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Teoria da literatura II
Aula 3: Biogra�smo e Impressionismo Crítico
Apresentação
Nesta aula, identi�caremos as características da crítica extraliterária de base biográ�ca e impressionista, através de um
panorama dos estudos literários realizados a partir do século XIX. Teremos um panorama dos estudos literários que se
iniciaram no século XIX, objetivando compreender como se formou uma crítica extraliterária impressionista.
Objetivos
Identi�car as características da crítica extraliterária de base biográ�ca e impressionista, através de um panorama dos
estudos literários realizados a partir do século XIX.
O impressionismo crítico
A crítica impressionista permite ao leitor de um texto literário avaliar a obra por métodos unicamente subjetivos, ou seja, que
estejam vinculados à moral, à ética e à estética constituídas exclusivamente por critérios de avaliação próprios, não
submetidos à percepção conduzida por teorias e práticas literárias formuladas pela intelectualidade e pelo meio acadêmico.
Assim, a crítica impressionista constitui-se como uma opinião fundada apenas nas emoções que o texto provoca no leitor. As
análises da crítica impressionista são formuladas a partir das impressões percebidas pelo leitor no contato com o texto.
Os críticos impressionistas consideram que o essencial é o prazer da leitura que se obtém a partir de dados subjetivos e
percepções individuais dos leitores. Não há, portanto, preocupações com o rigor metodológico ou com a adequação de teorias
à análise literária. É o leitor quem determina o valor da obra, a sua in�uência sobre seu modo de ver o mundo e as relações
possíveis entre obras.
Conciliados a uma crítica literária impressionista, autores diversos como Anatole France e Virgínia Woolf produziram obras que
se distanciaram dos padrões literários valorados pela visão acadêmica tradicional.
Fragmento de Orlando, de Virginia Woolf – exemplo de
literatura impressionista. 
O tempo, embora faça desabrochar e de�nhar animais e
plantas com assombrosa pontualidade, não tem sobre a
alma do homem efeitos tão simples. A alma do homem,
aliás, age de forma igualmente estranha sobre o corpo do
tempo. Uma hora, alojada no bizarro elemento do espírito
humano, pode valer cinquenta ou cem vezes mis que a sua
duração medida pelo relógio; em contrapartida, uma hora
pode ser �elmente representada no mostrador do espírito
por um segundo.
 Fonte: Wikipedia
O impressionismo literário brasileiro
No Brasil, Araripe Júnior (1848-
1911), crítico que formou com
Silvio Romero e José Veríssimo a
chamada “trindade da crítica
positivista e naturalista”, não
deixou de perceber a nova
tendência e enveredou pela
crítica biográ�ca, elaborando
ensaios que elucidaram mais a
obra de autores consagrados,
entre eles Machado de Assis.
O impressionismo literário
brasileiro é, segundo Afrânio
Cotinho, uma união entre a
tendência realista e naturalista e
a subjetividade simbolista.
Procurando a síntese das
informações dadas pelas
correntes literárias antagônicas,
os impressionistas brasileiros
pretendiam uma literatura que
mantivesse a objetividade sem
enveredar pela explicação
cientí�ca.
Esclarece Afrânio Coutinho: “O
mais importante no
Impressionismo é o instantâneo
e único, tal como aparece ao olho
do observador. Não é o objeto,
mas as sensações e emoções
que ele desperta, num dado
instante, no espírito do
observador, que é por ele
reproduzido caprichosa e
vagamente. Não se trata de
apresentar o objeto tal como
visto, mas como é visto e sentido
num dado momento”.
(COUTINHO, Afrânio. Introdução
à literatura no Brasil. Rio de
Janeiro: Livraria São José, 1959,
p. 240)
Os autores brasileiros que se �liaram à tendência impressionista, segundo Afrânio Coutinho, são Raul Pompéia, Machado de
Assis, na fase �nal de sua obra, e Graça Aranha, com a obra Canaã.
"Todo o mal está na Força e só o Amor pode conduzir os
homens... Tudo o que vês, todos os sacrifícios, todas as
agonias, todas as revoltas, todos os martírios são formas
errantes da Liberdade. (...) Eu te suplico, a ti e à tua ainda
inumerável geração, abandonemos os nossos ódios
destruidores, reconciliemo-nos antes de chegar ao instante
da Morte..."
- (ARANHA, Graça. Canaã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p. 218)
A proposta impressionista decorre, como esclarece Arnold Hauser e destaca Afrânio Coutinho, da ideia, presente já no �lósofo
pré-socrático Heráclito (540 a.C. – 470 a.C.), de que a realidade é mutável, o que se faz representar pela seguinte proposta:
 Fonte: Wikipedia
"o homem não mergulha duas vezes no rio da vida em eterno
movimento para diante”. Portanto, “a realidade não é um
estado coerente e estável, mas um vir-a-ser, um processo em
curso, em crescimento e decadência, uma metamorfose."
- (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 241)
As origens da crítica impressionista encontram-se na reação a uma metodologia de historiogra�a literária que se apoiava
apenas em fatores externos ao texto, a uma “sociologia da literatura”.
A polêmica era suscitada por haver, a prática acadêmica, consolidado o método histórico em detrimento da própria arte.
Paul Van Tieghem, no “Primeiro Congresso Internacional da História Literária e a crise dos métodos” (1931), apresenta um
relatório no qual acusava os críticos de terem deixado de lado “o íntimo valor de arte e pensamento da obra, pelo trabalho e
acúmulo de dados biográ�cos e fontes”. Aliam-se a esses métodos historicistas, as orientações positivistas de Auguste
Comte que se estenderam para a análise literária.
Cabe reproduzir aqui, por seu valor histórico e de compreensão para o tema desta aula, a síntese das ideias de Van Tieghem
formulada por Afrânio Coutinho, a �m de que se compreenda com mais clareza o contexto em que surge a crítica
impressionista e contra que propostas este método se insurge.
A síntese das ideias de Van Tieghem
“(...) os estudos de história literária a partir do século XIX tomaram diversas direções, dentro das preceptivas do método
histórico. Entre elas, devem mencionar-se, segundo Van Tieghem, as seguintes: 1. literatura comparada. Estuda as relações
entre as produções das diversas literaturas modernas, procura explicar a obra literária pelas fontes, imitações, in�uências (...); 2.
literatura geral. Alargando o objeto da literatura comparada, coloca a obra no meio internacional, estuda-a nas suas relações
com as obras análogas, na forma ou no espírito, produzidas na mesma época ou em épocas paralelas em vários países (...);
3. história literária sociológica. Estuda o público a que se dirigem as obras, os elementos diversos, os caracteres, as reações, as
variações sucessivas ou paralelas do gosto, a in�uência nos escritores (...); 4. história literária geográ�ca. Agrupa os escritores
e as obras por províncias ou regiões (...); 5. história literária geracional e periódica. Divide a evolução da literatura em períodos
(Periodisierung), ou, mais especi�camente, em “gerações”, com o intuito de melhor explicar as sucessões e alternâncias de que
é feita a história literária (...)”.  
(COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 10).
O surgimento de uma crítica impressionista
Vemos, então, que a necessidade do surgimento de uma crítica impressionista justi�ca-se ante um tratamento dado à
literatura, pela crítica de um modo geral, baseado exclusivamente na coleta de dados e nos métodos comparativos, deixando
de lado o próprio texto literário, o qual deveria ser o objeto primeiro da análise.
Entre as muitas ressalvas apresentadas por Paul Van Tieghem contra a prática de análise historiográ�ca, destaca-se um
argumento que justi�ca a formulação da crítica impressionista:
a crítica historiográ�ca e cienti�cista não leva em conta que “o espírito do
escritor foi alimentado durante a criação por uma multidão in�nita de
encontros que desaparecem sem deixar rastos”. (COUTINHO, Afrânio.
Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José,1959, p.
12).
A crítica literária historiográ�ca e a crítica literária positivista forneceram aos seus opositores as armas para sua diluição ao
centrarem em demasia os estudos em aspectos extraliterários.
Afrânio Coutinho, bem como vários de seus pares, tendeu para uma análise crítica que evidenciasse a obra, embora não
recusasse dados exteriores ao texto para melhor compreender o objeto em análise.
Ora, Sentimento do Mundo caracteriza-se, inicialmente, pela apresentação de uma linguagem e de uma forma realmente
poéticas; a linguagem sendo de caráter mágico, como em toda poesia, não de caráter exatamente lógico, como nos gêneros
prosaicos.
Percebemos, no texto de Álvaro Lins, duas propostas da crítica impressionista:
recusar as classi�cações ao gosto historiográ�co e autorizar o leitor a uma coautoria necessária para melhor apreensão do
texto literário.
Ora, Sentimento do Mundo caracteriza-se, inicialmente, pela apresentação de
uma linguagem e de uma forma realmente poéticas; a linguagem sendo de
caráter mágico, como em toda poesia, não de caráter exatamente lógico,
como nos gêneros prosaicos. E esta linguagem mágica faz cada palavra
encerrar um signi�cado múltiplo e oscilante; faz, de cada palavra, um pequeno
universo que se prolonga no leitor, que o obriga a se continuar nele,
participando da experiência e do conhecimento do poeta.
(LINS, Álvaro, Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1963. p. 7)
Não podendo, em versos, “explicar-se” como em prosa, o Sr. Carlos
Drummond houve de emprestar, por isso, à sua linguagem poética um poder
mágico de sugestão, houve que concentrar nos desdobramentos imagináveis
uma grande parte de sua função demiúrgica. Portanto, é um poeta que exige a
colaboração e a participação do leitor. (...)”
(LINS, Álvaro, Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1963. p. 7) (grifos nossos)
 Fonte: Wikipedia
A crítica biográ�ca
Estando o homem inserido na sociedade, dela participa, sofre in�uências, reage. Não poderia ser diferente com o autor e uma
obra literária. É com essa certeza que surge, entre a intelectualidade brasileira, a crítica biográ�ca, a qual preconiza que a
análise de um texto literário não pode prescindir de dados biográ�cos relevantes para a compreensão da mensagem.
"O escritor é, pois, um criador, mas, ao mesmo tempo, a sua
obra está, toda ela, mergulhada no momento histórico que a
original. "
- (RICCIARDI, Giovanni. Sociologia da literatura. Lisboa: Publicações Europa-América, 1971, p. 80)
Justi�ca-se a crítica biográ�ca pela produção de autores comprometidos com a sociedade da qual participam. Na literatura de
Portugal e do Brasil, temos diversos exemplos de escritores realistas e neorrealistas, como Eça de Queirós, Machado de Assis,
Carlos de Oliveira, Graciliano Ramos, entre muitos outros.
A situação econômica do escritor e a classe social a que pertence têm sido parâmetros para a análise de uma obra a partir da
crítica biográ�ca. As ideologias que defende e aspectos cotidianos e psicológicos da vida do autor também se con�guram
objetos de análise.
A crítica biográ�ca como método fundamental sofreu diversas críticas, inclusive de Afrânio Coutinho:
 Fonte: Olac digital
"A biogra�a monopolizou quase por completo os estudos
literários no Brasil, inclusive a crítica, a ponto de constituir um
sério desvio a ser corrigido. Ela absorveu, por in�uência de
Sainte Beuve, a própria interpretação crítica, e chegou-se a
inverter a ordem natural dos estudos literários: em vez de
chegar-se à obra através do autor, como poderia ser o
legítimo objetivo da biogra�a literária, passou-se a usar a
obra como ponte para atingir-se o autor, idealizado
romanticamente na sua individualidade. 
A hipertro�a biográ�ca chegou a ponto de afastar a leitura
das obras em proveito do conhecimento da vida dos
autores."
- (COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1959, p. 67)
Conheça alguns nomes da história da crítica literária
 Charles Augustin Sainte-Beuve (1804-1869).
Fonte: Wikipedia
Considerado um dos mais importantes nomes da história da crítica literária, inaugurou a crítica moderna e a crítica de jornal.
Ele acreditava ser possível uma crítica isenta da obra literária a partir da biogra�a dos autores. Sainte Beuve estabeleceu a
diferença entre a crítica subjetivista (romântica) e a objetivista (cientí�ca).
 Benedetto Croce. Fonte: Wikipedia
Na obra Estética (1902), procurou um meio termo entre a crítica impressionista e a crítica biográ�ca, afastando-se tanto da
visão subjetivista de Anatole France quanto do método cienti�cista de Taine. Croce não aceitava quali�car a obra literária a
partir de uma classi�cação de gêneros ou de quaisquer outras regras impostas à análise literária que, segundo ele, deveriam
partir apenas da obra em si mesma.
Distanciando-se das discussões primeiras sobre a validade desse ou daquele método crítico, os estudos literários avançam em
direção a um consenso, extraindo do texto e de sua autoria o mais relevante para a análise.
É o que propõe Flora Sussekind ao fazer um estudo sobre a poesia contemporânea brasileira. Com o subtítulo:
“ A literatura do eu = Onde se lê poesia, leia-se vida”
É o que propõe Flora Sussekind ao fazer um estudo sobre a poesia contemporânea brasileira. Com o subtítulo “A literatura
do eu – Onde se lê poesia, leia-se vida”, a autora propõe uma compreensão biográ�ca da literatura não mais baseada nos
fatos que marcam a vida do autor, mas na concepção de que vida e obra se fundem irremediavelmente: 
 
São as vivências cotidianas do poeta, os fatos mais corriqueiros que constituirão a matéria da poesia”. (SUSSEKIND, Flora.
Literatura e vida literária – polêmicas, diários & retratos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 67)
Os estudos sobre crítica literária têm indicado uma dicotomia entre a crítica acadêmica e a crítica jornalística ou de “rodapé”.
Como a polêmica se revigora periodicamente, cabe conceituar essas propostas e estabelecer as diferenças entre elas. A crítica
acadêmica dá-se no âmbito das universidades. Os estudos, nesse caso, fundamentam-se em teorias diversas que atendem às
necessidades da compreensão do texto literário objeto da análise ou da formação do próprio analista.
É comum, então, a associação entre literatura e �loso�a, literatura e história, literatura e sociologia, literatura e psicanálise etc.
Como parâmetros de análise, selecionam-se autores e obras canônicas, mesmo que os textos analisados sejam
contemporâneos. Tais análises, de um modo geral, tendem a se enquadrar em teorias consolidadas. Esse método, não raro,
tem como destinação o leitor especialista, visto que se vale de citações e referências que conferem erudição à análise
elaborada.
A crítica de rodapé faz a análise do texto literário objetivando uma percepção estética e subjetiva do mesmo, muitas vezes para
divulgar um livro, quali�cá-lo ou desquali�cá-lo ante um público leitor.
E se propõe, até mesmo, a formar um público leitor, atendendo a critérios que passam ao largo das teorias acadêmicas. Assim,
a crítica jornalística ou de rodapé pode servir a interesses mercadológicos, mas a adesão de críticos renomados e a sua
permanência, além da visão crítica subjetiva de um público leitor cada vez mais exigente tem validado esse método de análise
dos textos literários.
Notas
Próxima aula
O Formalismo Russo e seus conceitos fundamentais: o estranhamento, a desautomação e a literariedade.
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