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1 Anne Caroline Maltez Hemorragia Digestiva Alta Introdução é qualquer sangramento que acontece ao longo do trato gastrointestinal e a divisão em alta e baixa é de acordo com a origem desse sangramento. É utilizado como marco topográfico, o ligamento de treitz, que fica na junção entre o duodeno e o jejuno. Então se a região que causou esse sangramento é proximal a esse ligamento, ou seja, está no esôfago, estomago ou duodeno, estamos falando de uma Hemorragia Digestiva Alta (HDA). Já os sangramentos distais ao ligamento de Treitz, são as Hemorragias Digestivas Baixas (que são hemorragias em intestino delgado, cólon, reto e ânus. As hemorragias altas são muito mais frequentes do que as hemorragias baixas, além disso, essas possuem também maior índice de mortalidade. Etiologia E Fisiopatologia De todas essas possíveis causas listadas na tabela ao lado, a úlcera péptica é a principal. Uma das hipóteses para essa notória representatividade é o tratamento de algumas doenças cardiovasculares com o AAS (Ácido acetil salicílico), um AINE que inibe a agregação plaquetária, mas possui como um dos seus efeitos adversos o dano à mucosa gástrica pela inibição da produção de prostaglandinas constitutivas. O estresse, a sepse e o choque podem também ser fatores contribuidores da HDA, porém menos que os dois anteriormente comentados. As úlceras por estresse, com prevalência em torno de 1,5% dos pacientes, não são muito comuns, aparecendo principalmente nos pacientes graves e nas regiões do corpo e fundo. Outra grande causa sugestiva de HDA é a esofagite erosiva, uma inflamação da mucosa esofágica, que, ao lado das varizes esofágicas, é representante da segunda maior causa de hemorragia digestiva alta, com incidência em torno de 15%. Vômitos incoercíveis e que laceram a mucosa esofágica, devido aos grandes esforços, podendo atingir plexos venosos ou arteriais, são caracterizados como Síndrome de Mallory-Weiss, mais frequente em pacientes etilistas e gestantes. Causas de sangramento normalmente leve, mas que pode ter sérias complicações posteriores são as neoplasias do TGI. Pacientes com histórico de cirurgia de aneurisma de aorta e presença de sangramento abundante são excelentes candidatos para a formação de fístula aorto-entérica, motivadora de HDA. As varizes esofágicas são importantes provedoras de HDA em cirróticos e os fatores relacionados à sua etiopatogenia são tanto a resistência ao fluxo, quanto o aumento do influxo portal. Em pacientes que possuem hipertensão portal ocasionada pela desconfiguração da arquitetura do fígado, fibrose e disfunção 2 Anne Caroline Maltez endotelial — diminuição da produção da substância vasoativa NO — (principalmente em pacientes com cirrose hepática grave), ocorre, em decorrência dessa alta resistência estabelecida, uma descompensação do sistema porta para a circulação sistêmica, de modo a diminuir essa pressão. Resultado desse mecanismo de “alívio da pressão porta” é que o leito vascular da região esofágica começa a aumentar de tamanho, formando o que se chama de varizes esofágicas. A sua alta incidência é reflexo dos acometimentos nos cirróticos (90%) sendo que entre 25% a 35% evoluem para sangramento. Manifestação Clínicas Clinicamente, a presença de hematêmese e/ou melena indica um quadro provável de hemorragia digestiva alta (HDA), onde a fonte de sangramento é proximal ao ângulo de Treitz – esôfago, estômago ou duodeno. Com menor frequência, a enterorragia pode estar presente em casos de hemorragias significativas associadas, muitas vezes, à instabilidade hemodinâmica. Diagnóstico 1.Anamnese A história clínica bem-feita. Habitualmente, na presença de hemorragia digestiva alta, relatos de hematêmese (vômitos com sangue vivo, coágulos ou escuro) ou melena (fezes pretas, pastosas e com odor fétido) estão associados à origem topográfica do sangramento. Tão importante quanto a avaliação dos sintomas relacionados ao sangramento é investigar fatores de risco como consumo de álcool, dispepsia, passado de doença ulcerosa péptica. 2.Exame Físico O exame físico dificilmente será útil para identificar o local do sangramento, mas levando em consideração a emergência do quadro, será de extrema importância para determinação da estabilidade hemodinâmica, permitindo a intervenção apropriada. Por isso, devem ser avaliados os sinais vitais, a palidez cutânea e o nível de consciência do paciente. Os sinais clínicos de hipovolemia — taquicardia, hipotensão e hipotensão postural — permitem, por exemplo, prever a evolução da hemorragia digestiva e possíveis recidivas de sangramentos. Além disso, a inspeção, a palpação e o toque retal podem ser fundamentais para a condução de suspeita clínica inicial e a instituição precoce das medidas terapêuticas apropriadas. O toque retal é ferramenta importante para a pesquisa de melena ou enterorragia. Ao exame ectoscópico, os sinais de hepatopatia como circulação colateral superficial visível, icterícia, hepatomegalia e ascite podem sugerir sangramento por varizes esofágicas. Assim como a palpação de massa intra-abdominal ou linfonodo supraclavicular sugere neoplasia. 4. Exames complementares tem como objetivo verificar a presença da hemorragia e identificar a origem. Hemograma, eletrólitos, coagulograma, função renal e hepática. Os exames de imagem que podem ser utilizados são: endoscopia, cintilografia e arteriografia. A Endoscopia Digestiva Alta (EDA) é o método diagnóstico de escolha na HDA e deve ser realizado nas primeiras 24 horas do início do episódio hemorrágico, após a estabilização hemodinâmica do paciente. O uso precoce deste método contribui para a identificação da etiologia e para aplicação precoce do tratamento, consequentemente, reduzindo a probabilidade de recidivas. 3 Anne Caroline Maltez Se, com a EDA não for possível localizar o sítio do sangramento digestivo, é indicada a cintilografia. Já a arteriografia permite verificar a anatomia das artérias da área onde ocorre hemorragia. A arteriografia é recomendada em hemorragia volumosa. Existem escores de avaliação de risco que são utilizados com base em achados clínicos e endoscópicos. O Escore de Glasgow Blatchford é importante para avaliação da necessidade de endoscopia e tem como parâmetros: hemoglobina, frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, uréia e ausência de história hepática ou cardíaca e melena ou síncope. O Escore de Rockall é o mais utilizado, devendo ser aplicado antes e após a EDA e a soma dos valores desses dois momentos revela a taxa de recidiva. Seus parâmetros são idade, frequência cardíaca, pressão arterial sistólica, alterações hemodinâmicas, comorbidades e características endoscópicas. Conduta Tratamento da hemorragia alta não varicosa Ressuscitação e Transfusão: Na avaliação imediata do paciente com sangramento agudo, busca-se a necessidade de ressuscitação, estabilização da pressão sanguínea e restauração do volume intravascular. Após a avaliação clínica, obtém-se o status hemodinâmico do paciente. No caso de ressuscitação volêmica, essa avaliação definirá o uso de cristaloides ou hemoderivados. Assim, busca-se o uso de acessos venosos calibrosos (punção periférica, jelco 16 a 18, ou acesso venoso central, em situações especiais). A transfusão sanguínea está formalmente indicada em pacientes em choque ou com doença arterial ativa. Pacientes anticoagulados e com HDA necessitam de reversão urgente para interromper o sangramento. O complexo protrombina é a melhor alternativa. Tratamento Clínico: A garantia de proteção das vias aéreas do paciente também faz parte da abordagem terapêutica inicial da HDA. A oferta deO2 suplementar é necessária nos pacientes com saturação de O2 inferior a 90%. Em pacientes com hematêmese grave e/ou rebaixamento de consciência, deve-se usar intubação orotraqueal com o intuito de proteger a via aérea e prevenir broncoaspiração. Tratamento Farmacológico: A medicação usada visa suprimir a acidez gástrica, uma vez que o coágulo sanguíneo possui estabilidade reduzida em ambiente ácido. O uso de bloqueadores de bombas de prótons é associado à diminuição da recorrência do sangramento, sendo o seu uso mandatório. Drogas vasoativas, como somatostatina e seu análogo octreotide, pode ser útil em casos de sangramentos incontroláveis Tratamento Endoscópico Endoscopia de revisão (Second-look): Consiste em uma endoscopia de controle realizada após 24h da primeira EDA. É indicada apenas em casos em que o tratamento inicial foi incompleto em função da impossibilidade de identificação do sítio da hemorragia, da hemostasia ter 4 Anne Caroline Maltez sido apenas parcial ou quando há evidências de ressangramento Tratamento da hemorragia alta varicosa A abordagem inicial não varia, mas na HDA varicosa o tratamento é específico, utilizando principalmente: Drogas vasoativas: para diminuir a pressão portal e devem ser administradas até mesmo antes da realização da endoscopia e mantida por um período de dois a cinco dias ou até 48 horas após o fim do sangramento, como Terlipressina Uso de betabloqueadores: pós o fim do uso de drogas vasoativas, deve-se iniciar na terceira ou quarta hora após sangramento o uso de betabloqueadores não-seletivos para evitar uma possível ruptura varicosa, como propanalol Endoscopia: em como principal objetivo visualizar a lesão causadora da hemorragia, realizar a hemostasia e determinar um prognóstico. Os principais métodos utilizados são a de injeção com solução de oleato de etanolamina ou polidocanol, Balão de Sengstaken-Blakemore: O tamponamento feito com balão de Sengstaken-Blakemore é uma escolha de terceira linha, que somente deve ser utilizada em presença de sangramentos maciços, sem resolução com uso da terapia farmacológica. Uso de antibiótico: no momento do diagnóstico, sendo considerado uma medida obrigatória. A duração do seu uso deve ser por pelo menos uma semana após o começo do quadro, com a intenção de diminuir as taxas de infecção no local da lesão ou por embolia séptica, ressangramento e mortalidade. Os principais antibióticos utilizados são as Quinolonas e as Cefalosporinas.