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Ao lado do processo formal de 
mudança da Constituição, que hoje 
consiste na elaboração das emendas 
constitucionais com espeque no art. 60 
da CRFB/80, a mutação constitucional 
vai dar oxigênio ao texto constitucional, 
permitindo a sua releitura à luz da 
sociedade atual, dos fatos econômicos, 
históricos e políticos, existentes no 
momento da interpretação da 
Constituição. A mutação não realiza 
mudanças formais na Constituição, por 
isso se diz que seria uma reanálise do 
sentido e alcance das normas 
constitucionais, sem mudança de texto. 
Pode ainda ser denominada, segundo a 
doutrina, transição constitucional, 
manifestação de poder constituinte 
difuso e, mudança constitucional 
silenciosa. 
Com bem salienta Uadi 
Lammêgo Bulos, o caráter dinâmico e 
prospectivo da ordem jurídica propicia o 
redimensionamento da realidade 
normativa, onde as Constituições, sem 
revisões ou emendas, assumem 
significados novos, caracterizados por 
um renovar-se, um refazer-se de 
soluções que, muitas vezes, não 
promanam de reformas constitucionais, e 
sim, de mudanças informais. 
 Com base nas lições de George 
Burdeau, haveria um poder constituinte 
difuso que, por não ser registrado pelos 
mecanismos constitucionais, seria 
realizado por meios difusos, ou seja, não 
seguem formalidades ou procedimentos 
expressos. 
 Anna Cândida da Cunha Ferraz 
define a mutação como: “um processo 
indireto, processos não formais ou 
processos informais, para designar todo 
e qualquer meio de mudança 
constitucional não produzida pelas 
modalidades organizadas de exercício do 
Poder Constituinte Derivado”. 
Manifestações 
A mutação pode ser fruto de 
novos usos ou costumes, de atuações 
administrativas ou legislativas, e ainda, 
como é mais comum no Brasil, 
manifestar-se por meio de novas 
interpretações judiciais acerca do texto 
constitucional, ou seja, verdadeiras 
“viradas jurisprudenciais”. 
Consoante o ensinamento de 
Anna Cândida da Cunha Ferraz, em obra 
específica sobre o assunto, a mutação 
constitucional por via interpretativa é 
claramente perceptível numa das 
situações seguintes: a) quando há um 
alargamento do sentido do texto 
constitucional, aumentando-se-lhe, 
assim, a abrangência para que passe a 
alcançar novas realidades; b) quando se 
imprime sentido determinado e concreto 
ao texto constitucional; c) quando se 
modifica interpretação anterior e se lhe 
imprime novo sentido, atendendo à 
evolução da realidade constitucional; d) 
quando há adaptação do texto 
constitucional à nova realidade social, 
não prevista no momento da elaboração 
da Constituição; e) quando se preenche, 
por via interpretativa, lacunas do texto 
constitucional. 
Limitações à Mutação e a 
“Mutação Inconstitucional” 
 Como os limites da mutação não 
estão delineados de maneira expressa na 
Constituição – porque desconfiguraria a 
própria natureza informal da reforma – 
poderão existir mutações (ou 
deturpações constitucionais sob essa 
denominação) que violem seu texto e seu 
espírito, sendo manifestamente 
inconstitucionais. Por isso mesmo é que 
podem ser facilmente percebidas por 
quem as analise quanto à ausência de 
cuidado de compatibilizá-las com o 
sentido da Carta Magna. 
 Poderíamos dizer que além de 
respeito à própria essência da 
Constituição, a mutação não poderá 
contrariar as cláusulas pétreas do art. 60, 
§ 4º da CRFB/88, sob pena de se 
transformar numa verdadeira “quebra da 
Constituição”. 
Exemplos do Fenômeno 
 Como exemplos clássicos de 
mutações constitucionais, de acordo com 
a jurisprudência do STF, podemos citar: 
 a) A decisão da Corte no MS 
26.603-1, que reconheceu a fidelidade 
partidária no país, realizando uma 
releitura dos arts. 14, § 3 o e 55 da 
CRFB/88; 
 b) O entendimento do Tribunal 
sobre a prisão civil do depositário infiel 
(art. 5º, LXVII da CRFB/88), 
representado pela Súmula Vinculante nº 
25; 
c) A decisão do STF acerca da 
relação homoafetiva e da entidade 
familiar em que considerou cabível o 
mecanismo da integração analógica para 
que sejam aplicadas às uniões 
homoafetivas as prescrições legais 
relativas às uniões estáveis 
heterossexuais, excluídas aquelas que 
exijam a diversidade de sexo para o seu 
exercício, até que o Congresso Nacional 
lhe dê tratamento legislativo (releitura do 
art. 226, § 3 o da CRFB/88); 
 d) A redefinição do papel do 
AGU no controle concentrado de 
constitucionalidade – ADI 3.916/DF. O 
Tribunal, por maioria de votos, entendeu 
que o art. 103, § 3º da CRFB/88 deve ser 
alvo de uma interpretação sistemática, 
pois o que o referido dispositivo pretende 
garantir é que o AGU emita seu parecer 
e não estabelecer obrigatoriedade deste 
em defender o ato normativo 
impugnado; 
 e) A criação da Súmula 
Vinculante nº 13 que, ao vedar o 
nepotismo, fez uma sadia releitura dos 
princípios da Administração Pública 
previstos no art. 37, caput, da CRFB/88.

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