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Gênero, Relações Étnico-Raciais e Educação Guilherme Paiva de Carvalho1 Resumo: A construção de representações sociais associados à masculinidade e feminilidade, bem como de estereótipos de gênero, raça e etnia durante a escolarização, constitui um processo histórico-cultural que se origina de práticas sociais, estruturas simbólicas e relações de poder. Concepções de identidade cultural, ligadas ao gênero, raça e etnia, são incorporadas através do processo de socialização, no qual a instituição escolar, os meios de comunicação e a família exercem influência significativa. A presente proposta apresenta resultados de pesquisas sobre as concepções de gênero e as representações das relações étnico-raciais no espaço escolar, evidenciando a visão de professores/as da educação básica da rede pública de ensino do Rio Grande do Norte. As investigações apontam que as relações étnico-raciais e concepções de gênero relacionadas à heterossexualidade ainda são produzidas e reproduzidas no espaço escolar, sendo associadas a representações sociais e estereótipos. Com o intuito de debater novos horizontes para a pesquisa, propõe-se discutir a relevância de um estudo etnográfico sobre realidades educacionais em comunidades tradicionais com ênfase para as representações de gênero e as relações étnico-raciais. Palavras-chave: gênero; educação; relações étnico-raciais; cultura africana; cultura afro-brasileira. Introdução O presente trabalho apresenta resultados da pesquisa intitulada Tecnologias, Cibercultura e Imagens da Mulher na Contemporaneidade: a (re)construção da identidade de gênero entre professoras da educação básica, realizada durante o período de 2011 a 2012, além de uma análise parcial de dados coletados na investigação Educação, Tecnologias e Diversidade Cultural: as relações étnico-raciais no espaço escolar, a ser concluída em dezembro de 2015. A discussão acerca dos resultados obtidos nos estudos mencionados é acrescentada a uma reflexão sobre as possibilidades de enfoques e novos rumos para a continuidade da pesquisa. Na pesquisa sobre Tecnologias, Cibercultura e Imagens da Mulher na Contemporaneidade, buscou-se desenvolver um estudo sobre a utilização de tecnologias 1 Pós-Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Letras da UERN. V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE nas práticas educacionais e as representações de gênero entre professoras da educação básica do Rio Grande do Norte que realizaram cursos de formação continuada, voltados para o uso integrado de mídias na sala de aula. Os discursos das professoras evidenciou que a temática de gênero ainda é pouco trabalhada na instituição escolar. Por outro viés, o estudo constatou que as tecnologias de informação e comunicação potencializam o acesso de professoras da educação básica a informações. Tanto no meio urbano quanto no meio rural, a maioria das professoras entrevistadas afirmou que utiliza com frequência o computador em práticas cotidianas e nas atividades pedagógicas. Entre as questões apresentadas para as professoras no roteiro de entrevista semiestruturada, uma delas tratava das relações de etnia. Os discursos das professoras mostraram que não havia um trabalho sistemático na escola relacionado com as temáticas de gênero e etnia. Na investigação sobre Educação, Tecnologias e Diversidade Cultural, propôs-se um estudo acerca dos impactos de políticas educacionais e de programas de formação continuada, direcionados para o tema das relações étnico-raciais, no espaço escolar. Para tanto, estão sendo analisadas as representações de professores/as da educação básica do Rio Grande do Norte sobre a diversidade cultural e as relações étnico-raciais. A pesquisa tem como objetivo comparar a visão de professores/as que realizaram o Curso de Educação para as Relações Étnico-Raciais, ofertado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com a perspectiva de professores/as que lecionam em cidades próximas a comunidades quilombolas na região Oeste do Rio Grande do Norte e não fizeram o referido Curso, especificamente nos municípios de Portalegre (RN), Patu (RN), Assu (RN) e Ipanguaçu. Foram entrevistados 15 professores/as que não realizaram o curso e 15 professores/as que fizeram o curso pela UFRN. O intuito da investigação é verificar se há mudanças nas representações sociais de professores/as que realizam cursos de formação continuada, mediados por tecnologias de informação e comunicação e ofertados na modalidade de Educação a Distância (EAD), no tocante às relações étnico-raciais. 2 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE O estudo das representações sociais Os estudos sobre as representações sociais têm início na década de 1950. Moscovici (2003) e Jodelet (2002) realizaram pesquisas no campo da Psicologia que tiveram como enfoque central o tema das representações sociais. Em 1961, Moscovici publicou o livro La psychanalyse, son image et son public, com resultados de uma pesquisa sobre as representações sociais da psicanálise entre a população parisiense. As representações sociais estão relacionadas com a forma através da qual as pessoas constroem a sua visão sobre a realidade. Moscovici (2003) enfatizou a relevância de saberes compartilhados pelos indivíduos em práticas cotidianas. Na análise das representações sociais são estabelecidas relações entre grupos sociais, ações e ideias. A intenção é verificar o modo como ideias se tornam práticas. Assim, Moscovici (2003) formula uma teoria das representações sociais (TRS), destacando o conhecimento do senso comum, ou seja, o chamado pensamento ingênuo. Práticas mentais são entendidas como formas de representação da realidade, caracterizando tanto aquelas correspondentes ao senso comum como as desenvolvidas no âmbito da ciência. Dessa forma, as representações sociais são definidas como conceitos, proposições e explicações que provêm de práticas cotidianas, sendo associadas aos saberes do senso comum. Neste sentido, Moscovici (2003) reformula a ideia de representações coletivas concebida por Durkheim. “A rigor, a proposição das representações sociais não revoga as representações coletivas, mas acrescenta outros fenômenos ao campo de estudos” (SÁ, 1996, p.38). Utilizando as categorias conceituais desenvolvidas por Moscovici, Jodelet (1995) realizou estudos sobre as representações sociais concernentes à doença mental em uma comunidade rural francesa. Jodelet (2009) destaca que a ideia de representação social propicia a retomada da concepção de sujeito no âmbito das Ciências Sociais. Correntes teóricas como o positivismo, o estruturalismo, o marxismo e o pós-modernismo questionaram a noção de sujeito, enfatizando aspectos da realidade como as estruturas sociais, ou as bases econômicas da sociedade. Com essas perspectivas teóricas ocorreu um deslocamento nas pesquisas das Ciências Sociais “na direção dos lugares exteriores 3 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE ao sujeito na análise e interpretação dos fatos sociais e das condutas humanas e sociais [...]” (JODELET, 2009, p.682). Analisar a subjetividade dos indivíduos propicia uma visão acerca do modo como a realidade é construída pelas pessoas. A relação entre aspectos subjetivos e representaçõessociais permite evidenciar o “plano da produção de conhecimentos e significações, dos efeitos sobre os conteúdos representacionais imputados às formas de subjetivação [...]” (JODELET, 2009, p.694). A noção de representações sociais pode ser associada ao habitus, entendido como sistema de valores incorporado pelo indivíduo no convívio familiar e nas interações no meio social (BOURDIEU, 1998), o qual se reflete na formação de identidades que “adquirem sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas” (WOODWARD, 2000, p.8). Na pesquisa sobre Tecnologias, Cibercultura e Imagens da Mulher na Contemporaneidade foram realizadas 30 entrevistas com professoras da educação básica da rede pública de ensino do Rio Grande do Norte que realizaram o curso de formação continuada Mídias na Educação, ofertado pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). A abordagem metodológica baseou-se na análise de conteúdo das entrevistas. Para a pesquisa Educação, Tecnologias e Diversidade Cultural decidiu- se utilizar a teoria do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), da autoria de Fernando Lefevre e Ana Maria C. Lefevre (2006), baseada no uso do software Qualiquantisoft. A proposta do Discurso do Sujeito Coletivo (Lefevre & Lefevre, 2003), associada ao software Qualiquantisoft (www.spi-net.com.br) com base, sobretudo, nos pressupostos da Teoria das Representações Sociais (Jodelet, 1989), elenca e articula uma série de operações sobre a matéria-prima de depoimentos coletados em pesquisas empíricas de opinião por meio de questões abertas, operações que redundam, ao final do processo, em depoimentos coletivos confeccionados com extratos de diferentes depoimentos individuais – cada um desses depoimentos coletivos veiculando uma determinada e distinta opinião ou posicionamento, sendo tais depoimentos redigidos na primeira pessoa do singular, com vistas a produzir, no receptor, o efeito de uma opinião coletiva, expressando-se, diretamente, como fato empírico, pela ‘boca’ de um único sujeito de discurso (LEFEVRE; LEFEVRE, 2006, p.517). Como foram enfrentadas dificuldades para a sistematização de categorias conceituais na análise do conteúdo das entrevistas da pesquisa Tecnologias, Cibercultura e Imagens da Mulher na Contemporaneidade, optou-se, na outra 4 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE investigação, pelo uso da teoria do DSC e na utilização do software Qualiquantisoft. Após a conclusão da pesquisa Educação, Tecnologias e Diversidade Cultural, ainda há a intenção de revisar os dados coletados na primeira pesquisa, adotando o mesmo procedimento para a publicação dos resultados da pesquisa. O levantamento de referenciais teóricos e investigações acerca das relações étnico-raciais evidenciou que a problemática de gênero perpassa a questão da etnia. Pretende-se captar com as entrevistas aspectos relacionados a “crenças, sentimentos, valores” que compõem representações subjacentes aos discursos e “fala dos sujeitos” (ALVES; SILVA, 1992, p.64). A análise qualitativa de conteúdo será utilizada como procedimento metodológico. Flick (2004, p.202) ressalta que na análise qualitativa de conteúdo utilizam-se categorias conceituais extraídas de “modelos teóricos”. Na visão de Bardin (2011, p.34), “a análise de conteúdo pode ser uma análise dos ‘significados’ [...]”. A eficácia do conceito de representações sociais pode ser observada em estudos sobre o tema das relações étnico-raciais. Silva (2005, p.22), por exemplo, realizou pesquisas que abordaram as representações sociais concernentes às relações étnico- raciais em livros didáticos, demonstrando que “no livro didático a humanidade e a cidadania, na maioria das vezes, são representadas pelo homem branco e de classe média”, enquanto as representações sociais de mulheres, do indivíduo negro ou das sociedades indígenas remetem à “cor da pele” ou ao “gênero, para registrar sua existência”. Com suas pesquisas, Silva (2005) evidencia a invisibilidade e a inferiorização de atributos ligados às culturas africanas e afro-brasileiras nos livros didáticos e nos meios de comunicação. A invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de um povo, bem como a inferiorização dos seus atributos adscritivos, através de estereótipos, conduz esse povo, na maioria das vezes, a desenvolver comportamentos de auto-rejeição, resultando em rejeição e negação dos seus valores culturais e em preferência pela estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas representações (SILVA, 2005, p.22). Nas entrevistas realizadas para a pesquisa Educação, Tecnologias e Diversidade Cultural, é recorrente a menção da ausência de conteúdos sobre as culturas africanas e afro-brasileiras nos livros didáticos. Os/as entrevistados/as também mencionaram que 5 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE não tiveram contato com a temática durante os seus cursos de licenciatura. Ademais, observa-se a construção de estereótipos sobre as pessoas negras tanto na mídia quanto nos livros didáticos. Pesquisas mostram que nos livros didáticos as pessoas negras aparecem “em situações inferiores ou subordinadas” (LOURO, 1997, p.70). Estas formas de representação social podem levar os indivíduos a rejeitarem valores associados às culturas africanas e afro-brasileiras, ou indígenas. Ademais, no processo de socialização infantil também são construídos estereótipos em relação a comportamentos que se diferenciam do padrão heterossexual. Nos discursos de professores/as entrevistados/as em nossa pesquisa de campo, por exemplo, foi mencionada com frequência a discriminação sofrida por alunos/as procedentes de famílias que são adeptas de religiões afro-brasileiras. Representações sociais estereotipadas sobre determinados indivíduos podem resultar em formas de rejeição. Os estereótipos, a representação parcial e minimizada da realidade, conduzem o estereotipado e representado, em grande parte, à auto-rejeição, à construção de uma baixa auto-estima, à rejeição ao seu assemelhado, conduzindo-o à procura dos valores representados como universais, na ilusão de tornar-se aquele outro e de libertar-se da dominação e inferiorização (SILVA, 2005, p.30). Nesta perspectiva, a desconstrução de estereótipos relacionados com sentidos atribuídos à negritude (MUNANGA, 2012), bem como o conhecimento das culturas africanas e afro-brasileiras se constitui como uma estratégia importante para uma compreensão abrangente da história da formação da sociedade brasileira, ressaltando, sobretudo, as contribuições de pessoas provenientes de diversas etnias africanas. Para tanto, é fundamental o conhecimento e a reflexão crítica sobre a diáspora dos povos africanos para o Brasil no período colonial e o processo de reconhecimento das contribuições das culturas africanas e afro-brasileiras para a formação da sociedade brasileira. A diáspora do Atlântico Sul e as políticas de reconhecimento no Brasil Para a compreensão da formação da sociedade brasileira é importante retomar a diáspora do “Atlântico Sul” (VECCHI, 2008), concepção associada à história do 6 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE comércio de escravos entre a África e as Américas durante os séculos XV e XVIII. A compreensão da modernidade perpassa pela diáspora de diversos grupos étnicos africanos para as Américas. Gilroy (2001, p.28) trata da modernidade a partir do descolamentodos povos africanos para o continente americano, denominando de “Atlântico negro” a “formação intercultural e transnacional” dos diferentes modelos nacionalistas negros. Para tratar do comércio de escravos que envolveu o “Atlântico Sul” (VECCHI, 2008) é interessante retomar a perspectiva de Gilroy (2001). Ser europeu e ser negro, ou ser brasileiro e ser negro e mestiço, “requer algumas formas específicas de dupla consciência” (GILROY, 2001, p.33). Com o termo “culturas rizomórficas” da diáspora, Gilroy (2001, p.80) contesta a ideia de autenticidade étnica da cultura africana. Para abordar a diáspora africana, o autor toma como referência o conceito de rizoma formulado por Deleuze e Guattari (GILROY, 2001). Neste sentido, o rizoma não apresenta uma raiz centralizada, constituindo-se por uma rede de outras raízes descentralizadas. Assim se entende a formação de culturas híbridas. Essas são caracterizadas por redes descentralizadas. O descolamento propicia a constituição de culturas híbridas com raízes descentralizadas. No caso do comércio atlântico, “formas culturais estereofônicas, bilíngues e bifocais originadas” de etnias dispersas “nas estruturas de sentimento, produção, comunicação e memória [...]” de diversos grupos sociais formaram culturas híbridas nas Américas (GILROY, 2001, p.35). A metáfora do navio é concebida como a máquina que marca o início da modernidade, representando um sistema político e cultural híbrido. De acordo com Gilroy (2001, p.53), no fim do século XVIII, “um quarto da marinha britânica era composto de africanos para os quais a experiência da escravidão fora uma poderosa orientação rumo às ideologias de liberdade e justiça”. Desse modo, o “Atlântico negro” é compreendido como um sistema cultural híbrido que proporcionou trocas entre culturas diversificadas, processos de aculturação e formação de novas expressões culturais. O Atlântico consiste em “uma unidade de análise única e complexa em suas discussões do mundo moderno” que serve “para produzir uma perspectiva […] transnacional e intercultural” (GILROY, 2001, p.57). 7 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE Caracterizado “como sistema cultural e político” (GILROY, 2001, p.57), o “Atlântico negro” revela não apenas a comercialização de seres humanos durante o processo civilizador, mas também a resistência à escravização e a luta pela emancipação, autonomia e reconhecimento da cidadania de pessoas que foram afastadas de seus lugares de origem. Os navios podem ser vistos “como unidades culturais e políticas em lugar de incorporações abstratas do comércio triangular”, ou como “um modo de produção cultural distinto” (GILROY, 2001, p.60). Há uma relação entre os navios, o comércio de escravos e os processos de industrialização e modernização da Europa. Inicialmente dominada pelos portugueses, a Costa da Mina, por exemplo, foi disputada por ingleses e holandeses. No ano de 1627, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais passou a exercer um domínio sobre a Costa da Mina, região que tinha destaque na rota da comercialização de escravos. Aos poucos Portugal perdeu o controle de portos importantes para o comércio de escravos. Esses portos foram aos poucos sendo dominados pela Inglaterra e a Holanda (SOARES, 2000). Weber (2004, p.157) destacou a importância da ética protestante para a construção de valores associados ao acúmulo de capital nas sociedades inglesas e holandesas, enfatizando “a superioridade do poderio holandês diante da Inglaterra” com relação à concentração de riquezas no século XVIII. Tanto a Holanda quanto a Inglaterra acumularam capital também por meio do controle do comércio de escravos. Além disso, é importante mencionar as polêmicas em torno do Tratado de Metheun2, ligadas ao período de exploração do ouro no Brasil colônia, quando Portugal concedeu privilégios comerciais para ingleses e holandeses (PIJNING, 2001). Atualmente, pesquisas têm abordado a questão do conhecimento sobre técnicas de mineração de determinados grupos étnicos africanos trazidos para trabalhar nas minas de ouro encontradas na capitania das Minas Gerais durante o período colonial. No tocante à mineração na região, estudos recentes apontam semelhanças entre os modos de extração do ouro na África Central e nas minas do Brasil, principalmente aqueles associados ao “sistema de socavões”3 e à utilização de utensílios como a bateia, 2 Tratado entre Portugal e Inglaterra, celebrado em 1703, que estabelecia relações comerciais entre ambas as nações (FALCON, 2005). 3 No sistema de socavões eram escavados buracos profundos onde os escravos entravam para identificar as rochas que seriam lavradas para extração do ouro (GONÇALVES, 2004). 8 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE “instrumento muito mais apropriado ao meneio da areia aurífera do que os rasos pratos de estanho” (GONÇALVES, 2004, p.13-14). Tais evidências reacendem as discussões sobre a relevância do conhecimento de técnicas de mineração de algumas etnias africanas trazidas para trabalhar na colônia portuguesa nas Américas no decorrer da diáspora do Atlântico Sul. As investigações que tratam das similitudes entre as formas de escavação da África Central e do Brasil se contrapõem ao posicionamento de autores como Sérgio Buarque de Holanda (2003; GONÇALVES, 2004), que não acreditava na possibilidade dos escravos africanos serem dotados de técnicas apropriadas para a exploração do ouro. Desse modo, a análise da diáspora do Atlântico Sul se alinha à proposta de Gilroy (2001, p.61) de “repensar a modernidade por meio da história do Atlântico negro e da diáspora africana no hemisfério ocidental”. Daí a importância de pesquisas que retomem a temática da diáspora africana para o Brasil e as contribuições das etnias africanas na formação da sociedade brasileira em diversos âmbitos, incluindo aspectos econômicos, sociais e culturais. No Brasil, o reconhecimento da importância das culturas africanas e afro- brasileiras para a formação do país ocorreu somente no fim da década de 1980. A Constituição de 1988 evidenciou, por meio do art. 242, § 1º, “as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”. O art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) reconheceu “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras” o direito de obterem a sua propriedade de forma definitiva. Os governos Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Lula apresentaram políticas voltadas para o reconhecimento da diversidade cultural e das relações étnico-raciais no espaço escolar. Em 1997, o governo FHC lançou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), propondo a abordagem da pluralidade cultural como um tema transversal. No governo Lula foi sancionada, no ano de 2003, a Lei nº 10.639/03, referente à obrigatoriedade do ensino sobre “estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política [...]”. 9 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE Em junho de 2004, o Conselho Nacional de Educação lançou a Resolução nº1, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. A Resolução menciona as “Instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira”. Ficaimplícito que todos os níveis de ensino deveriam abordar a temática. Entretanto, em visita a uma escola privada da cidade de Goiânia, observou-se que, pelo discurso da Direção, como não há incidentes de discriminação racial na escola, a temática não é abordada, pois a instituição só atende crianças de 2 a 9 anos. Por outro viés, pesquisas evidenciam a incorporação de padrões estéticos e estereótipos em crianças de 9 a 11 anos de idade, mostrando que a “supervalorização das brancas” direciona “culturalmente as interações nos processos de socialização infantil” (SILVA; BRANCO, 2011, p.197-204). A desvalorização de fenotípicos ligados à negritude é associada a reflexos da ideologia do branqueamento na sociedade brasileira. No Brasil, a ideologia do branqueamento foi forjada pelas elites brancas, no final do século XIX e início do século XX, que apostavam na ‘purificação étnica’ do nosso povo através de cruzamentos inter-raciais que produziriam um homem ‘ariano’ plenamente adaptado às condições brasileiras. Essa ideologia do branqueamento sofreu, ao longo do tempo, importantes alterações de função e de sentido no imaginário social, tornando-se um tipo de discurso que atribui aos negros o desejo de branquear ou de alcançar os privilégios de ser branco por inveja, imitação ou falta de identidade étnica positiva (SILVA; BRANCO, 2011, p.200). Ademais, a discriminação racial em situações de interação no espaço escolar atinge mais as meninas negras do que os meninos negros, tendo em vista que “são especialmente as meninas que ganham destaque ao expressar a insatisfação e a ‘vergonha’ com relação a si próprias” (SILVA; BRANCO, 2011, p.198). Portanto, seria fundamental abordar as relações étnico-raciais na educação infantil, considerando também a perspectiva de gênero. Na sociedade brasileira há um processo de internalização de estereótipos. “Os cabelos crespos das crianças afro-descendentes são identificados como cabelo ‘ruim’, primeiro pelas mães, que internalizaram o estereótipo; e, na escola, pelos coleguinhas, que põem os mais variados apelidos nas trancinhas e nos cabelos crespos ao natural” (SILVA, 2005, p.28). Uma escola voltada 10 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE para a construção da cidadania e a promoção da igualdade racial precisa considerar a diversidade cultural da sociedade, respeitando a liberdade de escolha religiosa e sexual dos indivíduos. Além da falta de uma menção explícita sobre a educação infantil, na Resolução concernente às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- Raciais é destacada a relevância de tratar das culturas africanas e afro-brasileiras, sobretudo, nas áreas de Educação Artística, Literatura e História do Brasil. Apesar da referência a “todo o currículo escolar” (BRASIL, 2003), a Resolução não menciona a importância de abordar o tema também em disciplinas como Geografia, Sociologia e Filosofia4, reproduzindo relações complexas de poder5 (FOUCAULT, 1999). Essas áreas poderiam contribuir de forma significativa para a construção de uma visão da geopolítica do continente africano e da diáspora do Atlântico Sul, da história da escravidão no Brasil, da construção do conceito de racismo, das religiões afro- brasileiras, ou das correntes filosóficas africanas. Tal conhecimento permitiria a valorização das contribuições dos/as africanos/as para a formação da sociedade brasileira, propiciando a desconstrução de estereótipos ligados às relações étnico- raciais. No Parecer nº3/2004 do Conselho Nacional de Educação referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais havia menções à Educação Infantil, bem como às “contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais”, além do “estudo da filosofia tradicional africana e de contribuições de filósofos africanos e afrodescendentes da atualidade” (BRASIL, 2004). Contudo, as Diretrizes não se referiram de forma explícita a tais aspectos. Por sua vez, a Resolução nº 8, de 20 de novembro de 2012, definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica. A referida Resolução estabelece que a educação escolar quilombola deve ser ofertada em escolas existentes em comunidades quilombolas, bem como em instituições de ensino de cidades próximas a essas comunidades. No art. 3º da Resolução conceitua-se 4 No Brasil, os livros didáticos e a formação superior em Filosofia estão mais próximos de uma visão etnocêntrica baseada na hegemonia do pensamento e da cultura ocidental, desconsiderando a importância da filosofia egípcia e dos saberes das etnias africanas que vieram para a colônia na diáspora do Atlântico Sul. 5 A filosofia ocidental, na grade curricular dos cursos de licenciatura no Brasil, é apresentada como discurso de verdade que compõem relações complexas de poder (FOUCAULT, 1999). 11 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE comunidades quilombolas como “grupos étnico-raciais definidos por auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica” (BRASIL, 2012). Desde 2006, as políticas educacionais para promoção da igualdade racial no âmbito do sistema de ensino são complementadas com a criação de programas de formação continuada, direcionados para a temática das relações étnico-raciais. Para realizar a formação continuada de professores/as da educação básica, são ofertados cursos na modalidade a distância que abordam a temática das relações étnico-raciais, como é o caso do Curso de Educação para as Relações Étnico-Raciais, ofertado pela UFRN. A análise de cursos de formação continuada no Brasil A década de 1990 é marcada pela difusão e uso de tecnologias de informação e comunicação — baseadas na convergência entre microeletrônica e computação — em diversos setores da sociedade. Com a difusão e o uso de tecnologias de informação e comunicação ocorreram mudanças no âmbito da educação, principalmente nas metodologias de ensino. Cursos na modalidade de Educação a Distância (EAD) passaram a utilizar ferramentas baseadas nas tecnologias de informação e comunicação. Na EAD, alunos/as e professores/as podem realizar atividades de ensino e aprendizagem em espaços físicos diferenciados. Keegan (1996, p.34) concebe a EAD como um termo genérico que engloba uma “variedade de estratégias de ensino- aprendizagem utilizada por escolas por correspondência, universidades abertas” e outras instituições de ensino. Segundo Rumble (2003, p. 16), “teoricamente, o ensino a distância é um método que separa fisicamente o estudante do professor. Ainda que os professores possam entrar em contato direto com seus alunos” através da utilização de recursos como o telefone, as videoconferências, ou de outras tecnologias comunicacionais, pois “a separação física entre alunos e professor implica” no uso de meios diversificados para a realização das atividades de ensino e aprendizagem. Desta maneira, a separação física entre 12 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE professores/as e alunos/as, ou a distância no espaço entre eles/elas, é um dos principais aspectos da EAD. No Brasil, observam-se resistências à EAD, devido à construção de uma visão negativa dessa modalidade educacional em decorrência de propostas voltadas para grupos sociais menos favorecidos economicamente (CARVALHO, 2014). Umadas críticas direcionadas para a EAD refere-se à viabilidade de processos educacionais de formação de professores/as que adotam essa modalidade educacional. Zuin (2006, p.946) mostra que “quando se reflete a respeito da aplicação de programas de EAD no Brasil, retorna a questão sobre que tipo de proximidade pode ocorrer entre os agentes educacionais formados a distância”. No entanto, apesar das críticas e controvérsias em torno dessa modalidade no campo da educação, durante os governos FHC, Lula e Dilma foram investidos recursos públicos significativos na oferta de cursos a distância para a formação continuada de professores/as da educação básica. Programas como o TV Escola, o Programa Nacional de Tecnologia Educacional – ProInfo, ou o projeto Universidade Aberta do Brasil – UAB, utilizam metodologias baseadas na EAD, sendo direcionados para o uso de tecnologias de comunicação nas práticas educacionais. Durante o governo Lula foi criado, em 2005, o Projeto Universidade Aberta do Brasil – UAB com o propósito de implantar um sistema de EAD no ensino superior de forma integrada para atender os/as professores/as em âmbito nacional. A Universidade Aberta do Brasil – UAB tem como objetivo desenvolver um sistema de educação a distância em nível superior, de forma integrada em âmbito nacional, buscando ampliar as vagas nos cursos de graduação e pós- graduação e suprir as dificuldades de articulação entre as instituições públicas de ensino superior e a esfera pública, incluindo municípios, estados e o governo federal (CARVALHO, 2014, p.169-170). O Programa de Formação Continuada Mídias na Educação e o Curso de Educação para as Relações Étnico-Raciais são cursos na modalidade de EAD direcionados para a formação de professores/as da educação básica da rede pública de ensino ofertados através do Sistema UAB. Na análise do material didático do Programa de Formação Continuada Mídias na Educação observou-se a ausência do tema de gênero em conteúdos que tratavam do uso 13 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE integrado de mídias em práticas educacionais. Os conteúdos não apresentam uma reflexão crítica sobre a indústria cultural, ou as formas de representação das mulheres em comerciais televisivos. Nos conteúdos do curso evidenciou-se a invisibilidade do sexo feminino. Assim, os/as autores/as dos conteúdos do curso não tiveram uma preocupação com a linguagem de gênero, utilizando termos no masculino como se esses representassem tanto homens quanto mulheres, sem qualquer referência a outras identidades ligadas à sexualidade. Louro (1997, p.157) enfatiza que os estudos sobre a mídia, as “identidades nacionais, étnicas e sexuais têm ‘tudo a ver’ com gênero”. No entanto, os/as conteudistas que produziram o material didático do Programa de Formação Continuada Mídias na Educação não se preocuparam com as questões de gênero. Na análise do material didático do Curso de Educação para as Relações Étnico- Raciais, ofertado pela UFRN, verificou-se que esse apresenta um conteúdo aprofundado sobre a história da África e da cultura afro-brasileira. O material foi disponibilizado para os/as alunos/as em um arquivo no formato de PDF. Para um conteúdo de EAD, o material não traz tanta interatividade, concepção fundamental para cursos nesta modalidade educacional (CARVALHO, 2014). Na análise do referido Curso, observou- se a incidência de altos índices de evasão. De um total de 286 professores/as inscritos/as, apenas 80 concluíram o curso, tendo, portanto, um percentual de mais de 70% de evasão. Pesquisas evidenciam que “currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos, processos de avaliação são, seguramente, loci das diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe [...]” (LOURO, 1997, p.64). Daí a relevância de tratar de questões de gênero quando se abordam temáticas ligadas às relações étnico-raciais. Além disso, estudos apontam que as meninas são mais atingidas no tocante à discriminação racial (SILVA; BRANCO, 2011). Desse modo, no espaço escolar é preciso “lidar, necessariamente, com as múltiplas e complicadas combinações de gênero, sexualidade, classe, raça, etnia” (LOURO, 1997, p.65). A questão racial está ligada às “nossas representações”, além de “nossos valores sobre o negro”, sendo importante que a escola trate de “questões ligadas aos preconceitos, às representações sobre o negro e às identidades [...]” (GOMES, 2005, 14 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE p.145-146). No espaço escolar é preciso “avançar na relação entre saberes escolares/realidade social/diversidade étnico-racial”, fazendo com “que os(as) educadores(as) compreendam que o processo educacional também é formado por dimensões como a ética, as diferentes identidades, a diversidade, a sexualidade, a cultura, as relações raciais [...]” (GOMES, 2005, p.147). A promoção da igualdade racial perpassa pela criação de “estratégias de combate ao racismo na escola e de valorização da população negra na educação” (GOMES, 2005, p.147). A compreensão do racismo, da história da escravidão no Brasil e o conhecimento da diversidade das culturas africanas e afro-brasileiras são estratégias que poderiam promover a igualdade racial no espaço escolar. O desconhecimento histórico da escravidão, bem como a falta de um conhecimento conceitual da temática do racismo “revela os efeitos do mito da democracia racial na sociedade brasileira, esse tão falado mito que nos leva a pensar que vivemos em um paraíso racial”, por isto se faz necessário “realizar discussões na escola que trabalhem temas como: a influência da mídia, a religião, a cultura, a estética, a corporeidade, a música, a arte, os movimentos culturais, na perspectiva afro-brasileira” (GOMES, 2005, p.148-151). Para tanto, é fundamental a análise dos reflexos da diáspora do Atlântico Sul, bem como a produção de conhecimentos acerca das culturas africanas e afro-brasileiras. Novos horizontes para a pesquisa A pesquisa Tecnologias, Cibercultura e Imagens da Mulher na Contemporaneidade mostrou que a questão de gênero ainda é pouco abordada em programas de formação continuada de professores/as da educação básica. Por outro viés, na investigação Educação, Tecnologias e Diversidade Cultural, além da percepção de que a questão da etnia e da diversidade cultural perpassa pela problemática de gênero, tem se observado que, apesar de avanços significativos no sistema educacional, principalmente com o advento da Lei nº 10.639/03, os conteúdos referentes às culturas africanas e afro-brasileiras ainda são pouco abordados no espaço escolar. Outro aspecto que causa mais preocupação entre os/as professores/as entrevistados/as que lecionam 15 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE em municípios próximos a comunidades quilombolas localizadas na região Oeste do Rio Grande do Norte, é o desconhecimento sobre as relações étnico-raciais e a diversidade cultural, além da construção de estereótipos e resistências em tratar de temas ligados, principalmente, à religião afro-brasileira. Apesar do problema da evasão, constatou-se que o Curso de Educação para as Relações Étnico-Raciais proporcionou para os/as concluintes uma visão abrangente sobre as culturas africanas e afro-brasileiras, sobretudo no tocante à valorização das contribuições dos povos africanos para a formação da sociedade brasileira. A maioria dos/as professores/as afirmou que passou a trabalhar com a temática em sala de aula a partirda conclusão do curso. Com a pesquisa observou-se que é importante abordar as relações étnico-raciais a partir da problemática de gênero. Depreende-se daí a relevância de pesquisas que tratem das questões de gênero e da diversidade cultural no sistema de ensino já que verifica-se a ausência da temática nos cursos de formação continuada de professores/as da educação básica, ofertados na modalidade de EAD. Tomando como referência a Resolução nº 1/2004 — que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, propondo, em seu art. 3º, §4º, o incentivo a pesquisas relacionadas à ampliação de bases teóricas e “conhecimentos afro- brasileiros”—, as sugestões de Gomes (2005) sobre a valorização das culturas africanas e afro-brasileiras como estratégia de promoção da igualdade racial no espaço escolar, bem como a Resolução nº 8/2012 —, a qual Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica, mencionando, no Art. 7º, a importância do “respeito e reconhecimento da história e da cultura afro-brasileira como elementos estruturantes do processo civilizatório nacional [...]”—, para dar continuidade às pesquisas sobre a diversidade cultural no sistema educacional, pretende-se sugerir a realização de estudos que propiciem o conhecimento das culturas africanas e afro- brasileiras. Ademais, a alínea XX do referido artigo cita a relevância do “reconhecimento do lugar social, cultural, político, econômico, educativo e ecológico ocupado pelas mulheres no processo histórico de organização de comunidades quilombolas [...]”, enquanto a alínea VII do Art. 35 ressalta a importância do respeito à 16 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE “diversidade sexual” para superação de “práticas homofóbicas, lesbofóbicas, transfóbicas, machistas e sexistas nas escolas”, evidenciando a problemática de gênero na abordagem das relações étnico-raciais. A partir das pesquisas sobre programas de formação continuada, direcionados para professores/as da educação básica, constata-se a necessidade de realização de mais estudos que abordem as questões de gênero e as relações étnico-raciais no sistema de ensino. Neste sentido, seria importante tratar também da diversidade cultural no espaço escolar, destacando problemáticas relacionadas com a questão de gênero. No tocante às relações étnico-raciais é preciso avançar em estudos que possibilitem o conhecimento das culturas africanas e afro-brasileiras. Considerações finais Investigações sobre temas como a educação escolar quilombola, os processos históricos de formação de comunidades quilombolas, as manifestações culturais e os modos de vida desses grupos étnico-culturais, poderiam contribuir para a produção de conhecimento acerca das culturas africanas e afro-brasileiras, bem como a reflexão sobre a diáspora africana do Atlântico Sul, constituindo-se como estratégias para a valorização de grupos étnicos minoritários no Brasil e a promoção da igualdade racial. Estudos associados a essas temáticas são importantes para a produção de materiais didáticos e conteúdos voltados a cursos de formação continuada de professores/as da educação básica. Além disso, haveria também a possibilidade de utilização de materiais didáticos baseados em multimídia sobre as culturas africanas e afro-brasileiras, que apresentassem também manifestações culturais e aspectos religiosos de comunidades quilombolas, na educação básica. O conteúdo de história da África, por exemplo, seria enriquecido com materiais multimídia que mostrassem mapas com conteúdos geopolíticos do continente africano em diferentes períodos históricos, fatores históricos, sociológicos e filosóficos relacionados à diáspora africana do Atlântico Sul, além de manifestações culturais das comunidades quilombolas no Brasil. Desse modo, como novos horizontes para a pesquisa sobre as relações étnico- 17 V Reunião Equatorial de Antropologia - REA e XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste - ABANNE raciais no espaço escolar, enfatizando aspectos das culturas africanas e afro-brasileiras, sugere-se a realização de estudos etnográficos sobre as práticas educacionais e o cotidiano de comunidades quilombolas. Tais pesquisas podem utilizar técnicas diversificadas para a coleta de dados, como a observação participante e a entrevista semiestruturada, além do registro das manifestações culturais através da produção de material audiovisual por meio de filmagens, fotografias e entrevistas com o uso de tecnologias digitais. Os dados coletados nessas investigações poderão ser editados, servindo como conteúdos para materiais didáticos sobre a história da África, a diáspora africana do Atlântico Sul e a diversidade das culturas africanas e afro-brasileiras. 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