Prévia do material em texto
Apostila do Curso de Fisiologia 2007 Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 54 SISTEMA NERVOSO SENSORIAL O Sistema nervoso sensorial é a parte do sistema nervoso responsável pela análise dos estímulos oriundos dos meios ambientes externo e interno ao organismo. As informações sensoriais são usadas para atender quatro grandes funções: percepção e interpretação, controle do movimento, regulação de funções de órgãos internos e a manutenção de consciência. Neste capítulo, vamos dar ênfase ao estudo de como funcionam os órgãos sensoriais quando decodificam os diferentes estímulos físicos e químicos do ambiente em impulsos nervosos e como o SNC interpreta essas informações. Ao analisar o ambiente, o sistema nervoso sensorial o faz detectando determinados aspectos do ambiente por meio de órgãos sensoriais específicos cujas informações são então processadas por vias neurais rotuladas. Assim experimentamos modalidades sensações distintas (visão, audição, gustação etc) e suas submodalidades (intensidade, duração e localização etc). Outro aspecto do sistema sensorial é promover experiências sensoriais conscientes e inconscientes. Organização do Sistema Nervoso Sensorial A chave abaixo resume a organização do sistema nervoso sensorial: Categoria de sensibilidade Origem do estímulo Organiz. geral Sensibilidade mediada Receptores periféricos calor e frio (terminações livres) gerais dor (terminações livres) exterocepivas tato-pressão (corpúsculos de Meissner; corpúsculos de Paccini; corpúsculos de Ruffini; Discos de Merkel; folículos pilosos) SOMÁTICAS visão (retina) audição (órgão de Corti) especiais equilíbrio (cristas ampulares e máculas utricular e sacular) olfação (epitélio olfativo) gustação (botões gustativos) proprioceptivas gerais propriocepcão (cinestesia) (fusos musculares; órgaos tendinosos de Golgi receptores das cápsulas articulares) VISCERAIS interoceptivas sentido visceral (pressorreceptores; osmorreceptores; quimiorreceptores, etc) Nos vertebrados, os neurônios sensoriais periféricos associados aos receptores têm o corpo celular localizado nos gânglios das raízes dorsais dos nervos espinhais e nos gânglios de alguns neurônios cranianos. Um nervo periférico pode conter fibras sensoriais de várias modalidades, cada uma conduzindo os respectivos impulsos gerados e decodificados nos receptores periféricos. No SNC, os neurônios funcionalmente relacionados formam cadeias de neurônios denominados de vias. Assim, do órgão receptor periférico (somático ou visceral) até o cérebro existe uma cadeia de neurônios relacionados com aquela modalidade sensorial e do mesmo modo, existem vias motoras especificas que inervam um determinado órgão efetuador. A Apostila do Curso de Fisiologia 2007 Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 55 via que traz as informações sensoriais para o SNC é denominada via aferente e a que o deixa, conduzindo os comandos motores para os órgãos efetuadores é denominada via eferente. Uma via aferente é formada possui: um receptor (terminação nervosa sensível ao estímulo que caracteriza a via), um trajeto periférico (nervo espinhal ou cranial e o seu respectivo gânglio sensitivo), um trajeto central (outros neurônios centrais que processam a informação) e uma área de projeção cortical (neurônios corticais que interpretam a informação) Essa cadeia neuronal pode ser descrita tendo como referência os neurônios: Neurônio I ou de Primeira ordem: localiza-se geralmente fora do SNC em um gânglio sensitivo, cujo prolongamento periférico está ligado aos receptores; Neurônio II ou de Segunda ordem: localiza-se na coluna posterior da medula ou em núcleos dos nervos cranianos (exceção às vias ópticas e visuais) cujos axônios geralmente, cruzam o plano mediano e como conseqüência os estímulos originados num lado do corpo são projetados para o lado contralateral do tálamo; Neurônio III ou de Terceira ordem: localiza-se no tálamo e origina axônio que chega ao córtex através da radiação talâmica (com exceção da via olfatória) Neurônios IV ou de Quarta ordem: localiza-se no córtex sensorial cerebral. Quando as informações sensoriais chegam ao SNC, podem ser imediatamente processadas no local, resultando na elaboração de comandos motores reflexos, bem como, serem retransmitidos para estações sinápticas mais cefálicas através de neurônios de projeção (neurônios II, III, por exemplo). De um modo geral, quando uma informação está sendo processada ao nível da medula e do tronco encefálico, as sensações e os reflexos são inconscientemente evocados. Já o processamento sensorial no tálamo e nos córtices cerebral, evoca sensações conscientes. Campos de inervação Campo receptivo corresponde à região que quando estimulada, evoca atividades dos neurônios sensitivos periféricos e centrais da via sensorial. Ao lado temos o campo receptivo do neurônio sensorial aferente que é mais restrito e o do neurônio secundário, mais abrangente incluindo todos aos campos unitários que convergem sobre ele. Chamamos unidade sensitiva, a fibra sensitiva periférica e todas as suas ramificações nervosas associados aos receptores sensoriais. Por conseguinte, todos os receptores sensoriais de uma unidade sensitiva são todos de um só tipo. Propriedade e mecanismo funcional dos neurônios sensoriais e grupos de neurônios Apostila do Curso de Fisiologia 2007 Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 56 Córtex Sensorial Primário (áreas coloridas, exceção da área motora primária). Em cada estação de retransmissão dos sistemas sensoriais, ou relês, o estímulo aferente é processado localmente por excitação e inibição, proporcionando diferentes níveis de análise. Ao lado, um exemplo de como a origem espacial do estimulo aplicado na pele é discriminado. Para que uma estimulação puntiforme seja claramente localizada, o mecanismo de inibição lateral garante que os neurônios aferentes vizinhos não interfiram na detecção. Os neurônios inibitórios estão ativos quando o neurônio aferente não está sendo estimulado. Desta maneira, o neurônio sensorial secundário ignora informações deste campo receptivo, mas responde aos impulsos excitatórios da região estimulada. Assim uma maior nitidez na localização do estimulo se torna possível. Em cada relê de retransmissão este processo é mantido, garantido assim uma representação somatotópica no SNC. Inibição descendente: Em quase todos os sistemas sensoriais ocorrem inibições sobre os próprios receptores bem como, sobre as vias aferentes, influenciado o nível de excitabilidade do canal sensorial. Tálamo e Córtex Sensorial O tálamo é a estação central de recebimento das informações sensoriais (com a exceção da via olfatória) e de retransmissão ao córtex cerebral. Situado no diencéfalo, pertencem-lhe os corpos geniculados lateral e medial e um grande número de outros núcleos. Os neurônios talâmicos estabelecem principalmente, conexões com o córtex e vice-versa, formando as radiações talâmicas. Do tálamo, várias projeções sensoriais se dirigem ao córtex, em regiões denominadas áreas sensitivas primárias. De modo geral, cada modalidade dos sentidos especiais tem uma área primária específica enquanto que as formas de sensibilidade geral Apostila do Curso de Fisiologia 2007 Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 57 somática convergem todas para uma área só. As áreas corticaisprimárias estão associadas a regiões adjacentes denominadas áreas corticais secundárias e associativas . As vias sensoriais de cada modalidade evocam sensações especificas no córtex. Como estudaremos mais tarde, há uma outra via paralela pela qual as informações sensitivas são mediadas pelo tálamo e pelo córtex numa forma inespecífica que garante o nosso estado consciente e de alerta, mantendo-nos acordados. Sensação corresponde à capacidade de os animais codificar certos aspectos da energia física e química do meio ambiente em impulsos nervosos. Percepção é a capacidade de veicular os sentidos a outros aspectos da existência como comportamento e o pensamento. Por exemplo, o sentido da audição permite-nos detectar sons, mas é graças à capacidade de perceber os sons que podemos apreciar uma musica ou compreender a linguagem. A percepção é processada em um nível de complexidade neural muito maior do que a simples sensação; na espécie humana atingiu o nível mais alto e é o que torna o ser humano peculiar em relação a outras espécies. No entanto a qualidade perceptiva depende do nível de atenção do individuo: se você estiver tentando ler esse texto, mas está interessado em outra coisa ( como ouvir os diálogos na TV...) talvez tenha que lê-lo de novo para compreender o significado do conceito de percepção.... Modalidade, qualidade e estímulos sensoriais específicos Sentido ou Modalidade: grupo de impressões sensoriais parecidas e evocadas por um determinado órgão sensorial: Modalidade Sensorial Estímulo Tipo de receptor Célula Receptora/ Estrutura VISÃO Luz Fotorreceptor Cones e bastonetes AUDIÇÃO Ondas de pressão sonora Mecanorreceptor Células ciliadas da Cóclea EQUILÍBRIO Movimento da cabeça Mecanorreceptor Células ciliadas dos Canais Semicirculares, utrículo e sáculo TATO Pressão Mecanorreceptor Corpúsculos de Pacini, Corpúsculos de Merkel, etc. TEMPERATURA Quantidade de calor Termorreceptor Terminações livres dos neurônios aferentes DOR Estímulos intensos e substancias quimicas Nociceptor Terminações livres dos neurônios aferentes PALADAR Subst. Químicas Quimiorreceptor Células dos Botões gustativos OLFATO Subst. Químicas voláteis Quimiorreceptor Células ciliadas do epitélio olfativo Cada tipo de receptor está habilitado para informar o sistema nervoso apenas sobre determinados aspectos ou dimensão do meio ambiente, funcionando como um filtro sensorial e é altamente sensível ao estímulo que lhe é adequado. Assim os fotorreceptores são extremamente sensíveis a determinado espectro das ondas eletromagnéticas (luz visível) e não as ondas mecânicas sonoras. Dentro de cada modalidade sensorial é possível distinguir diversas qualidades. Por exemplo, dentro do sentido da visão, as suas qualidades são: luminosidade, visão colorida, dentro da gustação, as sensações qualitativas são doce, salgado, amargo e ácida. Desse modo o sistema sensorial avalia vários aspectos de uma mesma modalidade. Mas é no cérebro que a percepção consciente das informações ocorre assim como a sua interpretação. As diferentes modalidades sensoriais enviam as respectivas informações sensoriais para áreas especificas do córtex sensorial e ocorre a constituição completa do meio ambiente. Quando enxergamos um sorvete de morango o reconhecemos e associamos a ele, o sabor, cheiro, temperatura, consistência física, etc. Esse aspecto de focar a atenção deve ser extremamente importante se levarmos em conta num contexto em que uma presa deve escolher rapidamente entre manter a atenção em seu alimento ou no predador que se aproxima.... Apostila do Curso de Fisiologia 2007 Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 58 Célula Sensorial Secundária Neurônio Sensorial Primário Receptor Livre Receptor Encapsulado Além das modalidades, os sentidos propiciam outras informações a cerca do ambiente De fato, o sistema sensorial provê não só a qualidade da informação como também: a) a localização espacial da fonte estimuladora: podemos discriminar se os sons vêm à nossa esquerda ou a direita, se aproximam ou se distanciam de nós. Através da visão podemos nos situar no espaço e discriminar os objetos ou ainda através do sentido somestésico discriminar que parte do corpo se move ou está sendo estimulada b) a determinação da intensidade: identificamos o volume sonoro como a s mudanças no brilho dos objetos c) a determinação da duração: sabemos quando começa e termina uma estimulação ou a sua variação de intensidade. Classificação dos receptores sensoriais A principio, há dois tipos de receptores sensoriais: os neurônios sensoriais periféricos que tem em sua extremidade periférica uma estrutura modificada para a detecção dos estímulos ou células sensoriais epiteliais associados a um neuroepitélio. Os receptores sensoriais podem converter os estímulos físicos e químicos do ambiente em impulsos elétricos e funcionam como transdutores de energia. Através dos prolongamentos periféricos dos neurônios aferentes as informações sensoriais são conduzidas para o SNC. E somente no SNC, é que esta informação será percebida e interpretada. Os receptores são classificados em função de três critérios: 1) de acordo com a sua morfologia Receptores especiais: estão associados a um neuroepitélio e fazem parte dos órgãos dos sentidos especiais (visão, olfação, gustação audição e equilíbrio), todos localizados na cabeça. Possuem células receptoras especializadas não nervosas (células sensoriais secundárias) associadas às células nervosas propriamente ditas (células sensoriais primárias). Receptores gerais: ocorrem em todo o corpo, principalmente na pele e são menos complexos na estrutura podendo ser classificado em dois tipos: receptores livres e receptores encapsulados . Estes não possuem células sensoriais secundárias. Apostila do Curso de Fisiologia 2007 Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 59 2) de acordo com a localização da fonte estimuladora Exteroceptores: localizados na superfície do corpo, são ativados por estímulos externos ao corpo como luz, som, pressão, etc. Proprioceptores: localizados em nos tecidos mais profundos do corpo como músculos, cápsulas articulares, tendões, ligamentos, são ativados por vários estímulos mecânicos. Interoceptores (=vísceroceptores): localizam-se nos vasos e órgãos cavitários do corpo. Baseado neste critério é fácil perceber que os proprioceptores e exteroceptores são responsáveis pelas sensações somáticas e os interoceptores, pelas sensações viscerais. E ainda, as sensações viscerais e proprioceptivas e interoceptivas são também consideradas como profundas e as evocadas pelos exteroceptores de superficiais. 3) de acordo com o estímulo mais apropriado. Dado que os receptores respondem mais especificamente a determinados estímulos funcionando como filtros seletivos e específicos, os receptores podem ser classificados: fotorreceptores, glicorreceptores, eletrorreceptores, etc. Mecanismos de transdução sensorial Denomina-se estimulação sensorial o processo em que uma modalidade de energia do ambiente interage com um receptor sensorial apropriado. Observe a figura ao lado: quando um estímulo atinge a região receptora (R), é gerada uma alteração no potencial de membrana semelhante ao PEPS de baixa voltagem que neste caso é denominado potencial receptor (PR). Se a propagação eletrotônica desta atividade chegar até a zona de gatilho e atingir o potencial limiar para desencadear o PA, o impulso nervoso será enviado ao SNC. Como o PR é um fenômeno graduado à semelhança dos potenciais pós- sinapticos, quanto maior o estímulo, maiorserá a amplitude de sua resposta e maior será a freqüência de descargas dos PA na fibra aferente. A membrana dos diferentes receptores sensoriais possui mecanismos altamente específicos que convertem os estímulos em PR. Esses estímulos físicos ou químicos abrem ou fecham canais iônicos específicos causando ou interrompendo fluxos iônicos e como conseqüência, mudanças temporais no potencial de membrana do receptor. Limiar sensorial e impressão sobre a intensidade do estímulo A variação na intensidade do estímulo resulta na percepção quantitativa da impressão sensorial. Denomina-se estímulo limiar a menor intensidade de estímulo capaz de produzir uma reação sensorial. Além de qualidade e quantidade dos estímulos, a percepção sensorial resulta também em uma definição temporal do estímulo como, por exemplo, a duração e taxa de variação de um determinado estímulo. Finalmente, outro aspecto importante é que o sistema sensorial é capaz de detectar a origem dos estímulos sensoriais (localização) e informar-nos sobre a nossa posição no espaço e nos fornecer informações sobre o nosso mapa corporal. Apostila do Curso de Fisiologia 2007 Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida 60 A duração de uma sensação depende das propriedades do receptor. Se um determinado estímulo persiste por muito tempo, com o tempo ficamos com a sensação de que ele diminui ou desapareceu. Esta propriedade é denominada de adaptação. Há dois tipos de receptores sensoriais quanto à capacidade de adaptação: Receptores tônicos ou de adaptação lenta são aqueles cujo potencial receptor é mantido enquanto durar o estímulo e, por conseguinte, são adequados para realizar a análise de intensidade do estímulo. Por exemplo, se você aplicar uma pressão leve sobre a pele, perceberá a presença do estímulo enquanto ela dura; se aumentar a intensidade da pressão, continuará percebendo não só o aumento na intensidade do estímulo como também a sua duração. Receptores fásicos ou de adaptação rápida que se adaptam rapidamente ao estímulo, ie, se o estímulo persistir por muito tempo, os potenciais receptores não serão mais gerados, bem como, os PA nas fibras aferentes primárias. A sensação detectada é de aparente ausência de estímulo. Podemos exemplificar esta propriedade através da resposta dos mecanorreceptores da pele que se adaptam à constante presença da roupa que vestimos.