do doador podem se combinar com uma única molécula de MHC alogênico, e cada uma dessas combinações peptídeo-MHC pode, teoricamente, ativar um clone diferente de células T do receptor. Ao contrário, a maioria dos microrganismos ou dos antígenos proteicos contêm relativamente poucos peptídeos que podem ser exibidos a qualquer momento pelas moléculas de MHC próprio de um indivíduo, de modo que poucos clones de células T são ativados. Estima-se que entre as milhares de moléculas do MHC presentes em uma APC alogênica, a maior parte possa ser reconhecida por células T reativas a qualquer momento. Entretanto, no caso de uma infecção, menos de 1% (chegando talvez a 0,1%) das moléculas de MHC próprias em uma APC normalmente apresentam qualquer peptídeo microbiano de uma só vez, e somente essas moléculas podem ser reconhecidas por células T específicas para o antígeno microbiano. • As moléculas de MHC alogênico podem exibir não somente peptídeos estranhos das células do doador, como também autopeptídeos, e esses complexos MHC-peptídeo (próprios ou estranhos) podem ativar as células T. Como não são normalmente expressos no timo ou em tecidos periféricos, esses complexos não participaram da seleção negativa das células T potencialmente perigosas para enxertos alogênicos. Em contraste, as células T específicas para autopeptídeos exibidos por moléculas de MHC próprias são eliminadas pela seleção negativa no timo e por mecanismos de tolerância periférica. Por isso, a gama de complexos peptídeo-MHC que podem ativar as células T é muito maior se o MHC for alogênico. • Muitas das células T que respondem a uma molécula de MHC alogênica, mesmo na primeira exposição, são células T de memória. É provável que essas células de memória tenham sido geradas durante a exposição prévia a outros antígenos estranhos (p. ex.: microbianos) e reagem de forma cruzada com as moléculas de MHC alogênicas. Essas células de memória não são apenas populações expandidas de células antígeno-específicas, mas também são as que respondem de maneira mais rápida e potente do que os linfócitos naive, e assim contribuem para a maior força da resposta inicial de células T alorreativas a um novo enxerto. O alorreconhecimento direto pode gerar tanto células T CD4+ quanto células T CD8+ que reconhecem antígenos dos enxertos e contribuem para a rejeição. Reconhecimento Indireto de Aloantígenos Na via indireta, as moléculas de MHC do doador (alogênicas) são capturadas e processadas pelas APCs do receptor, e os peptídeos derivados dessas moléculas são apresentados em associação a moléculas de MHC próprias. Assim, os peptídeos derivados das moléculas de MHC alogênico são exibidos pelas APCs do hospedeiro e reconhecidos pelas células T como antígenos convencionais derivados de proteínas estranhas. Como as moléculas de MHC alogênico apresentam sequências de aminoácidos diferentes daquelas do hospedeiro, elas próprias podem agir como antígenos estranhos e gerar 4 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos peptídeos estranhos associados às moléculas de MHC próprias na superfície de APCs do hospedeiro. Cada molécula de MHC alogênico pode dar origem a múltiplos peptídeos estranhos para o hospedeiro, cada um deles reconhecido por diferentes clones de células T. A apresentação indireta pode resultar no alorreconhecimento por células T CD4+, porque os aloantígenos são adquiridos pelas APCs do hospedeiro principalmente através da via vesicular endossomal (i.e., como uma consequência da fagocitose) e, por isso, apresentados por moléculas do MHC de classe II. Alguns antígenos de células fagocitadas do enxerto entram na via do MHC de classe I de apresentação antigênica e são indiretamente reconhecidos por células T CD8+. Esse fenômeno é um exemplo de apresentação cruzada ou cross-priming, na qual as células dendríticas ingerem proteínas de outra célula (p. ex.: do enxerto) liberadas para o citosol, onde são processadas em peptídeos pelos proteassomos. Esses peptídeos então são apresentados pelas moléculas do MHC de classe I, para ativar (primar) os linfócitos T CD8+. A apresentação indireta do antígeno pode contribuir para a rejeição crônica de aloenxertos humanos. As células T CD4+ de coração e fígado dos receptores de aloenxertos reconhecem e são ativadas por peptídeos derivados do MHC de doadores apresentados pelas próprias APCs do paciente. Ativação e Funções Efetoras dos Linfócitos T Alorreativos Quando reconhecem aloantígenos, os linfócitos se tornam ativados para proliferar, diferenciar-se e executar funções efetoras que podem danificar os enxertos. As etapas de ativação são semelhantes àquelas descritas para os linfócitos que reagem aos antígenos microbianos. Ativação de Linfócitos T Alorreativos A resposta das células T a um enxerto de órgãos pode ser iniciada nos linfonodos que drenam o enxerto. O transplante desses órgãos para um receptor alogênico fornece APCs que expressam as moléculas de MHC do doador, bem como coestimuladores. Essas APCs dos doadores podem migrar para os linfonodos regionais e apresentar, em sua superfície, moléculas do MHC de classe I ou classe II alogênicas não processadas às células T CD8+ e CD4+ do receptor, respectivamente (via direta). As células dendríticas do receptor podem também migrar para o enxerto, adquirir aloantígenos e transportá- los de volta para os linfonodos drenantes, onde são exibidos (via indireta). A conexão entre os vasos linfáticos nos aloenxertos e os linfonodos do receptor é cirurgicamente interrompida durante o processo de transplante, sendo provavelmente restabelecida pelo crescimento de novos canais linfáticosem resposta a estímulos inflamatórios produzidos durante a transferência do enxerto. Os linfócitos naive CD4+ e CD8+ que normalmente trafegam através do linfonodo encontram esses aloantígenos e são induzidos a proliferar e diferenciar-se em células T auxiliares e linfócitos T citotóxicos efetores. FIGURA 17.6 Ativação de células T alorreativas. A, No caso do alorreconhecimento direto, as células dendríticas do doador no aloenxerto migram para tecidos linfoides secundários, onde apresentam diretamente as moléculas de MHC alogênicas para as células T do hospedeiro. Somente as células T CD8+ que reconhecem o MHC de classe I do doador são mostradas, mas células T CD4+ podem também reconhecer diretamente o MHC de classe II do doador. No caso do alorreconhecimento indireto, as células dendríticas do receptor que entraram no aloenxerto transportam as proteínas do MHC do doador para os tecidos linfoides secundários e apresentam os peptídeos derivados destas proteínas do MHC a células T alorreativas do hospedeiro. Isso é mostrado para as células T CD4+ e o reconhecimento indireto do MHC alogênico por células T CD8+ é provavelmente menos importante. Após o alorreconhecimento direto e indireto, as células T se tornam ativadas e se diferenciam em células T efetoras CD4+ auxiliares e CTL CD8+. B, As células T efetoras alorreativas migram para o aloenxerto, são reativadas pelos aloantígenos e medeiam a lesão. No enxerto, o reconhecimento direto do MHC de classe I alogênico por CTL CD8+ é necessário para a destruição de células parenquimais do enxerto, porque estas células expressam somente o MHC alogênico. Ao contrário, as células T auxiliares CD4+ que podem reconhecer o MHC alogênico de classe II diretamente e indiretamente podem ser ativados por APCs do doador ou do receptor, respectivamente, e em ambos os casos, promover inflamação que provoca lesão no enxerto. Papel da Coestimulação nas Respostas de Células T aos Aloantígenos A coestimulação é provavelmente mais importante para ativar células T alorreativas naive, entretanto, mesmo respostas de células T de memória 5 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos podem ser amplificadas pela coestimulação. A rejeição dos aloenxertos e a estimulação de células T alorreativas em uma MLR podem ser, ambas, inibidas por agentes que bloqueiam as moléculas B7. O bloqueio da coestimulação fornecida por B7 é também uma estratégia terapêutica para inibir a rejeição de enxertos humanos. Funções Efetoras das Células T Alorreativas As células T CD4+ e CD8+ alorreativas ativadas por aloantígenos do enxerto causam rejeição por mecanismos distintos. As células T CD4+ auxiliares diferenciam-se em células efetoras produtoras de citocinas que danificam os enxertos por meio da inflamação mediada por citocinas, semelhante a uma reação de hipersensibilidade do tipo tardia. As células T CD8+ alorreativas diferenciam-se em CTLs, que matam as células do enxerto. Somente os CTLs gerados pelo alorreconhecimento direto podem matar as células do enxerto, enquanto os CTLs e as células T auxiliares geradas tanto pelo reconhecimento direto quanto indireto do aloantígeno podem causar dano mediado por citocinas aos enxertos. As células T podem também secretar citocinas que causam inflamações prejudiciais. Em contrapartida, quaisquer CTLs CD8+ gerados em resposta ao reconhecimento indireto do MHC alogênico são restritos ao reconhecimento de peptídeos presentes nessas moléculas de MHC alogênico ligados às moléculas de MHC do receptor (próprias). Portanto, as células T são incapazes de matar o enxerto estranho, porque este não expressa moléculas de MHC do receptor. Quando as células T CD4+ efetoras são geradas pelo reconhecimento direto ou indireto do MHC alogênico, o principal mecanismo de rejeição é a inflamação causada pelas citocinas produzidas por células T efetoras. O mesmo é verdade para as células T CD8+ que podem ser ativadas pela via indireta. Presumivelmente, as células efetoras ativadas pela via indireta infiltram-se no enxerto e reconhecem os peptídeos das moléculas de MHC do enxerto exibidas pelas APCs do hospedeiro que também entraram no enxerto. Ativação das Células B Alorreativas, Produção e Funções dos Aloanticorpos Os anticorpos contra os antígenos do enxerto, chamados anticorpos doador-específicos, também contribuem para a rejeição. Esses aloanticorpos de alta afinidade são produzidos principalmente pela ativação de células B alorreativas dependentes de células T auxiliares, muito semelhantes aos anticorpos contra outros antígenos proteicos. Os antígenos mais frequentemente reconhecidos por aloanticorpos são as moléculas de HLA do doador, incluindo as proteínas de classe I e de classe II do MHC. A provável sequência de eventos que levam à geração dessas células produtoras de aloanticorpos é a de linfócitos B naive que reconhecem as moléculas de MHC alogênicas, internalizam e processam essas proteínas, e apresentam os seus peptídeos derivados às células T auxiliares que foram previamente ativadas pelos mesmos peptídeos apresentados por células dendríticas. Assim, a ativação de células B alorreativas é um exemplo da apresentação indireta de aloantígenos. Além disso, anticorpos doador-específicos contra aloantígenos não HLA também contribuem para a rejeição. Os anticorpos alorreativos produzidos em receptores de enxertos exercem os mesmos mecanismos efetores que os anticorpos utilizam para combater infecções, incluindo a ativação do complemento, e a ativação de neutrófilos, macrófagos e células NK mediada pela ligação ao receptor Fc. Como os antígenos do MHC são expressos nas células endoteliais, a maior parte do dano mediado por aloanticorpos tem como alvo a vasculatura do enxerto. Padroes e Mecanismos de Rejeicao dos Aloenxertos As células T CD4+ e CD8+ alorreativas e os aloanticorpos como um todo têm se mostrado capazes de mediar a rejeição do aloenxerto. Esses diferentes efetores imunes causam a rejeição do enxerto por diferentes mecanismos, e todos os três efetores podem contribuir para a rejeição simultaneamente. Rejeição Hiperaguda A rejeição hiperaguda é caracterizada pela oclusão trombótica da vasculatura do enxerto que se inicia dentro de minutos a horas após os vasos sanguíneos do hospedeiro serem anastomosados aos vasos do enxerto, e é mediada por anticorpos preexistentes na circulação do hospedeiro que se ligam aos antígenos endoteliais do doador. A ligação do anticorpo ao endotélio ativa o complemento e, juntos, os produtos do anticorpo e do complemento induzem uma série de mudanças no endotélio do enxerto, as quais promovem trombose 6 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos intravascular. A ativação do complemento provoca lesão das células endoteliais e exposição das proteínas da membrana basal subendotelial que ativam as plaquetas. As células endoteliais são estimuladas a secretar formas de alto peso molecular do fator de von Willebrand, que promovem a adesão e a agregação plaquetária. Tanto as células endoteliais quanto as plaquetas sofrem vesiculação da membrana, levando à descamação de partículas lipídicas que promovem coagulação. As células endoteliais perdem os proteoglicanos de heparan sulfato da superfície celular que normalmente interagem com a antitrombina III para inibir a coagulação. Esses processos contribuem para a trombose e oclusão vasculares, e o órgão enxertado sofre necrose isquêmica irreversível. Nos primórdios dos transplantes, a rejeição hiperaguda era muitas vezes mediada por aloanticorpos imunoglobulina M (IgM) preexistentes, específicos para os carboidratos dos antígenos do grupo sanguíneo ABO, porém, atualmente, a rejeição hiperaguda mediada por anticorpos antiABO é extremamente rara, porque todos os pares doador e receptor são selecionadosde maneira a terem tipos ABO compatíveis. A rejeição hiperaguda causada por anticorpos naturais específicos para uma variedade de antígenos que diferem entre as espécies é uma barreira essencial para o xenotransplante e limita o uso de órgãos animais para transplantes humanos. Atualmente, os raros casos de rejeição hiperaguda dos aloenxertos que ainda ocorrem são mediados por anticorpos IgG dirigidos contra aloantígenos proteicos, tais como as moléculas de MHC do doador, ou contra aloantígenos menos definidos expressos nas células endoteliais vasculares. Tais anticorpos geralmente surgem como resultado de exposição prévia a aloantígenos por transfusão sanguínea, transplante anterior ou múltiplas gestações. Se o nível desses anticorpos alorreativos é baixo, a rejeição hiperaguda pode se desenvolver lentamente durante vários dias, mas seu início ainda ocorrerá mais cedo do que a rejeição aguda típica. Os pacientes que necessitam de enxertos são rotineiramente monitorados antes do transplante para verificar a presença de anticorpos que se ligam a células de um possível doador de órgãos a fim de evitar a rejeição hiperaguda. Em raros casos nos quais os enxertos têm de ser transferidos entre doadores e receptores ABO- incompatíveis, a sobrevida do enxerto pode ser melhorada por meio de rigorosa depleção de anticorpos e de células B. FIGURA 17.7 Rejeição hiperaguda. A, Na rejeição hiperaguda, anticorpos pré-formados reativos contra o endotélio vascular ativam o complemento e desencadeiam rápida trombose intravascular e necrose da parede vascular. B, Rejeição hiperaguda de um aloenxerto renal com dano endotelial, trombos de plaquetas e trombina, e infiltração inicial de neutrófilos em um glomérulo. (B, Cortesia do Dr. Helmut Rennke, Department of Pathology, Brigham and Women's Hospital.) Rejeição Aguda A rejeição aguda é um processo de lesão do parênquima e dos vasos sanguíneos do enxerto mediada por células T alorreativas e anticorpos. Rejeição Celular Aguda Os principais mecanismos de rejeição celular aguda são a morte das células do parênquima e das células endoteliais do enxerto mediada por CTL, e a inflamação causada pelas citocinas produzidas por células T auxiliares. Os infiltrados celulares presentes nos enxertos passando por rejeição celular aguda incluem tanto células T auxiliares CD4+ quanto os CTLs CD8+ específicos para aloantígenos do enxerto e ambos os tipos de células T podem causar lesão das células do parênquima e endoteliais. As células T auxiliares incluem células Th1 secretoras de IFN-γ e de fator de necrose tumoral e células Th17 secretoras de interleucina-17, ambas contribuindo para a ativação de macrófagos e do endotélio e para o dano inflamatório ao órgão. Rejeição Aguda Mediada por Anticorpos Os aloanticorpos causam rejeição aguda por ligação aos aloantígenos, principalmente as moléculas de HLA, em células endoteliais vasculares, causando lesão endotelial e trombose intravascular que resultam na destruição do enxerto. A ligação dos aloanticorpos à superfície das células endoteliais desencadeia a ativação 7 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos local do complemento, que provoca a lise das células, o recrutamento e a ativação de neutrófilos, e a formação de trombos. Os aloanticorpos também podem se acoplar a receptores Fc em neutrófilos e células NK, as quais então destroem as células endoteliais. Além disso, a ligação do aloanticorpo à superfície endotelial pode alterar diretamente a função endotelial por induzir sinais intracelulares que aumentam a expressão de moléculas pró-inflamatórias e pró-coagulantes de superfície. FIGURA 17.8 Rejeição celular aguda. A, Na rejeição celular aguda, os linfócitos T CD4+ ou CD8+ reativos aos aloantígenos nas células endoteliais dos vasos sanguíneos e células parenquimais medeiam a lesão a esses tipos celulares. B, Rejeição celular aguda de um rim por células inflamatórias no tecido conectivo ao redor dos túbulos e entre as células epiteliais dos túbulos. C, Inflamação de um vaso sanguíneo (vasculite) em uma rejeição celular aguda, com lesão do endotélio por células inflamatórias. (B, Cortesia do Dr. Helmut Rennke, Department of Pathology, Brigham and Women's Hospital, C, Dr. Zoltan Laszik, Department of Pathology, University of California, San Francisco.) FIGURA 17.9 Rejeição aguda mediada por anticorpos. A, Anticorpos alorreativos formados após o transplante podem contribuir para a lesão parequimal e vascular. B, Rejeição aguda mediada por anticorpos de um aloenxerto renal com células inflamatórias nos capilares peritubutulares. C, Deposição do componente C4d do complemento em capilares na rejeição mediada por anticorpos, revelada por imuno-histoquímica com marcação em marrom. (B e C, Cortesia do Dr. Zoltan Laszik, Department of Pathology, University of California, San Francisco.) Rejeição Crônica e Vasculopatia do Enxerto É a maior causa da falha de aloenxertos de órgãos vascularizados. A rejeição crônica desenvolve-se insidiosamente durante meses ou anos e pode ou não ser precedida por episódios clinicamente reconhecidos de rejeição aguda. A rejeição crônica de diferentes órgãos transplantados está associada a alterações patológicas distintas. No rim e no coração, a rejeição crônica resulta em oclusão vascular e fibrose intersticial. Os transplantes de pulmão passando por rejeição crônica apresentam espessamento das vias aéreas inferiores (chamado bronquiolite obliterante) enquanto transplantes de fígado apresentam ductos biliares fibróticos e não funcionais. A lesão dominante da rejeição crônica em enxertos vascularizados é a oclusão arterial, como resultado da proliferação de células musculares lisas da íntima, e os enxertos eventualmente falham principalmente por causa do dano isquêmico resultante. As alterações arteriais são chamadas de vasculopatias do enxerto ou arteriosclerose acelerada do enxerto. A vasculopatia do enxerto é frequentemente observada em aloenxertos cardíacos e renais que entraram em falência e podem se desenvolver em qualquer transplante de órgão vascularizado dentro de 6 meses a um ano após o transplante. Os prováveis mecanismos subjacentes às lesões vasculares oclusivas da rejeição crônica são a ativação de células T alorreativas e a secreção de IFN-γ e outras citocinas que estimulam a proliferação de células musculares lisas vasculares. Conforme as lesões arteriais de arteriosclerose do enxerto progridem, o fluxo sanguíneo para o parênquima do enxerto é comprometido e o parênquima é lentamente substituído por tecido fibrótico não funcional. A fibrose intersticial observada na rejeição crônica pode também ser uma resposta de reparo ao dano celular do parênquima causado por repetidos ataques de rejeição aguda mediada por anticorpos ou de rejeição celular, isquemia perioperatória, efeitos tóxicos de fármacos imunossupressores e mesmo infecções virais crônicas. A rejeição crônica leva à insuficiência cardíaca congestiva ou arritmias em pacientes de transplantes cardíacos, ou à perda da função glomerular e tubular e insuficiência renal em pacientes transplantados renais. 8 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos FIGURA 17.10 Rejeição crônica. A, Na rejeição crônica com arteriosclerose do enxerto, a lesão à parede do vaso induz a proliferação de células musculares lisas da íntima e oclusão luminal. Essa lesão pode ser causada por uma reação inflamatória crônica aos aloantígenos da parede vascular. B, Rejeição crônica de um aloenxerto renal com arteriosclerose do enxerto. O lúmen vascular é substituído por um acúmulo de células musculares lisas e tecido conectivo na íntima do vaso. C, Fibrose e perda dos túbulos em um rim com rejeição crônica (região inferior esquerda) adjacente a um rim relativamente normal(região superior direita). As áreas em azul mostram fibrose e uma artéria com arteriosclerose no enxerto está presente (região inferior direita). (B, Cortesia do Dr. Helmut Rennke, Department of Pathology, Brigham and Women's Hospital; C, Cortesia do Dr. Zoltan Laszik, Department of Pathology, University of California, San Francisco.) Transfusao Sanguinea e os Grupos de Antigenos Sanguineos ABO e RH A transfusão sanguínea é uma forma de transplante na qual o sangue total ou células sanguíneas de um ou mais indivíduos são transferidos intravenosamente para a circulação de outro indivíduo. As transfusões sanguíneas são realizadas mais frequentemente para repor o sangue perdido por hemorragia ou para corrigir defeitos causados pela produção inadequada de células sanguíneas, que pode ocorrer em uma variedade de doenças. O sistema de aloantígenos mais importante na transfusão sanguínea é o sistema ABO. Os indivíduos que não expressam um antígeno de grupo sanguíneo em particular produzem anticorpos IgM naturais contra esse antígeno. Se esses indivíduos recebem hemácias expressando o aquele antígeno, os anticorpos preexistentes ligam-se às células transfundidas, ativam o complemento e provocam reações de transfusão, que podem ser fatais. A transfusão que desrespeite a barreira ABO pode desencadear uma reação hemolítica imediata, resultando tanto na lise intravascular das hemácias, provavelmente mediada pelo sistema do complemento, como na extensa fagocitose de eritrócitos revestidos por anticorpos e complemento pelos macrófagos do fígado e do baço. A hemoglobina é liberada a partir das hemácias lisadas em quantidades que podem ser tóxicas para as células renais, causando a necrose aguda de células tubulares renais e falência renal. Febre alta, choque e coagulação intravascular disseminada podem também se desenvolver, sugestivos da liberação de quantidades massivas de citocinas (p. ex.: TNF ou IL-1). Reações hemolíticas mais tardias podem resultar da incompatibilidade dos antígenos de grupos sanguíneos secundários. Isso resulta na perda progressiva das hemácias transfundidas, provocando anemia e icterícia, esta última uma consequência da sobrecarga do fígado com pigmentos derivados da hemoglobina. Antígenos dos Grupos Sanguíneos ABO Os antígenos ABO são carboidratos ligados a proteínas e lipídeos da superfície celular, cuja atividade varia dependendo do alelo herdado. Todos os indivíduos normais produzem um núcleo glicana comum ligado principalmente às proteínas da membrana plasmática. A maioria dos indivíduos possui uma fucosiltransferase que adiciona uma porção de fucose a um resíduo não terminal de açúcar do núcleo glicana, sendo que as glicanas fucosiladas são chamadas antígeno H. Um único gene no cromossomo 9 codifica a enzima glicosiltransferase que pode modificar adicionalmente o antígeno H. Existem três variantes alélicas desse gene. O produto gênico do alelo O é desprovido de atividade enzimática. A enzima codificada pelo alelo A transfere uma porção N- acetilgalactosamina terminal para o antígeno H. E o produto gênico do alelo B transfere uma porção galactose terminal. Os indivíduos que são homozigotos para o alelo O não podem adicionar açúcares terminais ao antígeno H e expressam apenas o antígeno H. Em contraste, os indivíduos que possuem um alelo A (homozigoto AA, heterozigotos AO, ou heterozigotos AB) formam o antígeno A pela adição da N-acetilgalactosamina terminal em alguns dos seus antígenos H. Da mesma forma, os indivíduos que expressam um alelo B (homozigotos BB, heterozigotos BO, ou heterozigotos AB) formam o antígeno B pela adição da galactose terminal a alguns de seus antígenos H. Os heterozigotos AB formam tanto antígenos A quanto antígenos B a partir de alguns de seus antígenos H. A terminologia foi simplificada de maneira que os indivíduos OO são ditos do tipo sanguíneo 9 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos O; os indivíduos AA e AO são do tipo sanguíneo A; os indivíduos BB e BO são do tipo sanguíneo B; e os indivíduos AB são do sanguíneo AB. As mutações no gene codificador da fucosiltransferase que produz o antígeno H são raras; indivíduos homozigotos para essa mutação são ditos do grupo sanguíneo Mumbai e não podem produzir antígenos H, A ou B nem podem receber sangue tipo O, A, B ou AB. FIGURA 17.14 Antígenos do grupo sanguíneo ABO. A, Antígenos do grupo sanguíneo são estruturas de carboidratos adicionados a proteínas ou lipídeos da superfície celular pela ação de glicosiltransferases (ver texto). B, Antígenos de diferentes grupos sanguíneos são produzidos pela adição de diversos açúcares por diferentes glicosiltransferases herdadas. Os indivíduos que expressam um antígeno de grupo sanguíneo particular são tolerantes a esse antígeno, mas produzem anticorpos naturais que reagem com antígenos de outros grupos sanguíneos. Os indivíduos que expressam um antígeno particular do grupo sanguíneo A ou B são tolerantes a esse antígeno, enquanto os indivíduos que não o expressam produzem anticorpos naturais que reconhecem o antígeno. Praticamente todos os indivíduos expressam o antígeno H e, portanto, são tolerantes a esse antígeno e não produzem anticorpos anti-H. Os indivíduos que expressam antígenos A ou B são tolerantes a essas moléculas e não produzem anticorpos anti-A e anti-B respectivamente. Entretanto, os indivíduos dos grupos sanguíneos O e A produzem anticorpos IgM anti-B, e os indivíduos dos grupos sanguíneos O e B produzem anticorpos IgM anti- A. Os raros indivíduos incapazes de produzir antígenos do núcleo H produzem anticorpos contra os antígenos H, A, e B. À primeira vista, parece paradoxal que os indivíduos que não expressam um antígeno de grupo sanguíneo produzam anticorpos contra esse antígeno. A explicação provável é que os anticorpos são produzidos contra glicolípideos de bactérias intestinais que acabam reagindo de forma cruzada com os antígenos ABO, a menos que o indivíduo seja tolerante a um ou mais desses antígenos. De forma previsível, a presença de qualquer antígeno de grupo sanguíneo induz a tolerância a esse antígeno. Na transfusão clínica, a escolha dos doadores de sangue para um receptor em particular é baseada na expressão de antígenos dos grupos sanguíneos e nas respostas de anticorpos contra eles. Se um paciente recebe uma transfusão de hemácias de um doador que expressa o antígeno não expresso em suas próprias hemácias, uma reação transfusional pode ocorrer (descrita anteriormente). Acontece que os indivíduos AB podem tolerar transfusões de todos os potenciais doadores e são, portanto, chamados receptores universais; da mesma forma, os indivíduos O podem tolerar transfusões apenas de doadores O, mas podem fornecer sangue para todos os receptores e, assim, são chamados doadores universais. Em geral, as diferenças nos grupos sanguíneos secundários levam à lise de hemácias somente depois de repetidas transfusões desencadearem uma resposta secundária de anticorpos. Os antígenos dos grupos sanguíneos A e B são expressos em muitos outros tipos celulares além das células sanguíneas, incluindo células endoteliais. Por essa razão, a tipagem ABO é crucial para evitar a rejeição hiperaguda de certos aloenxertos de órgãos sólidos, como discutido anteriormente neste capítulo. A incompatibilidade ABO entre a mãe e o feto geralmente não causa problemas para o feto porque a maior parte dos anticorpos anticarboidratos são IgM e não atravessam a placenta. Antígenos de Outros Grupos Sanguíneos Antígeno Lewis As mesmas glicoproteínas que transportam os determinantes dos grupos sanguíneos A e B podem ser modificadas por outras glicosiltransferases para gerar antígenos de grupos sanguíneos secundários. Por exemplo, a adição de porções de fucose em outras posições não terminais pode ser catalisada por diferentes fucosiltransferases ecriar os epítopos do sistema de antígeno Lewis. Os antígenos Lewis receberam muita atenção por parte dos imunologistas porque esses grupos carboidratos servem como ligantes para E-selectina e P- 10 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos selectina e, assim, desempenham um papel na migração de leucócitos. Antígeno Rhesus (Rh) Os antígenos Rhesus (Rh), nomeados dessa forma devido à espécie do macacos em que foram originalmente identificados, são outro conjunto de antígenos dos grupos sanguíneos clinicamente importante. Os antígenos Rh são proteínas de superfície celular não glicosiladas e hidrofóbicas, encontradas nas membranas das hemácias e estão estruturalmente relacionadas a outras glicoproteínas com funções transportadoras nessas membranas. As proteínas Rh são codificadas por dois genes fortemente ligados e altamente homólogos, mas apenas um deles, chamado RhD, é comumente considerado na tipagem sanguínea clínica. Isso ocorre porque até 15% da população tem uma deleção ou outra alteração do alelo RhD. Essas pessoas, chamadas Rh negativas, não são tolerantes ao antígeno RhD e produzirão anticorpos para o antígeno se forem expostas a células sanguíneas Rh-positivas. O principal significado clínico dos anticorpos anti-Rh está relacionado às reações hemolíticas nos fetos em desenvolvimento, as quais são semelhantes às reações de transfusão. Mães Rh negativas gestando um feto Rh positivo podem ser sensibilizadas por hemácias fetais que entram na circulação materna, geralmente durante o parto. Uma vez que o antígeno Rh é uma proteína, ao contrário dos antígenos carboidratos ABO, anticorpos IgG de alta afinidade, que passaram por troca de classe, específicos para Rh são gerados em mães Rh negativas. As gestações subsequentes nas quais o feto é Rh positivo estão em risco, pois os anticorpos IgG anti-Rh maternos podem atravessar a placenta e mediar a destruição das hemácias fetais. Isso causa a eritroblastose fetal (doença hemolítica do recém-nascido) e pode ser letal para o feto. Essa doença pode ser prevenida pela administração de anticorpos anti-RhD para a mãe dentro de 72 horas após o nascimento do primeiro bebê Rh positivo. O tratamento previne que as hemácias Rh positivas do bebê que entraram na circulação materna induzam a produção de anticorpos anti-Rh na mãe. Os mecanismos de ação exatos dos anticorpos administrados não são claros, mas devem incluir a remoção fagocítica ou a lise das hemácias do bebê mediada pelo complemento antes que possam desencadear uma resposta de anticorpos maternos, ou ainda a inibição por feedback dependente do receptor Fc das células B RhD-específicas da mãe. Transplante de celulas-tronco Hematopoieticas (CTHs) O transplante de CTHs é um procedimento clínico para tratar doenças letais causadas por defeitos intrínsecos em uma ou mais linhagens hematopoiéticas de um paciente. As células hematopoiéticas do próprio paciente são destruídas e as CTHs de um doador sadio são então transferidas para restaurar a produção normal de células sanguíneas desse paciente. O receptor é tratado antes do transplante com uma combinação de quimioterapia, imunoterapia ou irradiação para destruir as CTHs defeituosas e para liberar nichos para as células-tronco transferidas. Após o transplante, as células-tronco inoculadas repovoam a medula óssea do receptor e se diferenciam em todas as linhagens hematopoiéticas. O transplante de CTHs é mais frequentemente usado na clínica para o tratamento de leucemias e condições pré-leucêmicas. De fato, o transplante de CTHs é o único tratamento curativo para algumas dessas doenças, incluindo a leucemia linfoide crônica e a leucemia mieloide crônica. Os mecanismos pelos quais o transplante de CTHs cura neoplasias hematopoéticas é em parte decorrente do efeito enxerto versus tumor, no qual as células T maduras e as células NK presentes na medula óssea ou no inóculo de células- tronco reconhecem aloantígenos das células tumorais residuais e as destrói. O transplante de CTHs também é usado clinicamente para o tratamento de doenças causadas por mutações hereditárias em genes que afetam apenas células derivadas das CTHs, como linfócitos ou hemácias. Exemplos de doenças que podem ser curadas por meio da transferência de CTHs são a deficiência de adenosina desaminase (ADA), a doença de imunodeficiência combinada grave ligada ao X e às mutações da hemoglobina, tais como a beta talassemia major e a anemia falciforme. As CTHs alogênicas são rejeitadas mesmo por um hospedeiro minimamente imunocompetente e, consequentemente, o doador e o receptor devem ser cuidadosamente pareados para todos os loci do MHC. 11 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos Doenca do Enxerto-Versus-Hospedeiro A GVHD é causada pela reação de células T maduras do enxerto, presentes no inóculo de CTHs, com aloantígenos do hospedeiro. A GVHD ocorre quando o hospedeiro está imunocomprometido e, portanto, incapaz de rejeitar as células alogênicas do enxerto. Na maioria dos casos, a reação é dirigida contra os antígenos de histocompatibilidade secundários do hospedeiro, porque o transplante de medula óssea normalmente não é realizado quando doador e receptor apresentam diferenças em moléculas do MHC. A GVHD pode também se desenvolver quando órgãos sólidos que contêm um número significativo de células T são transplantados, tais como o intestino delgado, o pulmão ou o fígado. A GVHD é a principal limitação para o sucesso do transplante de medula óssea. Imediatamente após o transplante das CTHs, agentes imunossupressores são indicados para a profilaxia contra o desenvolvimento da GVHD, incluindo inibidores da calcineurina como a ciclosporina e o tacrolimo, antimetabólitos como o metotrexato, e o inibidor de mTOR, sirolimus. Apesar dessas estratégias profiláticas agressivas, a GVHD é a principal causa de mortalidade entre receptores de transplantes de CTHs. A GVHD pode ser classificada em formas aguda e crônica, com base nos padrões histológicos. A GVHD aguda é caracterizada pela morte das células epiteliais da pele, fígado (principalmente do epitélio biliar) e trato gastrintestinal, manifestando-se clinicamente por erupção cutânea, icterícia, diarreia e hemorragia gastrintestinal. Quando a morte das células epiteliais é extensa, a pele ou o revestimento do intestino podem se desprender. Nessa circunstância, a GVHD aguda pode ser fatal. FIGURA 17.15 Histopatologia da GVHD aguda na pele. Fotomicrografias de baixa resolução (esquerda) e de alta resolução (direita) de uma biópsia de pele de um paciente com GVHD são mostradas. Um infiltrado linfocítico disperso pode ser visto na junção dermo-epidérmica e o dano na camada epitelial está indicado por espaços na junção dermo-epidérmica (vacuolização), células com coloração anormal para a queratina (disceratose), queratinócitos apoptóticos (setas) e desorganização da maturação de queratinócitos a partir da lâmina basal até a superfície. A GVHD crônica é caracterizada por fibrose e atrofia de um ou mais dos mesmos órgãos, sem evidência de morte celular aguda. A GVHD crônica pode também envolver os pulmões e produzir obliteração das vias aéreas inferiores, chamada de bronquiolite obliterante, semelhante ao que é visto na rejeição crônica de aloenxertos pulmonares. Quando grave, a GVHD crônica leva a uma completa disfunção do órgão afetado. Em modelos animais, a GVHD aguda é iniciada pelas células T maduras transferidas com as CTHs e a eliminação das células T maduras provenientes do doador do enxerto pode impedir o desenvolvimento da GVHD. Em transplantes clínicos de CTHs, os esforços para eliminar as células T a partir do inóculo diminuíram a incidência de GVHD, mas também reduziram o efeito enxerto versus leucemia, que é normalmente crítico no tratamentode leucemias por esse tipo de transplante. As preparações de CTHs depletadas de células T também tendem a enxertar fracamente, talvez porque as células T maduras produzem fatores estimuladores de colônias que auxiliam no repovoamento das células-tronco. Embora a GVHD seja iniciada por células T enxertadas que reconhecem aloantígenos do hospedeiro, as células efetoras que causam lesão nas células epiteliais não estão bem definidas. Em exames histológicos, as células NK estão frequentemente associadas às células epiteliais em processo de morte, sugerindo que as células NK são importantes efetoras da GVHD aguda. Os CTLs CD8+ e as citocinas também parecem estar envolvidos na lesão tecidual da GVHD aguda. A GVHD crônica pode refletir a fibrose de cicatrização de feridas, secundária à perda aguda de células epiteliais. No entanto, a GVHD crônica pode surgir sem evidências de GVHD aguda prévia. Uma explicação alternativa é de que a GVHD crônica representa uma resposta à isquemia causada pela lesão vascular. Tanto a GVHD aguda quanto a crônica são comumente tratadas com imunossupressão intensa (p. ex.: altas doses de esteroides), mas muitos pacientes não respondem bem à terapia. Falhas terapêuticas podem acontecer porque esses tratamentos têm como alvo apenas alguns dos muitos mecanismos efetores em jogo na GVHD, e alguns tratamentos podem depletar as Tregs, que são importantes para a prevenção da GVHD. Em decorrência 12 Resumo imunologia – Livro Imunologia celular e molecular – Abbas Kézia Signer Santos da sua alta mortalidade, a GVHD aguda representa o maior obstáculo para o sucesso no transplante de CTHs. As terapias experimentais em desenvolvimento incluem anticorpos antiTNF e a transferência de Tregs. Medidas para reduzir a rejeicao dos enxertos Verificação da compatibilidade; Tipagem ABO Verificação de Ac pré- formados; Determinação do HLA (Sequenciamento); Prova cruzada (Soro receptor x linfócitos do doador). Terapias imunossupressoras. Imunossupressão para Prevenir ou Tratar a Rejeição de Aloenxertos Os fármacos imunossupressores que inibem ou matam os linfócitos T são os principais agentes utilizados para tratar ou prevenir a rejeição dos enxertos. FIGURA 17.12 Mecanismos de ação dos fármacos imunossupressores. Cada categoria principal de fármacos usados para prevenir ou tratar a rejeição de aloenxertos é mostrada juntamente com os alvos moleculares dos fármacos.