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FÍSICA GERAL II Maringá 2009 FÍSICA GERAL II EdItoRA dA UnIvERSIdAdE EStAdUAL dE MARInGá Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini ConSELho EdItoRIAL Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza Editores Científicos Prof. Adson C. Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Profa. Dra. Eliane Aparecida Sanches Tonolli Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Profa. Dra. Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Prof. Dr. João Fábio Bertonha Profa. Dra. Larissa Michelle Lara Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado Prof. Dr. Manoel Messias Alves da Silva Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Raymundo de Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto Profa. Dra. Rosilda das Neves Alves Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Valéria Soares de Assis EqUIpE téCnICA Projeto Gráfico e Design Marcos Kazuyoshi Sassaka Fluxo Editorial Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio Artes Gráficas Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing Marcos Cipriano da Silva Comercialização Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima Maringá 2009 FoRmAção dE PRoFESSoRES Em FÍSICA - EAd FÍSICA GERAL II Cesar Canesin Colucci João Mura Maurício Antonio Custódio de Melo 5 Copyright © 2009 para o autor 1ª reimpressão 2010 revisada Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edição 2009 para Eduem. Endereço para correspondência: Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário 87020-900 - Maringá - Paraná Fone: (0xx44) 3261-4103 / Fax: (0xx44) 3261-1392 http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br Coleção Formação de professores em Física - EAd Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese Normalização e catalogação: Ivani Baptista - CRB 9/331 Revisão Gramatical: Josie Agatha Parrilha da Silva Edição e Produção Editorial: Carlos Alexandre Venancio Diagramação: Renato William Tavares Capas: Arlindo Antonio Savi Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Melo, Maurício Antonio Custódio de Física geral II. / Mauricio Antonio de Melo; João Mura; Cesar C. Colucci. -- Maringá : Eduem, 2009. 153. il. (Formação de professores em Física – EAD; v.5) ISBN: 978-85-7628-200-6 1. Física. 2. Gravitação. 3. Termodinâmica. I. Colucci, Cesar C. II. Melo, Maurício Antonio Custódio de, III. Mura João CDD 21. ed. 530 M528f 3 Sobre os autores ................................................................................... 5 Apresentação da coleção ..................................................................... 7 Apresentação do livro ........................................................................... 9 1 Gravitação .............................................................................................11 2 Equilíbrio Estático ................................................................................ 35 3 Fluidos ................................................................................................. 47 4 oscilações ............................................................................................61 5 ondas Mecânicas ............................................................................... 79 6 temperatura e Calor ........................................................................... 95 7 primeira Lei da termodinâmica ......................................................... 113 8 Segunda Lei da termodinâmica ........................................................133 9 Referências ........................................................................................153 umárioS FÍSICA GERAL II 4 5 CESAR CANESIN COLUCCI Bacharel em Física pela Universidade Estadual de Campinas. Obteve seu mestrado (1978) sobre supercondutividade e seu doutorado (1993) trabalhando com materiais magnéticos pela mesma Universidade. Em 1993 foi pesquisador visitante no Max Plank Institut (Stuttgart-Alemanha). Desde 1983 é professor do Departamento de Física da Universidade Estadual de Maringá e atualmente ocupa o cargo de Professor Associado. JOÃO MURA Possui graduação em Física (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Estadual de Campinas (1975) e graduação em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (1983). O professor Mura obteve sua especialização em Ensino de Física Experimental (1979), mestrado (2000) e doutorado em Física (2005) pela Universidade Estadual de Maringá. Desde 1976 é professor do Departamento de Física da Universidade Estadual de Maringá. Atualmente ocupa o cargo de Professor Associado. MAURÍCIO ANTONIO CUSTÓDIO DE MELO Licenciado em Física pela Universidade Estadual de Maringá (1987), mestrado em Físico-Química pela Universidade Federal de Santa Catarina (1990), doutorado em Ciências Naturais – Física pela Technische Universität Braunschweig na Alemanha (1995) e realizou um pós-doutorado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (1995-1997). Professor da Universidade Estadual de Maringá desde 1997, sendo atualmente Professor Associado. obre os autoresS 7 A coleção Formação de Professores – EAD – Física inicia-se com a aprovação do Curso de Educação à Distância em Física (Licenciatura) pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação (MEC). O curso terá a mesma carga horária, disciplinas e ementas do curso presencial da Licenciatura em Física da Univer- sidade Estadual de Maringá. O grande desafi o do EAD-Física, além do curso em si, é a oportunidade que ele oferece não somente aos alunos, mas, sobretudo, ao corpo docente que lhe dá sus- tentação. Esse corpo docente terá a hercúlea tarefa de, ao fi nal dos quatro anos de integralização do curso, escrever mais de trinta livros a serem ofertados gratuitamente para o corpo discente. Essa primeira edição, já o reconhecemos, conterá falhas, mas serão aquelas típicas de uma atividade pioneira, baseada numa vontade inequívoca de acertar, de propor- cionar um material didático inédito nascido da prática docente de cada um dos autores e organizadores das obras editadas. A tiragem da primeira edição será bastante modesta, contemplando tão somente o número de discentes e docentes inscritos no programa. Em 2008, oito obras serão editadas, uma para cada disciplina do curso. E assim em todos os anos sucessivos até a integralização do curso em fi nal de 2011. A princípio serão impressos cerca de 200 exemplares de cada título, uma vez que os livros serão utilizados como material didático para os alunos matriculados no Curso de Física, Modalidade de Educação à Distância, ofertado pela Universidade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB. Cada livro traz uma vivência dos docentes que ajudaram na sua organização, sinte- tizando e buscando potencializar os conteúdos que permeiam cada disciplina. Buscam um processo de refl exão, instigação histórica da ciência e um manuseio dos instru- mentos que defi niram a física e a matemática que subjazem aos fenômenos físicos que lhe deram origem. presentação da ColeçãoA FÍSICA GERAL II 8 Com esse intuito, a presentecoleção construiu-se a partir do esforço de uma ab- negada parcela de docentes do Departamento de Física (e, também, de Matemática, Química, Educação e Informática) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), e de professores convidados, que buscam a superação da inércia educacional que produ- ziu, em muitas décadas, uma quantidade irrisória de licenciados em Física no país. Agradecemos a todos os colegas da UEM e demais IES, além da administração cen- tral da UEM, que, por meio da atuação direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias, não mediu esforços para que os trabalhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante específi co, destacamos aqui o esforço da Reitoria para que os recursos para o fi nanciamento desta coleção pudessem ser liberados de acordo com os trâmites burocráticos e os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). No que se refere ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES) conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para libe- ração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para aprovação, tendo em vista a ação direta e efi ciente de um número muito pequeno de pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação Geral de Articulação. Esperamos que essa primeira edição da Coleção Formação de Professores – EAD - Física possa contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Física (mesmo aquele presencial), bem como de outros cursos superiores à distância de to- das as instituições públicas de ensino superior que integram e possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB. Marcos Cesar Danhoni Neves Organizador da Coleção 9 A Física abrange o pequeno e o grande, o velho e o novo. Do movimento de elé- trons até a orbita dos planetas. Do estudo da termodinâmica até oscilações de um ins- trumento musical. Este livro didático de Física Geral II tem como objetivo ampliar um pouco mais o elenco de aplicações dos conceitos básicos da mecânica e abrir novas fronteiras de conhecimento. O capítulo 1 apresenta discussão básica sobre gravitação, onde os conceitos de força, energia potencial e conservação do momento angular são essenciais. Aqui é apresentado a vocês, pela primeira vez, o conceito de campo. No ca- pítulo 2 juntamos aos conceitos de força e torque para entender o estado de equilíbrio de sistemas mecânicos, chamado simplesmente de estática. Para o estudo dos fl uidos no capitulo 3, alguns novos conhecimentos serão estudados utilizando os conceitos de força e energia. Nos capítulos 4 e 5 estudaremos oscilações e ondas mecânicas. Além de revermos alguns conhecimentos básicos de mecânica, este estudo será a base para entendermos futuramente, por exemplo, as ondas eletromagnéticas e circuitos de corrente alternada. Uma introdução ao estudo da termodinâmica é apresentada nos capítulos 6, 7 e 8, onde veremos limitações do uso dos conceitos básicos da mecânica para descrever fenômenos que envolvam calor. Ao fi nal do livro espera-se que a sua visão seja ampliada e que você aprenda uma série de novos conhecimentos importan- tes na física, e, também, possa correlacioná-los com os já anteriormente aprendidos. Cada capítulo tem uma série de exemplos, que têm o intuito de desvendar a você a aplicação dos conhecimentos estudados. Eles fazem parte integrante do texto, por- tanto devem ser refeitos e entendidos. Ao fi nal de cada capítulo agrupa-se um conjunto de problemas. Não optamos por uma quantidade excessiva, mas foram escolhidos de tal forma a conduzi-lo a expe- riência dirigida de compreensão e fi xação dos conhecimentos. Você, aluno, tem como tarefa fazer os problemas. A compreensão e fi xação têm maior sucesso quando cada um enfrenta a tarefa proposta. Os autores dedicam esta obra à memória da Professora Doutora Marlete Aparecida Zamprônio. A ela, nosso tributo de reconhecimento pelo esforço, dedicação e, prin- cipalmente, amizade demonstrada por ela em nossos anos de trabalho e convivência mútua. presentação do livroA FÍSICA GERAL II 10 11 Gravitação1 1.1 Um pouco de história - Mundo ocidental 1.2 Leis de Kepler 1.2.1 primeira Lei de Kepler 1.2.2 Segunda Lei de Kepler 1.2.3 terceira Lei de Kepler 1.3 Lei da Gravitação Universal de newton 1.4 o Campo Gravitacional 1.5 Corpos em Órbita Circular - Satélites 1.6 Energia potencial Gravitacional FÍSICA GERAL II 12 1 GRAVITAÇÃO 1.1 Um Pouco de História – Mundo Ocidental Este capítulo está relacionado ao movimento de rotação de partículas ou corpos, em torno de um ponto fi xo, de um sistema de referência inercial. Está vinculado à mecânica de rotação dos corpos quando submetidos à ação de uma força central, principalmente, a força gravitacional, que é uma das propriedades da matéria. O movimento das estrelas, da Lua e do Sol pode ter uma explicação relativamente simples, considerando a rotação da Terra em torno de seu eixo, mas apresenta difi culdades quando analisamos o problema em sua plenitude, de forma quantitativa, levando em consideração as forças que os interligam. Nossos ancestrais, muito provavelmente, ao presenciarem certos fenômenos que aconteciam à sua volta, devem ter sentido medo e curiosidade, misturando perplexidade com admiração. Os dias e as noites, o Sol, a Lua e as estrelas, a chuva, os relâmpagos, os trovões e o arco-íris, o calor e o frio, a água, o fogo e o gelo. Todos os eventos eram novidades que se repetiam com certa regularidade, infl uindo diretamente em suas vidas e pareciam estar ligados entre si. Procurar entender esses eventos era vital para a sobrevivência humana. É sob esse clima que o homem evoluiu até nossos dias e muitas de suas indagações ainda continuam sem respostas. Com o passar do tempo, as observações sistemáticas dos fenômenos deram aos homens a possibilidade de fazer uso das mesmas para sua orientação e, a regularidade das ocorrências, permitiu o estabelecimento de calendários e a previsão de eventos. Com tais conhecimentos, ainda que rudimentares, foi possível criar metodologias que possibilitaram o surgimento de uma ciência vinculada às necessidades básicas de sobrevivência. A Astronomia, cujo objetivo, dentre outros, consiste na observação dos astros, estudando seus movimentos, posições e evolução ao longo de períodos pré-estabelecidos, respondia à necessidade de uma ciência causalista e previsora. A Astronomia pré-histórica, atualmente estudada em conjunto por astrônomos e arqueólogos, já acumulava conhecimentos a respeito dos movimentos do Sol, da Lua, das estrelas e de grupamentos estelares. Além disso, observada a regularidade com que o Sol nascia e desaparecia, foi possível estabelecer uma unidade temporal, chamada de dia. Observando as variações que ocorriam na Lua e que, após certo tempo, retornava à mesma situação e posição em relação às estrelas, o homem primitivo pôde estabelecer outra unidade temporal repetitiva, denominada de mês lunar (mês das fases). Também, foi possível estabelecer a duração do ano ( ainda que impreciso quando comparado ao atual) e as estações do ano com suas variações climáticas. O caminhar errante de certas “estrelas” e a existência de estrelas que pareciam estar fi xas no céu, mas que, ao longo de certo período, desapareciam no horizonte de um lado da Terra surgindo no outro lado, instigavam a contagem do intervalo temporal. Muitas outras observações encontram-se registradas em pinturas rupestres nas cavernas, em esculturas e em gravações em blocos de pedras devidamente orientados em relação aoSol nascente. Com a invenção da linguagem escrita (escrita cuneiforme) pelos povos que habitavam a região da Mesopotâmia (atualmente onde encontra-se o Iraque), os registros dos fatos e fenômenos permitiram que o conhecimento acumulado fosse compartilhado com outros povos. Além da observação prática, ao utilizar os conhecimentos matemáticos existentes, os mesopotâmicos estabeleceram um sistema sexagesimal de numeração, dividindo o círculo em 360 graus, cada grau em 60 minutos e cada minuto em 60 segundos. Observando o movimento aparentemente circular do Sol e das estrelas “fi xas”, estabeleceram a duração do período iluminado (dia) e do período escuro (noite) em doze partes iguais (horas). Cada hora foi dividida em 60 minutos e cada minuto em 60 segundos, tal como utilizamos hoje. Determinaram o ano trópico, o período de lunação (mês das 13 Gravitação fases), a inclinação da trajetória anual do Sol por entre as estrelas (eclíptica). Perceberam, ainda, que a velocidade da Lua não era constante ao rotacionar a Terra; previram eclipses lunares (período de Saros); estabeleceram o Zodíaco (faixa em torno da eclíptica onde podem ser encontrados os planetas e as constelações) e a duração da semana, onde cada dia representava um deus-planeta, cujos ciclos de adoração de sete dias, coincidiam com o período de tempo das quatro fases lunares. Desenvolveram e utilizaram equipamentos primitivos, tais como o gnomon, a clepsidra e o pólo, para a compreensão dos fenômenos do céu. Os egípcios desenvolveram, também, uma linguagem escrita (hieróglifos) gravadas em papiro (“primogênito” do nosso papel), onde parte de textos e documentos se perdeu no tempo pela inexorável deteriorização do material utilizado. Estabeleceram um calendário anual baseado nas enchentes e secas do rio Nilo, em cujas margens o império egípcio nasceu e morreu, além de um elaborado calendário lunar. Construíram grandes pirâmides com as faces voltadas para os quatro pontos cardeais. Desenvolveram instrumentos específi cos como o merkhet, uma espécie de gnomon, aperfeiçoaram a clepsidra e construíram um relógio de sol, onde a sombra de um eixo (representando o eixo polar) indicava as horas do dia. A Grécia Antiga deixou um legado importantíssimo para a Ciência Moderna. Utilizando-se dos conhecimentos mesopotâmicos e egípcios anteriores, os gregos desenvolveram a matemática, a astronomia, a poesia e a literatura de forma ímpar. Historicamente, a astronomia grega originou-se com Thales de Mileto (século VI a.C.), cujos discípulos previram a curvatura da Terra e o brilho da Lua como refl exo da luz solar. Pitágoras de Samos admitiu a esfericidade da Terra e contribuiu enormemente com a matemática da época. É lembrado em nossos dias através de sua imortal contribuição, batizada de “Teorema de Pitágoras”. A partir de Pitágoras e seus discípulos, a Astronomia teórica grega teve forte desenvolvimento, principalmente através da construção de modelos para explicar os movimentos dos planetas (estrelas errantes), da Terra, do Sol e da Lua. Aristóteles de Estagira, que viveu no século IV a.C., é considerado um dos maiores sábios da Antiguidade. Discípulo de Platão, outro gigante da cultura grega, afi rmava que nosso universo era fi nito e limitado pela esfera das estrelas fi xas, além da qual nada existiria. Propunha uma estrutura hierarquizada do universo, possuindo cinco elementos primordiais, sendo quatro pertencentes a Terra (terra, água, ar e fogo) e um elemento divino, o éter, que preencheria os céus e seria o símbolo da perfeição. Acreditava nas formas perfeitas dos círculos e esferas e que a Terra estava no centro do Universo, não possuindo movimento de rotação ou de translação (geocentrismo). O pensamento aristotélico, principalmente aquele que dizia ser a Terra o centro do universo, perdurou por quase 2 mil anos, até ser enterrado pela proposição do modelo heliocêntrico. Coube a Aristarco de Samos, que viveu entre os séculos III e II a.C. em Alexandria, no norte do Egito, a proposição de que o Sol seria o centro do universo (heliocentrismo) e não a Terra, propondo, inclusive, que esta deveria ter movimento de rotação em torno de seu eixo polar e translação em torno do Sol. Em decorrência de tais idéias, quase foi declarado ímpio (herege, infi el), uma punição severíssima para a época. Propôs uma metodologia para medir a distância Terra-Sol, utilizando a distância Terra-Lua como unidade. Elaborou, ainda, uma classifi cação das estrelas quanto ao brilho, admitindo que as mesmas encontravam-se a distâncias diferentes em relação à Terra. Propôs, também, o método do eclipse para determinar o tamanho e a distância da Lua. Além de Aristarco, a Escola de Alexandria teve importantes matemáticos e astrônomos, destacando-se Eratóstenes, Hiparco e Ptolomeu. Eratóstenes, além da construção da tábua de números primos (conhecida como “crivo de Eratóstenes”), construiu, também, um sistema de coordenadas geográfi cas. Escreveu vários tratados sobre as posições de estrelas, porém, o trabalho mais importante foi a determinação das dimensões da Terra, pelo método conhecido como FÍSICA GERAL II 14 “poço de Siene”, quando determinou o comprimento da circunferência terrestre, seu raio, superfície e volume. Hiparco de Nicéia, considerado um dos maiores astrônomos da Antiguidade, escreveu vários tratados sobre Astronomia, Geografi a, Matemática e Mecânica, infelizmente, perdidos no tempo, mas lembrado em citações de seus colegas. Inventou o astrolábio, instrumento para a determinação de distâncias angulares, utilizado, inclusive, pelos navegantes do século XV e XVI, descobridores do continente americano. Utilizou a hipótese do movimento circular uniforme para explicar o movimento do Sol, da Lua e dos planetas conhecidos à época. Era defensor das idéias geocêntricas de Aristóteles. Confeccionou um catálogo estelar dando nome às estrelas e estabelecendo suas coordenadas eclípticas. Sistematizou a trigonometria plana e esférica e determinou o ano trópico com grande precisão. Descobriu o movimento de precessão dos equinócios, calculando seu período temporal (cerca de 26 mil anos). Após Hiparco, o último grande astrônomo grego foi Cláudio Ptolomeu, que viveu já na era cristã (século II d.C.). Em seu livro, Almagesto (em árabe, Hi Magisti Sintaxe), difundiu ao mundo as idéias geocêntricas de Aristóteles, criando um modelo complicado de deferentes, epiciclos, excêntricos e equantes, que proporcionou a descrição dos intricados movimentos dos planetas, do Sol e da Lua. Este modelo fi cou conhecido como “modelo geocêntrico de Ptolomeu”, sendo o universo limitado à esfera das estrelas. No modelo ptolomaico, a Terra era o centro do Sistema Solar, de tal forma que todos os planetas conhecidos, inclusive o Sol e a Lua, gravitavam ao seu redor (fi gura 1.1)1. O modelo geocêntrico foi aceito por mais de quinze séculos, infl uindo enormemente na Filosofi a, na Literatura, nas Artes e nas ciências da época. Ptolomeu também descobriu a refração da luz na atmosfera terrestre e o movimento de evecção da Lua (variação da excentricidade da órbita lunar). Após Ptolomeu, a Astronomia não encontra mais sustentação e, praticamente, desaparece dos interesses da época. O pensamento religioso cristão e a falta de interesse sobre o assunto pelo Império Romano, atuaram no sentido de minimizar as idéias científi cas, induzindo ao esquecimento todo trabalho desenvolvido até então. O pensamento grego praticamente desaparece e, somente no século VII d.C., como resultado da invasão da Europa pelos árabes, é que o pensamento grego começa a ser redescoberto. Os árabes iniciam a tradução do conhecimento grego para o árabe e, dessa forma, contribuem para sua conservação e divulgação. A partir do século IX, membros da Igreja Católica começam a traduzir os textos árabes para o latim, principalmente as idéias aristotélicas, que são abraçadas, adotadas e tidas como verdadeiras. O pensamento escolástico,decorrente da fusão do pensamento grego com o cristão, a partir do século XII, propicia o aparecimento de centros de estudos que reuniam os grandes pensadores da época, surgindo, assim, as Universidades. O pensamento aristotélico, ensinado nas Universidades até meados do século XVI, tornou-se o pensamento ofi cial. Porém, o renascimento das idéias, das artes, das ciências foi aos poucos demolindo a conservadora e inquisitorial Idade Média. Em 1543, ano de sua morte, o monge polonês Nicolau Copérnico apresentou uma nova teoria sobre o Universo, resgatando velhas idéias gregas do heliocentrismo de Heráclides e Aristarco. Segundo o modelo de Copérnico, o Universo é constituído por sete esferas concêntricas, sendo a mais externa, a esfera das estrelas, e a mais interna a esfera de Mercúrio. Todas as esferas, exceto aquela das estrelas, giravam em torno de um ponto central, onde se localizava o Sol, daí o modelo ter sido batizado de “modelo Heliocêntrico de Copérnico”. Nota-se, ainda, que o Universo continuava limitado à esfera das estrelas fi xas, porém, afi rmava Copérnico, que a Terra era um planeta e que todos os planetas giravam ao redor do Sol. Coube a Giordano Bruno, defensor ardoroso das idéias humanistas de Platão, divulgar o modelo heliocêntrico, propondo, inclusive, a infi nitude do Universo. A 1 Na verdade, o universo geocêntrico ptolomaico incluía a idéia de uma Terra ligeiramente descentrada (excên- trico). Figura 1.1 - Modelo Ge- ocêntrico de Ptolomeu (simplifi cado). Figura 1.2 - Modelo He- liocêntrico de Copérnico (simplifi cado). Deferente de Marte Lua Terra Mercurio Vênus Sol Marte Epiciclóide de Marte 15 Gravitação defesa destas posições custou-lhe a vida em 1600, quando foi queimado vivo em praça pública por ordem da Santa Inquisição da Igreja Católica. Outro grande astrônomo do Renascimento foi Tycho Brahe (segunda metade do século XVI). Apesar de ter ligações com as idéias aristotélicas, teve o grande mérito de realizar inúmeras observações planetárias e estelares de grande precisão. Utilizando os preciosos dados coletados pelo seu mestre Tycho Brahe, o astrônomo Johannes Kepler (1571-1630), principalmente, ao estudar os movimentos de planeta Marte, descobriu regularidades importantes, levando-o a propor três relações básicas sobre o movimento planetário, posteriormente batizadas por Newton de “leis de Kepler”. Seu contemporâneo de pesquisas, Galileu Galilei (1564-1642), introduziu o uso do telescópio nos estudos astronômicos realizando importantes descobertas com sua luneta refratora. As montanhas e crateras da Lua, os satélites de Júpiter, as manchas solares, as estrelas difusas da Via Láctea, além das visíveis a olho nu, as fases de Vênus, dentre outras, foram as descobertas mais espetaculares da nova astronomia ótica de Galileu. O sábio italiano, ademais, realizou estudos sobre o plano inclinado, o período pendular, o movimento relativo dos corpos e a razão matemática de um corpo em queda livre. Por sua contribuição experimental às ciências, é considerado o pai do método experimental nas ciências físicas. Também sofreu a ira da Inquisição e quase teve o fi m trágico de Giordano Bruno. “Se eu vi mais longe [do que outros] é porque me encontrava em ombros de gigantes”, disse o próprio Isaac Newton (1642-1727), que nasceu no ano em que Galileu morreu. Newton propôs a Lei de força sobre a Gravitação Universal, estabelecendo as bases da Mecânica Celeste. A Lei da Gravitação Universal foi um marco fundamental nos estudos astronômicos, pois conseguia explicar os motivos da atração entre os corpos celestes, estando eles nas vizinhanças da Terra ou nos confi ns do espaço. Newton inventou, também, o cálculo diferencial e integral; propôs a teoria corpuscular da luz; realizou estudos sobre suas cores e seus espectros. Inventou, também, o telescópio refl etor e, para culminar, descobriu as leis da mecânica clássica, batizadas, mais tarde, como as “três leis de Newton”. A Lei da Gravitação Universal de Newton, as três leis de Kepler e outros estudos decorrentes, serão tratados neste capítulo. 1.2 Leis de Kepler A constante controvérsia sobre as teorias geocêntrica e heliocêntrica estimulou os astrônomos a realizarem medidas cada vez mais precisas dos movimentos planetários. Um conjunto de medidas obtidas pelo astrônomo dinamarquês Tycho Brahe, com um grande sextante e uma bússola ao longo de mais de vinte anos de observação planetária e estelar a olho nu, permitiu que seu discípulo, o astrônomo alemão Johannes Kepler, estabelecesse três leis empíricas para o movimento planetário, válidas para todos os planetas do Sistema Solar conhecidos à época (Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno). Analisando cuidadosamente os dados sobre o movimento dos planetas, principalmente, do planeta Marte, Kepler percebeu importantes regularidades em seu movimento em torno do Sol se deixasse de trabalhar com órbitas circulares concêntricas. Acabou adotando órbitas elípticas com o Sol ocupando um de seus focos. Percebeu, então, que poderia generalizar seu pensamento para os outros planetas, construindo, assim, as bases da mecânica celeste. Seu modelo continuaria a ser heliocêntrico, mas as órbitas não seriam mais círculos perfeitos como propunham os astrônomos gregos e Nicolau Copérnico. É importante salientar que Kepler não concebia as forças gravitacionais como causa das regularidades observadas por ele, pois o conceito de força, posteriormente formulado por Newton, ainda não estava claro para os astrônomos da época. Kepler acreditava que o que ligava os planetas às suas órbitas ao redor do Sol era uma força de origem magnética. Antes de apresentarmos as Leis de Kepler, é importante ressaltar que o modelo heliocêntrico de Copérnico proporcionou uma troca de referencial importante. No FÍSICA GERAL II 16 modelo geocêntrico de Ptolomeu, a Terra desempenhava o papel de referencial inercial ao descrever o movimento das estrelas e dos planetas conhecidos. No modelo geocêntrico, além da Terra ser classifi cada como um planeta, o referencial inercial passou a ser o Sol, muito mais adequado quando se estuda o movimento planetário. O referencial inercial fi xo no Sol, não girante, tem inúmeras vantagens em relação ao referencial fi xo na Terra e girante. Somente quando tratamos de corpos ou partículas próximos à superfície terrestre é que podemos considerar a Terra como referencial inercial. 1.2.1 Primeira Lei de Kepler Normalmente, ao tratarmos de corpos (ou partículas) que executam órbitas em torno de um ponto central, consideramos as órbitas como circulares. A primeira Lei de Kepler apresenta outra visão das órbitas, não as considerando mais como círculos perfeitos, mas sim, como elipses. A órbita circular é um caso especial da órbita elíptica. A lei das órbitas, como é conhecida a primeira lei de Kepler, diz que “ To d o s o s p l a n e t a s s e m o v e m e m ó r b i t a s e l í p t i c a s , e s t a n d o o S o l e m u m d o s s e u s f o c o s ” . A lei enunciada não explicita a causa do movimento e nem porque a órbita é elíptica. É uma lei empírica que descreve somente o movimento dos planetas em torno do Sol, sem qualquer explicação ou dedução teórica. Coube a Newton, mais de um século depois, deduzir as leis de Kepler a partir das leis gerais do movimento para sistemas mecânicos e da Lei da Gravitação Universal, que é uma lei de força aplicável ao movimento planetário, interagindo à distância. A primeira lei de Kepler é, inclusive, uma consequência direta da lei de força central (força que varia com o inverso do quadrado da distância entre os centros dos corpos envolvidos, para o caso gravitacional). Sua dedução, a partir das leis de movimento e da Lei de Gravitação, não é tão simples, pois depende de equações diferenciais não estudadas até aqui. Figura 1.3 - Órbita elíptica de um planeta, com o Sol ocupando um dos focos. Periélio e Afélio representam, respectivamente,o ponto mais próximo do Sol e o ponto mais distante deste ocupado por um planeta. O ponto da órbita mais próximo do Sol é chamado de periélio e o mais afastado de afélio. Para um corpo circulando a Terra, o ponto mais distante que este ocupa na órbita é chamado de apogeu e o mais próximo, de perigeu. O raio médio da órbita do planeta rmédio é a média aritmética entre as duas distâncias ao centro do Sol (periélio e afélio), ou, o que é equivale dizer que: o raio médio é o valor do semi-eixo maior da elipse, a. a dd rmédio = + = 2 maxmin . De acordo com a fi gura 1.4, a dimensão maior corresponde ao eixo maior da elipse e a dimensão menor corresponde ao eixo menor da elipse. Figura 1.4 - Semi-eixos de uma elipse. Periélio Planeta dmáxdmín Sol F1 F2 Afélio Semi-eixo menor Semi-eixo maior Centro Planeta Sol A B F1 F2 17 Gravitação Calculando a distância que une o foco S até o planeta (foco do Sol até o planeta) e do foco S’ até o planeta (foco vazio até o planeta), veremos que a soma das distâncias será a mesma para todos os pontos sobre a curva (órbita), independentemente de onde o planeta se encontra. O Sol ocupa um dos focos e, no outro, não há nada (foco vazio). Podemos considerar, também, o Sol e os planetas como partículas, pois suas dimensões são muito menores do que a distância entre eles. As órbitas dos planetas não são elipses muito alongadas, como sugerem as fi guras 1.3 e 1.4. Na realidade, as órbitas planetárias são quase circunferências e o elemento geométrico que diferencia uma circunferência de uma elipse é um parâmetro denominado excentricidade, simbolizado pela letra e (fi gura 1.5). A distância de cada foco da elipse até seu centro (cruzamento dos eixos) é igual a ea, sendo e um número adimensional (excentricidade da elipse) com valor positivo entre zero e um (0 ≤ e ≤ 1), e a, o raio médio da órbita (semi-eixo maior rmédio=a ). Quando e = 0, a elipse transforma-se em uma circunferência e, para excentricidades maiores que um, obtém- se parábolas e hipérboles. As órbitas planetárias são aproximadamente circulares, com a excentricidade variando de 0,007 (Vênus) até 0,206 (Mercúrio). A da Terra corresponde a e= 0,017. A maior excentricidade corresponde àquela de Plutão, com e=0,25. Newton demonstrou que, quando uma força proporcional a 1/r2 (força central) atua sobre um corpo (corpo ligado ao centro de força gravitacional), as únicas órbitas fechadas possíveis são as elipses e as circunferências (planetas, asteróides, cometas, luas ligadas aos planetas ou ao sol). Para corpos não ligados, como os meteoróides do espaço longínquo e que passam somente uma vez perto do Sol, ainda continua válida a lei do inverso do quadrado à distância, mas as órbitas possíveis são as parábolas e as hipérboles. 1.2.2 Segunda Lei de Kepler A velocidade que um planeta circula o Sol não é igual em todos os pontos da órbita, sendo maior quando o planeta está mais próximo do Sol (periélio) e menor quando está mais distante (afélio), portanto, a velocidade de translação dos planetas é variável. Do afélio para o periélio, o movimento é acelerado e do periélio para o afélio, o movimento é retardado. A explicação física para tais variações na velocidade do planeta está baseada na força de atração gravitacional que o Sol exerce sobre o planeta. Essa força está sempre dirigida para o centro de massa do Sol (força central). Podemos ver pela fi gura 1.6 que, do afélio para o periélio, a força gravitacional possui uma componente tangencial no sentido da velocidade de translação, “ajudando” o movimento, enquanto que, do periélio para o afélio, a componente da força é contrária à velocidade de translação, retardando o movimento. Figura 1.6 - Componentes da força gravitacional no movimento de translação planetária. Mov imen to acel erad o Movimentoretardado Periélio Afélio F1 F2 Ft2 V2 V1 Ft1 Figura 1.5 - Excentricidade das órbitas. FÍSICA GERAL II 18 Na fi gura 1.7 estão representadas as áreas A1 e A2 varridas pelos vetores- posição do planeta. Os intervalos de tempo são Δt1 e Δt2. Se os intervalos de tempo são iguais, então, as áreas varridas também serão iguais, ou seja, A1 = A2. Tendo descoberto esta relação, Kepler enunciou sua segunda regra (a primeira e segunda lei foram publicadas em 1609, no livro Astronomia Nova), também conhecida como lei das áreas, como sendo: “A reta (raio vetor) que une o Sol a qualquer planeta descreve (varre) áreas iguais em intervalos de tempos iguais.” Devido à excentricidade da órbita, o espaço percorrido (deslocamento escalar) pelo planeta na região do periélio (ΔS1) é maior que o espaço percorrido na região do afélio (ΔS2), ou seja, ΔS1 > ΔS2 (fi gura 1.8). Em termos de velocidade média de translação, podemos dizer que ela é maior na região do periélio do que na do afélio. É possível demonstrar a segunda lei de Kepler através do princípio de conservação do momento angular, considerando o planeta como sistema e supondo que a massa do Sol seja muito maior que a do planeta, de tal forma que o Sol permanece em repouso no centro de força (força central). É importante salientar que a segunda lei de Kepler é válida para qualquer força central, de atração ou de repulsão. Quando é inverno no Hemisfério Norte (janeiro), a Terra está mais próxima do Sol (periélio) do que quando é verão (julho). Para o Hemisfério Sul é o inverso. Em função da órbita da Terra em torno do Sol ser uma elipse ligeiramente achatada, as durações das estações não possuem a mesma quantidade de dias. E se a órbita fosse uma circunferência, como seria a duração das estações? 1.2.3 Terceira Lei de Kepler Aproximadamente 10 anos de dedicação ao estudo pormenorizado das tabelas de Tycho Brahe, Kepler visualizou uma relação entre o período de revolução e o raio médio da órbita dos planetas, que fi cou conhecida como 3ª lei de Kepler. A terceira lei de Kepler, também conhecida como lei dos períodos (ou lei harmônica – derivada da harmonia musical), geralmente é deduzida nos livros textos considerando-se órbitas circulares. A dedução baseia-se nas leis de força de Newton (Lei da gravitação e 2ª lei da Mecânica). O raio da órbita é o raio médio r (semi-eixo maior) e o período de revolução (translação) é o ano sideral do planeta T (TTerra = 1 ano). Com exceção de Mercúrio, Marte e Plutão (que não é mais considerado planeta, atualmente), todos os outros possuem órbitas quase circulares (pouco “achatadas”). Mesmo para órbitas elípticas, a terceira lei de Kepler continua válida. Nestes termos, a terceira lei pode ser enunciada da seguinte forma: “O quadrado do período de translação (T2) de qualquer planeta é proporcional ao cubo do semi-eixo maior da órbita elíptica (r3).” tA rA rD tD ∆t1 A1 rB rC ∆t2 tC tB A2 ∆s1 A1 ∆s2A2 Periélio Afélio Figura 1.7 - Lei das áreas. Figura 1.8 - Deslocamentos escalares e velocidades. QUESTÃO 1.1 Em seu periélio, o planeta Mercúrio está a 4,60 x 107 km do Sol. No seu afélio, encon- tra-se a 6,99 x 107 km, e sua velocidade orbital é de 14,00 x 104 km/h. Qual será sua velocida- de orbital no periélio? Sugestão: Fazer uso do princípio de conserva- ção do momento angu- lar como constante do movimento. 19 Gravitação Matematicamente temos: K r T =3 2 . O valor de K é constante (em torno de 1) para todos os planetas, conforme pode ser visto na tabela 1. Outras tabelas, que colocam o período de revolução em dias ou em segundos e a distância média Terra-Sol (semi-eixo maior da elipse) em metros (m) ou quilômetros (km), dão valores de K diferentes de 1, mas os novos valores obtidos para todos os planetas são sempre os mesmos (constantes). Tabela 1.1 A 3ª lei de Kepler – Dados dos planetas. Note que o período de revolução em torno do Sol e os raios médios de suas órbitas são diferentes para cada planeta, mas o quocientedo quadrado do período pelo cubo do raio médio resulta numa constante aproximadamente igual à unidade. As pequenas diferenças são justifi cadas pelas incertezas nas medidas para os períodos e semi-eixos maiores das órbitas dos planetas. É importante observar que o período de revolução não depende da excentricidade da órbita. Por exemplo, um asteróide movendo-se em uma órbita elíptica achatada (semi-eixo maior r), terá o mesmo período de revolução que um planeta que descreve uma órbita circular com o mesmo raio r. A diferença está nas suas velocidades, pois o asteróide possuirá velocidades variáveis ao longo da órbita elíptica, enquanto o planeta terá velocidade constante (MCU – movimento circular uniforme). As três leis de Kepler são leis universais, ou seja, valem para o nosso sistema solar e também para outros sistemas do Universo onde exista uma grande massa central atraindo massas menores, inclusive para planetas e seus satélites, naturais ou artifi ciais (como a Terra). Vale, inclusive, para grandes estruturas do Cosmos como, por exemplo, a massa de bilhões de estrelas ao redor do centro galático. EXEMPLO 1.1 A distância média do sistema Terra-Sol é de 1,50 x 108 km, e o período de revolução da Terra em torno do Sol é de 1 ano. A distância média do sistema Marte-Sol é de 2,28 x108 km. Qual o período de revolução de Marte ao redor do Sol? Solução: Aplicando a Lei dos períodos, temos: 3 2 3 2 T T M M r T r T = Substituindo os valores dados no problema, e sabendo que 1 ano = 365 dias, fi camos com TM ≈ 682 dias FÍSICA GERAL II 20 1.3 Lei da Gravitação Universal de Newton No ano de 1665, a Inglaterra sofria uma grande epidemia de peste e para escapar da morte certa, Newton refugiou-se na casa de seus pais, na pequena aldeia de Woolsthorpe, pois a Universidade de Cambridge fôra fechada. Naquela época, aos 23 anos de idade, Newton estava preocupado em saber qual a causa que mantinha a Lua girando em torno da Terra. Usando a fórmula da aceleração centrípeta proposta por Huygens, Newton calculou sua aceleração centrípeta, supondo ser a órbita da Lua circular. Realizado o cálculo, fez a si próprio uma pergunta intrigante: qual seria a fonte da força que produz tal aceleração? A indagação a respeito da causa que mantinha a Lua acelerada foi a linha mestra para o pensamento de Newton. Consta na história que Newton, ao observar a queda de uma maçã no pomar, indagou: “será que a força que fez a maçã cair não seria do mesmo tipo daquela que mantém a Lua girando ao redor da Terra?”. Com base nessa indagação, o cientista inglês considerou a hipótese de que cada corpo no universo exerce uma força sobre todos os outros corpos ao seu redor. A aceleração centrípeta da Lua calculada por ele induziu ao pensamento de que a causa da rotação da Lua e da queda da maçã seria a mesma. Deveria haver uma força comum que fosse responsável por tais movimentos. Tal força, denominada de força gravitacional, é o fundamento da lei de atração entre massas, conhecida por Lei da Gravitação Universal de Newton. Em conjunto com as três leis de movimento, Newton publicou, em 1687, a lei da gravitação. Estas leis são os pilares da Mecânica Clássica. A lei da gravitação de Newton pode ser enunciada como: “A força entre duas partículas quaisquer, de massas m1 e m2, separadas por uma distân- cia r entre seus centros, é diretamente proporcional ao produto de suas massas e inver- samente proporcional ao quadrado da distância que as separam”. Matematicamente, o módulo da força gravitacional é dado por 2 21 r mmGFg = . onde G é uma constante universal, calculada experimentalmente pela primeira vez por Lorde Cavendish, em 1798. Atualmente, seu valor é igual a, G = 6,673 x 10-11 Nm2/kg2. EXEMPLO 1.2 Calcule o módulo da força gravitacional entre o Sol e a Terra, sabendo-se que a distância Ter- ra-Sol é de 150 milhões de quilômetros e suas massas são: MS =2 x 10 30 kg e MT = 6 x 10 24 Kg. Solução: Aplicando a Lei da Gravitação Universal de Newton, fi camos com 2 .S T g ST M MF G r = Substituído os valores, temos que Fg = 3,6 x 10 22 N. É uma força atrativa muito grande! Com relação à Lei da Gravitação Universal devemos destacar alguns aspectos fundamentais: 1- A força gravitacional entre duas partículas é atrativa e constitui um par ação- reação (3ª Lei de Newton), agindo ao longo da linha que une seus centros. Assim, as forças possuem o mesmo módulo, mesma direção, mas sentidos opostos. Matematicamente, em termos vetoriais, temos 12 21F F= − Figura 1.9 - Força gravi- tacional entre duas partí- culas. 21 Gravitação 2- A constante universal G não deve ser confundida com a aceleração gravitacional g, provocada pela atração gravitacional da Terra sobre um corpo de massa m. Suas dimensões são diferentes, uma vez que a constante G possui um valor único para todo par de partículas que se atrai em qualquer ponto do Universo e, além disso, é uma grandeza escalar. A aceleração gravitacional g é um vetor, não sendo universal e nem constante, uma vez que depende do ponto onde a partícula (corpo) se encontra em relação à Terra (ou de um planeta qualquer), tomada como referencial inercial. 3- A Lei da Gravitação Universal de Newton é uma lei de força simples, considerada uma força fraca quando comparada às forças elétricas, magnéticas e nucleares, não sendo entendida como uma equação de defi nição de nenhuma das grandezas envolvidas nela (força, massa e comprimento). A lei da gravitação entre partículas relaciona-se somente com as propriedades mensuráveis das partículas envolvidas, implicando na idéia de que a força gravitacional entre elas independe da presença de outras partículas e das propriedades do espaço intermediário. 4- Quando nos referimos aos corpos extensos como, por exemplo, a Terra e o Sol, a lei continua válida, mas devemos considerar cada corpo como composto de inúmeras partículas, calculando as interações (forças) entre elas, par a par, corpo a corpo, através do cálculo integral (também desenvolvido por Newton). Quando se trata de esferas uniformes é possível considerar a idéia do centro de massa para o cálculo da força gravitacional. O que se verifi ca é que o cálculo da interação entre dois corpos que possuem distribuições de massa com simetria esférica (esferas maciças ou ocas) é o mesmo da interação gravitacional entre duas partículas localizadas em seus centros e possuindo suas massas. 5- Quando tratamos a Terra como um corpo esférico de massa MT, a força gravitacional (módulo) que ela exerce sobre uma partícula ou sobre um corpo esférico de massa m, com separação entre seus centros igual a RT, é dada por, 2 T T g R mMGF = . para o corpo ou partícula situado na parte externa da crosta terrestre. Uma força de mesmo módulo, atuando na mesma direção, mas de sentido contrário é feita pelo corpo ou partícula sobre a Terra (lei da ação-reação). Pergunta: Quando você pula de uma escada, porque é você que cai em direção a Terra e não é a Terra que sobe até você? Para pontos situados no interior da Terra (abaixo da superfície externa) o cálculo é diferente. À medida que caminharmos para o interior da Terra ou de qualquer corpo esférico, somente a massa que está abaixo é que exerce força gravitacional sobre nós. As partes que se situam acima do local onde nos encontramos não têm efeito atrativo. Se chegássemos ao centro da Terra, por exemplo, a força gravitacional seria nula. Por quê? Se abríssemos um túnel reto que passasse pelo centro da Terra e saísse do outro lado e soltássemos um corpo de massa m em uma das aberturas do túnel, ele executaria um movimento retilíneo uniformemente acelerado até o centro da Terra (velocidade máxima) e depois seria desacelerado até atin- gir a superfície oposta da Terra (velocidade nula). O corpo executaria um movimento harmônico simples, como se fosse um pêndulo simples, com período constante, desde que desprezadas as forças dissipativas. Figura 1.10 - Forçagravitacional entre corpos com simetria esférica (partículas). R2 Fg Fg R1 m1 m2 r Fg Fg m1 m2 r FÍSICA GERAL II 22 6- A força gravitacional varia com o inverso do quadrado da distância entre o centro dos dois corpos esféricos que se atraem, ou seja, varia com 1/r2. A variação da força F em função da distância d (d=r) pode ser visualizada na fi gura 1.11. Obs.: Dois corpos quaisquer sempre se atraem gravitacionalmente, independentemente do valor de suas massas ou de suas dimensões. Pelo fato da constante G ser muito pequena, a intensidade (módulo) da força atrativa só se torna apreciável se uma das massas for muito grande, como, por exemplo, a Terra. É por esse motivo que duas pessoas próximas não sentem as atrações gravitacionais de uma sobre a outra, mas as forças atrativas existem! Também, deve ser levada em consideração a distância entre os corpos. 1.4 O Campo Gravitacional Na época de Newton, pensava-se a força gravitacional como se fosse uma interação direta entre as massas, conhecida como teoria da ação à distância, posteriormente descartada porque pressupunha que a interação seria instantânea, com velocidade infi nita. O conceito de campo (teoria dos campos) só foi desenvolvido bem depois, por Faraday, para o estudo do eletromagnetismo e, posteriormente, aplicado à gravitação. O conceito de campo leva em consideração que uma partícula de massa M provoca uma alteração no espaço em sua volta, criando um campo gravitacional, que atua sobre qualquer outra partícula que penetra na região, exercendo sobre a segunda uma força gravitacional atrativa. Desse ponto de vista, o campo desempenha o papel de intermediário com respeito às forças entre partículas materiais, ou seja, ele é o “transmissor” das forças gravitacionais entre corpos. O campo gravitacional é um campo vetorial onde, a cada ponto do espaço, podemos associar um vetor, denominado de vetor campo gravitacional. Também é um campo estacionário, pois seu valor, em cada ponto, não varia com o passar do tempo. Assim, todo corpo material, por menor que seja, sempre origina um campo gravitacional. A força gravitacional é uma força decorrente do campo gravitacional, o qual, apesar de não poder ser visualizado ou tocado, existe, pois podemos sentir sua presença. Nosso peso, que é a força com que somos atraídos para o centro da Terra, talvez seja o principal efeito que sentimos. O campo gravitacional é uma das propriedades da matéria, dependendo diretamente da massa que o produz. O fato importante a respeito do fenômeno da gravitação é que massas criam campos e, se tivermos duas massas, cada uma exercerá sobre a outra uma força de atração gravitacional. Imaginemos agora um corpo de massa M. Em sua volta, ele cria um campo de forças em decorrência de sua massa. Qualquer outro corpo de massa m (corpo de prova) que for colocado em sua vizinhança “sentirá” o campo gravitacional, fi cando sujeito a uma força de atração gravitacional. É o que ocorre, por exemplo, com qualquer corpo que estiver nas proximidades da Terra. Ele será atraído para o centro do planeta devido ao campo gravitacional terrestre. A força gravitacional é uma força de campo (o campo é o transmissor da força), existindo por si só, sem a necessidade de que haja contato entre os corpos. A fi gura 1.12 mostra o campo gravitacional produzido por um corpo de massa M e sua ação sobre o corpo de prova (massa m) na sua vizinhança. A cada ponto do espaço ao redor do corpo de massa M associamos um vetor, denominado de vetor campo gravitacional, simbolizado pela letra g, que é a aceleração que um corpo de massa m fi ca submetido quando colocado naquele ponto do campo. O vetor g é defi nido como sendo a força gravitacional por unidade de massa no ponto considerado, ou seja, m Fg = . A força pode ser calculada a partir da intensidade do campo gravitacional, simplesmente multiplicando o vetor aceleração gravitacional pela massa do corpo de Figura 1.11 - Variação da força em função da distância d entre os centros dos corpos d 2d 3d 4d d0 F/16 F/8 F4 F/2 F F Figura 1.12 - Campo de força gravitacional produzido por um cor- po de massa M. Atua- ção sobre outro corpo de prova (m). d F = mg m 23 Gravitação prova colocado no ponto. Como a força é uma entidade vetorial, a força gravitacional tem direção radial (mesma direção do vetor g) com sentido dirigido do corpo de prova para o centro da Massa m e módulo igual a mg, comumente denominado de peso. Assim, quando um corpo de prova de massa m for colocado no ponto, ele fi cará sujeito a uma força gravitacional, a qual, de acordo com a 2ª Lei de Newton, é dada por gmF = . Sabe-se que o módulo da força de atração gravitacional entre duas massas é dado por 2g MmF G r = . Igualando os módulos das duas forças e para pontos externos ao corpo criador do campo, resulta que 2 Mmmg G r = ⇒ 2r MGg = Quando, por exemplo, um corpo de massa m é solto nas proximidades da Terra, ele “cairá” na direção do centro da Terra realizando um movimento retilíneo uniformemente variado. No MRUV, a aceleração é sempre constante em módulo, direção e sentido. A direção do vetor campo gravitacional (aceleração gravitacional) é sempre perpendicular à superfície acima do ponto onde está o corpo (direção do fi o de prumo) e o sentido é sempre dirigido para o centro do planeta. O módulo da aceleração gravitacional varia de ponto a ponto, sendo adotado o valor de g = 9,80665 m/s2 ao nível do mar e para a latitude de 45° N (Meridiano de Greenwich). Generalizando, podemos dizer que o valor do vetor campo gravitacional, em um ponto qualquer nas proximidades da massa M, depende somente do ponto considerado e da massa do corpo que cria o campo, ou seja, é uma característica do local e não da massa do corpo experimental (corpo de prova). Para um corpo esférico (raio r) e homogêneo, o módulo do campo gravitacional tem as seguintes características: a) para pontos na superfície, 20 r MGgg == b) para pontos exteriores ao corpo de massa M (d > r), 2d MGg = c) para pontos no interior do corpo (d < r), o campo gravitacional varia linearmente com a distância, medida a partir do centro do corpo de massa M, ou seja, g é diretamente proporcional à distância do ponto considerado ao centro do corpo (g = Kd), onde K é uma constante. EXEMPLO 1.3 Considerando o raio médio da Terra igual a 6.400 km, a que distância da superfície ter- restre uma pessoa tem seu peso reduzido a 1/5? Dados: MT = 6 x 10 24 kg. Solução: A massa da pessoa não varia, mas seu peso é reduzido a 1/5 em relação ao da superfície terrestre. Nesta situação, a aceleração gravitacional no ponto é igual a g= 9,8/5 m/s2, que corresponde a uma distância d do centro da Terra, dada por 24 11 2 9,8 6.106,67.10 . 5 d −= Assim, d = 7,15 x 106 m, ou d = 7.150 km FÍSICA GERAL II 24 A fi gura 1.13 mostra a variação do campo gravitacional em função da distância ao centro do corpo criador do campo. Figura 1.13 - Variação do campo gravitacional em função da distância ao centro de forças. O campo gravitacional também varia em função da altitude e da latitude sofrendo, ainda, pequenas variações provocadas pelas distorções da simetria esférica da Terra e variações locais de densidade. As tabelas 1.2, 1.3 e 1.4 mostram as variações com a altitude e latitude e, também, as acelerações em cada planeta, inclusive na Lua. Para a Terra, faremos mais algumas considerações. Nosso planeta não é uma esfera perfeita e, também, não pode ser considerada como um referencial inercial, pois além de estar girando em torno de seu eixo de rotação (aceleração centrípeta), possui movimento de translação em torno do Sol com aceleração variada, além de outras acelerações devidas aos movimentos do Sol, da Via Láctea, etc. Devido ao movimento de rotação, o peso aparente (pap) de um corpo de massa m sobre a superfície terrestre não é exatamente igual à força de atração gravitacional que a Terra exerce sobreo corpo, denominado de peso real (p0) do corpo. Se utilizássemos um dinamômetro para medir o peso de um corpo sobre a superfície terrestre, veríamos que no equador o corpo tem peso diferente do que nos pólos. No equador, um corpo se move em um círculo de raio RT (considerando a Terra como esfera perfeita) e com velocidade angular ω, havendo, portanto, uma força resultante que “puxa” o corpo para o centro da Terra (força centrípeta), tal que 2 0ap Tp p Rω= − Como a massa do corpo não varia, podemos dividir a equação anterior por m, obtendo a relação entre o módulo da aceleração gravitacional aparente (gap) no equador e da aceleração gravitacional real (nos pólos), ou seja, 2 0ap Tg g Rω= − (no equador – Latitude 0°) Tabela 1.2 - Variação da intensidade do campo gravitacional terrestre em função da altitude. Tabela 1.3 - Variação da aceleração da gravidade terrestre em função da latitude. Tabela 1.4 - Intensidade do campo gravitacional na superfície do Sol e de seus planetas. 25 Gravitação Substituindo os dados da Terra, teremos: gap = g0 – 0,0339 m/s 2 (no equador - Latitude 0°). Nos pólos, a aceleração centrípeta é nula (distância do corpo ao eixo de rotação é igual a zero), portanto, o peso aparente é igual ao peso real, ou, dito de outra forma, gap = g0 (nos pólos – Latitude 90°) Pelos dados, podemos ver que, considerando a Terra como uma distribuição esférica de massa, a aceleração da gravidade no equador é 0,0339 m/s2 menor do que a aceleração gravitacional nos pólos. Este é um dos motivos de serem as bases de lançamento de satélites próximas do equador. É comum, nos dias de hoje, vermos astronautas fl utuando no espaço ou no interior de naves espaciais, como se não tivessem “peso” algum (levitação). Como isso é possível? Para isso, vamos imaginar uma pessoa de massa m, dentro de um elevador que desce com aceleração a. Nessa situação, existem duas forças atuando no corpo da pessoa, que são: seu peso P, que é a força de atração gravitacional da Terra, e a reação normal do assoalho do elevador (N) sobre a pessoa. A intensidade da força normal de compressão (-N) que a pessoa aplica sobre o piso do elevador é seu peso aparente (Pap), que é a força que seria lida por um dinamômetro que estivesse colocado entre a pessoa e o piso. A fi gura 1.14 permite visualizar a situação proposta. Aplicando a 2ª Lei de Newton para o caso, visto a pessoa e o elevador estarem em movimento acelerado para baixo (MRUV), em módulo, fi camos com ap apP N ma mg P ma P mg ma− = ⇒ − = ⇒ = − ou seja, ( ) apP m g a= − . Se o elevador estiver em queda livre, sua aceleração será igual à aceleração da gravidade, resultando num peso aparente nulo, ou seja, a pessoa levitaria dentro do elevador, não exercendo qualquer pressão sobre o piso. Tudo se passa como se a aceleração da gravidade no interior do elevador fosse nula. Essa situação é a mesma que ocorre com um astronauta em órbita. O peso aparente do astronauta é nulo e ele fl utua no interior da nave numa situação de imponderabilidade. O astronauta, fl utuando no espaço ou no interior da nave, comporta-se como se fosse outro satélite artifi cial, não exercendo pressão nas paredes da nave. Provocando pequenos impulsos sobre os corpos, os astronautas aproveitam os movimentos inerciais dos corpos, locomovendo-os no interior da nave ou em seu exterior. 1.5 Corpos em Órbita Circular – Satélites Satélites artifi ciais em órbita ao redor da Terra são um fato corriqueiro na vida moderna. Todas as noites, aproximadamente até as 21 horas, e entre as 4 e 6 horas da manhã, é possível observar satélites executando as mais diversas órbitas, parecendo viajar por entre as estrelas. É importante estudar os fatores que determinam as propriedades das órbitas e como os satélites permanecem em órbita, inclusive a Lua, que é nosso satélite natural. Tais respostas são encontradas na aplicação das Leis de Newton da Mecânica Clássica e na Lei da Gravitação Universal. No curso de Mecânica Clássica, quando estudamos o movimento de um corpo (lançamento na horizontal) vimos que, dependendo do módulo da velocidade de lançamento vo, o corpo cai cada vez mais longe à medida que a velocidade aumenta. Galileu já havia percebido que, desprezando as forças de atrito, o corpo iria cada vez mais longe, inclusive podendo girar em torno da Terra (entrar em órbita). Se você lançar uma pedra na horizontal, do alto de um morro, e desprezar as forças de atrito que consomem energia do movimento, a pedra cairá a certa distância de onde você lançou. Aumentando a velocidade, aumentará a distância de queda. Aumentado cada vez mais a velocidade, chegará um ponto em que a curvatura da Terra passa a ser um fator importante. QUESTÃO 1.2 O valor da massa de um corpo sofre variação com a latitude ou com a altitu- de? Será que na Lua, onde a aceleração gravitacional é, aproximadamente, igual a 1/6 daquela da Terra, a massa do corpo variaria? E seu peso? g a g a P - N N Figura 1.14 - Pessoa den- tro de elevador. Forças atuantes. FÍSICA GERAL II 26 À medida que a pedra avança em sua trajetória, ela continuará “caindo” em torno da Terra, como se a Terra “encurvasse” embaixo da pedra. Prosseguindo neste raciocínio, a pedra continuaria a “cair” em torno da Terra, continuamente, retornando ao ponto de lançamento após certo tempo, ou seja, a pedra entraria em uma órbita circular em torno da Terra e como desprezamos as forças de atrito, o movimento se daria com velocidade constante. Portanto, um movimento circular e uniforme (MCU), onde a aceleração gravitacional seria sua aceleração centrípeta (a força centrípeta na órbita seria igual ao seu peso). As trajetórias realizadas por satélites artifi ciais têm excentricidades distintas, desde trajetórias quase circulares até órbitas abertas, quando não mais retornam ao planeta. Nosso interesse são as órbitas fechadas (elipses e círculos) onde o corpo retorna ao ponto inicial de entrada em sua órbita. A trajetória circular é a mais simples de ser estudada, pois muitos dos satélites possuem órbitas quase circulares, inclusive, as órbitas dos planetas do sistema solar e da Lua são quase circulares, possuindo pouca excentricidade, podendo ser tratadas como circulares, em primeira aproximação. A única força que atua em um satélite artifi cial em órbita circular é a atração gravitacional que está orientada para o centro da Terra e, consequentemente, para o centro da órbita. Nesta situação, o satélite realiza um MCU e sua velocidade tangencial é constante em módulo. O satélite não cai em direção à Terra, mas continua “caindo” ao redor dela e sua velocidade tangencial é aquela que ele necessita para manter constante sua distância ao centro da Terra (fi g.1.15) De acordo com a lei da gravitação, a força resultante que atua sobre o satélite (módulo da força gravitacional) de massa m, é a atração gravitacional existente entre o satélite e a Terra (MT). A aceleração está sempre dirigida para o centro da Terra e sua direção é sempre perpendicular à velocidade tangencial do satélite. Pela 2ª Lei de Newton, temos que 2 2 T g c M m mvF G F r r = = = . Da expressão anterior e para órbitas circulares (raio r), isolando a velocidade, fi camos com TGMv r = . A velocidade tangencial do satélite é uma função do raio da órbita, ou seja, para certa órbita, o satélite terá determinada velocidade em torno da Terra. Note, também, que a velocidade orbital não depende da massa do satélite. A última afi rmação implica dizer que, se dividíssemos a estação orbital em várias partes, todas elas continuariam com a mesma velocidade em torno da Terra, constituindo cada parte em si, um satélite artifi cial, inclusive, os próprios astronautas também se comportariam como satélites artifi ciais. A velocidade e a aceleração dos astronautas são as mesmas da estação orbital, de tal maneira que não existe nenhuma força empurrando- os contra as paredes da estação ou contra seu piso. Os astronautasestão em estado de imponderabilidade, no qual seus pesos aparentes são nulos, tal como no caso do elevador em queda livre. É devido a esse estado de peso aparente nulo que os astronautas fi cam fl utuando no interior da nave. Outro dado interessante é que as diversas partes do corpo do astronauta (braços, fígado, coração, cabeça...) também fi cam com peso aparente zero, daí, ele não sente nenhuma força empurrando seu estômago contra o intestino, nem o peso de seu braço, nem a pressão da cabeça sobre seus ombros!!! Esta característica das órbitas circulares (peso aparente nulo) também ocorre para qualquer tipo de órbita, inclusive as órbitas abertas, desde que a única força atuante sobre o corpo for a atração gravitacional. Podemos achar o tempo de revolução de um satélite numa certa órbita de raio r. O satélite demora um certo tempo T (período) para percorrer o perímetro do circulo com velocidade v, assim, Figura 1.15 - Força gravi- tacional, aceleração e ve- locidade tangencial em um satélite em torno da Terra. Fg Fg Fg a a a v v v RT r 27 Gravitação T rv π2= Substituindo a velocidade, anteriormente explicitada, fi camos com 3 2 T rT GM π= . Utilizando a fórmula do período e rearranjando os termos, obtemos 2 2 3 4 T T K r GM π = = . Esta última expressão é a 3ª Lei de Kepler. Note que a constante planetária K não depende da massa do satélite que está orbitando, mas somente da massa do corpo central (centro de força). Para satélites estacionários, normalmente de telecomunicações, o raio da órbita (a partir do centro da Terra), está na faixa dos 42 mil quilômetros. A velocidade de translação (velocidade tangencial) se situa na faixa dos 10,8 mil quilômetros por hora. Assim, o período de revolução é de 24 horas, o mesmo do período de rotação da Terra, portanto, para um observador da Terra, o satélite parece estar parado no espaço como uma estrela fi xa. Como os sinais de rádio e TV (ondas eletromagnéticas) se propagam com a velocidade da luz, o tempo de ida ao satélite e volta à Terra, somados ao tempo de distribuição do sinal pelo planeta é muito pequeno, imperceptível aos nossos sentidos. Tudo parece estar acontecendo em tempo real, mas não é assim. EXEMPLO 1.5 Um satélite, a 1000 km de altura em relação à superfície terrestre, orbita circularmente com velocidade escalar constante. Calcule sua velocidade escalar. Solução: Lembre-se que a velocidade é uma velocidade tangencial e que a altura deve ser somada ao raio da Terra, ou seja, r = RT + h. Adotando RT = 6,37 x 10 6 m e MT = 5,98 x 10 24 kg, teremos TGMv r = Substituindo os valores, fi camos com v = 7,36 x 103 m/s2 ≈ 26.500 k/h. O tempo de revolução seria em torno de 1 hora e 45 minutos. Você, estudante, deve observar que a velocidade orbital não depende da massa do satélite. 1.6 Energia Potencial Gravitacional Quando um planeta gira em torno do Sol, as propriedades orbitais permanecem constantes ao longo de milhões de anos. Tal fato sugere que a energia mecânica (cinética + potencial) se conserva no movimento de translação do sistema Sol-planeta. A conservação da energia mecânica é atribuída ao fato de que os dois corpos (Sol e planeta) se comportam como sistema isolado e que as únicas forças que atuam no sistema são suas forças gravitacionais atrativas e conservativas. Como as órbitas são elípticas, a velocidade tangencial do planeta varia a cada ponto da órbita, sendo maior nas proximidades do Sol (periélio) e menor no afélio. Assim, cada vez que o planeta circula ao redor do Sol, deve haver uma troca de energia mecânica nas suas formas cinética e potencial entre o sistema. FÍSICA GERAL II 28 A energia cinética do sistema planeta-Sol é atribuída, praticamente, somente ao planeta, pois o Sol, como centro atrator e muito mais “pesado” que o planeta, não se move. Com relação a qualquer planeta, a força gravitacional solar é a maior das forças gravitacionais que atua no sistema, constituindo o Sol o centro de forças atrativas que mantêm os planetas presos a ele e gravitando ao seu redor. Nosso sistema de referência inercial está centrado no Sol (a massa M está em repouso) e o planeta é o sistema móvel. O sistema planeta-Sol pode ser tratado como um sistema de dois corpos isolados, de massas m e M, para M>>m, de tal forma que podemos aplicar o princípio de conservação da energia mecânica. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a um satélite orbitando a Terra, ao sistema Terra-Lua, ou mesmo a um cometa passando perto do Sol. A energia mecânica total E do sistema de dois corpos isolados é a soma da energia cinética do corpo girante (massa m) somada à energia potencial gravitacional do sistema, ou seja, constantecin gE E U= + = . Já foi visto que a força gravitacional é conservativa, isto é, o trabalho realizado pela força sobre a partícula só dependo dos pontos inicial e fi nal e não da trajetória efetivamente percorrida. O teorema do trabalho-energia diz que “o trabalho realizado pela resultante F das forças que age na partícula, quando esta se desloca de um ponto a outro da trajetória, é igual à variação de sua energia cinética”, ou seja, cinW E= ∆ . Ao atuar somente forças conservativas, introduzimos o conceito de energia de confi guração ou energia potencial U. Neste caso, podemos dizer que, se a energia cinética K da partícula variar de uma quantidade ΔK, quando variar sua confi guração (mudança de posição espacial da partícula em relação ao referencial), a energia potencial U do sistema deve variar de uma quantidade ΔU, de igual valor e oposto, de tal forma que a soma das variações das duas energias deve ser nula, isto é, 0cinE U∆ + ∆ = . Assim, fi camos com cinE U∆ = −∆ . Para uma dimensão, o trabalho realizado por uma força variável dependente da posição(como é o caso da força gravitacional) é dado por ( ) f i r r W F r dr= ∫ , na qual, ri (ponto A) e rf (ponto B) são as posições inicial e fi nal da partícula (em relação ao referencial adotado) ao longo da trajetória, que pode ser retilínea ou curvilínea, conforme fi gura 1.16. Em função da equação anterior, fi camos com ( ) f i r r U F r dr∆ = −∫ . Em se tratando da Terra, a força gravitacional (Fg) está sempre dirigida para seu centro (para baixo) e o referencial inercial centrado na Terra está dirigido para cima. Assim, o módulo da força gravitacional adquire o sinal negativo, ou seja, 2)( r mMGrF Tg −= . Substituindo o valor do módulo da força gravitacional na equação da variação da energia potencial, obtemos 2 1 1f i r T T f ir drU GM m GM m r r r ∆ = = − − ∫ . Figura 1.16 - Desloca- mento da partícula sob ação da força gravitacio- nal terrestre. A BFg Fg rf ri m 29 Gravitação Temos que f i f iU U U U U U∆ = − ⇒ = ∆ + . A função energia potencial, quando a partícula se deslocou da posição inicial até a fi nal, é dada por 1 1 f i T i f i U U U GM m U r r = ∆ + = − − + . A escolha de um ponto de referência para a energia potencial é completamente arbitrária. Normalmente, escolhe-se o ponto onde a energia potencial é nula, o que implica dizer que a força gravitacional entre os dois corpos também é nula. Tal ponto ocorre para uma separação infi nita entre os corpos. Fazendo Ui→0 quando ri→∞ e retirando os subscritos, fi camos com T g GM mU r = − . Embora a equação anterior tenha sido deduzida para um sistema isolado Terra- partícula, ela é válida para qualquer par de partículas de massas m1 e m2, com separação entre seus centros de uma distância igual a r, ou seja, 1 2 g Gm mU r = − . A equação da energia potencial gravitacional para qualquer par de partículas varia com 1/r, enquanto que a força gravitacional entre elas varia com 1/r2. Além do mais, a energia potencial é negativa a qualquer distância fi nita, isto é, a energia potencial é nula no infi nito e decresce com a diminuição da distância, o que implica dizer que a força é atrativa. Se a força é atrativa, um agente externo (corpode sua vizinhança) ao aplicar uma força F deve realizar trabalho positivo para aumentar a separação entre elas. O trabalho realizado pelo agente externo produz um aumento na energia potencial quando as duas partículas são separadas, isto é, a energia potencial torna-se menos negativa quando a separação aumenta, visto U variar com 1/r. A energia potencial defi nida anteriormente é uma energia de ligação do sistema isolado de dois corpos. Isto implica dizer que um agente externo deve fornecer uma quantidade igual a +Gm1m2/r para separar as partículas por uma distância infi nita. A equação anterior mostra também que a energia potencial entre as duas partículas é uma característica do sistema m1+m2 e não de cada partícula isoladamente, ou seja, se houver variação da separação, a energia potencial variará, pois cada uma está no campo gravitacional da outra. A força gravitacional pode ser deduzida da expressão da energia potencial do sistema. Para sistemas que apresentam simetria esférica, a relação entre força e energia potencial é dada por 2 ( ) ( ) g Tg dU r GM mF r dr r = − = − . Esta equação permite interpretar de outra forma a energia potencial: “a energia potencial é uma função da posição, tal que sua derivada, com sinal negativo, é igual à força”. Se o agente externo fornece energia maior do que a energia de ligação, a energia restante fi ca na forma de energia cinética da confi guração. A energia mecânica total para um sistema isolado Terra-satélite é dada por 21 2 TGM mE mv r = − . FÍSICA GERAL II 30 A equação mostra que a energia mecânica total pode ser positiva, negativa ou nula, dependendo do valor da velocidade a uma distância específi ca de separação r. Para órbitas circulares e sabendo que a velocidade a uma distância r do centro do planeta é dada por TGMv r = , então, a energia mecânica total será dada por, 2 TGM mE r = − . A equação da energia mecânica também é válida para órbitas elípticas, mas devemos substituir o valor de r pelo valor do comprimento do semi-eixo maior da elipse. A energia mecânica, o momento angular total e o momento linear total de um sistema planeta-Sol, planeta-estrela qualquer, Terra-Lua, Terra-satélite, são constantes do movimento ao considerar o modelo do sistema isolado. Com relação à Terra, devemos fazer as seguintes observações: a) Vamos considerá-la como uma partícula cuja massa esteja totalmente concentrada em seu ponto central. No ponto coloquemos nosso referencial inercial. Para um corpo de massa m, distante RT do centro da Terra (corpo na superfície terrestre), a energia potencial gravitacional será dada por T g T GM mU R = − . Se o corpo estiver a uma altura y da superfície terrestre onde o campo praticamente se mantém constante e colocando o referencial inercial na superfície terrestre, apontando para cima (F(y) = -mg), a energia potencial gravitacional na posição y será dada por mgyyU g =)( . Nesse caso, para y=0, a energia potencial será nula, e aumentará linearmente com a altura. Supomos que a partícula se desloque do ponto a (cujas coordenadas são yo=0 e vo≠0) ao ponto b (com coordenadas x e v, ambas diferentes de zero). A energia mecânica total deve ser a mesma em qualquer confi guração, visto a força gravitacional ser conservativa. Assim, 2 2 0 1 1( ) ( ) 2 2g g o mv U y mv U y+ = + . Observe que, nesta equação, não aparecem a força nem a aceleração. Como a energia potencial inicial é nula e a energia potencial a uma altura y é igual a mgy temos, então, que 2 2 0 1 1 2 2 mv mgy mv+ = . Eliminando as massas, obtemos a equação de Torricelli, ou seja, 2 2 0 2v v gy= − . QUESTÃO 1.6 Utilizando considera- ções sobre energia, de- terminar a velocidade de escape de um corpo de massa m lançado da superfície terrestre. 31 GravitaçãoExercícios 1. Um planeta gira em torno do Sol com raio médio igual a 20 vezes o raio médio da órbita da Terra. Qual seu período orbital em anos e em dias, para que o planeta complete uma revolução em torno do Sol? 2. A distância média (semi-eixo maior) do sistema Saturno-Sol é de 1,43 x 1012 m e seu período de revolução é de 9,35 x 108s. Calcule o valor da constante K, utilizando a lei dos períodos. 3. Dois navios, com 50 mil toneladas cada um, navegam em rotas paralelas separadas por 200 m. Qual o módulo da aceleração de um dos navios em direção ao outro devido à atração mútua entre eles? Trate os navios como partículas. 4. Três esferas uniformes com massas de 2 kg, 4 kg e 6 kg, estão colocadas nos vértices de um triângulo retângulo de lados 3, 4 e 5 m. A massa de 4 kg está no vértice com ângulo reto. Calcule a força gravitacional sobre a esfera de 4 kg. Trate as esferas como sistema isolado. Calcule a energia potencial total do sistema. 5. Calcule o módulo e a direção do campo gravitacional em um ponto P sobre a linha divisória perpendicular de duas partículas com massas iguais separadas por uma distância de 2a, conforme fi gura 1.17. 6. Io, um satélite natural de Júpiter, tem um período de revolução de 1,77 dias e um raio de órbita de 4,22 x 105 km. Determine a massa de Júpiter a partir desses dados. 7. Um satélite rasante desloca-se em uma órbita circular logo acima da superfície de um planeta sem ar. Mostre que sua velocidade orbital (vc ) e a velocidade de escape do planeta (ve ) estão relacionadas pela expressão ce vv 2= . 8. A fi gura1.18 representa uma estação orbital A que gravita em órbita circular de raio r, geoestacionária (período de revolução igual a um dia). Um objeto é lançado da estação para outra que se encontra em B, situada em outra órbita circular de raio 3 r. A posição de lançamento é no ponto C, favorável para que o pacote seja recolhido no ponto M, da órbita de B. O centro do planeta e os pontos M e C estão alinhados. Após quantos dias, depois do lançamento, o pacote será recolhido no ponto M? 9. O campo gravitacional na superfície de um planeta tem intensidade g. Comente o que aconteceria coma essa intensidade se: a) duplicasse a massa do planeta; b) dobrasse o raio do planeta. 10. A que altura, acima da superfície terrestre, deve ser colocado um satélite em órbita circular para que seu período de rotação seja de 12 horas? Figura 1.17 - Massas separadas pela distância 2a. Figura 1.18 - Estação orbital em órbita elíptica. r P M M a B M C A 3r Pacote r FÍSICA GERAL II 32 Anotações 33 Gravitação Anotações FÍSICA GERAL II 34 Anotações 35 Equilíbrio Estático2 2.1 Equilíbrio Estático 2.2 Centro de Gravidade 2.3 Estabilidade do Equilíbrio de Rotação FÍSICA GERAL II 36 2 EQUILÍBRIO ESTÁTICO Estática é o ramo da mecânica que trata do equilíbrio dos corpos. Quando um corpo está imóvel e permanece imóvel no tempo, diz-se que o corpo está em equilíbrio estático. A análise do equilíbrio estático é muito importante nas Engenharias. Os engenheiros devem identifi car todas as forças e torques que agem sobre as vigas e os cabos das estruturas, tendo a certeza de que toda a estrutura pode tolerar as cargas que lhe são e serão impostas. A análise das forças e torques em uma peça mecânica ajuda a determinar a sua durabilidade em uso. Observamos pela fi gura 2.1a que a somatória vetorial das forças externas e dos torques externos é igual a zero. Portanto, o corpo, nesta condição, está em equilíbrio estático. Na fi gura 2.1b, mesmo sendo a somatória vetorial das forças igual a zero, a somatória vetorial dos torques é diferente de zero. Assim sendo, o corpo girará em torno de seu centro de massa. Muitas vezes, considera-se que a condição para que uma partícula esteja em repouso é a de que a resultante das forças sobre o corpo seja nula. Porém, como podemos observar na fi gura 2.1b, se o centro de massa permanecer em repouso, é possível que o corpo gire em torno de um eixo ou de um centro. Não há equilíbrio, se houver rotação. Por essa razão, para que haja o equilíbrio estático, é necessário também que a resultante dos torques que atuamsobre o corpo, em relação a qualquer ponto, seja nula. Esta condição nos oferece a liberdade de escolher qualquer ponto para o cálculo dos torques, sendo útil em inúmeras situações físicas. Dessa forma, as duas condições necessárias, para que um corpo rígido esteja em equilíbrio estático, são: 1. A somatória vetorial das forças externas que agem sobre o corpo deve ser nula: , 0i ext i F =∑ 2. A somatória vetorial dos torques externos em relação a qualquer ponto deve ser nula: , 0i ext i τ =∑ Como vimos, podemos descrever a natureza vetorial da rotação, em torno de um eixo fi xo, como positiva ou negativa. Os torques anti-horários serão positivos, e os horários, negativos. Um corpo que está em movimento com velocidade constante satisfaz às duas condições, mas não está em equilíbrio estático. Como , 0i ext i d pF dt= =∑ , temos que, o momento linear p mv= é constante. Para um equilíbrio estático, p tem que ser constante e igual à zero. Da mesma forma , 0i ext i d L dtτ = =∑ , onde o momento angular L Iω= tem que ser constante e igual a zero para que haja um equilíbrio estático. Podemos ver que as duas condições dadas ( , 0i ext i F =∑ e , 0i ext i τ =∑ ) são necessárias, mas não são sufi cientes. Figura 2.1. 37 Equilíbrio Estático EXEMPLO 2.1 Duas pessoas seguram uma carga de 50 kg sobre uma tábua de 3 m. A massa da tábua é de 10 kg e a carga está a 1 metro da extremidade A e a 2 metros da extremidade B. Calcule a força que cada pessoa exerce para suportar a carga. Solução: 1,0 m 2,0 m 1,5 m 3,0 m B A FA FB PC PT Inicialmente, temos que fazer um diagrama com todas as forças envolvidas. A primeira condição para que a carga e a tábua estejam em equilíbrio estático é que a somatória vetorial das forças seja igual a zero. Portanto, 0i i F =∑ 0A C T BF P P F− − + = sendo, 490CP N= e 98TP N= . Assim, 588A BF F N+ = Como AF e BF não são conhecidas (são as forças procuradas), e como temos uma úni- ca relação, não é possível determiná-las. A segunda condição é que a somatória vetorial dos torques externos envolvidos em re- lação a qualquer ponto seja igual a zero. Como esta condição serve para qualquer ponto, escolhemos o ponto A. Portanto, , 0i A i τ =∑ (0) (1 ) (1,5 ) (3 ) 0A C T BF P m P m F m− − + = (1 ) (1,5 ) (3 ) 0C T BP m P m F m− + = 212,3BF N= Podemos perceber que, com a escolha do ponto A, o torque em A é nulo. Agora, para determinar AF , podemos usar a relação 588A BF F N+ = , e, portanto, 588 375,7A B AF N F F N⇒= − = EXEMPLO 2.2 Um peso de 80N está sustentado conforme fi gura ao lado. A viga tem 2m e o seu peso é de 10 N. Encontre a força exercida sobre a viga no ponto A. Solução: Inicialmente, temos que determinar todas as forças que atuam sobre a viga. FÍSICA GERAL II 38 A somatória vetorial das forças externas, que agem sobre o sistema, não traz informação sufi ciente para resolver o problema. Tomando os torques em relação a B, de modo que o torque da força desconhecida T seja nulo, teremos: A B 300 80N 10N 1m 1m Fy Fx T Ty Tx , 0i B i τ =∑ ( )2 (1 ) 0y VF m P m− = 5yF N= Analisando a somatória dos torques em relação ao ponto A, temos: , 0i A i τ =∑ ( ) ( )2 2 (1 ) 0P y VP m T m P m− + − = 85yT N= Para determinar a componente de xT , utilizamos a identidade trigonométrica (45 )o y x Ttan T= . Assim, ( )45 y x o T T tan = 85xT N= Agora, podemos utilizar que somatória das forças em x é igual a zero. Deste modo, 0x xF T− = 85xF N= Portanto, ˆ ˆ85 5F Ni Nj= + EXEMPLO 2.3 Uma massa de 10 kg está segura pela mão, com o antebraço fazendo um ângulo de 900 com o braço. A massa do antebraço é de 2 kg. Calcule a força T exercida pelo músculo bíceps. Solução: Os torques exercidos pelo massa e pelo antebraço em relação ao cotovelo devem ser equilibrados pelo torque da força T (bíceps). Assim, , 0i A i τ =∑ ( ) ( )33 15 (4 ) 0m yP cm p cm T cm− − + = ( )( ) ( )( )2 210 9,8 / 33 2 9,8 / 15 4 kg m s cm kg m s cm T cm + = 882T N= Este valor é bastante alto, pois a força do bíceps atua bem próxima ao cotovelo (4 cm) e a bola está mais distante (33 cm). EXEMPLO 2.4 Uma escada AB, pesando 40 N, apóia-se numa parede vertical que faz um ângulo de 600 com a horizontal. Calcule as forças que atuam sobre a escada nos pontos A e B. A escada é provida de rodas em A, de tal forma que se pode desprezar o atrito na parede vertical. 39 Equilíbrio Estático Solução: As forças que atuam sobre a escada estão ilustradas na fi gura ao lado. O peso P está aplicado no centro C da escada. A força BxF é necessária para evitar que a escada escorregue e resulta do atrito com o piso. As forças ByF e AF são as reações normais no piso e na parede. Usando a primeira condição de equilíbrio, temos: 0i i F =∑ 0iy By i F F P= − =∑ 40By BxF P F N= → = 0ix A Bx i F F F= − =∑ A C B 600 300 600 AF BxF ByF P Seja L o comprimento da escada.Tomando os torques em relação a B, de modo que os torques das forças desconhecidas BxF e ByF sejam nulos, teremos que ( ) ( )0 030 60 02iB Ai LP sen F L senτ = − =∑ ( ) ( ) ( ) ( ) 0 0 0 0 30 302 11,5 60 2 60A LP sen P sen F N L sen sen = = = Usando 0ix A Bx i F F F= − =∑ , obtemos, 11,5BxF N= 2.2 Centro de Gravidade A fi gura 2.2 mostra o esquema de um corpo, dividido em diversas partes, que podemos imaginar como partículas. O peso de cada uma dessas partículas é iw e o peso total do corpo é i i W w= ∑ . Podemos imaginar, também, que o peso total do conjunto estivesse concentrado num único ponto, de modo que, se o corpo fosse apoiado no ponto, estaria em equilíbrio. Este ponto é o centro de gravidade cgX , e é defi nido como o torque correspondente à força W , aplicado neste ponto. Em relação a qualquer ponto, o torque total será igual a resultante dos torques dos pesos das partículas em relação ao mesmo ponto. A coordenada x do centro de gravidade é dada por: cg i i i X W x w= ∑ Se a aceleração da gravidade for constante sobre toda a extensão do corpo, podemos escrever i iw m g= e W Mg= , assim, g cg i i i X Mg m w= ∑ cg i i i X M m w= ∑ Esta equação nos dá a coordenada x do centro de massa. Logo, quando o campo gravitacional for uniforme, a coordenada x do centro de massa é igual à coordenada x ao centro de gravidade. O centro de gravidade é o ponto em relação ao qual os torques das forças gravitacionais que atuam sobre as partículas do corpo têm resultante nula. Figura 2.2 FÍSICA GERAL II 40 2.3 Estabilidade do Equilíbrio de Rotação O equilibrista a da fi gura 2.3 anda sobre uma corda esticada e utiliza uma barra rígida retilínea para ajudar o equilíbrio. Este sistema é instável e andar por uma corda assim é, obviamente, só para profi ssionais. O equilibrista b utiliza uma barra rígida na forma de um U invertido, com dois pesos nas pontas. O centro de massas homem-pesos é muito mais baixo do que o ponto de apoio do sistema (pés). Neste caso, o sistema é estável, pois qualquer deslocamento angular provoca o aparecimento de um torque que tende a retornar o sistema à posição de equilíbrio. Portanto, a estabilidade de um sistema pode ser aumentada se o centro de gravidade for abaixado. Os seres humanos têm problema para fi car de pé ou andar sobre dois pés. O centro de gravidade do corpo humano está numa altura signifi cativa em relação ao nível do solo e o equilíbrio tem que ser mantido sobre a estreita base de apoio proporcionada pelos pés. As crianças demoram meses para fi car em pé e levam cerca de um ano para aprender a andar. Muitos quadrúpedes fi cam em pé logo após o nascimento e têm o aprendizado de locomoção muito mais fácil que os humanos por exemplo, pois a respectiva base de apoio é muito mais larga e o centro de gravidade está muitomais baixo do que em nós. Dessa forma, podemos classifi car em três categorias o equilíbrio de um corpo em relação à rotação: estável, instável e indiferente. a) estável b) instável c) indiferente Figura 2.4 - Equilíbrio a) estável, b) instável e c) indiferente. O equilíbrio de rotação estável ocorre quando os torques provocados por um pequeno deslocamento angular do corpo em relação à posição de equilíbrio, provocam uma rotação que tende a levar o corpo para a posição de equilíbrio inicial. A fi gura 2.4a mostra a situação de equilíbrio estável. Quando a caixa gira de um pequeno ângulo em torno de uma aresta, o torque em relação ao ponto de apoio tende a levar a caixa à posição inicial. Veja que, neste caso, a rotação eleva o centro de gravidade e aumenta a energia potencial da caixa (observe a linha tracejada nas duas condições na fi gura 2.4a). O equilíbrio de rotação instável ocorre quando os torques provocados por um pequeno deslocamento angular do corpo tendem a afastar o corpo da posição original. Por exemplo, uma pequena rotação do bastão (fi gura 2.4b) provoca sua queda, pois o torque Figura 2.3 a) b) c.m. • • c.m. U0 < UB U0 > UB U0 = UB 41 Equilíbrio Estático do peso provoca uma rotação que o afasta da posição inicial. A rotação, neste caso, abaixa o centro de gravidade e diminui a energia potencial do bastão (analisar a linha tracejada na fi gura 2.4b). Comparando a fi gura 2.4a e 2.4b podemos entender a razão do tamanho da base aumentar a estabilidade: isto está relacionado com a curva de energia potencial de cada caso. Quando a área superfi cial é grande em relação ao volume o sistema é mais estável, quando a área é pequena o sistema é instável. Um cilindro, que repousa sobre uma superfície horizontal, ilustra o equilíbrio de rotação indiferente (fi gura 2.4c). Se o cilindro girar, não haverá torque ou força agindo para que retorne à posição inicial ou para que se afaste dela. Na rotação do cilindro, a altura do centro de gravidade não se altera e a energia potencial idem. Resumindo: se um sistema for ligeiramente perturbado de sua posição de equilíbrio, este será estável quando o sistema retornar à posição inicial; será instável, se o sistema se afastar da posição inicial; e indiferente, se não existir torques ou forças que atuem num ou noutro sentido. EXEMPLO 2.5 A partir do gráfi co de energia potencial em função do x, determine, nas posições A, B, C, D e E, se o equilíbrio é estável, instável ou indiferente. Solução: A) Instável, pois qualquer perturbação diminui a energia potencial do sistema e o sistema tende a não voltar à posição A. B) Estável, uma vez que uma pequena perturbação da posição aumenta a energia potencial e o sistema volta à posição B. C) Instável, como em A, onde qualquer perturbação diminui a energia potencial do sistema. D) Estável, como em B, onde uma pequena perturbação da posição aumenta a energia potencial. E) Indiferente, porque uma perturbação não muda o valor da energia potencial. EXEMPLO 2.6 Um caminhão transporta uma caixa homogênea de massa m, altura h e lado L. Qual poderá ser a aceleração máxima do caminhão sem que seja provocado o tombamento da caixa? Admita que o tombamento preceda ao deslizamento da caixa. FÍSICA GERAL II 42 Solução: Mesmo o caminhão estando acelerado ( i cm i F m a=∑ ), pretende-se que a caixa não tombe. Portanto, a somatória dos torques em relação ao centro de massa da caixa deve ser nula , 0i ext i τ =∑ . Na direção da aceleração temos somente a força de atrito f , e, portanto. Aplicando ,i x cm i F ma=∑ , temos cmf ma= Na vertical não há movimento. Assim, 0i i F =∑ , e, por essa razão, a força normal NF é igual ao peso mg, NF mg= Aplicando , 0i ext i τ =∑ , e sabendo que ( )090sen Ø cosØ− = , teremos, 0NF rsenØ frcosØ− = Como ( )2LsenØ r = e ( )2hcosØ r = , obtemos, 0 2 2N L hF f− = Usando cmf ma= e NF mg= , resulta que 0cmmgL ma h− = cm La g h = Exercícios 1. Uma chapa triangular é constituída pela soldagem de quatro chapas triangulares homogêneas, cada qual com o lado a, como mostra a fi gura ao lado. A chapa 1 pesa 40N, a 2 pesa 60, a 3 pesa 40N e a 4, 60N. Localizar o centro de gravidade. 2. O centro geométrico coincide sempre com o centro de gravidade de um corpo? 3. Quarenta por cento do peso de um carro é suportado pelas rodas traseiras. As rodas traseiras e dianteiras estão afastadas por 2 metros. Onde está localizado o centro de gravidade do carro em relação às rodas traseiras? 4. Uma placa de 10kg está suportado por um cabo preso a uma travessa de 1m no ponto O (fi gura ao lado). A massa da travessa é desprezível. Achar a força exercida pela travessa no ponto O e a tensão T na corda. O 450 T 43 Equilíbrio Estático 5. Uma placa de 10kg é suportada por um cabo preso a uma travessa de 1 m (fi gura ao lado). A massa da travessa e do cabo são desprezíveis. Achar a força exercida pelo sistema no ponto O e a tensão T na cabo. 6. Uma caixa homogênea de 2m x 1m x 1m está sobre uma tábua inclinada, como mostra a fi gura. A inclinação é aumentada lentamente. O coefi ciente de atrito é sufi ciente para impedir o escorregamento da caixa. Em que ângulo θ a caixa tombará? 7. Duas forças de 40 N estão aplicadas na borda de uma chapa circular de raio R =10 cm, como mostra a fi gura. Calcular o torque provocado por este par de forças. 8. Durante uma palestra, um estudante segura uma vara de 2 m e com 5 kg por uma das extremidades, mantendo-a na posição horizontal. Estime as forças que o estudente exerce sobre a vara. (existem duas forças que atuam em direções opostas, separadas pela largura da mão) 9. Uma escada está apoiada contra uma parede vertical sem atrito. O coefi ciente de atrito entre a escada e o piso é 0,5. Qual o menor ângulo dentro do qual a escada fi cará estacionária? 10. Um móbile é constituído por quatro pesos pendurados em três travessões de massa desprezíveis. Determinar os pesos desconhecidos (A, B e C) para o móbile permanecer em equilíbrio. O 450 T FÍSICA GERAL II 44 Anotações 45 Equilíbrio Estático Anotações FÍSICA GERAL II 46 Anotações 47 Fluidos3 3.1 densidade 3.2 pressão em um Fluido 3.2.1 Medidas de pressão 3.3 princípio de pascal 3.4 Empuxo e o princípio de Arquimedes 3.5 dinâmica dos Fluidos 3.5.1. princípio de Bernoulli FÍSICA GERAL II 48 3 FLUIDOS Fluidos abrangem os gases e os líquidos. Nos fl uidos, os conjuntos de moléculas da matéria estão aleatoriamente arranjadas e mantidas juntas por forças exercidas pelas paredes do recipiente. Diferentemente de um sólido, que tem volume e forma defi nidos, um líquido tem volume e escoa até ocupar a região mais baixa possível do recipiente que o contém. Isto quer dizer que não possui forma defi nida. As forças coesivas num líquido são fracas e de curto alcance e são frequentemente rompidas pela agitação térmica. Essas ligações, apesar de fracas, mantêm a unidade dos líquidos. Essa unidade é quebrada nos gases, pois a separação média das moléculas é grande diante do tamanho das moléculas. As forças coesivas entre as moléculas são praticamente inexistentes, exceto durante as colisões, que são muito frequentes e muito rápidas. Por isso, um gás não tem volume nem forma defi nidos. Apesar das diferenças, gases e líquidos têm determinados comportamentos semelhantes e podem ser estudados em conjunto. O estudo dos fl uidos foi sempre um grande desafi o científi co, que provocou o pensamento e a imaginação de grandes físicos. Estes grandes físicos utilizaram-se principalmente dos conceitos de força e conservação. Dessa forma, novas fronteiras do conhecimento foram abertas e propiciaram uma compreensão melhor destes conceitos e da própria Física. 3.1 Densidade Uma propriedade importante dos líquidos e gases (e também dos sólidos) é a razão entrea massa m e o volume V. Esta razão é denominada densidade ρ : massa mDensidade volume V ρ= = No sistema internacional (SI) a unidade da densidade é 3/kg m , mas normalmente a densidade é dada em kg / l, onde l é a unidade de litro ( 3 3 3 31 10 10l cm m−= = ). No caso específi co dos gases o volume é determinado pelo recipiente que o contém. A densidade das substâncias altera-se com a temperatura e a pressão. A maioria dos sólidos e líquidos contraem ligeiramente quando resfriados e também contraem ligeiramente quando sob compressão. Estas mudanças no volume são pequenas, logo, é comum considerar a densidade independente da temperatura e do volume nos sólidos e líquidos. Em contraste, a densidade de um gás depende fortemente da temperatura e da pressão e, por essa razão, é indispensável especifi car estas duas grandezas. Adotam-se como condições normais de temperatura e pressão a temperatura de 250C e a pressão atmosférica ao nível do mar. A densidade da água, a 4OC, é de 31000 /kg m ou 1,00 /kg l (Tabela 3.1). Uma substância (sólido ou líquido) fl utua na água quando a sua densidade for menor que o da água. Isto é, para um mesmo volume, a água tem massa maior do que a substância. A razão entre a densidade de uma substância e a densidade da água é sua densidade relativa. Por exemplo, a densidade da madeira (tabela 3.1) é 600 3/kg m ; portanto, a densidade relativa da madeira é 0,6 vezes a densidade da água, por isso a madeira fl utua. Densidade ρ (kg/m3 ) Ar atmosférico 1,293 Madeira 0,6-0,9×103 Álcool 0,806×103 Gelo 0,92×103 Água 1,00×103 Água do mar 1,025×103 Alumino 2,70×103 Ferro 7,96×103 Cobre 8,93×103 Chumbo 11,6×103 Tabela 3.1 – Densidade de alguns materiais. 49 Fluidos EXEMPLO 3.1 Normalmente, a densidade de uma substância é dada em relação à densidade da água, sendo denominada de densidade relativa. Quais seriam então as densidades relativas do álcool e do ferro? Solução: Álcool: a densidade do álcool é 3 30,806 10 /kg m× e da água é 3 31,00 10 /kg m× (ver tabela Y.1). Portanto, a densidade relativa do álcool é 3 3 3 30,806 10 /1,00 10 0,806 kg kg m m × × = . Isto quer dizer que a densidade do álcool cor- responde a 0,806 da água. Ferro: a densidade do ferro é 3 37,96 10 /kg m× (ver tabela 3.1). Assim, a densidade re- lativa do ferro é 3 33 37.96 10 /1,00 10 7,96 kg kg m m × × = . 3.2 Pressão em um Fluido Quando um corpo está imerso em um fl uido este exerce em cada ponto da superfície do corpo, uma força perpendicular à superfície. A força que um fl uido exerce sobre uma superfície se origina das colisões das moléculas com a superfície. Considerando uma colisão elástica, cada uma delas resulta em uma força F em módulo sobre a superfície, que é dada por ( )( ) 2f ip p mv m vp mvF t t t t − + −∆ = = = = ∆ ∆ ∆ ∆ na qual, m é a massa da molécula e v sua velocidade ( )i fv v v= = . Podemos perceber que a força resulta na reversão da componente do vetor velocidade da molécula perpendicular à superfície. Um grande número dessas forças ocorre a cada segundo tendo, por resultado, uma força macroscópica constante na superfície. Esta força do fl uido F, por unidade de área da superfície A, é a pressão P do fl uido: FP A = . No sistema internacional, a unidade de pressão é o pascal (Pa). Como a força é dada em Newton e a área em metro quadrado, temos que 2 NPa m = . Lembremos que a pressão e a força são grandezas diferentes. Observando a defi nição de pressão FP A = , podemos ter uma pressão muito grande a partir de uma força pequena F ao diminuir a área A sobre a qual a força é aplicada. Podemos, também, criar uma pressão pequena a partir de uma força grande F ampliando a área A de atuação da força. Quando alguém pisa sobre um único prego, ele perfura a pele. Isto não acontece quando alguém pisa sobre uma grande quantidade de pregos, conforme fi gura 3.1. A grande massa de ar sobre a superfície da Terra exerce uma pressão de cerca de 101kPa sobre a superfície e os corpos sobre ela. Normalmente esta pressão é denominada 1 atmosfera (atm), que constitui uma unidade de medida de pressão. As relações entre estas e outras unidades estão apresentadas na tabela 3.2. Questão 3.1 Um navio danifi cado mal pode fl utuar no mar. Então ele é rebo- cado para um porto em um rio. Enquanto é re- bocado rio acima, ele afunda. Por quê? Figura 3.1 - Pé sobre uma quantidade grande de pregos (www.phaneo.de). FÍSICA GERAL II 50 Pascal (Pa) Bar (bar) atmosfera (atm) Torr (torr) (mmHg) libra por polegada quadrada (psi) (lb/in2) 1 Pa 1 1,0000·10−5 9,8692·10−6 7,5006·10−3 1,4504·10−4 1 bar 1,0000·105 1 9,8692·10−1 7,5006·102 1,4504·101 1 atm 1,0133·105 1,0133·100 1 7,6000·102 1,4696·101 1 torr 1,3332·102 1,3332·10−3 1,3158·10−3 1 1,9337·10−2 1 psi 6,8948·103 6,8948·10−2 6,8046·10−2 5,1715·101 1 Tabela 3.2. Tabela de conversão de unidades de pressão. A pressão exercida por um fl uido sobre um corpo tende a comprimir o corpo. A razão entre a variação da pressão P∆ e a diminuição relativa de volume ( )– /V V∆ é denominado de módulo de compressibilidade, / PB V V ∆ = − ∆ . O módulo de compressibilidade B mede a difi culdade de comprimir um corpo. Quanto menor a diminuição relativa de volume ( )/V V∆ , maior será o módulo de compressibilidade. O valor de B é elevado para sólidos e líquidos e baixo para os gases. A pressão num lago ou em qualquer oceano aumenta com a profundidade. Como a densidade é aproximadamente constante, o aumento da pressão é aproximadamente linear. Analisemos uma coluna de água de altura h e de seção reta A (fi gura 3.2). O peso dessa coluna de líquido é w mg Vg Ahgρ ρ= = = Se OP for a pressão no topo da coluna de água e P a pressão na base, como F PA= , a força para cima provocada pela diferença de pressão é OPA P A− . Fazendo a somatória das forças, temos, P A OP A− Aρ= hg OP P hgρ− = 3.1 A diferença de pressão medida na superfície do líquido e medida em uma profundidade h é igual a mgh. EXEMPLO 3.2 Dada uma barragem de uma represa retangular, com 20 metros de largura e 20 metros de profundidade: a) calcule a pressão no fundo da represa e b) determine a força horizontal total que age sobre a represa. Solução: a) Como OP P hgρ− = ; b) Como dF PdA ghLdhρ= = . Integrando entre 2 0 0 10 e : 2 h H H h h h H F ghLdh gL hdh gLHρ ρ = = = = = = =∫ ∫ . Portanto, 3 3 2(10 / )(9,81 / )(20 )(20 ) 78480000NF kg m N kg m m= = 7,848.107. Figura 3.2 - Coluna de água com altura h e área da seção reta A. Questão 3.2 Na Groenlândia as ca- madas de gelo podem chegar a 1 km de es- pessura. Se a densidade do gelo é ρ=920 kg/m3, estime a pressão do gelo sobre o solo. Questão 3.3 Avalie a força horizon- tal na parte traseira da barragem da represa de Itaipu proveniente da massa de água. Consi- dere somente a largura da parte central da bar- ragem com 960 metros de comprimento e 180 metros de profundidade. 51 Fluidos 3.2.1 Medidas de Pressão Evangelista Torricelli1 inventou um instrumento simples para medir a pressão: o barômetro (fi gura 3.3a). Consistia num tubo longo, fechado em uma extremidade e repleto com mercúrio. Era, então, invertido em um recipiente cheio de mercúrio. A pressão no alto da coluna de mercúrio pode ser considerada como zero, pois a extremidade é fechada. A pressão provocada pela coluna de mercúrio no ponto O deve ser igual à pressão provocada pela atmosfera. Se não fosse o caso, o mercúrio mover-se-ia para um ponto até que o equilíbrio fosse estabelecido. O peso da coluna de mercúrio no tubo é PF mg= , onde a massa é igual ao produto entre a densidade Hgρ e o volume de mercúrio no tubo (V Ah= ). Portanto, P HgF Ahgρ= . A pressão OP no ponto O é dada por HgP O Hg AhgFP hg A A ρ ρ= = = . À medida que a pressão atmosférica varia, a altura da coluna de mercúrio varia e, assim, a altura pode ser calibrada paramedir a pressão atmosférica. Para uma pressão 1 101OP atm kPa= = , temos O HgP hgρ= ( ) 3 2 3 101 1013,5 9,8 / O Hg P kPah g kg m s m ρ = = × 0,760h m= . No barômetro é feita a leitura da pressão diretamente pela altura h. Como esta altura é dependente da densidade do líquido (mercúrio), usa-se a notação direta de 760 mmHg (milímetros de mercúrio), conforme pode ser visto na tabela 3.2. O barômetro de Torricelli mede a pressão absoluta (fi gura 3.3a). O manômetro (fi gura 3.3b), por sua vez, mede a diferença da pressão atmosférica e a pressão em um recipiente. A pressão em A é a pressão do recipiente que queremos determinar. Como no caso do barômetro, as pressões em A e B são as mesmas. Se não fossem as mesmas, parte do fl uido experimentaria uma força e se movimentaria. Assim, temos que OP P hgρ− = . Descobrindo a altura da coluna acima do ponto A (altura de A é igual a altura de B) e multiplicando pelo valor da densidade e do valor de g, temos a diferença de pressão OP P− , que é chamada de pressão manométrica. A pressão que medimos do pneu do carro é a pressão manométrica. Atualmente, existe uma série de novos medidores de pressão que se utilizam destes princípios e/ou de outros, que estudaremos posteriormente (condução de calor, capacitância, resistividade elétrica, campo elétrico e magnético). 3.3 Princípio de Pascal Blaise Pascal (1623-1662) foi um fi lósofo religioso, físico e matemático francês. Trouxe notáveis contribuições para as ciências naturais aplicadas. Realizou estudos importantes em diversas áreas da Física, especialmente sobre fenômenos envolvendo fl uidos. Em um de seus tratados, Traité de l’équilibre des liqueurs, que só foi publicado um ano após sua morte, Pascal esclareceu, fi nalmente, os princípios barométricos da prensa hidráulica e da transmissibilidade de pressões. Estabeleceu aquele que, hoje, é conhecido como o Princípio de Pascal: 1 Evangelista Torricelli (1608-1647) foi um físico e matemático italiano. Galileu, impressionado com seus estu- dos, convidou-o para trabalhar como seu secretário e assistente de Galileu. Depois da morte do mestre Galileu, foi então nomeado para substituir-lo como matemático do grão-duque da Toscana e professor de Matemática na universidade de Florença. Figura 3.3 a) barômetro Figura 3.3 b) manômetro Questão 3.4 É possível construir um barômetro utilizan- do-se água em vez de mercúrio? Qual seria a altura da coluna de água? FÍSICA GERAL II 52 Num líquido em repouso ou equilíbrio, as variações de pressão transmitem-se igualmente e sem perdas para todos os pontos da massa líquida. A prensa hidráulica (fi gura 3.4) é uma aplicação corriqueira do princípio de Pascal. Um cilindro de raio menor com um pistão é interligado com outro cilindro de raio maior, também provido de um outro pistão. Um fl uido incompressível (parte mais escura da fi gura 4) tem a função de transmitir igualmente as variações de pressão entre os dois cilindros. No pistão menor, uma pequena força 1F provoca uma variação de pressão 1 1/F A , que é transmitida para o pistão maior ( 1 2P P= ), como estabelecido pelo principio de Pascal. Assim, podemos escrever: 1 2 1 2 F F A A = 2 2 1 1 AF F A = . Como a área 2A do pistão grande é maior do que a área 1A do pistão menor, a força 2F é muito maior que a força 1F . EXEMPLO 3.3 Uma prensa hidráulica tem um pistão grande de raio 20 cm e um pistão pequeno de raio 2 cm. Qual a força que deverá ser aplicada ao pistão pequeno para que, no maior, possa sustentar ou elevar um carro de 2000 kg? Solução: A pressão P no pistão pequeno é igual ao quociente entre a força aplicada 1F pela área 1A : 1 1 FP A = A força 2F no pistão maior é o produto da pressão P pela área 2A , que é igual ao peso do carro, 2 2 2 mgF PA mg P A = = → = Como, pelo principio de Pascal, a pressão é igual nos dois pistões, obtemos 2 1 1 1 1 2 1 2 2 2 F A rmg F mg mg A A A r π π = → = = ( )( ) 2 2 1 2 (2 )2000 9,8 / 196 (20 ) cmF kg m s N cm π π = = Temos que tomar muito cuidado, pois, para este caso, a razão entre os dois raios é 10 e a razão fi nal entre as forças é 100. 3.4 Empuxo e o Princípio de Arquimedes Arquimedes de Siracusa (287 a.C. - 212 a.C.) foi um dos mais importantes cientistas da Antiguidade. Ele fez descobertas importantes em geometria e matemática, como, por exemplo, um método para calcular o número π, utilizando séries. Este resultado constitui também o primeiro caso público do cálculo da soma de uma série infi nita. Ele concebeu vários tipos de máquinas civis e militares e encontrou, ainda, o princípio da Figura 3..4 - Prensa Hidráulica. 53 Fluidos alavanca. Arquimedes contribuiu para a fundação da hidrostática, tendo feito, entre tantas outras descobertas, aquela que leva o seu nome e que fi cou conhecida como Princípio de Arquimedes: Um corpo total ou parcialmente imerso num fl uido sofre um empuxo, debaixo para cima, que é igual ao peso do fl uido deslocado. O princípio de Arquimedes pode ser verifi cado da seguinte forma: um corpo pesado preso a um dinamômetro (conforme a fi gura 3.5), quando imerso em água, apresenta uma leitura no dinamômetro menor do que quando o corpo não está imerso no líquido. Esta diferença se deve à força que a água exerce sobre o corpo, conhecida como empuxo, E. Esta força fi ca muito evidente quando trocamos o corpo pesado por uma rolha de cortiça. O empuxo é maior que a força peso quando a rolha é completamente submersa no líquido, fazendo a rolha subir. A rolha encontra uma situação de equilíbrio e fl utua quando somente uma parte dela fi ca submersa, isto é, a força peso se iguala à força empuxo, referente ao volume submerso da rolha. Este principio observado no caso da rolha de cortiça é usado para medir a densidade de líquidos, sabendo-se a massa e determinando o volume imerso no líquido (fi gura 3.6 e exemplo 3.4). EXEMPLO 3.4 DENSÍMETRO PARA LÍQUIDOS: O objetivo de um densímetro é medir a densidade de líquidos liqρ . A forma mais comum deste instrumento é um tubo de vidro longo fechado em ambas as extremidades (fi gura 3.6). Este tubo é mais largo em sua parte inferior e possui uma graduação na parte mais estreita. O densímetro deve ser imerso em um recipiente cheio do líquido do qual se deseja deter- minar a densidade, até que ele possa fl utuar livremente. A leitura é realizada observando em que marca da graduação fi ca posicionada a superfície do líquido, conforme fi gura 3.6. O empuxo E é igual ao peso do fl uido deslocado, isto é, liqE Vgρ= . No equilíbrio ( )0F =∑ , o empuxo é igual à força peso do próprio densímetro, 0F =∑ 0liqVg mgρ − = liq m V ρ = Pelas equações acima é possível notar que m é a massa do densímetro e que o V é o volu- me do fl uido deslocado. Isto quer dizer que, determinando o volume imerso do densímetro no líquido, encontraremos a densidade do líquido liqρ . Uma das utilidades do densímetro é aquela de inferir a respeito das propriedades dos líqui- dos através da inspeção de sua densidade, principalmente quando os líquidos são misturas de substâncias. A qualidade do álcool é aferida através de um densímetro colocado direta- mente na bomba dos postos de gasolina (também chamado de alcoômetro). A densidade é ligeiramente dependente da temperatura e, por essa razão, juntamente com a medida da densidade, é importante determinar a temperatura do líquido. 3.5 Dinâmica dos Fluidos O escoamento de um fl uido pode ser regular ou turbulento. Mesmo qualitativamente, descrever o escoamento turbilhonar é muito difícil. Consequentemente, abordaremos somente o escoamento não turbulento de um fl uido “ideal”. Os resultados básicos da dinâmica dos fl uidos derivam das leis de conservação. Começaremos abordando a conservação de massa. Figura 3.5 Figura 3.6 densímetro Questão 3.5 Projete um densíme- tro que trabalhe entre a densidade do álcool 0,8kg/m3 e da água. FÍSICA GERAL II 54 Tomemos um fl uido em movimento, emum tubo, com velocidade 1v em um ponto 1, cuja secção transversal tem área 1A , conforme ilustra a fi gura 3.7. Uma determinada massa 1m∆ do fl uido atravessa essa secção num intervalo de tempo infi nitesimal t∆ . Esta massa 1m∆ está contida num cilindro de base 1A e altura 1v t∆ . O volume deste cilindro é Av t∆ . Se a densidade do fl uido é 1ρ , temos para o infi nitésimo de massa 1 1 1 1m A v tρ∆ = ∆ . Consideraremos agora a massa 2m∆ em um ponto 2. Por analogia é fácil chegar ao resultado 2 2 2 2m A v tρ∆ = ∆ Por conservação de massa, o infi nitésimo de massa 2m∆ que passa por 2A num intervalo de tempo é o mesmo do infi nitésimo de massa 1m∆ que passa por 1A no mesmo intervalo de tempo. Portanto, 2 1m m∆ = ∆ e, assim, 1 1 1A v tρ ∆ 2 2 2A v tρ= ∆ 1 1 1 2 2 2A v A vρ ρ= . Logo, o produto Avρ permanece constante ao longo do tubo, representando o fl uxo de massa por unidade de tempo, através da secção transversal do tubo. Admitamos agora que o fl uido seja incompressível, o que é uma aproximação adequada para a maioria dos líquidos. Assim, temos que a densidade do fl uido não muda ( 1 2ρ ρ ρ= = ), e, portanto, 1 1 2 2A v A v= ou seja, Av constante= Este resultado é chamado de equação de continuidade e a grandeza Av de vazão volumar, VI . EXEMPLO 3.5 O sangue corre por uma artéria, cujo raio é de 1,0 cm, à velocidade de 30 cm/s. Qual a velocidade do sangue se o raio da artéria for reduzido para 0,7 cm? (geralmente há uma redução do raio em artérias devido à arterioesclerose, que é o espessamento das paredes arteriais) Solução: Pela equação de continuidade sabemos que Av constante= Chamando o pedaço de artéria normal de A e a reduzida de B, temos A A B BA v A v= 2 2 A A B A A B B A rv v v A r π π = = ( ) ( ) 2 2 1,0 30 / 61,22 / 0,7B cm v cm s cm s cm π π = = Assim, a velocidade mais que duplica na área reduzida. Figura 3.7 - Fluido em movimento em um tubo de área de seção reta variável. Os dois cilindros som- breados têm volumes idênticos. 55 Fluidos 3.5.1 Princípio de Bernoulli Daniel Bernoulli (1700- 1782), físico e matemático suíço fez importantes descobertas sobre a dinâmica dos fl uidos. Em seu trabalho Hydrodynamica de 1738, Bernoulli derivou pela primeira vez uma expressão que relaciona a pressão à velocidade e à altura do fl uido. Essa expressão leva o seu nome (princípio de Bernoulli). Vamos desenvolver esta expressão usando a conservação da energia mecânica. Consideremos o escoamento de um fl uido ideal através de um tubo não uniforme entre os pontos 1 e 2 em um determinado tempo t (fi gura 3.8). Após um certo tempo t∆ , o fl uido desloca-se no interior do tubo e passa a ocupar a região entre 1´e 2´. A massa desta parcela de fl uido é m Vρ∆ = ∆ . Este deslocamento elevou m∆ de 1y para 2y e a velocidade passou de 1v para 2v . A variação da energia potencial desta parcela de fl uido é dada por 2 1 U mgy mgy∆ =∆ − ∆ 2 1 ( )U mg y y∆ =∆ − A variação da energia cinética é ( ) ( )2 22 1 1 1 2 2cin E m v m v∆ = ∆ − ∆ ( ) 2 22 1 1 ( ) 2cin E m v v∆ = ∆ − O fl uido à esquerda do ponto 1 exerce uma força sobre esta parcela de fl uido restante, e o trabalho desta força é dado por 1 1 1 1 1 1 1W F x P A x P V= ∆ = ∆ = ∆ Da mesma forma, o fl uido à direita exerce uma força sobre o ponto 2 e o trabalho será 2 2 2 2 2 2 2W F x P A x P V= − ∆ = − ∆ = − ∆ Portanto, o trabalho total é a soma dos dois trabalhos, 1 2 1 2( )totalW P V P V V P P= ∆ − ∆ = ∆ − Como total cinW U E= ∆ + ∆ , ( ) ( ) 2 21 2 2 1 2 1 1( ) ( ) ( ) 2 V P P V g y y V v vρ ρ∆ − = ∆ − + ∆ − Dividindo cada elemento por V∆ , obtém-se 2 2 1 2 2 1 2 1 1( ) ( ) ( ) 2 P P g y y v vρ ρ− = − + − . Rearranjando os termos, podemos escrever 2 2 1 1 1 2 2 2 1 1 2 2 P gy v P gy vρ ρ ρ ρ+ + = + + Como o ponto 2 pode ser qualquer ponto no tubo, temos que a combinação dos valores das grandezas do primeiro termo é constante em qualquer ponto no tubo. Este resultado pode ser escrito como 21 constante 2 P gy vρ ρ+ + = Esta é a equação de Bernoulli, aplicada a um fl uido ideal. Figura 3.8 - Fluido em movimento num tubo de área de seção reta variável e de elevação variável. FÍSICA GERAL II 56 Um caso particular é quando o fl uido está em repouso, 1 1 0v v= = : 1 1 2 2P gy P gyρ ρ+ = + ( )1 2 2 1P P g y yρ− = − 1 2P P ghρ− = Este resultado já é conhecido (equação 3.1) e descreve que a diferença de pressão entre dois pontos está relacionada à distância entre os pontos e a densidade. Para um fl uido que escoa através de um tubo horizontal com uma seção estrangulada, 1y e 2y são idênticos. Portanto, a equação de Bernoulli assume a forma 21 2 P v constanteρ+ = Como já vimos, o produto Av permanece constante. Quando o fl uido se move e entra na região estrangulada, a área A se torna menor e a velocidade deve aumentar. No entanto, 2 1 2 P vρ+ permanece constante. Se a velocidade aumenta, então a pressão deve diminuir. Este efeito é denominado de efeito Venturi: Quando a velocidade de escoamento de um fl uido aumenta, a pressão diminui. O efeito Venturi explica qualitativamente a sustentação da asa de um avião. A asa de um avião é construída de modo que o ar se mova com velocidade maior na parte de cima do que na parte de baixo, o que resulta em uma pressão na parte de cima da asa menor do que a pressão na parte de baixo da asa. Essa diferença de pressão provoca uma força resultante dirigida de baixo para cima, o que proporciona a sustentação da asa. No futebol também podemos observar o efeito Venturi. Quando uma bola é chutada e gira em torno do seu eixo, há uma transmissão do movimento ao ar em sua volta. Para melhor entendimento do efeito, vamos considerar uma bola estacionária, com o ar fl uindo à sua volta, conforme ilustra a fi gura 3.9. No lado em que a bola gira no sentido contrário ao movimento do ar, a velocidade diminui, e do lado que a bola gira no mesmo sentido do movimento do ar, a velocidade aumenta. Isso resulta numa diferença de pressão e, conseguinte, numa força resultante. Este efeito, descrito pelo físico alemão Heinrich Magnus, em 1853, é conhecido como efeito Magnus. Segundo o historiador James Gleick, Newton já tinha abordado este efeito depois de observar um jogo de tênis. Os resultados quantitativos da equação de Bernoulli têm que ser observados com cuidado, pois algumas vezes apresentam discrepâncias em relação às medições experimentais. A razão das discrepâncias, no caso dos gases, é a compressibilidade do fl uido que não foi levada em conta. A viscosidade, no caso dos líquidos, invalida a conservação de energia mecânica. Ademais, o escoamento nem sempre é regular, permanente e/ou livre de turbulências. EXEMPLO 3.6 Um amplo tanque de água tem uma pequena abertura à distância h da superfície do líquido (fi gura 3.10). Calcule a velocidade de escoamento de água através da abertura. Solução: Usando a equação de Bernoulli e desprezando a velocidade da água na superfície livre, temos que 2 1 1 2 2 2 10 2 P gy P gy vρ ρ ρ+ + = + + As pressões nos pontos 1 e 2 coincidem, ambas são iguais à pressão atmosférica, Patm, pois os dois pontos estão abertos para a atmosfera: 2 1 2 2 10 2atm atm P gy P gy vρ ρ ρ+ + = + + ( )22 1 22v g y y= − 2 2v gh= Figura 3.9 - Uma bola de futebol girando sofre uma força perpendicular à trajetória. velocidade baixa pressão alta F Figura 3.10 57 Fluidos No escoamento de um fl uido perfeito, nada evita que ele deslize sobre um sólido com velocidade tangencial nula. Num fl uido real aparece uma força volumétrica de atrito interno que aparece no deslizamento sobre um sólido. Para caracterizar o grau de atrito interno do fl uido, utilizamos um coefi ciente chamado de viscosidade. Viscosidade é a resistência que o fl uido tem ao escoar. Para descobrir o coefi ciente de viscosidade de um fl uido, imaginemos o fl uido confi nado entre duas superfícies planas, paralelas, de áreas A iguais,afastadas uma da outra por uma distância d, conforme visto na fi gura 3.11. A superfície inferior se mantém imóvel, enquanto que a superfície superior desloca-se com uma velocidade constante v, impulsionada por uma força aplF constante. Como a velocidade é mantida constante, a aceleração do sistema é igual a zero e a somatória das forças envolvidas é igual zero ( )0F =∑ . Isto quer dizer que a força aplicada aplF é igual à força de atrito ou de arraste, referente à viscosidade do fl uido. É sabido que um fl uido real, em contato com uma superfície, permanece em repouso em relação à superfície. Assim, o fl uido em contato com a superfície superior se desloca com velocidade vo. A superfície inferior e o fl uido em contato com ela permanecem em repouso. Portanto, a velocidade do fl uido varia linearmente entre zero e a velocidade vo: 0vv y d = O escoamento é laminar porque o fl uido se desloca em camadas planas paralelas ou em forma de lâminas, que deslizam umas sobre as outras. A força aplF é diretamente proporcional a velocidade vo e a área A e inversamente proporcional à separação d entre as duas superfícies. A constante de proporcionalidade é o coefi ciente de viscosidade η . Portanto, 0 apl v AF d η= . No sistema internacional, a unidade do coefi ciente de viscosidade η é dado por N.s/m2=Pa.s. Ainda se usa com frequência a unidade poise (P), sendo que 1 . 10Pa s P= A tabela 3.3 mostra o coefi - ciente de viscosidade de alguns fl uidos. Podemos perceber que a viscosidade é dependente da temperatura. Para um líquido, η geralmente diminui com a temperatura. Para gases há um aumento de η com o aumento da temperatura. EXEMPLO 3.7 Quando partículas esféricas se movem através de um fl uido, a força do atrito viscoso é dada pela Lei de Stokes: 6SF rvπη= , na qual r é o raio da partícula, v a velocidade e η é o coefi ciente de viscosidade. Utilizando a lei de Stokes, determine a viscosidade do fl uido. Solução: O coefi ciente de viscosidade pode ser medido através do seguinte experimento: deixa- se uma esfera cair em um fl uido e mede-se sua velocidade terminal. Na velocidade terminal, a força do atrito viscoso iguala-se à força peso da partícula e, portanto, 6S TF rv mgπη= = 6 T mg rv η π = Por exemplo, observa-se uma velocidade terminal 0,024 /Tv m s= para partículas de poluente, com raio 510r m−= e massa 128,3 10m kg−= × , caindo no ar. Assim, ( )( ) ( )( ) 12 2 5 8,3 10 9,8 / 6 10 0,024 / kg m s m m s η π − − × = ⇒ 5 21,8 10 . /N s mη −= × Figura 3.11 Escoamento viscoso FÍSICA GERAL II 58 Para um fl uido de viscosidade pequena como a água, a ação da viscosidade se dá geralmente numa camada muito delgada junto à superfície. Nesta camada limite, a velocidade varia rapidamente, desde um valor nulo, no meio do fl uido até um valor da velocidade v, junto à superfície. Aumentando a velocidade, esta camada limite “descola- se”, havendo aí o aparecimento de vórtices, gerando um refl uxo. Com o maior aumento da velocidade, o movimento torna-se turbulento, caracterizado pelo movimento aleatório e, aparentemente, caótico. O tratamento teórico é extremamente difícil e encontra-se incompleto, principalmente o mecanismo que descreve o aparecimento da turbulência e o regime turbulento. Exercícios 1. Um pedaço de cortiça de 0,20 kg é mantido preso a um dinamômetro, que está fi xado no fundo do recipiente como mostra a fi gura 3.12. O dinamômetro indica 8 N. Calcular a densidade da cortiça. 2. Um pedaço de metal pesa 90 N no ar e 56,6 N quando mergulhado na água. Determinar a densidade relativa do metal. 3. Imagine que você seja capaz de respirar no chão com uma massa de 40 kg sobre a sua caixa torácica. A que profundidade, na água, você conseguiria respirar, admintindo que a área frontal da caixa torácica seja de 0,09 m2? 4. O empuxo sobre um corpo submerso depende da forma do corpo? 5. Por que é mais fácil boiar na água salgada do que na água doce? 6. Um tampo de uma mesa tem 1,00 m x 0,80 m. Que força a atmosfera exerce sobre o tampo? Por que o tampo não se quebra? 7. Supondo que quando seu corpo está fl utuando na água doce, 95% do seu corpo fi ca imerso, que volume de água o seu corpo deslocará quando estiver inteiramente submerso? 8. Uma esfera oca de alumínio, com diâmetro externo de 10 cm, fl utua na água com metade do seu volume acima da superfície da água. Determinar o diâmetro interno. Figura 3.12 59 Fluidos Anotações FÍSICA GERAL II 60 Anotações 61 Oscilações4 4.1 Movimento de uma partícula Ligada a uma Mola 4.2 Movimento harmônio Simples 4.2.1 deslocamento, velocidade e Aceleração 4.2.2 Energia no Movimento harmônico Simples 4.3 pêndulo Simples 4.4 pêndulo Físico 4.5 pêndulo de torção 4.6 oscilações Amortecidas 4.6.1 Energia total de um oscilador Amortecido 4.7 oscilações Forçadas e Ressonância FÍSICA GERAL II 62 4 OSCILAÇÕES Oscilações ocorrem quando um sistema estável é perturbado de sua posição de equilíbrio. Existem muitos exemplos de oscilações: pêndulo de relógios que se movimentam da direita para a esquerda, ou vice-versa, periodicamente; movimento das cordas e palhetas em instrumentos musicais; moléculas em um sólido que oscilam em função da temperatura; ondas eletromagnéticas, como a luz, que são caracterizadas por vetores oscilantes de campos elétricos e campos magnéticos; circuitos de corrente alternada, tais como instalações domésticas, em que a voltagem e a corrente variam periodicamente. Como podemos ver, o estudo de oscilações é essencial para um melhor entendimento do som, da corrente elétrica e da luz. Um corpo que oscila possui uma posição de equilíbrio estável. Quando o corpo é deslocado desta posição e liberado, surge uma força ou um torque que o faz retornar à posição de equilíbrio. Porém, quando ele atinge o ponto de equilíbrio, a sua energia cinética faz com que ele atravesse o ponto de equilíbrio e atinja um ponto do outro lado. Como ele está deslocado da posição de equilíbrio, surge novamente uma força que o faz retornar a posição de equilíbrio. DEsse modo, o corpo executa um movimento periódico. Os sistemas que estudaremos com movimento periódicos mais simples, são descritos por uma única coordenada, como o deslocamento unidimensional num sistema massa-mola ou o ângulo de desvio do pêndulo. 4.1 Movimento de uma Partícula ligada a uma Mola Consideremos um corpo de massa m, ligado a uma mola, que pode se mover em um trilho horizontal sem atrito, conforme ilustrado na fi gura 4.1. A mola pode ser esticada ou comprimida e sua massa é desprezível. Se a mola não estiver esticada ou comprimida, o corpo está em repouso em sua posição de equilíbrio, defi nida como x=0. Quando a massa é deslocada de um Δx de sua posição de equilíbrio, a mola exerce uma força xF sobre ela, dada pela lei de Hooke, xF k x= − ∆ , na qual, k é a constante de força da mola. xF é uma força restauradora linear porque é proporcional ao deslocamento da posição de equilíbrio com sentido dirigido sempre para a posição de equilíbrio e oposta ao deslocamento. Isto é, quando o corpo é deslocado para a direita (fi gura 4.1-II), Δx é positivo e a força elástica Fx é negativa (o sentido da força é para a esquerda). Diferentemente, Δx é negativo e a força elástica Fx é positiva (o sentido da força é para a direita) quando o corpo é deslocado para a esquerda (fi gura 4.1-IV). Se deslocarmos o corpo para a direita até a posição xb (fi gura 4.1II) e, a seguir, o libertarmos, a força resultante e a aceleração tem sentido para a esquerda. A velocidade aumenta até o corpo atingir a posição de equilíbrio (xa=0) (fi gura 4.1-III). Quando o corpo está em xa, a força resultante que atua sobre ele é igual a zero (Δx=0); porém, devido à sua velocidade, o corpo passa pela posição de equilíbrio. Neste ponto sua velocidade está orientada para a esquerda e a sua aceleração está orientada para a direita. Logo,a velocidade diminui até que o corpo pára momentaneamente em xc (fi gura 4.1IV). Para o caso ideal (sem atrito), │xb│=│xc│. Em xc , a força resultante e a aceleração tem sentido para a direita, a velocidade aumenta, o corpo passa novamente pela posição de equilíbrio e pára momentaneamente no ponto xb, repetindo o processo inteiro. Quando isto ocorre, o corpo está oscilando. Caso não existisse atrito, este movimento se repetiria eternamente. Figura 4.1 - Sistema massa-mola em trilho de ar. l) lI) lII) lV) xc xa xb F xx b F xx c F = 0 xx a F = 0 xx a 63 oscilações Um movimento oscilatório é caracterizado pela sua amplitude A e seu período T. A amplitude A do movimento é o módulo máximo do vetor deslocamento do corpo a partir da posição de equilíbrio. Como a amplitude A é o valor máximo do módulo │Δx│, A é sempre positivo. O período T é o tempo correspondente a um ciclo completo. Podemos defi nir também a frequência f, que é o número de ciclos por segundo. Uma grandeza bastante útil no estudo das oscilações é a frequência angular ω , que é 2π vezes a frequência. 1f T = 2 fω π= 2T w π = Tabela 4.1 - Relação entre período T, frequência f e frequência angular w. 4.2 Movimento Harmônico Simples Desenvolveremos agora uma representação matemática do movimento descrito na seção anterior. Como, pela segunda lei de Newton, F=ma, e a=dv/dt=d2x/dt2, temos 2 2 d xF m dt = . No caso anterior, a força restauradora é dada por F k x= − ∆ . Fazendo 0 0x = , temos F kx= − . Substituindo a força F, obtemos 2 2 d xm kx dt = − 2 2 d x k x dt m = − . 4.1 Precisamos agora de uma solução matemática para a equação anterior, isto é, uma função x que satisfaça essa equação (denominada equação diferencial de segunda ordem). Percebemos que a segunda derivada de x não é nula. Portanto, x tem que ser dependente do tempo t. Assim, ( ) 2 2 ( )d x t k x t dt m = − . 4.2 Procuramos uma função ( )x t , tal que a segunda derivada dessa função seja igual à função original com um sinal negativo. As funções trigonométricas seno e cosseno exibem esse comportamento, de maneira que podemos construir uma solução em torno de uma ou de ambas as funções. Uma sugestão para uma função-solução de ( )x t da equação 4.2 é ( ) ( )x t Acos tω= 4.3 com A e ω sendo constantes. Para provar que a função proposta é uma solução, vamos derivá-la duas vezes e compará-la com a equação 4.2. Assim, [ ]( )( ) ( )d Acos tdx t A sen t dt dt ω ω ω= = − [ ]2 2 2 ( )( ) ( ) d A sen td x t A cos t dt dt ω ω ω ω − = = − [ ] [ ] 2 2 2 ( ) ( ) d Acos t Acos t dt ω ω ω= − 4.4 Comparando 4.2 e 4.4, observamos que função-solução proposta 4.3, ( ) ( )x t Acos tω= é uma solução válida. Observamos, também, através da comparação, que 2 k m ω = . FÍSICA GERAL II 64 Na fi gura 4.2, temos a representação da solução proposta ( ) ( )x t Acos tω= , para diferentes valores de ω . Pela fi gura vemos que um aumento de ω diminui o período de oscilação e uma diminuição de ω aumenta o período de oscilação. Isto signifi ca que ω é quem regula o tempo de repetição da oscilação. Por essa razão, ω é denominada de frequência angular. Assim, com ajuda da tabela 4.1, podemos escrever a frequência e o período para um sistema massa-mola substituindo a relação 2 k m ω = nas relações do período T e da frequência f: Figura 4.2 - Gráfi co x(t) para diferentes valores de frequência ω . A escala do tempo é idêntica para todos os gráfi cos. 2período 2 mT T k π π ω = → = 1frequência 2 2 kf f m ω π π = → = Como, para cada caso, o movimento pode começar em diferentes posições, podemos acrescentar à nossa solução uma constante de fase δ , que é uma mudança do ângulo inicial (fi gura 4.3). Fazendo isso, nossa solução pode ser escrita como ( ) ( )x t Acos tω δ= + 4.5 Figura 4.3 - Gráfi co de duas funções cosseno com uma diferença de fase δ . A equação 4.2 e a respectiva solução 4.5 são a base para a análise do movimento harmônico simples (MHS). Se estivermos analisando um sistema e a força for proporcional ao deslocamento, consequentemente, o sistema apresentará uma equação de movimento análoga à equação 4.2 e uma solução análoga à 4.5. Período Período Período T x(t) = Acos ( t)ω tempo t x’(t) = Acos( t ),´ω tempo t tempo t x’´(t) = Acos( ´t ),´ω ω ω´ = 2 ω ω´´ = 1_ 2 T´ T´´ tempo t constante de fase Período T x t( ) A -A x t A t( ) = cos( + )ω δ x t A t( ) = cos( )ω 65 oscilações EXEMPLO 4.1 Um corpo de massa m1, pendurado numa mola, provoca um estiramento de 10 cm. O corpo é, então, colocado para oscilar verticalmente. a) Determine a frequência do mo- vimento. b) O que acontece com a frequência de oscilação se o corpo m1 for substituído por um de massa m2= m1/2. Solução: a) A constante elástica da mola pode ser determinada pelo deslocamento produzido pelo do estiramento (Δy=10cm=0,1m). Na posição de equílibrio a somatória das forças é igual a zero ( )0F =∑ e, portanto, 1 0F m g k y= − + ∆ =∑ 1m gk y = ∆ A frequência de oscilação é dada por 1 1 1 1 1 2 2 2 m w kf mπ π π = = = 1 g y m ∆ 2 1 1 1 1 9,81 / 1,57 1 ,57Hz 2 2 0,1 g m sf s y mπ π −= = = = ∆ 1 1,57Hzf = b) Substituindo a massa m1 por m2=m1/2, na frequência f, temos: 2 2 1 1 1 1 2 12 2 2 2 k k kf m m mπ π π = = = 2 12 2, 22Hzf f= = 4.2.1 Deslocamento, velocidade e aceleração A função ( ) ( )x t Acos tω δ= + (equação 4.5) descreve o deslocamento x em função do tempo em um oscilador harmônico. O valor da função cos- seno está sempre compreendido entre -1 e 1, de modo que o valor de x está sempre compreendido entre –A e A. O valor de A é denominado de amplitude. A fi gura 4.4a mostra o gráfi co do deslocamento ( )x t . A velocidade é igual a derivada temporal do deslocamento, ( ) ( ( ) ) d x t v t dt = , e a aceleração é igual à derivada temporal da velocidade, [ ]( )( ) d v ta t dt = . Se desejarmos determinar a velocidade v e a aceleração a em função do tempo, podemos derivar a equação 4.5 em relação ao tempo: ( ) ( )x t Acos tω δ= + ( ) [ ]( )( ) ( )d x t d Acos tv t A sen t dt dt ω δ ω ω δ + = = = − + ( ) ( )v t A sen tω ω δ= − + . 4.6 Figura 4.4 - a) deslocamento, b) velocidade e c) aceleração de um oscilador harmônico. A escala de tempo é idêntica para todos os gráfi cos. tempo tempo a) deslocamento c) aceleração b) velocidade tempo A ²ω Aω -A ²ω -Aω x t( ) v t( ) a t( ) A -A FÍSICA GERAL II 66 [ ] [ ] 2( ) ( )( ) ( )d v t d A sen ta t A cos t dt dt ω ω δ ω ω δ − + = = = − + 2( ) ( ) a t Aw cos wt δ= − + 4.7 Podemos observar, pelas equações obtidas e pelos gráfi cos 4.4b e 4.4c, que a velocidade oscila entre os valores max max –v A e v Aω ω= + = − , e a aceleração oscila entre os valores 2 2max max –a A e a Aω ω= = − . EXEMPLO 4.2 Suponha que num determinado tempo t’ sejam conhecidas a posição x e a velocidade v de um oscilador. Encontre a amplitude máxima desse oscilador. A posição é dada por ( ')x Acos tω= e a velocidade ( ')dxv A sen t dt ω ω= = − ; A é a amplitude máxima do oscilador. Elevando ao quadrado a posição e a velocidade, temos: ( ) ( ) 2 2 2 2 2 2 2' e ' . vx A cos t A sen tω ω ω = = Somando x e v, obtemos ( ) 2 2 2 2 2 2 2 ' ( ') vx A cos t A sen tω ω ω + = + ( ) 2 2 2 2 2 2 ' ( ') vx A cos t sen tω ω ω + = + Como ( )2 2 ( ) 1cos t sen tω ω + = , 2 2 2 2 vx A ω + = 2 2 2 vA x ω = + . A amplitude máxima depende somente da posição e da velocidade em um determinado tempo t’.EXEMPLO 4.3 Um menino observa um pequeno barco ancorado que oscila 12 vezes em 20 s. Cada oscilação produz uma elevação máxima de 20 cm na superfície da água. Além disso, nota-se que uma crista de onda qualquer alcança a margem, distante 12 m, em 6 s. De- termine: a) o período; b) a velocidade; c) o comprimento de onda*; d) a amplitude da onda e e) a equação da onda*. (* serão vistos no Capítulo 5) Solução: a) Período T: O barco oscila 12 vezes em 20 segundos, assim, 20 1,67 12 sT s= = b ) Velocidade v: a onda percorre 12 metros em 6 segundos, logo 12 2 / 6 x mv m s t s ∆ = = = ∆c) Comprimento de onda λ: ( )1,67 (2 / ) 3,33vT s m s mλ = = ⋅ = d) Amplitude A: cada oscilação produz uma elevação máxima de 20 cm na superfície da água. A = 20 cm = 0,2 m e) Equação da onda é ( )x Acos tω δ= + , na qual a freqüência angular 2 / 3,77 /T rad sω π= = . Substituindo ω e A, obtemos (0, 2 ) ((3.77 / ) )x m cos rad s t δ= + Observe que não determinamos a diferença de fase δ, pois o problema não traz esta informação (condições iniciais da observação). QUESTÃO 4.1 Uma bola batendo livremente diversas vezes no chão é um exemplo de movimen- to harmônico simples? O movimento diário de um trabalhador indo para o trabalho e voltando para casa é um exemplo de movi- mento harmônico sim- ples? Explique suas respostas. 67 oscilações 4.2.2 Energia no movimento harmônico simples. Se considerarmos o sistema massa-mola como um sistema isolado, podemos estudar a energia mecânica do sistema, pois o valor da mesma permanece constante. A energia cinética Ecin do sistema é associada apenas ao movimento da massa m. Utilizando a velocidade v defi nida pela equação 4.6, temos 2 2 2 21 1 ( ) 2 2cin E mv mA sen tω ω δ= = + 2 2 21 ( ) 2cin E mA sen tω ω δ= + A energia potencial U no sistema massa-mola está associada à mola. Para obtermos a energia potencial temos que descobrir o trabalho realizado pela mola, saindo da posição de equilíbrio x = 0 até uma posição qualquer x. O trabalho W realizado pela mola é dado por ( ) ( )xdW F dx kx dx= = − ( ) 2 0 1 2 x dW kx dx kx= − = −∫ ∫ 21 2 W kx= − . A energia potencial U é dada por U = -W, portanto, 21 2 U kx= . Substituindo x dado pela equação 4.3, temos 2 21 ( ) 2 U kA cos tω δ= + . Observamos que as grandezas Ecin e U são sempre positivas e variam em função do tempo. Podemos expressar a energia total do oscilador como, cinE U E= + ( )2 2 2 2 21 1 ( ) 2 2 E kA cos t mA sen tω δ ω ω δ= + + + Substituindo 2 /k mω = no segundo termo do lado direito, podemos escrever, ( )2 2 2 21 1 ( ) 2 2 E kA cos t kA sen tω δ ω δ= + + + Como o termo 2 1 2 kA aparece nos dois termos à direita, podemos colocá-lo em evidência, tal que ( )2 2 21 ( ) 2 E kA cos t sen tω δ ω δ = + + + Como ( )2 2 ( ) 1cos t sen tω δ ω δ + + + = para qualquer tempo t, a equação anterior se reduz a 21 2 E kA= . Isto é, a energia de um oscilador harmônico simples isolado é dependente unicamente da constante elástica da mola e da amplitude máxima. A fi gura 4.5 mostra a energia cinética Ecin e potencial U em função do tempo. Podemos observar que a soma da energia cinética e potencial em qualquer instante de tempo é igual a 2 1 2 kA . Figura 4.5 - Energia cinética e potencial em função do tempo para um oscilador harmônico simples isolado. QUESTÃO 4.2 Um sistema massa- mola, na horizontal ou na vertical, tem o mesmo período de oscilação. A força gravitacional está em equilíbrio com a força normal (para a posição horizontal) e com a tensão da mola (para a posição vertical). O que acontece com a posição de equilíbrio no sistema massa-mola na vertical, quando comparado com o sistema horizontal? FÍSICA GERAL II 68 EXEMPLO 4.4 No exemplo 1, deduzimos a partir da função deslocamento x(t) a expressão 2 2 2 2 vx A ω + = . A partir do conceito de conservação de energia, deduza esta mesma expressão. Solução: Como a energia total 21 2 E kA= E=1/2 kA^2 é a soma da energia potencial 21 2 U kx= U=1/2 kx^2 e da energia cinética 21 2cin E mv= , cinE E U= + 2 2 21 1 1 2 2 2 kA mv kx= + 1 2 2 1 2 kA = 2 1 2 mv + 2kx 2 2 2mA v x k = + como kw m = , temos 2 2 2 2 vx A ω + = 4.3 Pêndulo Simples Um pêndulo simples é constituído por um fi o inextensível de comprimento L, que sustenta, pendurado, um corpo pequeno e pesado de massa m (fi gura 4.6). Uma bola de demolição presa no cabo de um guindaste, o peso da extremidade de um fi o de prumo ou uma criança em um balanço são exemplos de um pêndulo simples. A massa do fi o tem que ser desprezível em relação à massa do corpo, isto é, a massa do corpo é muito maior do que a massa do fi o. Todas as forças de atrito serão desconsideradas e o corpo é considerado puntiforme. Quando o corpo é deslocado da posição de equilíbrio, fazendo um ângulo inicial qualquer θ com a posição de equilíbrio (vertical) e, a seguir, é liberado, o corpo oscila em torno da posição de equilíbrio com um certo período de tempo T. As forças sobre o corpo são o peso mg e a tensão na corda T , como mostra a fi gura 4.6. O peso tem a componente mgcosθ na direção do fi o e mgsenθ na direção tangente ao arco do círculo. A componente mgcosθ se anula com a tensão na corda T. Somente a componente de força mgsenθ é responsável pelo movimento do corpo. Como F ma=∑ (segunda Lei de Newton), temos F mgsen maθ= − =∑ m− gsen mθ = 2 2 d s dt 2 2 d sgsen dt θ− = , 4.8 na qual, s é o comprimento do arco medido a partir do ponto de equilíbrio do pêndulo (fi gura 4.6b), e pode ser escrito em função do comprimento L e do ângulo θ , s Lθ= Derivando o comprimento s duas vezes em função do tempo e lembrando que L permanece constante, obtemos 2 2 2 2 d s dL dt dt θ = Substituindo na equação 4.8, resulta que 2 2 dgsen L dt θθ− = . Figura 4.6 - a) A posição do pêndulo simples em intervalos de tempo iguais. O espaçamento aumenta quando o pêndulo se aproxima do fundo da trajetória, indicando uma velocidade maior. b) Diagrama de forças atuando no pêndulo simples. a) b) 69 oscilações ângulo (graus) ângulo (rad) seno do ângulo Tabela 4.2 - Seno de diversos ângulos. Percebe-se que, conforme o ângulo diminui, o valor do ângulo θ em radianos tende para o valor da função seno do mesmo ângulo. Abaixo de 100 não se nota diferença entre os dois valores, quando se usam somente 3 casas decimais. 900 1,570 1,000 750 1,308 0,966 600 1,047 0,866 450 0,785 0,707 300 0,523 0,500 150 0,262 0,259 120 0,209 0,208 100 0,174 0,174 50 0,087 0,087 20 0,035 0,035 10 0,017 0,017 A tabela 4.2 mostra que para ângulos pequenos, o valor de senθ é quase idêntico ao valor do próprio ângulo θ medido em radianos. Assim, para oscilações com ângulos menores que 150 podemos usar a aproximação senθ θ≈ na equação anterior, fi cando 2 2 d g dt L θ θ= − , sendo, θ o valor do ângulo em qualquer tempo, θ é uma função do tempo; portanto, ( ) ( ) 2 2 d t g t dt L θ θ = − 4.9 A equação anterior tem a mesma forma da equação 4.2, do sistema massa-mola. Igualmente, temos uma solução da equação anterior que é dada por max( ) cos( )t tθ θ ω δ= + 4.10 na qual, maxθ é o deslocamento angular máximo, ω é a frequencia angular e δ é a diferença de fase. Derivando a solução 4.10 duas vezes em função do tempo e substituindo na equação 4.9, obtemos 2 gw L = 2 g L ω = O período T e a frequencia f do movimento são, então, 2 2 LT g π π ω = = 4.11 1 1 2 gf T Lπ = = . 4.12 As equações 4.11 e 4.12 mostram que o período T e a frequência f dependem somente do comprimento L e da aceleração gravitacional. Quanto maior o comprimento de um pêndulo simples, maior o período. Para oscilações pequenas, o períodoé independente da amplitude da oscilação e da massa do corpo. Galileu Galilei (1564-1642) ao observar o movimento oscilatório de um dos lustres da catedral de Pisa, verifi cou que o movimento do lustre era periódico e que as pequenas oscilações eram isócronas, isto é, aconteciam a intervalos regulares. Galileu constatou, também, que o período de um pêndulo independe da natureza e da massa. 4.4 Pêndulo Físico Um pêndulo físico é qualquer corpo pendurado que oscila em torno de um eixo que não passa pelo seu centro de massa (fi gura 4.7). Para um pêndulo físico, precisamos usar o modelo do corpo rígido submetido ao um torque. O torque τ é defi nido como o produto vetorial entre o vetor posição r de aplicação da força e o vetor força ( )F r Fτ = × . A fi gura 4.7a mostra QUESTÃO 4.3 Imagine que um pêndulo esteja pendurado no teto de um carro com aceleração constante. O período de os- cilação muda em relação ao período de um pêndulo em um carro parado? (lembre- se do aparecimento de uma pseudoforça no pêndulo com o carro acelerado) DICA: Vale a pena revisar os con- ceitos de torque, acelera- ção angular e momento de inércia do Capítulo 9 do livro de Física Geral I. FÍSICA GERAL II 70 um corpo de forma irregular que pode girar em torno de um certo ponto O que está a uma distância d do centro de massa (c.m.). Quando o corpo é deslocado da posição de equilíbrio (ver fi gura 4.7b), a força peso mg produz um torque com a seguinte magnitude: ( )d mg senτ θ= − . Para ângulos pequenos, podemos aproximar senθ pelo deslocamento angular θ . Assim, dmgτ θ= − . Usando a segunda lei de Newton ( F ma=∑ ) para um sistema que gira, temos que a somatória dos torques é igual ao produto entre o momento de inércia I e a aceleração angular α , Iτ α=∑ . Substituindo o torque calculado para o corpo fora da posição de equilíbrio e a defi nição de aceleração angular como a segunda derivada em função do tempo do deslocamento angular 2 2 ( )d t dt θα = , obtemos 2 2 ( )( ) d tdmg t I dt θθ− = 2 2 ( ) ( )d t dmg t dt I θ θ = − Analogamente ao ao caso do sistema massa-mola e do pêndulo simples, a solução da equação anterior será dada por max( ) cos( )t tθ θ ω δ= + Derivando esta solução duas vezes em função do tempo e substituindo-a na equação anterior (como no caso do massa-mola e do pêndulo simples), obtemos 2 dmg I ω = 2 IT dmg π= 1 2 dmgf Iπ = Para determinar o período ou frequência de oscilação de um pêndulo físico, temos que conhecer a massa do corpo, a posição do seu centro de massa e o momento de inércia do corpo em relação ao eixo de rotação. Podemos, a partir do período ou da frequência de oscilação de um corpo qualquer, determinar facilmente o momento de inércia de um dado sistema, que é uma grandeza importante na mecânica e, muitas vezes, difícil de se obter por outros métodos. Conhecendo-se bem as grandezas d, m e I, pode-se determinar com bastante precisão o valor da aceleração da gravidade local. 4.5. Pêndulo De Torção A fi gura 4.8a mostra um relógio construído em 1364, em Pádua na Itália, que utiliza uma roda Catarina (fi gura 4.8b) como constante de tempo. A roda Catarina tem um momento de inércia I em torno do seu eixo. Um torque proporcional ao deslocamento angular θ da posição de equilíbrio é exercido por uma mola helicoidal sobre a roda. Este torque é dado por kτ θ= − , onde ké uma constante denominada constante de torção. Utilizando o análogo rotacional da segunda lei de Newton, 2 2 dI I dt θτ α= =∑ , temos 2 2 d k dt I θ θ= − . A equação anterior possui uma solução análoga a todos os sistemas até agora estudados. O movimento angular é descrito por max( ) cos( )t tθ θ ω δ= + e a frequência Figura 4.7 - Pêndulo físico: a) na posição de equilíbrio e b) fora da posição de equilíbrio. a) b) Figura 4.8 - a) Relógio de Pádua (Itália) de 1364 e b) Roda Catarina de um relógio mecânico. b) a) 71 oscilações angular, o período e a frequência são dados por: 2 kw I = , 2 IT k π= , 1 2 kf Iπ = . Assim, o período de uma roda Catarina é determinado unicamente pela constante de torção k e pelo momento de inércia da roda. 4.6 Oscilações Amortecidas As oscilações harmônicas simples, estudadas até agora, ocorrem sem atrito. Todas as forças envolvidas são conservativas e, consequentemente, a energia mecânica total é constante. Quando o sistema começa a oscilar, ele oscila eternamente, sem diminuição da amplitude. Na prática, sempre existe uma ou mais forças não conservativas e a amplitude de oscilação diminui com o tempo. A oscilação que diminui de amplitude com o tempo é denominado de oscilação amortecida (ver fi gura 4.9). O caso mais simples é aquele quando analisamos um sistema massa-mola, onde o ar ou outro fl uido faz a amplitude diminuir. Esta força produzida por um fl uido tem a forma geral nF bv= , em que b é uma constante, v é a velocidade e n depende do sistema e do fl uido (usaremos neste caso n = 1). Portanto, a força resultante sobre a massa é dada por, F kx bv= − −∑ e a segunda lei de Newton F ma=∑ para o sistema é ma kx bv= − − 4.13 2 2 d x dxm kx b dt dt = − − . Rearranjando, temos 2 2 d x dxm b kx dt dt + = − . 4.14 A fi gura 4.9 mostra um exemplo de oscilação amortecida. Podemos observar pelas duas curvas tracejadas que a amplitude decai obedecendo a uma função exponencial 2( ) ( ) bm te − . Contudo, o sistema continua oscilando (cos( ´ )tω δ+ ). A equação que descreve a posição em qualquer tempo é dada pelo produto da função exponencial e da função cos-seno, ( ) 2( ) cos( ´ ) bm tx t Ae tω δ − = + 4.15 Substituindo a primeira derivada e a segunda derivada da posição em função do tempo (4.15) na equação 4.14, observamos que a 4.15 é uma solução da equação 4.14 e que o valor da frequência angular é dado por Figura 4.9 - Em um oscilador amortecido, a amplitude decai com o tempo. QUESTÃO 4.4 Qual é a unidade da cons- tante de torção k? QUESTÃO 4.5 Sabendo que o período de uma roda Catarina é dado por 2 IT k π= , o que devemos fazer para acertar um relógio que atrasa? tempo T0 2T0 3T0 4T0 5T0 t A - A 0 2( )bm te − 2( )bm te − FÍSICA GERAL II 72 2 2´ ,4 k b m m ω = − , portanto: • Se o sistema massa-mola tiver pouco atrito, a constante b deverá ser pequena e o valor da frequência angular tende a ´ k m ω = , que é a frequência angular de um oscilador harmônico simples sem atrito (Compare fi gura 4.10a e 4.10b). • Quando 2b km= , o valor de ω será igual a zero. Neste caso, ocorre o chamado amortecimento crítico (fi gura 4.10c). O sistema não oscila mais e, ao ser deslocado e liberado, retorna à posição de equilíbrio sem oscilar. • A condição de b maior que 2 km corresponde ao superamortecimento (fi gura 4.10d). Igualmente, o sistema não oscila, porém, retorna à sua posição de equilíbrio mais lentamente que no caso do amortecimento crítico. Figura 4.10 - Gráfi cos da posição em função do tempo para um: a) oscilador harmônico simples, b) oscilador amortecido, c) oscilador criticamente amortecido e d) um oscilador superamortecido. 4.6.1 Energia Total de um oscilador amortecido Nas oscilações amortecidas o trabalho da força ou forças não conservativas faz com que a energia mecânica do sistema diminua, tendendo a zero depois de um longo tempo. Para determinar a taxa de variação temporal da energia vamos derivar a energia mecânica total em função do tempo, 2 21 1 2 2 E mv kx= + dE dv dxmv kx dt dt dt = + Como a variação temporal da velocidade é igual a aceleração dv a dt = e a variação temporal da posição é igual a velocidade dx v dt = , temos ( )dE v ma kx dt = + Como ma kx bv= − − (equação 4.13), 2dE bv dt = − A variação da energia é sempre negativa, independente da velocidadev ser positiva ou negativa. Isto indica que a energia diminui continuamente. A dependência da taxa de variação da velocidade mostra que esta taxa muda continuamente. Um comportamento similar acontece em circuitos elétricos contendo indutores, capacitores e resistores. Existe uma frequência natural de oscilação e a resistência desempenha o papel da constante de amortecimento b. d c b a- A A 0 t 73 oscilações 4.7 Oscilações Forçadas E Ressonância Como vimos na seção anterior, um oscilador real perde sua energia continuamente. Para manter as oscilações é necessário aplicar uma força propulsora que varia periodicamente com uma frequência angular ω ( 0cos( )F F tω= ). À este movimento damos o nome de oscilação forçada. Trata-se de um movimento diferente do ocorrido quando, simplesmente, deslocamos o sistema sem atrito de sua posição de equilíbrio e o deixamos livre; neste caso, o sistema oscila com uma frequência angular natural 0ω como já foi determinado neste capítulo para o sistema massa-mola 0 k m ω = . Na oscilação forçada mostraremos que o importante não é somente a quantidade de energia aplicada pelo trabalho da força propulsora. Para isso, utilizaremos um corpo pendurado numa mola e excitado com uma frequência ω , A segunda lei de Newton neste caso pode ser escrita como F ma=∑ ( )0 cosF t bv kx maω − − = ( ) 2 0 2cos dx d xF t b kx m dt dt ω − − = Quando a força propulsora começa a atuar sobre o corpo parado, a amplitude da oscilação vai aumentando. Após um tempo sufi cientemente longo, a amplitude de oscilação tende a um valor constante. Esta condição é chamada de estado estacionário. Neste caso, uma solução da equação anterior é ( ) ( )x t Acos tω δ= + na qual, a amplitude A é dada por ( ) 0 2 2 2 0 /F mA b m ωω ω = − + A fi gura 4.11 mostra o gráfi co da amplitude em função da frequência angular ω aplicada pela força propulsora. Podemos observar, pelo gráfi co, que o valor da amplitude A é máximo para 0. ω ω≈ . Este aumento da amplitude próximo da frequência angular natural 0ω é chamado de ressonância e a frequência angular natural é denominada de frequência de ressonância. Quando o amortecimento é pequeno não há grande diferença entre a frequência de ressonância 0ω e a frequência natural do oscilador sem amortecimento 0 k m ω = . Neste caso, a ressonância ocorre quando a frequência da força aplicada é igual à frequência natural do oscilador sem amortecimento e, além disso, a velocidade está em fase com a força aplicada F0. Essa é a condição mais favorável para transferência de energia ao oscilador, por unidade de tempo, pois o trabalho efetuado pela força aplicada F0 sobre o oscilador é máximo e sempre positivo, uma vez que F0 e o deslocamento da massa estão sempre na direção do movimento. Portanto, Na ressonância, a transferência de energia potencial da força aplicada ao oscilador forçado é máxima. FÍSICA GERAL II 74 Figura 4.11 - Gráfi co da amplitude em função da frequência angular aplicada por uma força propulsora. A ressonância acontece quando a frequência da força propulsora torna-se igual à frequência natural 0ω . A forma da curva depende do valor da força de amortecimento F bv= − . Diferentes valores de força responsável pelo amortecimento ( F bv= − ) são apresentados na fi gura 4.11. A altura da curva no ponto máximo é proporcional a (1/b).Isto expressa que, quanto menor for o amortecimento, mais elevado serão os valores da amplitude. Na ausência de uma força amortecedora (b = 0), vemos que a amplitude do estado estacionário se aproxima do infi nito a medida que 0w w→ . A ressonância pode ser observada com um experimento bastante simples (ver fi gura 4.12). Se num fi o fl exível suspendermos seis pêndulos e oscilarmos o pêndulo 0, os outros também começarão a oscilar. O Pêndulo que oscila com maior amplitude é o número 3, que tem o comprimento L igual ao do pêndulo 0, portanto, com a mesma frequência natural. A ressonância é, portanto, o fenômeno que acontece quando existe um pico de amplitude provocado por uma força cuja frequência está próxima da frequência natural do sistema. Amplitudes máximas no sinal são obtidas quando a frequência da onda é igual à frequência de ressonância de circuitos de sintonia em rádios, televisões, celulares e conexões sem fi o. Este fato é usado para selecionar um emissor e rejeitar outros. O fenômeno de ressonância produz um ruído desagradável quando uma nota musical coincide com a frequência de oscilação natural do auto-falante. Medidas de tomografi a, para o diagnóstico de doenças, utilizam a ressonância da frequência do núcleo do átomo de hidrogênio sob a ação de um campo magnético. Exercícios 1. Um corpo oscila com movimento harmônico simples de amplitude A. a) Qual o deslocamento do corpo em um período? b) Que distância o corpo cobre em um período? 2. Se a amplitude do movimento de um oscilador harmônico simples for quadruplicada, por que fator fi ca multiplicada a sua energia? 3. Um corpo de 0,4 kg, preso a uma mola de constante k = 8,0 N/m oscila com uma amplitude de 10,0 cm. a) Calcule o valor máximo da velocidade e da aceleração. b) A velocidade e a aceleração quando o corpo está em 0, 2,5, 5, 5,5 e 10 cm. 4. Um corpo de 1 kg, está preso a uma mola de k = 5x103 N/m. A mola é esticada 10 cm além da posição de equilíbrio e depois solta. Determine a) o período, b) a freqüência do movimento, c) a amplitude, d) a velocidade máxima e e) a aceleração máxima. f) Em que instante o corpo passa, pela primeira vez, na posição de equilíbrio? b b b = 0 grande pequeno não amortecido A QUESTÃO 4.6 A frequência de excitação do sistema em ressonância é igual à freqüência natural? QUESTÃO 4.7 Para um cantor conseguir quebrar um cálice de cristal, o que é mais importante: a freqüência ou a altura do som? Figura 4.12 - Seis pêndulos simples, com acoplamento fraco. 75 oscilações 5. Um fi o metálico suporta a massa em um relógio. Quando a temperatura se eleva, o comprimento do fi o aumenta. Qual o efeito do aumento do fi o no período do relógio? 6. Se em um determinado local o período de um pêndulo de L = 0,7 cm for de 1,68 s, qual o valor de g? 7. Os pistões de um motor a gasolina estão em movimento harmônico simples (fi gura 4.13). Se os extremos de seu deslocamento forem 10 cm, encontre a velocidade máxima e a aceleração máxima do pistão quando o motor estiver funcionando a 5400 rev/min. Figura 4.13 Figura 4.14 8. Determine o período de oscilação de cada um dos sistemas esquematizados na fi gura 4.14. Se a amplitude máxima de todos for 10 cm, calcule a energia de cada um dos sistemas (no caso do pêndulo, calcular a energia potencial no ponto mais alto da trajetória) . 9. Um corpo plano realiza movimento harmônico simples com uma frequência de 0,45 Hz. Se o corpo tem uma massa de 2,2 kg e o pivô está localizado a 0,350 m do centro de massa, determine o momento de inércia do pêndulo ao redor do pivô. 10. Um aro circular, com 1 m de raio, está pendurado perpendicular a uma extremidade e oscila no seu próprio plano. Qual o período da oscilação? 11. Qual é a razão entre as amplitudes de duas oscilações sucessivas no caso de um oscilador amortecido? 12. Dê alguns exemplos de sistemas comuns que podem ser osciladores forçados. 13. Um pêndulo com comprimento de 1 m é liberado de um ângulo inicial de 150. Após 1 segundo, sua amplitude foi reduzida pelo atrito a 5,50. Qual o valor de b/2m? 14. O amortecimento é desprezível para um corpo de 0,150 kg pendurado em uma mola leve, cujo k = 6,3 N/m. O sistema é impulsionado por uma força oscilante de intensidade a 1,70N. Em que frequência a força fará a massa vibrar com uma amplitude de 0,44 m? 15. A quebra de um cálice de cristal por uma onda acústica intensa é exemplo de a) amortecimento crítico. b)superamortecimento. c) ressonância. 16. Determine a frequência de ressonância de cada um dos sistemas esquematizados na fi gura 4.14. FÍSICA GERAL II 76 Anotações 77 oscilações Anotações FÍSICA GERAL II 78 Anotações 79 Ondas Mecânicas5 5.1 pulsos ondulatórios 5.2 velocidade de ondas 5.3 A onda progressiva 5.4 Refl exão e transmissão de ondas 5.5 ondas Estacionárias 5.6 Interferência de ondas 5.7 Efeito doppler FÍSICA GERAL II 80 5 ONDAS MECÂNICAS O estudo das ondas constitui-se no estudo dos fenômenos mais fundamentais e mais importantes da Física. A onda mais familiar para nós é, provavelmente, aquela que se propaga na superfície da água. Embora aparentemente simples, ondas deste gênero constituem-se num dos mais complicados tipos de onda. O mundo está cheio de ondas, incluindo as sonoras, ondas em cordas, ondas sísmicas, ondas de rádio e outras. Num sentido mais amplo, ondas transportam energia e momento através do espaço com velocidade defi nida, sem haver transporte de matéria. Numa onda mecânica, este efeito é obtido graças a uma perturbação que se propaga no meio. Por exemplo, quando uma corda longa, que esteja sob tensão, recebe um pequeno pulso transversal, a deformação provocada propaga-se ao longo da corda como um pulso ondulatório com velocidade defi nida. A corda é o meio através do qual o pulso se propaga. À medida que o pulso se propaga, cada segmento da corda que é perturbado move-se em uma direção perpendicular à direção de propagação da onda. Ondas desse tipo, em que a perturbação é perpendicular à direção de propagação, são denominadas ondas transversais (fi gura 5.1a). As ondas do mar são um exemplo de ondas transversais. Ondas longitudinais (fi gura 5.1b) são aquelas em que a perturbação é paralela à direção de propagação. As ondas acústicas são ondas longitudinais: as moléculas do gás (ou do líquido) oscilam para frente e para trás, na linha de propagação das ondas acústicas, alternadamente, comprimindo e rarefazendo o meio. a) b) Figura 5.1 - a) Onda transversal e b) Onda longitudinal. 5.1 Pulsos Ondulatórios No instante t=0, a forma de um pulso na corda pode ser representado por uma função de onda ( )y f x= , em um sistema de coordenadas fi xo O, conforme mostra a fi gura 5.2. Num instante posterior, o pulso avançou sobre a corda, com velocidade v, sem alteração de sua forma. O pulso é estacionário em um sistema de coordenadas O´, que avança com a mesma velocidade do pulso. A forma da corda é dada pela função de onda ( ')y f x= ´) no sistema de coordenada O´. A relação entre os sistemas de coordenadas O e O´ é dada por ´x x vt= + ou ´x x vt= − Assim, a função de onda é ( )y f x vt= − . Como a fi gura 5.2 mostra, esta onda avança para a direita. Para uma onda que avança para a esquerda, os valores de x serão negativos, portanto, ( )y f x vt= + . As duas equações anteriores podem representar tanto ondas longitudinais como ondas transversais. 81 ondas Mecânicas Figura 5.2 - Pulso em uma corda em dois tempos. 5.2 Velocidade De Ondas A fi gura 5.3 mostra um pulso que se propaga para a direita, com velocidade v, ao longo de uma corda. Se a amplitude do pulso for pequena em relação ao comprimento da corda, a tensão F pode ser considerada constante em todos os pontos. Fazendo o sistema de coordenadas se deslocar com a velocidade v para à direita, o pulso estará estacionário e a corda se moverá com a velocidade v para a esquerda. Um pequeno segmento da corda tem a velocidade v numa trajetória circular, portanto, possui uma aceleração centrípeta 2v R . Como o segmento de corda faz um ângulo θ/2, temos que determinar as componentes das forças para encontrar a resultante das forças que age sobre o segmento. As componentes das forças horizontais se cancelam. As componentes verticais, por sua vez, apontam para o centro do arco circular e são elas que proporcionam a força centrípeta. A somatória das forças é¨, então, 12 2 F Fsen θ = ∑ . Para ângulos pequenos 1 1 2 2 sen θ θ ≈ , assim, 12 2 F F Fθ θ = = ∑ . Usando a segunda lei de Newton, temos F ma=∑ . Substituindo 2va R = (aceleração centrípeta), obtemos 2vF m R θ = . 5.1 A massa m do elemento s∆ é igual ao produto da densidade de massa μ da corda com o comprimento s∆ . O ângulo θ e o comprimento s∆ estão relacionados por s R θ ∆= . Portanto, a massa do elemento é m Rµ θ= . Substituindo a massa do elemento na equação 5.1, temos 2vF R R θ µ θ= . Isolando a velocidade obtemos Fv µ = . A equação da velocidade mostra que a velocidade da onda depende unicamente das propriedades do meio, isto é, da tensão F e da densidade de massa μ. Esta é uma propriedade geral do movimento ondulatório. No caso de ondas acústicas em água ou ar, a velocidade v é dada por Bv ρ = , Figura 5.3 - Pequeno segmento de uma corda. FÍSICA GERAL II 82 na qual ρ é a densidade do meio em equilíbrio e B é o módulo de compressibilidade. Quando estudarmos Termodinâmica, veremos que o módulo de compressibilidade é proporcional à pressão P e a constante dependente do gás γ (para O2 e N2 1,4γ = ). A densidade ρ é igual a razão entre a massa m e o volume V. Substituindo a massa pelo produto entre a massa molar M e o número de moles e o volume V pela Lei dos gases ideais ( PV nRT= ), temos, / m nM MP V nRT P RT ρ = = = . Assim, B Pv MP RT γ ρ = = RTv M γ = . A temperatura T é dada em Kelvin. Para obter a temperatura em Kelvin, somamos 273 à temperatura Celsius. Logo, ( 273)CR Tv M γ + = . EXEMPLO 5.1 Calcule a velocidade do som no ar a 0ºC e a 25ºC. (massa molar do ar é M = 29×10-3 kg/mol) Solução: Como R = 8,314 J/mol.K temos que, para 0ºC, ( ) 3 1,4 8,314 / . (0 273)0º 29 10 /ar J mol K Kv C kg mol− × + = × ( )0º 331 /arv C m s= Para 250C, ( ) 3 1,4 8,314 / . (25 273)25º 29 10 /ar J mol K Kv C kg mol− × + = × ( )25º 346 /arv C m s= 5.3 A Onda Progressiva Em t = 0, a curva passa pela origem (fi gura 5.4) e o deslocamento y perpendicular à direção de propagação da onda pode ser matematicamente apresentado na forma ( ) 2y x Asen xπ λ = , sendo, A a amplitude máxima do deslocamento e λ o comprimento de onda. Assim, vemos que o valor de y é o mesmo (pontos a e b da fi gura 5.4) quando acrescentamos um valor inteiro λ ao valor de x. Se a onda se deslocar para a direita com uma velocidade v, a função de onda senoidal para um tempo maior que zero será ( ) 2,y t x Asen x wtπ λ = − . 5.2 Isolando 2π λ , obtemos ( ) 2, 2 wy t x Asen x tπ λ λ π = − . Como 2w T π = , podemos escrever 2 2 2 w v T λ λ π π π = = . Assim, ( ) ( )2,y t x Asen x vtπ λ = − , o produto vt, no argumento da função seno, é igual a uma distância, ou seja, a onda senoidal se desloca para a direita uma distância vt no tempo t. Observe que ( )x vt− indica que a onda se Figura 5.4 - Onda progressiva. 83 ondas Mecânicas desloca para a direita. Se a onda se desloca para a esquerda, ( )x vt− será substituída por ( )x vt+ . Podemos escrever a função da onda senoidal 5.2 de uma forma compacta defi nindo, número de onda angular k: 2k π λ = . Assim, ( , ) ( )y t x Asen kx tω= − . A função acima foi desenvolvida assumindo que o deslocamento em y é zero em x = 0 e t = 0. Acrescentando uma constante, denominada constante de fase δ , podemos generalizar a função da onda senoidal acima para outros casos, escrevendo ( , ) ( )y t x Asen kx tω δ= − + EXEMPLO 5.2 Calcule a energia cinética de um segmento Δx de uma corda com densidade μ. Solução: Pela função de onda podemos calcular a energia cinética de um segmento. Seja a massa Δm do segmento igual ao produto entre o comprimento do segmento Δx e a sua densidade μ: ( ) ( )2 21 1 2 2y y K m v x vµ∆ = ∆ = ∆ A velocidadeé dada por ( )( ) ( )d Asen kx tdxv A sen kx t dt dt ω ω ω − = = = − Assim, a energia cinética será ( )2 2 21 2 K xA sen kx tµ ω ω∆ = ∆ − A função seno ao quadrado varia de 0 a 1, portanto, o valor máximo de 2 21 2 K xAµ ω∆ = ∆ , que é igual ao valor da energia cinética do segmento de corda. 5.4 Refl exão E Transmissão De Ondas Vamos considerar um único pulso em uma corda quando ele alcança uma fronteira. Parte ou todo o pulso é refl etido. Qualquer parte não refl etida é denominada como sendo transmitida através da fronteira. A fi gura 5.5 mostra a situação em que nenhuma parte do pulso é transmitida através da fronteira. Neste caso, o pulso refl etido tem a mesma amplitude que o pulso incidente, mas é invertido. Vamos considerar as forças atuantes. O pulso é criado inicialmente por uma força ascendente e depois descendente. Na fronteira, o ponto de apoio exerce uma força de reação igual e oposta sobre a corda (terceira Lei de Newton). Assim, a força ascendente do pulso no ponto de apoio resulta em uma força descendente do ponto de apoio na corda e, a seguir, a descendente do pulso resulta em uma ascendente na corda. Portanto, a refl exão em uma extremidade fi xa faz com que o pulso se inverta na refl exão, resultado da terceira Lei de Newton. A fi gura 5.6 mostra uma segunda opção idealizada no qual a refl exão é total e a transmissão é nula. O pulso chega à extremidade de uma corda que esta totalmente livre para se mover verticalmente. Aqui o pulso é refl etido, mas desta vez não é invertido. Existem situações nos quais a fronteira é intermediária entre os dois casos extremos, isto é, não é nem completamente rígida nem completamente livre. Por exemplo, uma corda que está ligada a uma outra corda mais densa. Quando o pulso se desloca primeiro na corda menos densa e alcança a fronteira entre as duas, parte do pulso é transmitida e parte é refl etida e invertida. Se o pulso se desloca primeiro na corda mais densa e alcança a fronteira entre ambas, Figura 5.5 - Refl exão de um pulso em uma fronteira rígida. Figura 5.6 - Refl exão de um pulso em uma fronteira livre. FÍSICA GERAL II 84 parte do pulso também é transmitida e parte é refl etida, mais não invertida. Como já vimos, a velocidade da onda em uma corda é dada por Fv µ = , na qual µ é densidade de massa da corda. Portanto, a velocidade do pulso na corda mais densa é menor do que na corda menos densa. Uma das aplicações das refl exões de ondas é a técnica de ultrassonografi a. As ondas sonoras são transmitidas através do corpo e refl etem nas estruturas e órgãos. A refl exão é detectada, com isso é uma fi gura dos órgãos é possível (fi gura 5.7). Os aparelhos de ultrassom, em geral, utilizam uma frequência desde 2 até 14 Mhz, emitindo através de uma fonte de cristal piezo-elétrico que fi ca em contato com a pele. As ondas sonoras refl etidas são organizadas eletronicamente pelo sistema em uma imagem visual. Navios, assim como alguns animais marinhos, usam o sonar para localizar, através de ondas de ultra-som, corpos submersos. O mapeamento da superfície do fundo do mar e, também, o mapeamento de camadas inferiores, é obtido pela refl exão de ondas mecânicas emitidas por navios. Este método é importante no descobrimento de novas jazidas de petróleo no fundo do mar. 5.5 Ondas Estacionárias a) b) c) d) n=1 fundamental ou primeiro harmônico n=2 segundo harmônico n=3 terceiro harmônico n=4 quarto harmônico V V V V V N N N N N N N N N N V V N N N N V V V Figura 5.8 - Ondas estacionárias numa corda fi xa nas duas extremidades (N = nó e V = ventre). Se a onda estiver confi nada a uma região entre duas fronteiras rígidas (fi gura 5.8), como uma corda esticada entre dois suportes, as refl exões nas fronteiras fazem com que existam ondas deslocando-se em direções opostas (ver discussão na seção anterior sobre refl exão de ondas em extremidade). Para certas frequências, nas quais as ondas incidentes e refl etidas se superpõem continuamente, percebe-se uma fi gura de vibração estacionária, denominada onda estacionária. Este sistema físico é modelo para fontes sonoras de qualquer instrumento de corda, como o violão, o violino e o piano. A corda tem vários padrões naturais de vibração, chamados de modos normais. Cada um desses modos tem uma frequência característica. Em uma onda estacionária em uma corda esticada, as extremidades da corda devem ser nós, pois estes pontos são fi xos. Esta é a condição de contorno para ondas estacionárias. O modo de vibração mais simples que satisfaz esta condição tem dois nodos (um em cada extremidade da corda) e um antinodo (ventre) no ponto central. Para esse modo de vibração, a distância entre as Figura 5.7 - Imagem de ultrassom de um feto humano dentro do útero materno (http://www.radiologia- sangerhousen.de/ ultraschall.htm e http://www.maringasaude. com.br/rxusmga/exames. shtml). 85 ondas Mecânicas duas extremidades fi xas L é igual à metade do comprimento de onda: 1 2 L λ= . O modo de vibração seguinte, de comprimento de onda 2λ , ocorre quando L é igual a um comprimento de onda, isto é, quando 2L λ= . O terceiro modo de vibração, onde aparece uma onda estacionária, corresponde ao comprimento de onda igual a 332 λ , isto é, 3 3 2 L λ= . Generalizando, a distância entre as duas extremidades fi xas L pode ser relacionada com diferentes comprimentos de onda dos vários modos de vibração, de modo que ( 1, 2, 3, 4, ) 2 n nL nλ= = … . A frequência está relacionada com a velocidade e com o comprimento de onda por vf λ= . A velocidade da onda v depende da tensão aplicada T e da densidade de massa da corda Tvµ µ = . Assim, podemos expressar as frequências, nas quais ocorre uma onda estacionária em uma corda esticada, como ( 1, 2, 3, 4, ) 2n n Tf n L µ = = … . A frequência de uma corda em um instrumento de corda pode ser modifi cada variando-se a tensão T da corda ou mudando o comprimento L entre as duas extremidades. Nos violões a frequência é ajustada por um mecanismo de parafuso no braço do instrumento. Aumentando a tensão T, as frequências dos modos de vibração aumentam. Quando uma corda tem uma extremidade fi xa e outra livre, a extremidade livre é um ventre (fi gura 5.9). No modo de vibração fundamental desta corda, o comprimento de onda é igual a 1 4Lλ = . No modo de vibração seguinte 3 43 Lλ = . A condição de onda estacionaria é, portanto, ( 1, 3, 5, 7, ) 4 n nL nλ= = … . Usando a relação vf λ= , temos ( 1, 3, 5, 7, ) 4n nf v n L = = … . As frequências naturais desse sistema ocorrem somente quando 1, 3, 5, 7,n = … , e, portanto, os harmônicos pares estão faltando (fi gura 5.9). Um exemplo comum de ondas estacionárias deste tipo é o das ondas na coluna de ar de um tubo de órgão, onde uma das extremidades é aberta. Quando condições de contorno são aplicadas a uma onda, descobrimos um comportamento muito interessante que não tem nenhum análogo no estudo até agora da mecânica. O aspecto mais relevante desse comportamento é a quantização. Descobrimos que somente determinados comprimentos de onda são permitidos, que são aquelas que satisfazem as condições de contorno. Uma visão geral sobre quantização vai ser discutida na disciplina Física Moderna. Figura 5.9 - Ondas estacionárias numa corda fi xa apenas na extremidade da esquerda. (N = nó e V = ventre) QUESTÃO 5.1 Em um piano, as cordas graves são mais longas e mais grossas do que as cordas agudas. Por quê? FÍSICA GERAL II 86 EXEMPLO 5.3 Cada corda de um violão emite uma frequência diferente, conforme tabela abaixo. A distância L entre os suportes das cordas é de 64 cm. Cada corda está oscilando de acordo com o padrão de onda estacionária mostrado na fi gura abaixo. Considerando uma ten- são aplicada (em cada corda) igual a 50N, determinar as densidades das cordas. Mi(-2) 82,5 Hz Lá(-2) 110 Hz Ré(-1) 147 Hz Sol(-1) 196 Hz Si(-1) 247 Hz Mi(0) 330Hz Solução: A velocidade da onda é Fv µ= . Podemos relacionar a velocidade da onda com a frequência e comprimento de onda ( )v fλ= . Fazendo isso, obtemos 1 Ff λ µ = . Isolando a densidade, temos ( )2 F f µ λ = . Como a corda oscila de acordo com um padrão de onda estacionária, o comprimento de onda é dado por 2 /L nλ = , onde n = 1,2,3,4,…, isto é, 3 12 , , , 2 2L L L Lλ = … . Pela fi gura da corda vibrando, observamos que ela oscila somente meio comprimento de onda no comprimento L = 0,64 m, portanto, λ = 2L. ( )22 F f L µ = . Substituindo os valores das respectivas frequências (f) da tabela, obtemos: Mi(-2) 82,5 Hz 0,004484 kg/m Ré(-1) 110 Hz 0,002522 kg/m Lá(-2) 147 Hz 0,001412 kg/m Sol(-1) 196 Hz 0,000794 kg/m Si(-1) 247 Hz 0,000500 kg/m Mi(0) 330 Hz 0,000280 kg/m Estes valores da densidade das cordas na realidade são um pouco diferentes, pois a distância entre os suportes não é igual para todas as cordas. Mesmo com as discrepân- cias, percebemos que o aumento da densidade é acompanhado de um decréscimo na frequência. 5.6 Interferência De Ondas Os efeitos de interferência que trataremos envolvem a superposição de duas ou mais ondas. Vamos analisar inicialmente duas ondas senoidais que se propagam no mesmo sentido, com a mesma frequência, mesma amplitude, mas diferem na fase. Podemos expressar as suas funções de onda individuais como ( )1y Asen kx tω= − e ( )2y Asen kx tω δ= − + nas quais, δ é a diferença de fase entre as duas ondas. A função de onda resultante será ( ) ( )1 2 y y y Asen kx t Asen kx tω ω δ= + = − + − + ( ) ( ) y A sen kx t sen kx tω ω δ= − + − + 0,64m corda vibrando 87 ondas Mecânicas Usando a identidade trigonométrica 2 2 2 a b a bsena senb cos sen− + + = e fazendo a kx tω= − e b kx tω δ= − + , a função de onda resultante y pode ser escrita como 2 2 2 y Acos sen kx tδ δω = − + A composição das duas ondas não altera a frequência. A amplitude da onda resultante é 2 2 Acos δ e depende da diferença de fase δ . • Se 0δ = , então ( )cos 0 1= e a amplitude da onda resultante é 2A. Os máximos das duas ondas coincidem. Neste caso, diz-se que as ondas estão em fase e que interferem construtivamente. • Se radδ π= , então cos cos 0 2 2 δ π = = e a amplitude da onda resultante é nula. O máximo de uma onda coincide com o mínimo de outra. Neste caso, diz-se que as ondas estão fora fase e que interferem destrutivamente. • Se δ tem um valor entre 0 e π , a onda resultante tem uma amplitude cujo valor está entre 0 e 2A. EXEMPLO 5.4 Duas ondas, com frequências e amplitudes iguais, avançam no mesmo sentido em um fi o. a) Se a diferença de fase entre as duas for de 2 3 π e a amplitude for 5,0 cm, qual a amplitude da onda resultante? b) Determinar a diferença de fase δ quando a amplitude resultante for de 7,5 cm. Solução: a) A função de onda resultante é 2 2 2 y Acos sen kx tδ δω = − + . A amplitude resultante A´ é determinada pelo termo 2 2 Acos δ , portanto, ( ) 2 32´ 2(5,0 )3 2 A cm cos π π = ( )2´ 53A cmπ = b) Aplicando a função arccos na amplitude resultante, temos, ´ 7,52 2 82,8 2 2 5 oA cmarccos arccos A cm δ δ = = ⇒ = ⋅ Vamos estudar agora a interferência entre duas ondas sonoras de frequências ligeiramente diferentes e amplitudes iguais, conforme mostrado na fi gura 5.10. Admitindo que as duas ondas estão em fase no instante t = 0, podemos expressar as suas funções de onda individuais como ( )1 1y Asen tω= e ( )2 2y Asen tω= . A função de onda resultante será ( ) ( )1 2 1 2y y y A sen t sen tω ω= + = + Usando novamente a identidade trigonométrica 2 2 2 a b a bsena senb cos sen− + + = , teremos, 1 2 1 2 1 12 cos ( ) sen ( ) 2 2 y A t tω ω ω ω= − + . Figura 5.10 - a) Interferência entre duas ondas sonoras de frequências diferentes. b) Onda resultando t ttt t t t t 1 1 2 2 3 3 a) b) FÍSICA GERAL II 88 Para frequências próximas, podemos defi nir uma frequência angular média ( )1 2 / 2medω ω ω= + e escrever 1 2ω ω ω∆ = + . Assim, ( )12 2 med y Acos t sen tω ω = ∆ ( )12 2 2 2 med y Acos ft sen f tπ π = ∆ onde, 2 2f e fω π ω π= ∆ = ∆ . A interferência das duas ondas sonoras ligeiramente diferentes provoca o interessante fenômeno chamado batimentos (fi gura 5.10). O som que ouvimos tem a frequência ( )1 2 / 2medf f f= + e a amplitude oscila com a frequência ( )1 2 1 1 2 2 f f f− = ∆ . Isto quer dizer que os máximos e mínimos devem aparecer com a frequência f∆ . O som é mais alto sempre que a amplitude está num máximo ou mínimo. A frequência desta variação da amplitude é dita a frequência de batimento batf , que é igual à diferença entre as duas frequências:> 1 2batf f f f= − = ∆ . Embora os batimentos aconteçam em todos os tipos de ondas, são especialmente percebidos em ondas sonoras. O ouvido humano pode detectar frequências de batimentos abaixo de 20 batimentos por segundo. Se a frequência de batimentos extrapola este valor, há uma mistura sem distinção das frequências de batimentos e das frequências 1 2f e f . Os batimentos são normalmente empregados no afi namento de instrumentos musicais como, por exemplo, o violão. As notas são afi nadas, fazendo vibrar concomitantemente um diapasão e a corda do instrumento. A tensão na corda do violão é, então, acertada até que os batimentos sejam inaudíveis, o que indica uma diferença muito pequena entre a frequência dos dois sons. EXEMPLO 5.5 Qual a frequência ouvida e quantos máximos por segundo podem ser ouvidos quando dois diapasões vibram, um com a frequência de 241 Hz e outro com 243 Hz? Solução: A frequência ouvida será ( )1 2 / 2 (241 243 ) / 2 242medf f f Hz Hz Hz= + = + = . A frequência de batimentos será 1 2 243Hz 241Hz 2Hzbatf f f= − = + = , isto quer dizer 2 máximos por segundo. 5.7 Efeito Doppler O apito de um trem ou a sirene de uma ambulância soam mais agudos quando estão se aproximando de nós e mais graves quando estão se afastando. Estas variações constituem o efeito Doppler. Vamos estudar os casos quando o observador está em movimento, quando a fonte está em movimento e fi nalmente quando ambos estão em movimento. Fonte em repouso e observador em movimento A fonte está emitindo uma frequência original 0 0 0 1 vf T λ= = , sendo T0 o período e 0λ o comprimento de onda. A frequência original f0 emitida é o número de cristas de onda emitidas por unidade de tempo. O espaçamento entre as cristas de onda emitidas é 0λ . Se o observador se move em direção à fonte com velocidade u (fi gura 5.11a), ele percorre uma distância u por unidade de tempo e encontra 0 u λ cristas adicionais, além das 0 v λ cristas que teriam passado por ele se ele estivesse em repouso. Logo, a frequência f observada é mais aguda (f > f0) e dada por 0 0 v uf λ λ = + 0 1v uf vλ = + 89 ondas Mecânicas0 1 uf f v = + . Usando a mesma lógica, se o observador se afasta da fonte com velocidade u, ele deixa de ser atingido por 0 u λ cristas por unidade de tempo e a frequência observada é mais grave: 0 0 v uf λ λ = − 0 1v uf vλ = − . Como a frequência original é 0 0 vf λ = , teremos que 0 1 uf f v = − . Assim, o efeito Doppler, para o caso em que a fonte está parada e o observador está em movimento, é dado por: 0 FONTE para aproximação 1 PARADA – para afastamento uf f v + = ± Fonte em movimento e observador em repouso O observador está em repouso em relação à atmosfera e a fonte se move em direção ao observador com velocidade V (fi gura 5.11b). Consideremos uma série 0, 1, 2, 3, ..., de cristas de onda consecutivas emitidas pela fonte. A fonte emite a crista 0 na posição x0.. Como a fonte está em movimento, depois de um período 00Tv λ = , a fonte emite a crista 1 na posição 1 0x VT= . A crista 2 será emitida na posição 2x , a crista 3 será emitida na posição 3x e assim por diante. O deslocamento entre cada emissão será sempre 0x VT∆ = . Para o observador, o comprimento de onda observado λ entre as cristas será o comprimento de onda original 0λ subtraído por x∆ , 0 xλ λ= −∆ 0 0 1 xλ λ λ ∆ = − . Substituindo comprimento de onda original 0 0vTλ = e o deslocamento da fonte 0x VT∆ = , temos, 0 0 0 1 VT vT λ λ = − 0 1 V v λ λ = − . A frequência observada será 0 0 1 v vf V v λ λ = = − Como 0 0 vf λ= , então 0 1 1 f f V v = − , ou seja, quando a fonte está se aproximando, a frequência observada f será maior do que a freqüência original f0. Para o observador com a fonte se afastando, o comprimento de onda observado λ entre as cristas será o comprimento de onda original 0 0vTλ = acrescido pelo deslocamento da fonte 0x VT∆ = : 0 xλ λ= + ∆ Figura 5.11 - a) Observador em movimento e fonte em repouso e b) fonte em movimento e observador em repouso. FÍSICA GERAL II 90 Fazendo as mesmas substituições do caso anterior (fonte se aproximando), temos 0 1 V v λ λ = + 0 1 1 f f V v = + . Portanto, a frequência observada f será menor que a original frequência f0 quando a fonte está se afastando do observador. Para os casos em que o observador está parado e a fonte está se movendo, o efeito Doppler é dado por: OBSERVADOR PARADO 0 1 1 f f V v = - para aproximação + para afastamento Fonte e observador em movimento Neste caso, superpõem-se os dois efeitos discutidos acima. O movimento do observador altera a frequência para 0 1 uf v ± e o movimento da fonte multiplica a nova frequência por um fator 1 1 V v , de modo que o efeito Doppler combinado é dado por: OBSERVADOR E FONTE MÓVEIS 0 1 1 u vf f V v ± = Sinais superiores para aproximação Sinais inferiores para afastamento O efeito Doppler para o som é observado quando há um movimento relativo entre a fonte do som e o observador. Como podemos observar pelas relações desenvolvidas, o movimento da fonte, ou de um observador em direção ao outro, resulta na audição pelo observador de uma frequência mais elevada do que a frequência original. O movimento da fonte ou do observador um para longe do outro resulta na audição pelo observador de uma frequência mais baixa que a frequência original. Embora nossa análise tenha se limitado até agora somente ao som, esse efeito está associado a ondas de todo o tipo. O efeito Doppler em ondas mecânicas é usado para determinar a presença e a direção do fl uxo sanguíneo em um vaso e suas características hemodinâmicas, conforme ilustrado na fi gura 5.12. Nas ondas eletromagnéticas o efeito Doppler é empregado em sistemas de radar para medir velocidades dos veículos. Do mesmo modo, astrônomos usam o efeito Doppler para medir os movimentos relativos das estrelas, das galáxias e de outros corpos celestes, observando as mudanças nas frequências da luz emitidas por estes corpos celestes. Em 1942, Christian Johann Doppler (1803-1853) mostrou o deslocamento da frequência em conexão com a luz emitida por duas estrelas girando uma em relação à outra em um sistema de estrela dupla. O efeito Doppler para luz foi usado para defender a expansão do universo, o que conduziu à teoria do Big Bang. Figura 5.12 - Fluxometria utilizando efeito Doppler – Através desta medida é possível determinar o fl uxo em veias e artérias (http://www.maringasaude.com. br/rxusmga/exames.shtml). 91 ondas Mecânicas EXEMPLO 5.6 Um carro de polícia está perseguindo um carro fugitivo. Ambos se deslocam à veloci- dade de 160 km/h. O carro de polícia, não conseguindo alcançar o carro, liga sua sirene com uma frequência de 500 Hz. Considerando a velocidade do som no ar como sendo 340 m/s: a) Qual a mudança Doppler na frequência ouvida pelo carro fugitivo? b) Qual o comprimento de onda do som que o carro fugitivo ouve? Solução: a) A frequência do som da sirene em relação ao solo é 0 1´ 1 f f V v = − , na qual v é a velocidade do som no solo e V é a velocidade do policial. O som se propaga com esta frequência na direção do fugitivo. Logo, para este carro, ela chega com frequência 0 1 uf f v = − , com 0 ´f f= (frequência em relação ao solo) e u = V (ambos estão à mesma velocidade em relação ao solo). Portanto, ´ 1 Vf f v = − . Substituindo f´, temos 0 1 1 V vf f V v − = − 0f f= . Ou seja, a frequência não muda. b) No referencial do carro fugitivo, a onda se propaga com velocidade ' v v u= − . Logo, usando 'f vλ = , temos que (não se esqueça de transformar km/h em m/s), ( ) 50 / 0,1 . 500 v u m s m f Hz λ −= = = EXEMPLO 5.7 Um morcego se orienta emitindo sons de altíssima frequência. Suponha que a emissão da frequência do som do morcego seja 39000 Hz. Durante uma arremetida veloz diretamente contra a superfície plana de uma parede, o morcego desloca-se a 1/40 da velocidade do som no ar (340m/s). Calcule a frequência em que o morcego ouve a onda refl etida pela parede. Solução: Inicialmente, determinamos a velocidade do morcego, que é (340 / 40) / 8,5 /V m s m s= = . Depois dividimos o problema em duas partes: 1ª Parte: indo do morcego até a parede e 2ª Parte: voltando da parede até o morcego. 1ª Parte: indo do morcego à parede. A fonte (morcego) está em movimento e se aproximando, portanto, 1 0 1 139000 40000 8,5 /1 1 340 / f f Hz Hz V m s v m s = = = − − 2ª Parte: voltando da parede até o morcego. A frequência 1f é refl etida na parede e não muda de frequência na refl exão, retornando com o valor 1 40000f Hz= . Aqui o observador (morcego) está em movimento e aproximando, logo, 1 8,5 /1 40000 1 41000 340 /f V m sf f Hz Hz v m s = + = + = . FÍSICA GERAL II 92 Exercícios 1. Uma corda de piano tem uma densidade de 5,0 x 10-3 kg/m e está sob uma tensão de 350 N. Encontre a velocidade com que uma onda se propaga nessa corda. 2. Calcular a velocidade do som no hidrogênio a T = 300 K (M =2 g/mol e γ =1,4). 3. Ondas transversais se propagam a 100 m/s num fi o com 100 cm de comprimento, sujeito a uma tensão de 500 N. Qual a massa do fi o? 4. Uma corda esticada tem uma massa de 0,2 kg e comprimento de 4m. Qual a potencia que deve ser fornecida à corda a fi m de gerar ondas senoidais que tenham uma amplitude de 10 cm, um comprimento de onda de 0,5 m e se propaguem com uma velocidade de 30 m/s? 5. Dois pulsos ondulatórios estão se a uma velocidade de 2,5 cm/s movendo em sentidos contrários ao longo de uma corda (conforme fi gura abaixo). A amplitude de uma é o dobro da outra. Faça um esboço da forma da corda em t = 1 e 2 s. 6. Duas ondas com freqüências, comprimentos de onda e amplitude iguais avançam numa mesma direção. a) Se a diferença de fase entre elas for de 2 π e se a amplitude de ambas for de 2,0 cm, qual a amplitude da onda resultante? b) Para que diferença de fase a amplitude resultante será igual a 2,0 cm? 7. Quando se faz soar um diapasão de 440 Hz e a corda Lá de uma guitarra está desafi nada, percebem-se 4 batimentos por segundo. Depois de apertar um pouco a cravelha da corda, a frequência de batimento aumenta para 8 por segundo. Qual a freqüência da nota da corda depois de apertada? 8. No palco de um anfi teatro vazio, uma pessoa bate palma em uma única vez. O som refl ete nos degraus de 1 metro de comprimento. Qual a frequência que retorna ao palco? 9. Um morcego pode detectar corpos muito pequenos, cujo o tamanho seja aproximadamente igual ao comprimento de onda que o morcego emite. Se os morcegos produzem uma frequência de 60,0 kHz e se a velocidade do som no ar é de 340 m/s, qual o menor corpo que o morcego pode detectar? 10. Um trembala se aproxima, apitando, a uma velocidade de 180 m/s em relação à plataforma de uma estação. A frequência sonora do apito do trem é 1,0 kHz, como medida pelo maquinista. Considerando a velocidade do som no ar como 330 m/s, qual o comprimento de onda ouvido por um passageiro parado na plataforma? 11. Um carro de polícia está perseguindo um carro fugitivo. Ambos se deslocam à velocidade de 160 km/h. O carro de polícia, não conseguindo alcançar o carro, toca sua sirene. Considere a velocidade do som no ar como sendo 340 m/s e a frequência da fonte como 500 Hz. a) Qual a mudança Doppler na frequência ouvida pelo carro fugitivo? b) Qual o comprimento de onda do som que o carro fugitivo ouve? 93 ondas Mecânicas Anotações FÍSICA GERAL II 94 Anotações 95 Temperatura e Calor6 6.1 termodinâmica 6.2 A Lei Zero da termodinâmica 6.3 termômetros e Escalas termométricas 6.4 Expansão térmica 6.5 quantidade de Calor 6.6 transições de Fase FÍSICA GERAL II 96 6 TEMPERATURA E CALOR 6.1 Termodinâmica Por que a Termodinâmica merece um estudo separado da Mecânica? Por que não incorporá-la e descrever o comportamento térmico de um sistema utilizando os conceitos da Mecânica já desenvolvidos no primeiro volume? A razão para que isto não possa ser feito é que, na troca de calor entre dois corpos, não existem partículas que poderiam obedecer às leis de Newton. Por este motivo, a descrição mecânica falha quando se tenta incorporar a Termodinâmica. Devemos, portanto, buscar outros procedimentos para se estudar a interação térmica entre os sistemas. Entretanto, existe um ramo da Física chamado Mecânica Estatística que, a partir de primeiros princípios (clássicos ou quânticos), permite descrever um sistema constituído de várias partículas. A Termodinâmica de equilíbrio pode ser justifi cada, então, como uma disciplina decorrente desta descrição. Imagine um sistema simples consistindo, por exemplo, de um gás ocupando certo volume, digamos de 1 cm3, à pressão de normal de 1 atmosfera e à temperatura ambiente. Dentro deste volume encontram-se 1019 partículas, um número surpreendentemente grande. Como fator de comparação, basta dizer que a população da Terra é “apenas” da ordem de 109 e isto NÃO é a metade do número de partículas de nosso sistema, mas é 1010 vezes menor! A tarefa é, então, descrever o comportamento dinâmico para essa enormidade de partículas: mesmo com várias hipóteses simplifi cadoras que poderiam tornar os cálculos mais amenos, contando com computadores de altíssima velocidade, porém, ainda assim, o trabalho seria formidável! Estabelecer 1019 equações diferenciais vetoriais e de segunda ordem para descrever esse sistema e depois, devido às simplifi cações, não temos muita certeza de que isto seria um resultado aceitável. Mas nada impede que isto seja feito, desde que estejam disponíveis bons computadores e se tenha a eternidade à disposição. A Mecânica Estatística contorna esses problemas descrevendo o sistema através de valores médios de diversas quantidades tais como pressão, temperatura, calor específi co, magnetização, etc. Dizemos que esta descrição se dá em termos da dinâmica molecular e de uma descrição em nível microscópico. A Termodinâmica está fundamentada em algumas leis decorrentes da parte experimental e que foram estabelecidas ao longo dos tempos. Medidas cuidadosas, experimentos realizados com controle rigoroso, generalizações dos resultados, enfi m, tudo isto serviu para se chegar à descrição macroscópica de interações térmicas entre sistemas físicos. O tópico que ora iniciamos aborda exatamente estes aspectos: o estudo das interações térmicas sem considerar o caráter microscópico da matéria. O sistema discutido acima, um gás encerrado em um pequeno volume, pode ser caracterizado termodinamicamente por alguns poucos parâmetros. A esses parâmetros chamamos de variáveis de estado e a equação que os relacionam é chamada equação de estado. Para este gás pode-se usar, por exemplo, a pressão, o volume e o número de mols. Alternativamente, elegemos como variáveis de estado a pressão, a temperatura e o volume. Voltaremos a discutir este tópico quando tratarmos de gases ideais. 6.2 A Lei Zero da Termodinâmica Para iniciar o estudo das propriedades térmicas de sistemas físicos, precisamos introduzir o conceito de temperatura. De certa forma, este conceito está ligado à sensação de quente ou frio que temos incorporado de maneira intuitiva desde a mais tenra idade. Porém, precisamos de algo menos intuitivo, mesmo porque os sentidos podem ser enganosos. Muitas propriedades da matéria que medimos dependem da temperatura: o comprimento de uma barra metálica, a pressão de um gás, a corrente transportada por 97 temperatura e Calor fi lamento, a cor de um objeto incandescente e várias outras medidas. Necessitamos de uma defi nição operacional de temperatura para ir além de algo meramente sensorial de quente e frio. Isto pode ser conseguido escolhendo, inicialmente, uma escala termométrica adequada que faça uso de qualquer propriedade térmica que tenha forte dependência com a temperatura. Por exemplo, o termômetro caseiro usado para indicar um possível estado febril, utiliza a expansão de uma coluna de um líquido (em geral, etanol com corante) encerrado em um tubo capilar. A resistência elétrica de um fi o varia quando ele é aquecido ou resfriado. Esta propriedade pode ser explorada para a construção de um termômetro. De forma análoga, a pressão de um gás depende fortemente da temperatura na qual ele se encontra. Quando se coloca um termômetro em contato com certa porção de matéria existe uma interação entre os dois e após certo tempo eles entram em equilíbrio térmico, um estado no qual não ocorre nenhuma variação de temperatura. Por isso, se você desejar conhecer a temperatura de, digamos, uma xícara de café, é conveniente utilizar um termômetro cuja capacidade térmica seja muito menor do que a do café a ser ingerido. Caso contrário, se o seu aparelho de medição tiver massa comparável com o sistema cuja temperatura se deseja conhecer, é provável que ao entrar em equilíbrio térmico a temperatura registrada seja muito diferente daquela temperatura inicial que você queria determinar. A lei zero da termodinâmica diz o seguinte: Se os corpos A e B estiverem separadamente em equilíbrio térmico com um terceiro corpo C, então A e B estão em equilíbrio térmico entre si. A importância deste fato experimental só foi reconhecida depois que a primeira e a segunda lei da termodinâmica já tinham sido enunciadas e, portanto, a denominação de lei zero é muito apropriada. A afi rmação acima, elementar como pode parecer, fornece um meio seguro de interpretar a temperatura como a propriedade que dois corpos, em equilíbrio térmico entre si, devem estar à mesma temperatura e isto nos leva a concluir que a lei zero da termodinâmica pode ser expressa de maneira mais formal e mais fundamental: Existe uma grandeza escalar, denominada temperatura, que é uma propriedade de todos os sistemas termodinâmicos (em equilíbrio), tal que a igualdade de temperatura é uma condição necessária e sufi ciente para o equilíbrio térmico. 6.3 Termômetros e Escalas Termométricas Qualquer propriedade térmica pode ser escolhida para se construir um termômetro; porém, algumas são mais convenientes do que outras e esta escolha deve ser feita de forma criteriosa, atendo-se à reprodutibilidade da medida, à facilidade de construção, considerando a resposta do termômetro ao se medir determinada temperatura, e, sobretudo, admitindo-se uma relação monotônica contínua entre a propriedade termométrica da substância e a temperatura registrada na escala escolhida. Cada escolha de uma substância e de sua propriedade termométrica, juntamente com a relação admitida entre a propriedade e a temperatura, conduz a uma escala termométrica específi ca, cujas medidas não necessariamente coincidem com as medidas realizadas em outraescala qualquer e defi nida de maneira independente. Esta “aparente” inconsistência na defi nição de temperatura é contornada por um acordo universal dentro da comunidade científi ca: estabelece-se o uso de certa substância, de sua propriedade termométrica e de uma relação funcional entre esta propriedade e uma escala termométrica adotada universalmente. Qualquer outra escala particular pode ser, então, calibrada usando-se a escala universal. FÍSICA GERAL II 98 O termômetro mais comum é aquele construído com um bulbo de vidro e em cujo interior é colocado uma substância que pode se expandir quando aquecida (em geral, utiliza-se etanol ou mercúrio) e a escala é escolhida de tal forma que no ponto de equilíbrio no qual gelo, água e vapor coexistem marca-se zero e para o vapor de água em ebulição (a pressão de 1 atm), marca-se o valor 100. Foi desta maneira que Celsius construiu seu primeiro termômetro, subdividindo estes dois limites (zero e cem) em 100 partes iguais, chamados graus. Observe que, desta forma, escolhe-se a substância, a propriedade termométrica (dilatação do líquido) e dois pontos fi xos para se determinar a escala. É um dispositivo bastante versátil e de fácil manuseio, porém, construído desta forma, ele não permite medidas em temperaturas elevadas e sua precisão, em muitos casos, fi ca aquém do desejado. Outro termômetro bastante comum, principalmente quando se requerem medidas a temperaturas elevadas e com maior precisão, é aquele construído com um fi lamento metálico ou de semicondutor, cuja resistência elétrica varia com a variação de temperatura. Como a resistência pode ser medida com alto grau de precisão, a temperatura também pode ser determinada com precisão semelhante. Existe uma grande quantidade de termômetros à disposição, construídos das mais variadas formas para diferentes aplicações. Por exemplo, para altíssimas temperaturas (próximo aos pontos de fusão de metais), o termômetro óptico utiliza a radiação emitida pelo corpo e compara com um padrão e a leitura da temperatura é realizada diretamente por um fator de calibração integrante do dispositivo. Uma versão deste termômetro, usado clinicamente para medidas de temperaturas próximas a do ambiente, utiliza a radiação infravermelha emitida pelo paciente. Alguns testes têm comprovado que sua precisão é superior àquela registrada pelos termômetros convencionais para medições de estados febris. Embora a escala Celsius seja a mais conhecida, alguns países utilizam a escala Fahrenheit de temperatura (esta escala não é usada no Brasil). Diferentemente da escala centígrada (Celsius) ela assinala, para mistura água e gelo em equilíbrio, o valor 32 e para a água em equilíbrio com seu vapor, o valor 212. Portanto, o intervalo entre os dois pontos de referência corresponde a 180, enquanto que na escala Celsius é 100. Para converter uma temperatura dada em Celsius, TC, para a escala Fahrenheit, TF, usamos a relação 9 32 5 o F CT T= + . E inversamente, a transformação de Fahrenheit para Celsius é dada por 5 ( 32 ) 9 o C FT T= − . Existem outras escalas termométricas, mas estão em acentuado desuso, como, por exemplo, a Rankine e a Reamur. Como curiosidade sobre a confecção de termômetros e a escolha de escalas, o sueco Anders Celsius, em 1742, apresentou inicialmente o “zero” correspondendo à ebulição da água pura a 1 atm e atribuiu o valor 100 para o gelo em equilíbrio térmico com a água. Foi o biólogo Lineu, também sueco, que em 1745, inverteu os valores como hoje utilizamos. Quando calibramos dois termômetros, por exemplo, um do tipo com líquido no interior do bulbo e outro de resistência, e ambos com leituras concordantes em 0ºC e em 100ºC, as leituras de temperaturas intermediárias podem não concordar exatamente. Isto signifi ca que as leituras dependem da substância usada e de suas propriedades termométricas. O desejado seria, então, que pudéssemos defi nir uma escala de temperatura que não dependesse da substância particular utilizada. O termômetro a gás a volume constante que descreveremos a seguir se aproxima muito desta idealidade. QUESTÃO 6.1 Em alguns locais da Terra a temperatura em graus Celsius é igual à temperatura Fahrenheit. Qual o valor desta temperatura? 99 temperatura e Calor O funcionamento de um termômetro a gás se baseia no fato experimental que a pressão de um gás, mantido a volume constante, aumenta linearmente com a temperatura e isto é verdade para qualquer gás com baixa densidade de tal forma que podemos considerá-lo ideal. Coloca-se certa quantidade de gás em um recipiente rígido (para manter seu volume constante) que tem um manômetro acoplado. Em seguida, mergulha- se este volume em um banho de água e gelo em equilíbrio, anota-se o valor da pressão. O outro ponto de referência é determinado usando água em ebulição, correspondendo à outra pressão registrada pelo manômetro. Estes dois pontos são colocados em um gráfi co de temperatura x pressão e traça-se uma reta passando por eles. Qualquer outra temperatura pode ser obtida permitindo que nosso termômetro interaja termicamente com o sistema cuja temperatura se deseja medir. A fi gura abaixo é um esboço gráfi co do comportamento deste termômetro. As três curvas representam diferentes tipos de gases e com densidades diferentes. Extrapolando-se estas retas para pressões tendendo a zero, obtem- se o valor de -273,15ºC. Você poderia suspeitar de que este valor seria diferente para gases diferentes, mas o resultado é sempre o mesmo para qualquer tipo de gás, desde que seja considerado ideal (baixa densidade). Outro ponto que poderia ser questionado neste experimento seria o comportamento deste gás a baixas temperaturas: à medida que se abaixa a temperatura, o gás sofre uma transformação de fase e se torna líquido. A partir daí os resultados fi cam comprometidos e não se pode concluir nada. Isto está correto, mas a extrapolação matemática para baixíssimas pressões é um artifício conveniente e funciona de forma bastante satisfatória. Em todos os casos, independente da natureza do gás ou da baixa pressão inicial (para considerá-lo ideal), a pressão vai a zero quando a temperatura é de -273,15ºC. Este valor sugere um caso universal, porque não depende da natureza da substância usada no termômetro e também deve representar um limite inferior para processos físicos. Por isso, esta temperatura é defi nida como zero absoluto e serve de base para a escala Kelvin de temperatura. O tamanho de um grau nesta escala é escolhido para ser idêntico ao tamanho de um grau na escala Celsius e a relação de conversão entre as duas escalas de temperatura é TK = 273,15+TC , onde TC é a temperatura em graus Celsius e TK é a temperatura em graus Kelvin (ou temperatura absoluta). Uma das principais diferenças entre estas duas escalas de temperatura é um deslocamento no zero da escala. O zero da escala Celsius é arbitrário e depende de uma propriedade associada a uma determinada substância, a água. O zero da escala Kelvin não é arbitrário, pois associa este ponto a um comportamento característico de toda substância. O que ambas tem em comum é que a mesma variação, por exemplo, de 10 oC, corresponde a 10 K (sem o símbolo de grau). Por razões de precisão e reprodutibilidade da escala absoluta, o ponto escolhido para referência é aquele no qual o gelo, a água e seu vapor coexistem em equilíbrio. Isto acontece a uma temperatura de 0,01 oC e para uma pressão de 610 Pascal (cerca de 0,006 atm). Esta pressão é do vapor de água e não tem relação alguma com a pressão do gás do termômetro. Figura 6.1 - Gráfi co T (oC) versus p (unidade arbitrária). FÍSICA GERAL II 100 Na fi gura 6.2 estão representadas as relações entre as escalas Kelvin, Celsius e Fahrenheit: fi gura 3, em escala logarítmica, estão indicadas algumas temperaturas que ocorrem na natureza. Figura 6.2 - Relações entre as escalas. Figura 6.3 - Temperaturas absolutas. Finalmente, gostaríamos de comentaralguns fatos sobre o ponto zero Kelvin. É mais ou menos comum as pessoas dizerem que no zero absoluto todo movimento cessa. Isto não é verdade. Imagine que você resfrie certa porção de uma substância metálica. Os átomos da rede cristalina possuem movimento de oscilação em torno de um ponto de equilíbrio e mesmo no zero absoluto, eles continuam oscilando (é o que se chama energia do ponto zero), porém, com amplitude menor do que faria a uma temperatura maior. Da mesma forma, em temperaturas ultrabaixas os elétrons das camadas mais internas continuam suas “trajetórias” curvilíneas em torno do núcleo e suas velocidades escalares são pouco afetadas pela diminuição da temperatura. A idéia de que todo movimento cessa é uma descrição clássica do comportamento da matéria, mas ela é inadequada, e uma abordagem quântica se faz necessária para descrever os fatos experimentais. 6.4 Expansão Térmica A grande maioria das substâncias, quando aquecidas, sofre uma dilatação. Por esta razão é que encontramos nas estruturas de pontes certo espaçamento entre as lajes da pista de rolamento. De forma semelhante, os trilhos de trem são colocados de tal forma que guardam distâncias entre si, para permitirem certa expansão em dias quentes, evitando comprometer o alinhamento dos trilhos. Suponha que a medida linear de uma barra metálica seja L0 a uma determinada temperatura T0 . Se a temperatura sofre uma variação 0T T T∆ = − , então, o comprimento varia de 0L L L∆ = − . Pela experiência sabemos que essa variação de comprimento é diretamente proporcional à variação de temperatura, ao menos quando esta variação não se verifi que exagerada (por exemplo, de umas poucas centenas de graus). É de se esperar também que a variação de comprimento seja proporcional ao comprimento inicial L0 e isto pode ser confi rmado experimentalmente. Por exemplo, se uma barra de 1 m de comprimento sofre uma dilatação de 0,004 m para uma variação de temperatura T∆ , uma barra de 2 m sofrerá uma expansão de 0,008 m para a mesma variação de temperatura. Estas observações podem ser colocadas em forma matemática, introduzindo-se um parâmetro positivo α, chamado de coefi ciente de expansão linear: [ ]0 0 0 0 1L L T L L L T L L Tα α α∆ = ∆ ⇒ − = ∆ ∴ = + ∆ . 101 temperatura e Calor O parâmetro α, em geral, depende da temperatura, mas para variações moderadas ele pode ser considerado como constante. Sendo uma característica da substância, ele não depende do comprimento inicial L0 e sua dimensão é C1C o1o =− quando T é expresso em graus Celsius, ou K1K 1 =− , quando a temperatura for medida em graus Kelvin. A tabela 6.1 fornece alguns valores do coefi ciente α. EXEMPLO 6.1 Uma barra de alumínio, inicialmente a 30 oC, tem comprimento de 0,5m. Qual será seu comprimento quando a temperatura atingir 80 oC? Solução: O coefi ciente de expansão é dado pela tabela acima. Então, 5 80 30 801 2,4 10 (50) 0,5 1,0012 0,5006mL L L − = + × ⇒ = × = . EXEMPLO 6.2 A que temperatura se deve elevar um bastão de cobre de 1 m de comprimento para que ele tenha uma expansão de 1%? Considere que inicialmente ele esteja à temperatura ambiente. Solução: A dilatação de 1% corresponde a 0,01m. Portanto, temos: 5 0 0,01 1,8 10 1 ( 25) 580 ºCL L T T Tα −∆ = ∆ ⇒ = × × × − ∴ = . Já sabemos como calcular a expansão linear de sólidos, mas o que acontece em termos microscópicos para provocar (produzir) esta dilatação? Um modelo simplifi cado pode auxiliar o argumento: os átomos da rede (cristalina ou não) mantem suas posições, porém, executam um movimento oscilatório em torno de um ponto de equilíbrio estável, muito parecido com o de um oscilador harmônico, mas não exatamente igual. Um acréscimo de temperatura signifi ca fornecer calor e, com isto, as amplitudes de oscilação aumentam gradativamente à medida que sua temperatura cresce. Como a curva de energia potencial é assimétrica (se ela fosse simétrica como a de um oscilador harmônico, não ocorreria dilatação da rede), a distância média entre os átomos sofre um acréscimo quando se eleva a temperatura. Esses efeitos microscópicos se refl etem macroscopicamente na expansão do sólido. O aumento na amplitude de oscilação dos átomos da rede pode levar a uma situação dramática, na qual a força restauradora já não é sufi ciente para manter a coesão do sólido e, a partir daí, tem início a fusão do material. A descrição unidimensional pode ser generalizada para duas e três dimensões, com um pouco mais de álgebra. Vamos considerar o caso tridimensional e veremos que em duas dimensões, o mesmo raciocínio pode ser usado. Para facilitar os cálculos, vamos tratar de um sólido na forma cúbica e com arestas L0. Quando aquecido, todas as três dimensões se expandem e podemos escrever, ( )33 0 0( )L V L L Tα= = + ∆ Então, 3 3 3 2 2 3 3 30 0 0 03 3 ( ) ( )V L L T L T L Tα α α= + ∆ + ∆ + ∆ . Observe que os dois últimos termos podem ser escritos como 3 203 ( )L Tα∆ e 3 3 0 ( )L Tα∆ . O produto Tα∆ é da ordem de 10-3, ou mesmo menor, para variações moderadas de temperatura (em torno de 100 oC) e, portanto, 2( )Tα∆ e 3( )Tα∆ são da ordem de 10-6 e 10-9, respectivamente. Podemos, então, desprezá-los quando comparados com o termo contendo Tα∆ . Com SUBSTÂNCIA α [0C-1] Alumínio 52,4 10−× Cobre 51,8 10−× Latão 51,7 10−× Aço 51,1 10−× Vidro 5(0,1 1,3) 10a −× Concreto 5(0,7 1, 4) 10a −× TABELA 6.1 - Alguns valores de α. QUESTÃO 6.2 Dois corpos de mesmo material possuem as mesmas dimensões externas e mesma forma, porém um é oco e outro maciço. Quando a temperatura de ambos aumentar do mesmo valor, a dilatação dos corpos será a mesma ou será diferente? Explique. Figura 6.4 - Modelo de uma rede cristalina e a energia potencial entre os átomos. FÍSICA GERAL II 102 esta aproximação, o resultado fi nal é escrito como 3 3 0 0 0 0 03 3 3V L L T V V T V V Tα α α= + ∆ = + ∆ ⇒ ∆ = ∆ , que usualmente é escrito na forma 0V V Tγ∆ = ∆ onde 3γ α≡ . Este é o resultado fi nal para uma expansão volumétrica de um sólido. Observe que, para este caso, consideramos o sólido isotrópico (possui as mesmas propriedades em todas as direções) de tal forma que o coefi ciente γ é dado simplesmente como 3α. Entretanto, existem exceções, e uma delas é o composto 3CaCO (calcita) que se expande mais facilmente em uma direção do que em outra. Tais materiais não podem ser tratados pelas relações estabelecidas acima. O caso bidimensional pode ser tratado de forma parecida com aquela realizada acima, considerando uma placa metálica quadrada de L0. O resultado obtido, para uma variação S∆ da área, pode ser expresso pela relação: 0S S Tβ∆ = ∆ , onde 2β α= e S0 é a área inicial. Existe um ponto sobre a dilatação superfi cial que, invariavelmente, causa certo embaraço no estudante. Se uma placa possui um orifício, quando ela for aquecida, a área deste orifício aumenta ou diminui? A resposta correta é que suas dimensões aumentam. Isto é, quando a placa se dilata, a área livre do orifício fi ca maior, e não menor, como é comum se pensar. Acontece o mesmo quando aquecemos uma casca esférica metálica: o volume interno se torna maior, e não menor. O exemplo seguinte mostra como calcular a expansão de um orifício. EXEMPLO 6.3 Uma chapa de aço apresenta um orifício com área de 100 cm2. Inicialmente sua tem- peratura é 20 oC e, então, é aquecida até 100 oC. Qual a variação da área deste orifício? Solução: O buraco se expande exatamente da mesma forma como se fosse preenchido pelo metal. Portanto, sua expansão pode ser calculada de maneira convencional, usando o coefi - ciente 5 12 2, 2 10 º Caço açoβ α − −= = × . 5 2 0 100 2,2 10 80 0,18cmaçoS S Tβ −∆ = ∆ = × × × = . E se a chapa fosse resfriada a 0 0C em vez de ser aquecida? 5 2100 2,2 10 ( 20) 0,044cmS −∆ = × × − = − . O sinal negativo indica uma contração. A tabela 6.2 fornece os valores de coefi cientes de expansão volumétrica para alguns líquidos. Para obter os valores de γ para sólidos, basta multiplicar os dadosda tabela 1 (para coefi cientes lineares) pelo fator 3. EXEMPLO 6.4 Um frasco de vidro de 100 cm3 contém mercúrio líquido até a borda. Inicialmente a temperatura é 25 oC. Começamos seu aquecimento até a temperatura atingir 100 oC. O mercúrio irá transbordar? Em caso afi rmativo, qual a quantidade de líquido que sairá do frasco? QUESTÃO 6.3 Por que muitas vezes o bulbo de uma lâmpada incandescente se quebra quando, por exemplo, uma gota de água cai sobre ele? E por que um copo de vidro comum pode se quebrar ao adicionarmos um líquido quente? SUBSTÂNCIA 1 1[ ]o K ou Cγ − − Álcool etílico 511 10−× Benzeno 512,4 10−× Glicerina 548 10−× Mercúrio 518 10−× Gasolina 596 10−× TABELA 6.2 - Coefi cientes de expansão volumétrica (líquidos). 103 temperatura e Calor Solução: Para responder a primeira pergunta, basta comparar os coefi cientes de expansão volumétrica de ambos os materiais. A tabela 1 fornece para o vidro, o valor médio 5 5 13 3 0,6 10 1,8 10 ºCvidrovidroγ α − − −= = × × = × O valor γ da tabela 2, para o mercúrio, é 5 118 10 o C− −× , que é 10 vezes maior do que o do vidro. Isto certamente fará com que o mercúrio transborde do recipiente. Os valores quantitativos podem ser determinados utilizando-se os dados acima. 5 3100 1,8 10 (100 25) 0,135cmvidroV −∆ = × × − = . 5 3100 18 10 (100 25) 1,35cmHgV −∆ = × × − = . Portanto, o líquido entornado tem volume dado por, 31,35 0,135 1,215cmentorndo Hg vidroV V V∆ = ∆ − ∆ = − = . Estes resultados podem servir para você explicar o funcionamento de um termômetro de mercúrio com bulbo de vidro. Dilatação Térmica da Água No intervalo de temperatura entre C4 e C0 oo a água diminui seu volume ao ser aquecida, indicando que o coefi ciente de expansão térmica nesta região é negativo (fi gura 6.5). Acima de C4 o , ela se expande quando aquecida, apresentando, portanto, um valor máximo em sua densidade a C4 o . Abaixo desta temperatura, ela se expande, e isto explica porque o gelo obtido nas forminhas que você coloca no congelador apresenta a superfície curva para cima (este fato é mais evidente em formas de metal do que em formas de plástico líquido). Esse comportamento anômalo da água tem um efeito muito importante na vida de animais e plantas, principalmente em lagos. A água se congela a partir da superfície para baixo; acima de C4 o , a água fria fl ui para a parte mais interna devido à sua maior densidade. Porém, quando a temperatura decresce ainda mais, a densidade volta a ser menor na camada superfi cial e o fl uxo para baixo cessa e a água na camada mais externa fi ca mais fria do que em regiões mais profundas. À medida que ocorre o congelamento na superfície, o gelo fl utua por ser menos denso e a água no fundo permanece a temperatura próxima a C4 o , até que aconteça todo o congelamento do lago. Se a água se contraísse ao ser resfriada, o congelamento se daria inicialmente em camadas mais profundas e, gradativamente, o processo de solidifi cação atingiria a superfície. Na ocorrência deste mecanismo, a vida abaixo da superfície (animais e plantas) sofreria enormes prejuízos e, possivelmente, a evolução da vida na Terra teria seguido um curso muito diferente. 6.5 Quantidade de Calor Quando uma colher metálica é colocada em uma xícara de café quente, ela se aquece e o café se esfria até ambos atingirem o equilíbrio térmico. Se você esperar um tempo razoavelmente longo (comparado àquele transcorrido para que café e colher se equilibrem termicamente), ambos os corpos entrarão também em equilíbrio térmico com o ambiente, mas no momento estamos interessados no que acontece entre o café e a colher. A interação que produz esta variação de temperatura é uma transferência de Figura 6.5 - Detalhe do comportamento volumétrico da água próximo a 0ºC. FÍSICA GERAL II 104 energia entre um corpo e outro. À esta transferência de energia, produzida pela diferença de temperatura, denominamos fl uxo de calor ou transferência de calor. Neste caso, a energia transferida é chamada de calor ou energia térmica. É importante que você saiba claramente a diferença entre calor e temperatura. Calor é uma forma de energia que é transferida de um corpo a outro quando existe uma diferença de temperatura entre eles. A temperatura depende do estado físico do material e sua descrição quantitativa indica se um corpo está frio ou quente. Pode-se alterar a temperatura de um sistema fornecendo ou retirando-se calor (energia) dele. Por exemplo, para se aquecer certa quantidade de água podemos fornecer calor realizando trabalho sobre ela. Foi desta forma que Joule realizou suas experiências para concluir que o aumento de temperatura é proporcional ao trabalho realizado. Medidas cuidadosas permitiram o estabelecimento da primeira lei da Termodinâmica a ser estudada no próximo capítulo. Alternativamente, para aquecer a água podemos colocá-la em contato térmico com uma fonte de calor, cuja temperatura seja maior do que o recipiente. A fi gura 6.6 ilustra os dois processos. É bastante comum (e errôneo) ouvir que em dias de verão “está fazendo muito calor”. Difi cilmente se consegue elaborar uma frase com tão pouco sentido. O que se quer dizer, efetivamente, é que a temperatura está elevada e não que está calor. Achou um pouco pedante? Pode ser, mas é a forma fi sicamente correta de descrever a situação. Como o calor é energia que está sendo transferida, deve existir uma relação entre suas unidades e aquelas conhecidas da energia mecânica, como, por exemplo, o Joule. Experimentos cuidadosos sobre esta equivalência mostram que 1 caloria (cal)= 4.186 joules O uso da caloria como unidade de calor é bastante comum, embora ela não faça parte do Sistema Internacional. A recomendação do Comitê Internacional de Pesos e Medidas é que seja usado o Joule como unidade básica de todas as formas de energia e, obviamente, isto inclui o calor. A determinação de uma unidade de energia para o calor foi obtida considerando-se a quantidade de energia necessária para se elevar de um grau Celsius, de 14,5 a 15,5ºC, a massa de 1 g de água, à pressão de 1 atm. Calor Específi co Utiliza-se o símbolo Q para representar certa quantidade de calor transferida de um corpo a outro. Quando esta quantidade está associada a uma diferença infi nitesimal de temperatura, dT, escrevemos dQ. A experiência tem mostrado que a quantidade de calor Q necessária para elevar a temperatura de uma massa m de certo material é diretamente proporcional à diferença de temperatura f iT T T∆ = − . Mostra, também, que esta quantidade de calor necessária é diretamente proporcional à massa da substância. Dobrando-se a massa, há necessidade de se duplicar a quantidade de calor fornecida; se para a mesma massa, dobrarmos o intervalo de temperatura, precisaremos de duas vezes a quantidade de calor. Um detalhe importante: a quantidade de calor para fazer variar a temperatura depende da natureza do material. Certa massa de alumínio requer uma quantidade de calor menor do que a mesma massa de água quando queremos ter a mesma variação de temperatura. Por exemplo, 1 kg de alumínio requer 910 J para que sua temperatura varie de C 1 o , enquanto 1 kg de água requer 4190 J para a mesma variação de temperatura. As conclusões acima podem ser sintetizadas matematicamente: Q m T Q mc T∝ ∆ ⇒ = ∆ . A constante de proporcionalidade, c, introduzida na equação é chamada calor específi co da substância. Note que, embora o valor numérico desta constante dependa de cada material, estamos supondo que ele seja independente da temperatura. De fato, ele não é, mas Figura 6.6 - Processos para aquecer certa quantidade de água. 105 temperatura e Calor dependendo do intervalo de temperatura considerado, pode-se supor que seu valor seja constante. É uma aproximação bastante boa para um grande número de substâncias em intervalos moderados de temperatura. Experimentalmente os valores de calor específi co para uma dada substância podem ser obtidos fornecendo-sepequenas quantidades de calor dQ e medindo-se as variações infi nitesimais de temperatura: 1 dQdQ mcdT c m dT = ⇒ = . Embora o termo calor específi co seja de uso comum, ele pode induzir a um entendimento confuso: quando dizemos que uma substância tem calor específi co de determinado valor, isto pode dar a impressão de que o corpo possui uma quantidade calor. Lembre-se de que calor é uma forma de energia em trânsito e, portanto, não existe algo como “certa quantidade de calor em determinado corpo”. Nota-se pela tabela 6.3 que não há registro de valores para gases. Isto tem motivo especial, como veremos no próximo capítulo: os calores específi cos dos gases são bastante susceptíveis a variações de pressão, enquanto que, para líquidos e sólidos, a dependência é muito menor. EXEMPLO 6.5 - Avaliação da quantidade de energia despendida em estado febril. Na linha seguinte avalie a energia gasta quando um adulto de 70 kg está com sua tem- peratura 2 0C acima daquela usual. DADO: 4200J kg.K 4200J kg.ºChumano águac c≈ = = . Solução: Estamos supondo que toda massa do homem seja constituída por água. Obviamente, isto não é verdadeiro, mas lembre-se de que é uma avaliação. Na realidade, o corpo humano é constituído por aproximadamente 70 % de água. 570kg 4200J kg.K 2K 5,88 10 JQ mc T= ∆ = × × = × . Mas o que signifi ca este número? Para efeito de comparação, a ordem de gran- deza desse resultado equivale à energia despendida para elevar 1000 kg a uma altura de 10 m. Isso signifi ca aquecer 1 kg de água até o ponto de ebulição. Para suprir esta ener- gia, o corpo humano processa a transformação dos alimentos ingeridos. Uma refeição bem balanceada e sem exageros consegue fornecer em torno de 66,7 10 J× . O valor obtido está um pouco acima daquele calculado considerando o calor es- pecífi co do corpo humano como sendo 3500J kg.Khumanoc = , porém a ordem de gran- deza se mantém. Este valor menor envolve, além da água, proteínas, gorduras e sais minerais. EXEMPLO 6.6 Certo dispositivo eletrônico, constituído basicamente de 23 mg de silício, é percorrido por uma corrente elétrica que gera um aquecimento a uma taxa de -37,4 mW 7,4 10 J/s= × . Se ele não dissipar este calor, fatalmente irá se deteriorar por super aquecimento. Calcule esta taxa de aquecimento. DADO: 700J/kg.Ksilícioc = SUBSTÂNCIA CALOR ESPECÍFICO (J/kg.K) Alumínio 910 Berílio 1970 Cobre 390 Ferro 470 Chumbo 130 Prata 234 Gelo (0 0C) 2100 Sal (NaCl) 880 Vidro 837 Álcool etílico 2400 Água (15 0C) 4186 TABELA 6.3 - Calor específi co de algumas substâncias. FÍSICA GERAL II 106 Solução: Para se calcular a taxa de aquecimento, precisamos primeiramente obter a variação da temperatura por unidade de tempo (segundo). O calor gerado por segundo é 4 4 7, 4 10 /1 segundo 7,4 10 JQ potência unidade de tempo − −= = × = × Então, a variação de temperatura nesse intervalo é silicioT Q mc∆ = . Com os valores numéricos, temos 3 6 7,4 10 0,46 K 23 10 700 T − − × ∆ = = × × . Isto representa uma taxa de aquecimento de quase 0,5 K por segundo. Se não houver troca de calor entre o dispositivo e o meio ambiente, poucos minutos serão sufi cientes para comprometer seu funcionamento. Um dissipador efi cien- te teria que ser projetado para que houvesse uma troca de calor a uma taxa próxima de 0,47 K/s. Calor Específi co Molar O calor específi co, algumas vezes, é expresso utilizando-se o número de mols da substância. Suponha que certo material, de massa m, tenha massa molecular M. O número de mols é dado pela relação: número de mols n m M m nM= = ⇒ = . Então, a capacidade molar de calor, C, é defi nida de maneira análoga àquela usada para calor específi co: dQ nCdT= e as unidades da constante C são ]K.mol/J[ . Podemos comparar o calor específi co com a capacidade molar, a partir das defi nições: dQ mcdT= e dQ nCdT= . Portanto, igualando as duas quantidades, temos: mdQ mcdT nCdT mcdT CdT C Mc M /= = ⇒ = ∴ =/ . O calor molar é dado pelo calor específi co multiplicado pela massa molecular da substância. Introduzimos a defi nição de calor molar para comparar seus valores quando a substância é metálica. Na tabela abaixo estão listados os valores para alguns sólidos metálicos. Observando a terceira coluna da tabela 6.4, pode-se ver que os valores de C estão muito próximos de 25 J/mol.K quando medidos a temperatura ambiente. Este resultado é chamado lei de Dulong- Petit, em homenagem aos dois físicos franceses que o determinaram experimentalmente. Diversos outros sólidos metálicos apresentam valores semelhantes para C. 6.6 Transições de Fase Designamos por fase qualquer estado da matéria, tais como o de um sólido, de um líquido ou de um gás. Ordinariamente, as substâncias se apresentam na natureza em um desses três estados. Quando, por exemplo, um sólido é aquecido, sua temperatura cresce e se continuamos a fornecer calor, ele pode passar para o estado líquido. A transição de uma fase para a outra é o que se chama de transição de fase do material. Fornecendo-se, lentamente, calor a certo volume de gelo a 0 oC e a pressão normal, sua temperatura não SUBSTÂNCIA c [J/g.K] C [J/mol.K] Alumínio 910 24.4 Cobre 390 24.5 Ferro 470 25.0 Chumbo 130 26.6 Tungstênio 136 25.0 TABELA 6.4 - Calor molar de alguns sólidos metálicos (T = 300K). 107 temperatura e Calor varia. Entretanto, parte dele se transforma em água líquida. Todo calor cedido não fez variar a temperatura da amostra, mas foi utilizado para produzir uma transição de fase. Se toda massa de gelo se transforma em água líquida (ou não), certamente, dependerá da massa inicial do gelo e da quantidade de calor fornecida. Para se converter 1 kg de gelo inicialmente a 0 ºC (e a pressão atmosférica) para água líquida, são necessários 53,34 10 J× de calor. Defi ne-se calor latente de fusão, Lf , por unidade de massa, como o calor necessário para que ocorra a fusão de uma unidade de massa do material. No caso da água, 53,34 10 J/kgfL = × . A generalização das idéias discutidas acima pode ser expressa da seguinte forma: para liquefazer a massa m de certo material, cujo calor latente de fusão seja Lf , é necessário fornecer a esta massa uma quantidade de calor Q dada por fQ mL= . O processo inverso, isto é, a solidifi cação de 1 kg de água a 0 ºC (e a pressão atmosférica), requer a retirada de 53,34 10 J× para se obter sua solidifi cação. A convenção de sinais para a adição ou retirada de calor do sistema, é simples: O calor é considerado positivo se ele entra no sistema; será considerado negativo se ele sair do sistema. Para englobar essas duas possibilidades, e para casos nos quais existam outras transições de fase, escreve-se Q mL= ± (transferência de calor em uma transição de fase). Prosseguindo com o exemplo da água, quando ela recebe calor sua temperatura aumenta; se chegar até 100 ºC (estamos sempre supondo que a pressão seja de 1 atm) e continuarmos fornecendo calor, ela sofre uma transição de fase passando para o estado gasoso. Como ocorreu na fusão, sua temperatura no processo de vaporização permanece constante. O calor necessário para se vaporizar 1 kg de água inicialmente a 100 ºC é 62,25 10 J/kg× . Isto corresponde ao calor latente de vaporização da água, Lv . Se você tem alguma experiência culinária, deve ter notado que para se ferver certa quantidade de água necessita-se menos calor do que para transformá-la em vapor. Esta observação pode ser feita mais quantitativamente: para atingir 100 ºC, a partir de 0 ºC, fornecemos 54, 2 10 J× para 1 kg de água. Para vaporizá-la totalmente são necessários 62,25 10 J× , uma quantidade cinco vezes maior do que para aquecê-la até a fervura. A tabela 5 fornece o calor de fusão e de vaporização para algumas substâncias, juntamente com as temperaturas de fusão e ebulição sob pressão normal. TABELA 5: Calor latente para algumas substâncias SUBSTÂNCIA FUSÃO (oC) Lf (J/kg) EBULIÇÃO ( oC) Lv (J/kg) Hélio ∗∗ ∗∗ -269 20,9 310× Hidrogênio-259 58,6 310× -252,9 452 310× Água 0,0 334 310× 100,0 2256 310× Chumbo 327,3 24,5 310× 1750 871 310× Cobre 1083 134 310× 1187 5070 310× Prata 960,6 88,3 310× 2193 2336 310× Ouro 1063,0 64,5 310× 2660 1578 310× QUESTÃO 6.4 Para elevar a temperatura de uma substância você deve fornecer calor a ela? Se você fornecer calor, a temperatura necessariamente aumenta? Explique . FÍSICA GERAL II 108 Quando dizemos que o calor de vaporização da água vale 32256 10 J/kg× , estamos sempre considerando a pressão normal de 1 atmosfera. Este valor se verifi ca ao nível do mar, porém, nem sempre as medidas são realizadas a beira mar. Suponha que a água seja colocada a uma altitude de 2000 m, onde a temperatura de ebulição é de 95 ºC. O calor de vaporização nestas condições é um pouco maior do que o valor registrado a 0 ºC, sendo 6(95ºC) 2,27 10 J/kgvL = × . EXEMPLO 6.7 0,1 kg de gelo é retirado do congelador a uma temperatura de -10 0C e deixado dentro de um recipiente até atingir a temperatura ambiente de 25 0C. Em seguida, o líquido é aquecido para que toda a massa se evapore. O calor específi co do gelo é 2100 J/kg.K, e da água é o dobro deste valor. a) Esboce um gráfi co qualitativo da temperatura contra o tempo para todo o processo. b) Qual a quantidade total de calor cedida a esta massa? Solução: a) O gráfi co qualitativo do processo está mostrado na fi gura 6.7. b) No primeiro trecho o gelo, inicialmente a -10 0C, atinge a temperatura de fusão. O calor absorvido pelo gelo é 4 1 0,1 2100 (0 10) 2100 J 0,21 10 JQ = × × − = − = − × . A fusão total da amostra requer uma quantidade de calor dada por 5 4 2 0,1 3,34 10 J 3,34 10 J.Q = − × × = − × Em seguida, o líquido ainda a 0 0C, é deixado esquentar até atingir 25 0C. Depois, o líquido recebendo calor atinge 100 0C. Nesta etapa, de 0 a 100 0C, não há necessidade de se fracionarem os cálculos: pode-se considerar como um único processo com início a 0 0C e fi nal a 100 0C. O calor absorvido é 43 0,1 4200 (100 0) 4,2 10 J.Q = − × × − = − × Quando a temperatura atinge 100 0C, continuamos fornecendo calor até a completa eva- poração do líquido: 5 44 0,1 22,56 10 J 22,56 10 J.Q = − × × = − × O calor absorvido pela amostra, considerando todo o processo, é dado por 41 2 3 4 30,3 10 J.TOTALQ Q Q Q Q= + + + = − × Novamente, o sinal negativo indica uma absorção de calor pelo sistema. Observe que nos cálculos sempre foi suposto que a massa se manteve fi xa: iniciamos com 0,1 kg de gelo e terminamos com a evaporação de 0,1 kg de água. Você seria capaz de indicar em qual parte do experimento existe a maior perda de massa? Faça uma estimativa dessa perda, usando sua experiência culinária. EXEMPLO 6.8 Um calorímetro, de capacidade térmica desprezível, contém 0,1 kg de água a 20 ºC. Uma massa de ferro de 0,2 kg e a 720 ºC é colocada neste calorímetro. a) Qual a temperatura fi nal de equilíbrio? b) Que massa de água evaporou no processo? Solução: a) Vamos supor inicialmente que exista uma temperatura fi nal 20 100o ofC T C< < . Se encontrarmos uma temperatura fi nal maior do que 100 0C, signifi ca que parte da água (ou toda ela) sofreu evaporação. Como o calorímetro é adiabático (não permite troca de calor com o meio), só é possível ocorrer troca de calor entre o sólido e a água: Figura 6.7 - Esboço da evolução temporal do sistema. QUESTÃO 6.5 Alguns viajantes do deserto transportam água em recipientes de lona. A água se infi ltra pela lona e se evapora. Como isso faz com que a água remanescente se esfrie? O mesmo processo ocorre em recipientes de argila ou de barro. 109 temperatura e Calor1 2 0Q Q+ = . 1Q se refere ao calor cedido pela massa de ferro e 2Q se refere ao calor recebido pela água. 3 1 0, 2 470( 720) 94 67,7 10f fQ T T= × − = − × . 3 2 0,1 4200( 20) 420 8,4 10f fQ T T= × − = − × . Então, a relação acima fi ca: 3 3 3 o94 67,7 10 420 8,4 10 0 514 76 10 148 f f f fT T T T C− × + − × = ⇒ = × ∴ = . Este valor indica que houve evaporação do líquido. Ora, se aconteceu de evaporar algum líquido (ou todo, que não será o caso como veremos abaixo), então a temperatura de equilíbrio será de 100 ºC. Nestas condições, podemos escrever: 3 1 0, 2 470( 620) 58,3 10 JQ = × − = − × (o sinal negativo indica calor cedido). 3 2 2 2 1 24200 (80) 2256 10 T vaporizacãoQ Q Q m m∆= + = × × + × × . Mas, 1 2 0,1m m+ = (massa total de água), sendo que 1m se refere à massa que permaneceu líquida, e 2m é a massa que evaporou. Assim, 2Q pode ser escrito como: 3 3 3 2 1 2 2 24200 ( 620) 2256 10 336 10 (0,1 ) 2256 10Q m m m m= × × − + × × = × − + × ⇒ 3 3 2 21920 10 33,6 10Q m= × + × . Usando 1 2 0Q Q+ = , tem-se 3 3 3 2 258,3 10 1920 10 33,6 10 0 0,013kgm m− × + × + × = ∴ ≈ . Esta é a massa evaporada no processo. Se encontrássemos um valor maior que 0,1 kg a temperatura de equilíbrio não seria 100 ºC. É o caso no qual todo o líquido se evapora e a temperatura fi nal do sólido é superior a 100 ºC. Exercícios 1. Uma barra metálica possui comprimento de 40,125 m a 20 ºC. e tem comprimento de 40,148 m quando está a 45 ºC. Qual o coefi ciente linear de dilatação linear para este material? 2. Um cilindro de cobre está a 20 ºC. Em qual temperatura seu volume aumenta de 0,15%? 3. Um frasco de vidro com volume de 1000 cm3 está totalmente cheio de mercúrio a temperatura de 0 ºC. Quando o conjunto é aquecido a 55 oC, um volume de 8,95 cm3 de mercúrio transborda. Dado 5 118 10mercurio Kγ − −= × , calcule o coefi ciente de dilatação volumétrica do vidro. 4. Quando estava pintando o topo de uma antena de 60 m de altura, o trabalhador deixa cair acidentalmente um recipiente de 1 litro de água que estava em sua mochila. Sua queda é amortecida por alguns arbustos e toca o solo sem se quebrar. Supondo que a água absorva todo o calor devido à energia potencial gravitacional, qual a variação da temperatura da água? 5. Um pequeno aquecedor de 200 watts está submerso em 100 gramas de água à 23 ºC. Calcule o tempo necessário para aquecer essa quantidade de água até a ebulição. FÍSICA GERAL II 110 6. Antes de fazer um exame médico, um adulto de 70 kg, com temperatura de 36 ºC, consome um volume de água de 0,35 litro que está a 12 ºC. a) Qual deve ser a temperatura de seu corpo ao atingir o equilíbrio térmico? Despreze qualquer anomalia devido ao metabolismo e suponha que o calor específi co do corpo seja 3480 J/kg.K. b) A variação de temperatura de seu corpo é sufi ciente para ser detectada por um termômetro clínico comum? 7. Qual o calor total necessário para converter 12 gramas de gelo a 10 ºC em vapor de água a 100 ºC ? 8. Qual deve ser a velocidade inicial de um projétil de chumbo a 25 ºC, de tal forma que, quando atingir um anteparo metálico, o calor gerado seja sufi ciente para ocorrer a fusão desse projétil? Suponha que todo calor gerado no impacto seja usado somente para aquecê-lo, não havendo perdas nem para o meio e nem para o anteparo. 9. Um técnico de laboratório coloca em um calorímetro certa amostra desconhecida de massa 80 g e à temperatura de 100 ºC . O calorímetro é feito de cobre e tem massa de 0,150 kg. Dentro dele estão 0,250 kg de água e ambos (calorímetro + água) estão a 19 ºC . O equilíbrio térmico se verifi ca a 26,1 ºC . Qual o calor específi co da amostra? 10. Um estudante assistindo a uma aula de Física produz 100 W de calor. Qual a quantidade de calor produzida por uma turma de 40 alunos durante 50 minutos de aula? Suponha que todo este calor seja transferido para os 200 m2 de ar da sala de aula. A densidade do ar é 1,2 kg/m2 e seu calor específi co é 1020 J/kg.K. Qual seria o aumento de temperatura da sala, supondo que ela não troque calor com o exterior? 11. Um calorímetro, de capacidade térmica desprezível, contém 200 gramas de álcool a 30 ºC. 150 gramas de cobre a 800 ºC são colocados dentro deste calorímetro. a) Qual a temperatura de equilíbrio? b) Se houve vaporização de álcool, qual a massa remanescente após ter sido atingido o equilíbrio térmico?Dados: 3 álcool2430J/kg.K; T 78 ºC; 854 10 J/kg 390J/kg.K ebulição vaporização álcool álcool cobre c L c = = = × = 111 temperatura e Calor Anotações FÍSICA GERAL II 112 Anotações 113 Primeira Lei da Termodinâmica 7 7.1 Introdução 7.2 trabalho 7.3 A primeira Lei da termodinâmica 7.4 Gás Ideal: Energia Interna e Calor Específi co FÍSICA GERAL II 114 7 PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 7.1 Introdução No capítulo anterior vimos que calor é uma forma de energia em trânsito devido a uma diferença de temperatura entre dois corpos. Quando este fl uxo cessa, o equilíbrio térmico é atingido e o uso da palavra calor se torna inapropriado. A expressão “quantidade de calor em um corpo” é totalmente incorreta, como é incorreta também a expressão “quantidade de trabalho em um corpo”. A realização de trabalho e o fl uxo de calor são métodos pelos quais a energia interna de um sistema pode ser variada. Quando dois corpos, a diferentes temperaturas, são colocados para interagir, a temperatura de equilíbrio atingida por ambos tem um valor intermediário (não o valor médio, em geral) entre as duas temperaturas iniciais. Para estabelecer a primeira lei da termodinâmica precisaremos usar o conceito de trabalho, estudado no primeiro volume. A defi nição de trabalho envolve uma integração ao longo de um caminho que a partícula seguia desde um ponto inicial até um ponto fi nal: esse tipo de integral é chamado de integral de linha. Se o sistema era conservativo, o valor dessa integral independia do percurso e era função somente dos pontos inicial e fi nal. Neste caso, chamávamos de força conservativa. A interpretação geométrica do trabalho realizado sobre a partícula referia-se à área sob a curva em um gráfi co da força versus distância. Em termodinâmica não se faz alusão ao conceito de partícula: tratamos de sistemas macroscópicos constituídos por um número muito grande de partículas (algo em torno de 1020, ou mesmo maior). Portanto, imaginar que possamos calcular o trabalho realizado sobre cada partícula não parece um ponto de partida razoável. 7.2 Trabalho A maneira mais fácil de introduzir o conceito de trabalho em termodinâmica é usar um sistema composto por um gás. O trabalho mecânico realizado sobre o sistema pode ser tratado de forma semelhante àquele estudado em mecânica, considerando a variação de volume do sistema: . f i f F i W F dr→ = ∫ ao longo de algum percurso escolhido previamente. A fi gura 7.1 mostra um recipiente com certa quantidade de gás em seu interior, em dois estágios do processo que queremos analisar. O dispositivo contém um êmbolo que pode se movimentar sem atrito. O que acontece quando empurramos este êmbolo, comprimindo o gás dentro do recipiente? Antes de responder a esta pergunta, existe outra que, de certa forma, a precede. Suponha que inicialmente o gás esteja em equilíbrio caracterizado por uma dada pressão e uma temperatura conhecida. Se não existe atrito entre o êmbolo (ou pistão) e as paredes, por que o gás não empurra de forma espontânea e indefi nidamente esse êmbolo para a direita? O gás não o faz porque existe uma equação de estado que governa o comportamento termodinâmico desse sistema: deslocar o pistão indefi nidamente para a direita signifi ca tornar o volume infi nito e a pressão ir a zero. Mas existe a pressão externa exercida pelo ambiente sobre o êmbolo e quando ambas se igualam, cessa o deslocamento espontâneo do pistão. Todo sistema termodinâmico possui uma equação estado que relaciona entre si as variáveis de estado por meio de uma relação matemática. Se ela é conhecida, ou se é simples ou não, é outra história. Por exemplo, o volume de um sólido pode ser expresso pela relação matemática já conhecida: 0 1 ( )f iV V T Tγ = + − . Figura 7.1 - Volume contendo certa quantidade de gás. 115 Podemos avançar um pouco mais e acrescentar uma dependência com a pressão: 0 1 ( ) (f i f iV V T T P Pγ κ = + − − − . κ é a compressibilidade isotérmica do material. Essas relações não descrevem o comportamento do sólido para toda faixa de temperatura e/ou pressão: são equações aproximadas, válidas em certa região de temperatura e pressão, mas que descrevem bastante bem a variação do volume em função de T e P. Da mesma forma que escolhemos uma convenção de sinais para o calor que entra em um sistema sendo positivo e o calor que sai como sendo negativo, para o trabalho adotamos: trabalho positivo se refere aquele realizado pelo sistema e negativo como aquele realizado sobre o sistema. A fi gura 7.2 sintetiza as convenções usadas mais frequentemente. Resta ainda responder a pergunta sobre o que deve acontecer com o gás se ele for comprimido pelo pistão. A resposta é bem simples: depende. A compressão é realizada de forma lenta ou não? As paredes podem trocar calor com o meio externo ou são adiabáticas? Por hora, vamos esquecer da segunda condição e nos ater à primeira. Mais adiante, iremos incorporá-la às nossas considerações para estabelecer a primeira lei da termodinâmica. Suponha, então, que algum agente externo tenha comprimido o gás até certo volume Vi (não estamos interessados por quem e como isto foi feito). O êmbolo é então travado nesta posição e a seguir é lentamente liberado. Esse processo é chamado de processo quase- estático: a descompressão acontece de forma gradual e em cada etapa o pistão se move infi nitesimalmente de uma quantidade dx. Este mecanismo permite conhecer o valor da pressão em todo instante do processo. Quando o pistão se move de dr dxi= , o trabalho infi nitesimal realizado pelo sistema pode ser escrito como: .dW Fi idx Fdx= = , onde F é a força exercida pelo gás sobre o êmbolo. Se o pistão tem área A, o volume infi nitesimal dV pode ser escrito como dV Adx= . A pressão exercida por esta força (sobre o pistão) é p F A= . Portanto, podemos escrever dVdW pA dW pdV A = × ⇒ = . Para uma variação fi nita (não infi nitesimal), desde um volume i fV até um volume V , teremos ∫=→ f i V V fi pdVW (trabalho realizado pelo sistema). A relação acima está de acordo com a convenção adotada sobre o sinal: se o volume fi nal é maior do que o volume inicial, houve uma expansão e a integral é positiva (p é sempre positiva). Neste caso, temos W > 0 (trabalho realizado pelo sistema). Se acontecer uma compressão, Vf < Vi , a integral é negativa e temos W < 0 (trabalho realizado sobre o sistema). Para calcular a integral acima devemos conhecer a pressão ponto a ponto durante todo o processo: no caso de um gás ideal, nRTpV nRT p V = ⇒ = . Exatamente por isso que idealizamos um processo quase-estático: a pressão é conhecida durante toda a evolução do sistema. Se o pistão fosse liberado repentinamente, a expansão ocorreria de modo tão rápido que difi cilmente poderíamos escrever a relação funcional pV nRT= para todo instante da descompressão. Isto causa difi culdade para se obter o trabalho realizado pelo gás, pela seguinte razão: não sabemos o que colocar no integrando para o cálculo da integral. Figura 7.2 - Convenção de sinais para o calor e para o trabalho. primeira Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 116 A interpretação geométrica do trabalho realizado pelo gás pode ser dada de maneira semelhante àquela utilizada para partículas; entretanto, neste caso temos o que se chama de diagrama pV (fi gura 7.3). A área sob a curva é numericamente igual ao trabalho realizado pelo sistema. Convém observar que, diferentemente do caso de partículas no qual a força pode ser positiva ou negativa, a pressão é sempre positiva. Assim, os diagramas pV se situam sempre no 1º quadrante porque p e V são positivos. EXEMPLO 7.1 Obtenha as expressões para o trabalho realizado por um gás ideal ( pV nRT= ) quando: a) O volume se mantém constante. b) A pressão se mantém constante. c) A temperatura se mantém constante. d) O sistema é isolado termicamente. Para cada um dos processos acima, esboçar o diagramapV. Solução: a) Se o volume se mantém inalterado, então f iV V= . A integral com ambos os extre- mos iguais é nula. Portanto, o trabalho realizado pelo gás neste processo (chamado de isocórico ou isovolumétrico), é zero. (1) b) Se a pressão não varia (processo isobárico), a integral é facilmente calculada: ( ) f f i i V V f i V V W pdV p dV p V V= = = −∫ ∫ . (2) c) Esse processo requer uma temperatura constante (chamado de processo isotérmico). Contrariamente ao que se ouve com frequência, este processo requer troca de calor entre o sistema e o meio ambiente, permitindo que a temperatura fi que inalterada. Nesse caso, as paredes do sistema devem ser boas condutoras de calor para facilitar a troca de calor. (ln ln ) f f i i V V i f i f i f f i V V nRTW pdV W dV W nRT V V V→ → → = ⇒ = ∴ = −∫ ∫ ln fi f i V W nRT V→ = . (3) d) Um processo adiabático é caracterizado por não existir troca de calor entre o sistema e o meio ambiente. Neste caso, variam p, V e T, simultaneamente. A equação de estado que o descreve é dada por pV K constante,γ = = sendo γ > 1. Podemos escrever a pressão na forma Kp KV V γ γ −= = . Então, o trabalho é dado por 1 1 ff f i i i VV V i f i f V V V VW pdV W KV dV K γ γ γ − + − → → = ⇒ = = − + ∫ ∫ 1 1 1 1 f i i f V VW K γ γ γ γ − − → ∴ = − ⇒ − − 1 1 1 1 f i i f V VW K K γ γ γ γ − − → = −− − . Esta resposta pode se simplifi cada: note que K pV γ= para quaisquer valores de p e V. Então, valem as relações i iK pV γ= e f fK p V γ= . Substituindo esses valores, temos: 1 1 1 1 1 1 f i i f f f i i i f f f i i V VW p V pV W p V pV γ γ γ γ γ γ γ − − → → = − ∴ = − − − − . (4) Figura 7.3 – Diagrama pV para uma evolução arbitrária e infi nitesimal. 117 A fi gura 7.4 mostra os diagramas pV para os quatro processos discutidos (Vf < Vi ). Note que a curva adiabática (4) tem inclinação maior do que a isoterma (3) passando pelo mesmo ponto. Esse exemplo permite concluir algo muito importante sobre o trabalho realizado por um sistema. Observe os diagramas pV referentes aos processos (b) e (c): os valores numéricos das áreas sob as curvas são diferentes. No caso (b) o trabalho é maior do que no caso (a). O que se pode concluir deste fato é que o trabalho realizado pelo gás depende do caminho seguido entre os estados inicial e fi nal. Se para dois processos diferentes (mas com mesmos volumes inicial e fi nal), os resultados fossem iguais, seria mais uma coincidência matemática do que uma característica do comportamento físico do sistema. Expresso de outra forma, se dois valores do trabalho são diferentes para dois caminhos ligando os estados inicial e fi nal, temos uma indicação de que o trabalho depende de como se verifi ca a evolução do sistema. Um exemplo extremo do que acontece está ilustrado na fi gura 7.5. Sobre a notação: alguns autores escrevem um “d” cortado na frente do W para deixar explícito que dW não é uma diferencial exata, mas tão somente uma quantidade infi nitesimal. Outros autores preferem escrever Wδ pela mesma razão. Continuaremos escrevendo dW, entendendo que isso não signifi ca que ela seja uma diferencial exata. O próximo exemplo ressalta alguns aspectos importantes na resolução de problemas. Uma fonte frequente de erros está ligada às unidades das grandezas usadas na termodinâmica. EXEMPLO 7.2 0,5 mol de um gás ideal ocupa um volume 4 litros e está a pressão de 4 atm. Este gás evolui para outro estado e ocupa um volume de 6 litros a pressão de 2 atm. O processo está mostrado na fi gura 7.6: uma reta ligando os estados inicial e fi nal. O valor da constante dos gases é R = 8,3 J/molK. a) Qual a temperatura inicial do sistema? E a fi nal? b) Encontrar o trabalho realizado pelo gás neste processo (fi gura 7.6). Solução: O primeiro passo para resolver o problema é uniformizar as unidades e, como a constante R foi fornecida no SI, é conveniente usarmos esse sistema. 3 3 3 3 3 31 10 4 10 6 10i f litro m V m e V m − − −→ ∴ = × = × 2 5 5 51 / 10 4 10 2 105 i f atm 10 N m Pascal p Pascal e p Pascal→ ≈ ∴ = × = × a) Sendo um gás ideal, pV nRT= . Para determinar as temperaturas inicial e fi nal, usamos os dados acima: INICIAL: 5 2 3 3(4 10 N/m )(4 10 m ) (0,5mol)(8,3J/molK) 385,5Ki iT T −× × = ∴ = . FINAL: 5 2 3 3(2 10 N/m )(6 10 m ) (0,5mol)(8,3J/molK) 289,1Kf fT T −× × = ∴ = . b) PRIMEIRO MÉTODO: Para obter o trabalho realizado pelo gás, podemos calcular a área sob a curva dada na fi gura 7.6, com as unidades uniformizadas: dessa forma, o valor numérico será seguido de Joule. A área compreendida sob a curva no diagrama pV corresponde a um trapézio, cuja área é formada pela área de um triângulo (A1) e pela área de um retângulo (A2). O sinal do trabalho deve ser escolhido segundo foi convencionado: uma expansão signifi ca trabalho positivo. 1 2ÁREA(J) 200J 400J 600JW A A= = + = + = (positivo, pois houve uma expansão). Este método funciona bem quando a área da fi gura pode ser calculada de forma simples, pela soma de duas ou mais áreas que determinam a área total. Figura 7.4 - Os processos (1), (2), (3) e (4) supondo f iV V≥ (expansão). Figura 7.5 - O trabalho de- pende de como evolui o sis- tema entre os estados (i) e (f). Figura 7.6 - Evolução do gás – Exemplo 7.2. a) isocórica seguida por isobárica. b) isobárica seguida por isocórica. primeira Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 118 SEGUNDO MÉTODO: Podemos obter o mesmo resultado a partir da defi nição de trabalho. Mas, para isso, devemos conhecer como p varia com V, isto é, obter p(V) e substituir no integrando. Neste caso, precisamos da equação da reta que passa pelos pontos que caracterizam os estados inicial e fi nal. Coefi ciente angular: 5 8 3 2 10 10 2 10 f i f i p ppm V V V − −∆ × = = = − = − ∆ − × . 5 8 3 8 5( ) 4 10 10 ( 4 10 ) 10 8 10i ip p m V V p V p V −− = − = − × = − − × ∴ = − + × . 3 3 6 108 2 8 5 5 4 10 10( 10 8 10 ) 8 10 2 f i V i f V VW V dV V × → × = − + × = − + × = ∫ 3 3 6 108 2 5 4 10 10 8 10 2 V V × × − + × = 1800 800 4800 3200 600J J J J W J= − + + − ∴ = . 7.3 A Primeira Lei Da Termodinâmica A formulação matemática da primeira lei da termodinâmica contém três idéias relacionadas: (1) a existência de uma função chamada energia interna; (2) o princípio da conservação da energia; (3) a defi nição de calor como energia em trânsito devido a uma diferença de temperatura. O conceito de energia interna merece algum comentário. Como caracterizar a energia interna de um sistema termodinâmico? Para tornar a discussão mais concreta, vamos supor um sistema constituído por certa quantidade de um gás diatômico (não necessariamente ideal). A energia interna é formada por diversas contribuições: a energia cinética de translação, a energia cinética de rotação dos átomos que formam cada molécula em torno de seu centro, a energia cinética de vibração dos átomos em torno do ponto de equilíbrio, a energia potencial devido às interações entre as moléculas do gás. Entretanto, se o recipiente que contém o gás for elevado de uma altura h no campo gravitacional, esta variação não contribui para a energia interna. Isto signifi ca que a energia interna de um sistema é invariante por translação. Embora tenhamos considerado um sistema constituído por um gás, as conclusões podem ser estendidas a diferentes sistemas termodinâmicos. Obviamente, a inclusão ou a retirada de algum tipo de energia interna depende da complexidade do sistema. Por exemplo, para uma amostra sólida, a energia interna de translação, muito importante no caso de um gás, não pode ter qualquer contribuição na soma dos diversos tipos de energias internas. Entretanto, a contribuição devido às interações entre os átomos da rede cristalina, é muitosuperior do que aquela registrada no caso de um gás. Vimos que o trabalho realizado por (ou sobre) um sistema termodinâmico depende do caminho seguido durante o processo. Dizemos que o trabalho não é uma variável de estado, e, matematicamente, esse fato é expresso pela condição de dW não ser uma diferencial exata. De forma análoga, o calor transferido também não é uma variável de estado, mas depende de como ele é adicionado ao sistema ou retirado dele. Para se convencer disso, vamos analisar uma das inúmeras experiências que comprovam este fato. Novamente, usamos um gás ideal e a informação de que em uma expansão livre a temperatura se mantém constante. O procedimento envolve duas situações e ambas estão ilustradas na fi gura 7.7. Figura 7.7 - Processos que demonstram que o calor adicionado depende do caminho. 119 À direita, é permitido ao sistema trocar calor enquanto seu volume aumenta, de forma quase-estática, desde o volume Vi até um volume Vf . Existe uma fonte de calor (chamado reservatório térmico) que mantém constante a temperatura do gás a 300 K. O estado fi nal do processo é caracterizado pelos parâmetros pf , Vf e 300 K. À esquerda, temos aprisionado o gás em um volume Vi e a pressão pi por meio de uma membrana. O volume total do recipiente é Vf. Com estas escolhas reproduzimos as mesmas condições inicial e fi nal do processo à direita. As paredes são adiabáticas e, portanto, não permitem troca de calor com o meio. Por algum dispositivo, a membrana é rompida e o gás se expande, ocupando todo o recipiente. O trabalho realizado pelo gás é nulo porque o sistema não contém nenhuma parte móvel que poderia ser variada. Note que o estado fi nal é idêntico ao anterior: pf , Vf e 300 K. Podemos então concluir que a transferência de calor, assim como o trabalho realizado, depende do processo seguido pelo sistema. Para estabelecer a primeira lei da termodinâmica, vamos imaginar o seguinte experimento: um gás está confi nado em um recipiente que possui um pistão móvel e fornecemos a esse sistema uma quantidade de calor Q. Além do trabalho realizado pelo gás, sua temperatura aumenta. Um aumento de temperatura corresponde a um acréscimo da energia interna E do sistema. A primeira lei estabelece matematicamente que Q E W= ∆ + . Podemos escrever a relação sob a forma E Q W∆ = − . “A variação da energia interna de um sistema termodinâmico é a diferença entre o calor absorvido e o trabalho realizado pelo sistema”. A primeira forma diz simplesmente que o calor absorvido pelo sistema é dividido em duas partes (não necessariamente iguais!): uma delas é usada para aumentar a energia interna e a outra parte é utilizada para que o sistema possa realizar trabalho. A segunda forma, E Q W∆ = − , é signifi cativa do ponto de vista conceitual: vamos escrevê-la na forma diferencial dE dQ dW= − . A função energia interna é uma variável de estado: dE é uma diferencial exata. Isto é surpreendente, pois a diferença entre duas diferenciais inexatas resulta em uma exata! E somente esta diferença dá uma diferencial exata: qualquer outra relação tal como 2dQ dW− , ou 3dQ dW− , depende do caminho seguido pela evolução do sistema e, portanto, resulta em uma diferencial inexata. Existem situações para as quais as diferenciais inexatas se tornam exatas. É o que veremos no exemplo seguinte. EXEMPLO 7.3 Usando a primeira lei, analise as transformações: (1) isovolumétrica, (2) isobárica, (3) adiabática, (4) isotérmica. (para todas as transformações considere um gás ideal). Solução: (1) Como o volume se mantém constante, o trabalho mecânico realizado pelo sistema ou sobre ele é nulo. Pela 1ª lei temos: E Q∆ = . Neste caso, o calor é igual à variação da energia interna dE dQ= , isto é, a diferencial inexata se transforma em uma exata. (2) A variação da energia interna é dada por: E Q p V∆ = − ∆ . (3) Para este processo não há troca de calor entre o sistema e o meio exterior, portanto, 0Q∆ = . A variação da energia interna é escrita como E W∆ = ou, na forma diferencial, dE dW= . A diferencial inexata dW se transforma em uma exata. primeira Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 120 (4) Para um gás ideal, a energia interna é somente função da temperatura e como em um processo isotérmico não há variação de T, pode-se concluir que 0E∆ = . Portanto, a primeira lei nos dá Q W= : o calor que entra no sistema é convertido totalmente em trabalho realizado pelo sistema. Podemos avançar um pouco mais na análise. Se o gás se expande isotermicamente, havendo, pois, uma absorção de calor. Se o gás se contrai isotermicamente, 0 0V W∆ > ⇒ > e, nesse caso, acontece uma rejeição de calor. EXEMPLO 7.4 O diagrama pV da fi gura 7.8 indica uma série de processos termodinâmicos. No pro- cesso ab, são fornecidos 150 J de calor ao sistema e no processo bd, fornecem-se 600 J. a) Encontre a variação da energia interna do sistema no trecho ab. b) Qual a variação da energia interna no percurso abd? c) Achar a variação da energia interna no trecho acd. Solução: a) No trecho ab o volume permanece fi xo, portanto, o trabalho mecânico realizado pelo sistema é nulo. Então, a primeira lei da termodinâmica se resume a 150Q E E J= ∆ ∴∆ = . b) Para o percurso abd, temos processos consecutivos: a b d→ → . A pressão se mantém constante durante a expansão b d→ ; logo, 4 38 10 (3 10 ) 240b d b dW p V W J − → →= ∆ = × × ∴ = . Pelo item (a), sabemos que o trabalho é nulo no trecho a→b. Então, 240abd ab bdW W W J= + = . O calor total que entra no sistema no percurso abd é dado pela soma de ambas as absorções; 150 600 750abd a b b dQ Q Q J J J→ →= + = + = . A primeira lei da termodinâmica nos fornece a resposta: 150 600 750abd a b b dQ Q Q J J J→ →= + = + = . c) O trecho acd também é composto por dois processos consecutivos: a c d→ → . A pergunta é: precisamos calcular algo para saber qual a variação da energia interna en- tre os estados a e d? A resposta é não, porque a energia interna é uma variável de estado e, portanto, só depende dos estados inicial e fi nal. Ela tem o mesmo valor encontrado no item (b): 510 J. Mas vamos supor que queiramos encontrar o calor envolvido neste trecho. No trecho c→d o volume se mantém constante e, portanto, o trabalho mecânico é nulo. Para a→c, o trabalho é 4 33 10 (3 10 ) 90a c a c a dW p V W J W − → → →= ∆ = × × ∴ = = . A primeira lei nos dá 510 90 600ad ad adQ E W J J Q J= ∆ + = + ∴ = . Observe que não é possível conhecer, pelos dados do problema, o calor envolvido nos trechos individuais ac e bd; tampouco se conhecem as variações da energia interna nos trechos ab e bd. Processos Cíclicos Os ciclos têm grande importância, tanto no aspecto teórico como nas aplicações tecnológicas. Para estas últimas, podemos citar os motores de combustão e os refrigeradores. Um ciclo pode ser caracterizado por uma expansão e uma compressão e o sistema voltando ao estado inicial. A fi gura 7.9 mostra um ciclo arbitrário no diagrama pV. Um ciclo é representado no diagrama pV como uma curva fechada. Quando o sistema completa um ciclo, cada variável de estado retorna ao seu valor inicial. As variáveis de estado que conhecemos até agora são p, V, T e internaE . Em particular, a variação da energia interna do sistema após um ciclo é zero (como o é para toda variável de estado). interna 0E∆ = para um processo cíclico. Figura 7.8 - Os processos citados no Exemplo 7.4. Figura 7.9 - Ciclo arbi- trário no diagrama pV. 121 EXEMPLO 7.5 A fi gura 7.10 mostra diversos processos termodinâmicos sofridos por um sistema físi- co. Ao longo do caminho acb, uma quantidade de calor igual a 90 J fl ui para dentro do sistema e um trabalho de 60 J é realizado por ele. a) Qual o calor que é absorvido pelo sistema ao longo do percurso adb, sabendo-se que um trabalho de 15 J é realizado pelo sistema? b) Quando o sistema retorna de b para a ao longo do trecho curvo, o valor absoluto do trabalho realizado pelo sistema é de 35 J. O sistema absorveou libera calor? Qual é este valor? c) Sabendo-se que 8daE J∆ = , calcule os calores absorvidos nos processos ad e db. Solução: Uma fonte permanente de erros na resolução de problemas deste tipo é a falta de um procedimento sistemático. Portanto, convém identifi car inicialmente com clareza o que é dado e o que é pedido. Fique atento também aos resultados correspondentes aos itens porque, em geral, eles podem ser usados em itens subsequentes. Dados: 90acbQ J= e 60acbW J= . a) Os dados permitem conhecer o valor da variação da energia interna entre os pontos a e b (lembre-se de que essa variação independe do caminho). 90 60 30acb acb acb acb acb acb acbQ E W E Q W E J J J= ∆ + ⇒ ∆ = − ∴∆ = − = . Queremos obter o calor que o sistema absorveu no trecho adb, sabendo-se que foi rea- lizado um trabalho de 15 J. 30acb adbE E J∆ = ∆ = , portanto, a primeira lei nos fornece adb adb adbQ E W= ∆ + ⇒ 30 15 45adb adbQ J J Q J= + ∴ = . b) O trabalho tem valor absoluto de 35 J. Observe que a variação de volume de b→a é negativa e, portanto, o trabalho realizado pelo sistema é negativo: 35b a baW W J→ ≡ = − . De forma semelhante, a variação da energia interna também é negativa: ba abE E∆ = −∆ . Mas pelo item (a), 30 30ab baE J E J∆ = ∴∆ = − . A soma do trabalho (negativo) com a variação (negativa) da energia interna dá um valor negativo para o calor. Portanto, no trecho adb há liberação de calor pelo sistema. O valor numérico deste calor obtem-se através da primeira lei: 30 35 65ba baQ J J Q J∆ = − − ∴∆ = − . c) Pede-se calcular o calor nos trechos ad e db, sabendo-se que 8daE J∆ = . Vamos considerar inicialmente o trecho db: neste trecho o trabalho mecânico é zero porque não há variação de volume 0dbW⇒ = . Do item (a) conhecemos a variação da energia interna entre os pontos a e b: 30abE J∆ = que pode ser escrita como a soma de duas contribuições: ab ad db db ab adE E E E E E∆ = ∆ + ∆ ∴∆ = ∆ − ∆ ⇒ 30 8 22dbE J J J⇒ ∆ = − = . Como o trabalho é nulo, 22db dbQ E J= ∆ = . Para calcular o calor adQ , usamos os fatos de que adb ad dbQ Q Q= + . Pelo item (a), adbQ é conhecido e vale 45 J. Então, temos, 45 22 23adb ad db ad adQ Q Q Q Q J= + ⇒ = + ∴ = . 7.4 Gás Ideal: Energia Interna E Calor Específi co Temos usado um gás ideal como sistema termodinâmico em diversos exemplos. Mas o que determina se um gás é ideal ou não? Sob que condições um gás pode ser considerado ideal? A resposta que muitas vezes se encontra em livros textos é que “um gás é ideal quando sua pressão for baixa e sua temperatura for alta”. Obviamente, falta defi nir o que é baixa e o que é alta. Entretanto, existe uma defi nição um pouco mais precisa: Figura 7.10 - Os proces- sos termodinâmicos para o exemplo 7.5. primeira Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 122 um gás é dito ideal quando as interações entre as partículas que o compõe podem ser desprezadas, exceto nos raros instantes em que elas colidem umas com as outras. Isto está um pouco melhor, mas como saber se elas interagem de forma tão fraca e tão raramente? Um dos potenciais que descreve bastante bem a interação entre duas moléculas de um gás é o potencial de Lennard-Jones (também conhecido potencial 6-12, devido aos expoentes da distância que separa as moléculas). A força decai rapidamente a zero com a separação das moléculas e cresce rapidamente quando as partículas se encontram muito próximas, na iminência de uma colisão. Para complementar o argumento, pode-se mostrar, baseando-se em considerações quânticas que a separação média entre as partículas é muito maior que o valor médio do comprimento de onda de de Broglie. Isto quer dizer que, durante a maior parte do tempo, a molécula se comporta como uma partícula livre. Por exemplo, o ar (mistura basicamente de nitrogênio e oxigênio) à temperatura ambiente e pressão normal de 1 atm (≈ 105 Pa), pode ser tratado como gás ideal? Qualquer gás, e não somente o ar, pode ser considerado ideal sob essas condições. A idealidade é menos restritiva: mesmo quando a pressão é cerca de 4 atm e a temperatura é próxima à do ambiente, o gás ainda preserva o comportamento ideal. A equação de Clapeyron é a equação de estado que descreve um gás ideal: pV = nRT (Equação de Clapeyron). Ela é a síntese de diversos experimentos que resultaram em duas leis empíricas: Lei de Boyle-Mariotte → pV = constante (quando se mantém constante a temperatura). Lei de Charles e Gay-Lussac → V T = constante (quando se mantém fi xa a pressão). A equação de estado de Van der Waals, 2 2 ( ) anp v nb nRT V + − = , descreve o comportamento de um gás real com maior precisão que a de Clapeyron, introduzindo os parâmetros a e b. Esta equação (obtida de forma empírica) considera a interação entre as moléculas (parâmetro a) e o volume ocupado por elas (parâmetro b). Obviamente, se a e b tendem a zero, recuperamos a forma da equação de Clapeyron. A escolha de uma ou de outra depende da precisão que se deseja nos cálculos. Nosso estudo sobre o comportamento dos gases está baseado na equação de Clapeyron. Energia interna de um gás ideal No início da secção 3 comentamos sobre as contribuições para a energia interna de um sistema. Agora queremos, especifi camente, tratar de um gás ideal. Imagine certo volume ocupado por um gás composto de, por exemplo, moléculas diatômicas (N2, O2, H2), ou ocupado por um gás monoatômico (He, Ne, Ar). Para gases monoatômicos a energia interna é praticamente representada pelo movimento de translação pura, dentro da faixa de temperatura que usualmente trabalhamos (até T ≈ 1000 K). Para gases diatômicos temos outras contribuições para a energia interna, além da translação do centro de massa das moléculas: a energia de rotação em torno do centro de massa e a energia de vibração em torno do ponto de equilíbrio. Entretanto, a única contribuição que deve ser considerada para a pressão do gás é a parte translacional. As outras contribuições são importantes para outras características dos gases, como veremos ao estudar o calor específi co de um gás ideal. É possível mostrar que a energia interna de um gás ideal é somente função da temperatura: E(T)Einterna = . Ela não depende de qualquer outro parâmetro (variável de estado). Adicionalmente, pode-se mostrar que a energia interna de um gás ideal formado por n moles é dada por 123 int 3 2erna E nRT= (energia interna de gás ideal). Lembre-se de que a temperatura é sempre expressa em Kelvin. Calor específi co de um gás ideal O calor específi co de uma substância depende das condições segundo as quais se fornece calor ao sistema. Para sólidos e líquidos, essa dependência é quase irrelevante, porém, para gases é importante que se explicitem essas condições. Isto porque a compressibilidade de sólidos e líquidos é muito menor que a dos gases. Para os primeiros, geralmente se mede o calor específi co mantendo-se a pressão constante e que é denominado calor específi co a pressão constante. Os valores fornecidos nas tabelas e aqueles usados nos exemplos do capítulo anterior são todos medidos a pressão constante. Para os gases temos duas (entre inúmeras) condições muito importantes que determinam o calor específi co: defi ne-se o calor específi co molar a volume constante, Cv , e o calor específi co molar a pressão constante Cp . O primeiro é medido usando-se um processo isocórico (ou isovolumétrico), enquanto que, para o segundo, usa-se um processo isobárico. Existe uma relação matemática bastante simples entre os dois valores, que será obtida a seguir. Calor específi co a pressão constante Certa quantidade de gás, formada por n moles é colocada dentro de um recipiente de volume constante. Fornecemos calor de forma infi nitesimal, dQ, ao sistema para elevar sua temperatura de um valor dT. Pela defi nição de calor específi co molar a volume constante, temos: VdQ nC dT= . A pressão do gás aumenta, mas nenhum trabalho mecânico é realizado por ele porque temos mantido o volume fi xo. Nestas condições,a primeira lei da termodinâmica se reduz a VdQ dE dE nC dT= ⇒ = . Os mesmos n moles poderiam ser aquecidos de maneira diferente, mantendo-se a pressão constante e deixando o volume variar (processo isobárico). Pela defi nição de calor especifi co a pressão constante, pdQ nC dT= . O calor que fl ui para dentro do sistema é dividido em duas partes: uma utilizada para variar a energia interna do gás e outra usada para que o gás realize trabalho. No processo isobárico, dW = pdV. Da equação de gás ideal, pV = nRT, podemos expressar a quantidade dV em função de n, R e dT: ( ) ( ) .d pV d nRT dpV pdV nRdT= ⇒ + = . Como a pressão é mantida constante, dp é nulo. Portanto, temos pdV nRdT dW nRdT= ⇒ = . A primeira lei da termodinâmica nos dá dQ dE dW dQ dE nRdT= + ⇒ = + . Mas pdQ nC dT= e podemos escrever: pnC dT dE nRdT= + . Podemos substituir o valor dE obtido para o processo isovolumétrico, VdE nC dT= , na relação acima para obter, p VnC dT nC dT nRdT= + ⇒ p VC C R= + . primeira Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 124 Esta é a relação entre Cp e CV que procurávamos. Mas observe o que foi feito para sua dedução: simplesmente substituímos a expressão de dE obtida no processo isovolumétrico na expressão do processo isobárico. Isto é justifi cável? A resposta é sim, desde que consideremos o gás como sendo ideal. Se você se lembrar, a energia interna de um gás ideal depende somente da temperatura. E para um mesmo incremento dT, é irrelevante a que tipo de processo o gás foi submetido: sua energia interna sofre o mesmo acréscimo quando a temperatura é aumentada por dT. A razão entre os valores dos calores específi cos, Cp e CV , é designada pela letra grega γ: 1 1p V V V V C C R R C C C γ +≡ = = + > . Essa grandeza é a mesma que aparece no processo adiabático, pV γ = constante. Já conhecemos a expressão para a energia interna de um gás ideal: int 3 2erna E nRT= . Então, 3 2 dE nR dT = . Anteriormente estabelecemos a relação vdE nC dT= a partir da defi nição de calor específi co molar. Igualando as duas quantidades, temos: 3 2 V dE nR nC dT = = ∴ R 2 3CV = . O valor numérico desta relação é dado por, 3 3 8,31 J/mol.K 12,47 J/mol.K 2 2V V C R C= ⇒ = × = . TIPO DE GAS GAS Cv (J/mol.K) Cp(J/mol.K) Cp-CV (J/mol.K) γ = p VC C MONOATÔMICO He 12,47 20,78 8,31 1,67 Ar 12,47 20,78 8,31 1,67 DIATÔMICO H2 20,42 28,74 8,32 1,41 N2 20,76 29,07 8,31 1,40 O2 20,85 29,16 8,31 1,40 CO 20,85 29,16 8,31 1,40 POLIATÔMICO CO2 28,46 36,95 8,48 1,30 SO2 31,39 40,47 8,98 1,29 TABELA 7.1 - Calor específi co molar para gases (25 oC). Os dados experimentais para os gases monoatômicos concordam muito bem com os resultados teóricos que obtivemos. Entretanto, para os gases diatômicos percebem-se discrepâncias entre os valores de CV e Cp previstos e os determinados experimentalmente. Nossa hipótese era de que, independente da estrutura da partícula que compõe o gás, os valores de calores específi cos molar deviam ter os mesmos valores. Isso porque a energia interna do gás foi considerada como sendo exclusivamente devido à parte translacional. Esta hipótese se ajusta muito bem em relação a pressão, porém, para as características calorimétricas do gás ela não oferece bons resultados. Para os gases diatômicos é de suspeitar que exista uma outra contribuição para a energia interna: mesmo à temperatura ambiente, a parte rotacional das moléculas deve ser considerada. A parte vibracional, entretanto, começa a contribuir somente a temperaturas próximas a 1000 oC. Em síntese, devemos alterar o valor da energia interna para gases diatômicos: 5 2diatomico E nRT= (gás diatômico). 125 A fi gura 7.11 mostra a dependência do calor específi co molar do H2 em função da temperatura. Outros gases diatômicos apresentam comportamento semelhante, mas os patamares da curva surgem a diferentes temperaturas. Figura 7.11 - Capacidade térmica molar do hidrogênio. O fator numérico 5/2 na energia interna para gases diatômicos, que substituiu o fator 3/2 referente a gases monoatômicos, pode ser justifi cado por um teorema chamado teorema da equipartição da energia. Seu enunciado é bastante simples: “Cada grau de liberdade presente em cada molécula contribui com 1 2 kT para a energia interna do gás” A constante k que aparece na relação acima é a famosa constante de Boltzmann. A constante dos gases, R, está defi nida em termos de k através da igualdade avogradoR kN= . EXEMPLO 7.6 Certa quantidade de um gás diatômico ideal sofre um processo que está representado no diagrama PV, mostrado a fi gura 7.12. Dados: R = 8,31 J/mol.K; 600inicialT K= . a) Achar o número de moles do gás. b) Qual a temperatura fi nal do sistema? c) Encontrar a variação da energia interna. d) Determinar o trabalho realizado pelo gás. e) Qual o calor trocado com o ambiente? Solução: Todas as unidades estão no SI, portanto, não há necessidade de se fazer qualquer con- versão. a – Como o gás é ideal, podemos usar a equação de Clapeyron: 4 2 1 3 310 (N/m ) 3 10 (m ) 3 10 0.6 . 8,31(J/mol.K) 600(K) 8,31 600i i i pV nRT pV nRT n n moles −× × × = ⇒ = ∴ = = ∴ ≈ × × b – Novamente podemos usar a equação de gás ideal: 3 14 10 10 80K 8,31 0,6f f f f p V nRT T −× × = ⇒ = ≈ × . Figura 7.12 - Diagrama PV para o exemplo 7.6. primeira Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 126 c – Foi dado que o gás é diatômico, portanto, 5 2 E nR T∆ = ∆ . 35 0,6 8,31 (80 600) 3,9 10 J. 2 E∆ = × × × − = − × d – O cálculo do trabalho pode ser feito através da área da fi gura no diagrama pV. Este procedimento já foi utilizado no exemplo 2.2. A área total é composta da área A1 referente ao retângulo e uma área A2, de um triângulo. Observe que o processo envolve uma com- pressão e, portanto, o valor do trabalho é negativo: foi feito um trabalho sobre o sistema. 3 1 4 10 (0,1 0,3) 800JA = × − = − . 3 2 1 6 10 ( 0,2) 600J 2 A = × × − = − . Então, 1400J.i fW → = − e – A primeira lei da termodinâmica nos fornece o calor trocado: 3900J 1400J 5300JQ E W Q Q= ∆ + ⇒ = − − ∴ = − . O sinal negativo indica que o sistema cedeu calor para o meio ambiente. EXEMPLO 7.7 Qual o valor da velocidade média de uma molécula de N2 a 300 K e a pressão atmosférica? Solução: Suponha que tenhamos um mol de gás. A energia interna para moléculas diatômicas de um gás ideal, a essa temperatura, é composta de duas partes: uma translacional e outra rotacional. 3 1 52 2 2 2translação rotação E E E RT RT RT = + = + = Estamos interessados na velocidade da partícula, portanto, só temos que considerar a parte translacional. 21 3 2 2translação cinética E E Mv RT= = = (onde M é a massa do gás). A energia cinética de um mol de nitrogênio é 3 3 8,31 300 3,74 10 J 2cinética E = × × = × . Para uma molécula: 3 21 cinética 23 3,74 10 6,23 10 J 6,02 10 ε −×= ≈ × × . A massa de uma molécula é dada por: 3 26 23 28 10 kg 2,33 10 kg 6,02 10 m m − −×= ⇒ ≈ × × . Então, a velocidade média de uma molécula pode ser escrita: 26 2 211 4,6 10 6,23 10 520m/s 2 v v− −× × = × ∴ ≈ Este valor está próximo às velocidades das partículas que compõem nossa atmosfera. 127 EXEMPLO 7.8 Mostrar que quando um gás ideal sofre um processo adiabático, tem-se pV γ = constante. Solução: Em um processo adiabático não há troca de calor entre o sistema e o exterior: todo calor gerado fi ca retido e, portanto, a temperatura varia. Isto acontece, por exemplo, quando o som se propagada pelo ar: a onda sonora comprime e expande rapidamente certa massa de ar de tal forma que não há tempo sufi ciente para que ela troque calor. A energia interna de um gás ideal é função somente da temperatura. Para qualquer tipo de processo que ocorra, uma variação dT da temperatura corresponde a uma variação dE da energia interna, dada por: VdE nC dT= . Da primeira lei, 0dQ dE dW dE dW dE dW= + ⇒ = + ∴ = − . Então, temos vnC dT pdV= − . Usamos agora a equação de Clapeyron: nRTpV nRT p V = ⇒ = . Substituindo na equa- ção acima, temos V V nRT dT R dVnC dT dVV T C V = − ⇒ = − . Mas sabemos que ( 1)p Vp V V C CdT dV dVC C R T C V V γ − − = ∴ = − = − − ⇒ (1 )dT dV T V γ⇒ = − . Podemos integrar essa equação: [ ] 1(1 ) ln ln (1 ) ln ln ln( / ) i i T V i i i T V dT dV T T V V V V T V γγ γ − ′ ′ = − ⇒ − = − − = ′ ′∫ ∫ 1 1 1 1ln ln ln ln ln ln ln lni i iT T V V T V T V γ γ γ γ− − − −⇒ − = − ∴ − = − Portanto, temos o resultado: 1 1 1 1ln ln i i i i T TT T V V V Vγ γ γ λ− − − − = ⇒ = . Como Ti e Vi são constantes (condições iniciais do problema) podemos escrever 1TV γ − = constante. Usando novamente a lei dos gases ideais, pVT nR = , que pode ser substituída na relação acima para obtermos pV nRγ = × constante = outra constante. No diagrama pV, uma adiabática tem inclinação maior do que aquela correspondente a uma isotérmica. Você seria capaz de mostrar isso? Inicie calculando dp dV para ambos os processos em um ponto comum (pi , Vi , Ti ) para as duas curvas. EXEMPLO 7.9 O sistema passa por um ciclo mostrado na fi gura 7.13, com 0 100p kPa= e 0 1 .V litro= No trecho a→b o sistema absorve 450 J de calor; no trecho b→c ele absorve 200 J. A energia interna em 1 vale 200 J. a) Determine a energia interna no ponto b. b) Encontre a energia interna no ponto c. c) Qual o trabalho no ciclo? d) O sistema absorve ou cede calor no trecho c→a? e) Qual a variação da energia interna no ciclo? Figura 7.13 - Ciclo para o exemplo 7.9. primeira Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 128 Solução: A unidade de volume não está no SI: 1 litro = 10-3 m3. 100 kPa = 105 Pa = 105 N/m2. a – A energia no ponto b pode ser calculada pela primeira lei. 5 2 3 3 0 0 0(2 ) 10 (N/m ) 2 10 ( ) 200J.ab abW p V p V W m −= ∆ = ⇒ = × × = ( ) 450 200 200 450J.ab ab b a ab bQ E W E E W E= ∆ + = − + ∴ = + − = b – O trabalho realizado no trecho bc é nulo. Portanto, pela primeira lei, temos: ( ) 200J 450J 650J.bc c b c cQ E E E E= − ⇒ = − ∴ = c – O trabalho no ciclo pode ser obtido pelas áreas: no caso de um ciclo, o trabalho é dado, em módulo, pela área da fi gura envolvida pelas curvas. Existe uma regra prática para se determinar o sinal do trabalho: observe o sentido do percurso. Se for anti-horá- rio, o trabalho é negativo; se for horário, o trabalho é positivo. Você pode justifi car isso? A área envolvida é a de um triângulo: ( )0 0 1 2 200J 2abc W V p= = . Como o sentido é anti-horário, 200JabcW = − . d – Queremos calcular caQ . 200 J 650 J 450 Ja cE E E∆ = − ⇒ − = − . Calcular o trabalho realizado no trecho ca através das áreas determinadas pelo retângu- lo e pelo triângulo, pode ser um risco pelo fato de se ter complicações na escolha dos sinais. Neste caso, é mais seguro obter o trabalho por integração. A equação da reta que passa por c e a pode ser encontrada calculando-se primeiramente seu coefi ciente angular, m: 5 5 8 3 3 3 10 3 10 10 Pa/m 10 3 10 a c a c p ppm m m V V V − − −∆ − × = = ⇒ = ∴ = ∆ − − × . A equação da reta é dada por 5 8 3 8 0 0( ) 10 10 ( 10 ) 10 .p p m V V p V p V −− = − ⇒ − = − ∴ = 3 3 3 3 1010 2 6 6 8 8 8 3 10 3 10 10 9 1010 10 10 400J. 2 2 2ca ca VW VdV W − − − − − − × × × = = × ⇒ − ∴ = − ∫ Pela primeira lei, temos então, 450 J 400 J 850 Jca ca caQ E W= ∆ + = − − = − . O sinal negativo indica que houve libera- ção de calor pelo sistema. e – A variação da energia interna é nula porque o ponto fi nal coincide com o ponto inicial. Exercícios Sugestão: a combinação da lei dos gases ideais com a primeira lei da termodinâmica pode ser útil em diversos problemas. 1. Dois mols de um gás ideal são aquecidos à pressão constante, desde 300 K até 380 K. (a) Usando um diagrama pV, faça um esboço deste processo. (b) Calcule o trabalho realizado pelo gás. 129 2. Três mols de um gás ideal estão à temperatura de 127 ºC. Enquanto a temperatura é mantida constante, o volume aumenta até que a pressão caia a 40% do valor inicial. a) Desenhe um diagrama pV para este processo. b) Qual o trabalho realizado pelo gás? 3. Um gás sob pressão constante de 51,5 10 Pa× e com volume inicial de 0,09 m3 é resfriado até que seu volume fi que igual a 0,06 m3. a) Esboce um diagrama pV para o processo. b) Calcule o trabalho realizado pelo gás. 4. Na fi gura 7.14, considere o processo cíclico 14231 →→→→ . a) Encontre o trabalho para este ciclo e mostre que ele é igual à área do interior da curva. b) Que relação existe entre o valor obtido em (a) e o valor calculado no sentido inverso do ciclo? 5. Um gás ideal passa pelo processo ilustrado na fi gura 7.15. Inicialmente o gás sofre uma descompressão isobárica e, em seguida, por uma compressão isotérmica. Determine o trabalho realizado pelo gás, a) Na expansão isobárica. b) Na compressão isotérmica. c) Em todo o processo. 6. Considere novamente a fi gura do problema 5. É possível, em termos dos mesmos processos, que o trabalho realizado seja nulo. Supondo o mesmo processo isobárico, encontre o volume fi nal do processo isotérmico para que isto ocorra. 7. Na fi gura 7.16, um fl uido passa por um processo isobárico 1→2, no qual o calor absorvido a pressão constante é 10 kJ e, em seguida sofre um processo isocórico 2→3, no qual o calor absorvido a volume constante vale 11 kJ. A energia interna no ponto 1 é E1 = 5 kJ. a) Encontre E2 e E3 . b) Se o fl uido passa por um processo 3→1, no qual W31 = 6,6 kJ, determine Q31 . 8. Em certo processo químico, um técnico de laboratório fornece 254 J de calor para o sistema. Simultaneamente, são realizados 73 J de trabalho sobre o sistema. Qual é o aumento da energia interna desse sistema? 9. Um sistema evolui do estado a até o estado b ao longo dos três caminhos mostrados na fi gura 7.17. a) Ao longo de qual caminho se tem o maior trabalho? E o menor? b) Sabendo-se que Eb > Ea , ao longo de qual caminho o valor absoluto do calor, Q , trocado com o ambiente é maior? Para este caminho, o calor é positivo ou negativo? 10. Um sistema realiza um ciclo indicado na fi gura 7.18. O valor absoluto do calor transferido é 7200 J. a) O sistema absorve ou libera calor para o ciclo indicado? b) Calcule o trabalho realizado pelo sistema neste processo cíclico. c) Se o ciclo for percorrido em sentido inverso, o sistema libera ou absorve calor? d) Qual é este valor? Figura 7.14 Figura 7.15 Figura 7.16 Figura 7.17 primeira Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 130 11. (Calor específi co) Um cilindro contém 0,01 mols de He a 300 K. a) Qual o calor necessário para aumentar sua temperatura para 340 K, mantendo-se o volume constante? Faça um diagrama pV para este processo. b) Se em vez de se manter o volume constante mantém-se a pressão constante, qual seria o calor necessário para atingir a mesma temperatura de 340 K? Esboce um diagrama pV para este processo. c) Qual seria o fator responsável pela diferença entre os valores encontrados (a) e (b)? d) Qual a variação o da energia interna no item (a)? 12. Um mol de He passa pelo processo mostrado na fi gura do problema 7. O calor específi co molar a volume constante é 12,5 J/mol.K e, a pressão constante, ele vale 20,8 J/mol.K. a) Calcule a diferença de energia interna no percurso 1→2. b) Qual a variação da energia interna no trecho 2→3? c) Encontre a diferença de energia interna no trecho 3→1. 13. (Calor específi co) Considere o gás propano (C3H8) como um gás ideal com 1,127γ = . Determine o calor específi co molar a volume constante e o calor específi co molar a pressão constante. 14. O calor específi co a pressão constante do alumínio varia quase linearmente com a temperatura. A 300 K seu valor é 24,4 J/mol.K e a 600 K ele vale 28,1 J/mol.K. a) Estabeleça uma expressão matemática da forma pC A BT= + , calculando as constantes A e B a partir dos dados fornecidos. b) Construa um gráfi co para esta dependência. c) Determine a quantidade de calor absorvida por 2,5 mols de Al quando sua temperatura cresce de 300 K para 500 K, a pressão constante. 15. Certa quantidade de ar (gás ideal) vai do estado a até ao estado b ao longo dareta no diagrama pV, conforme mostrado na fi gura 7.19. a) Neste processo, a temperatura aumenta, diminui ou se mantém constante? b) Se 30,07 maV = , 30,11mbV = , 510 Paap = e 51, 4 10 Pabp = × , qual o trabalho realizado pelo gás? Figura 7.18 Figura 7.19 131 Anotações primeira Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 132 Anotações 133 Segunda Lei da Termodinâmica 8 8.1 Introdução 8.2 Sentido de um processo termodinâmico 8.3 Máquinas térmicas 8.4 Ciclo de Carnot 8.5 Entropia FÍSICA GERAL II 134 8 SEGUNDA LEI DA TERMODINÂMICA 8.1 Introdução Você provavelmente já deve ter lido ou escutado advertências sobre conservar energia. Entretanto, a primeira lei da termodinâmica é uma afi rmação de que a energia é sempre conservada. Então, para que se fazem tantas campanhas para poupar energia se, não importa o que fi zermos, a energia sempre se conserva? Isto está correto, porém, existem formas de energia que tem mais utilidade do que outras e a primeira lei conta parte da história. A outra parte é contada pela segunda lei da termodinâmica. A possibilidade ou a impossibilidade de se usar energia é o conteúdo da segunda lei. Pode-se perguntar porque alguns processos acontecem de forma espontânea e outros nunca foram registrados na Natureza. Por exemplo, é muito fácil transformar energia em calor: quando um bloco, com certa energia cinética, desliza sobre um plano horizontal com atrito, sua velocidade diminui gradativamente até que ele atinja o repouso. Ao fi m do processo, ambas as superfícies fi cam aquecidas: toda energia cinética foi convertida em calor, aumentando as energias internas da superfície e do bloco. Mas ninguém jamais relatou que um bloco, deixado sobre uma mesa, espontaneamente começou a se movimentar devido à retirada de energia interna da mesa e do próprio bloco. Note que este último processo não contraria a primeira lei: sua impossibilidade está contida na segunda lei. Outra situação que se apresenta de forma assimétrica: imagine um mol de certo gás (ideal, se você quiser) confi nado na metade de um recipiente de volume total V. Na outra metade é feito vácuo (fi gura 8.1). Entre os dois volumes, aquele que contém o gás e o outro vazio, existe uma membrana que, uma vez rompida, permite que o gás se expanda por todo o volume V. Após a expansão, é possível observar novamente o gás ocupando o volume inicial V/2? Esta situação jamais será observada. Se isto ocorrer não há violação da primeira lei da termodinâmica. Mas, certamente, violaria a segunda lei. Será que a palavra jamais está bem empregada? Para verifi car, vamos fazer um cálculo simples e rápido. Existem 236 10× moléculas no recipiente e a probabilidade de uma delas estar, por exemplo, na metade à esquerda é 21 (isto porque o volume foi dividido em duas partes iguais). A probabilidade de duas delas estarem nessa parte do recipiente é 2 2 1 4 1 2 1 2 1 ==× . Para três moléculas, temos 3 2 1 8 1 2 1 2 1 2 1 ==×× . A regra geral é imediata: a probabilidade de que todas as moléculas se encontrem, em determinado instante, na metade à esquerda do recipiente é 236 101 2 × . Que signifi ca este número? Ele pode ser escrito como 236 10 60.000.000.000.000.000.000.0002 2− × −= . Se você considerar que este número, extraordinariamente pequeno, como sendo zero, então a palavra jamais está bem empregada. Caso contrário, pode-se dizer que embora possível de acontecer, o evento é “muito extraordinariamente” improvável. Para se ter uma pálida idéia do que estamos falando, suponha um sistema mais modesto, com apenas 120 moléculas. Se você se propõe a fi lmar o sistema (com uma superfi lmadora capaz de registrar o movimento das partículas do gás) para documentar o instante no qual todas as moléculas migram espontaneamente para o volume V/2 à esquerda, vai precisar de um tempo da ordem de 10 vezes a idade do universo. Este é um processo claramente irreversível. De Figura 8.1 - As situações inicial e fi nal do processo de expansão livre. 135 forma semelhante, nunca se registrou que um bloco metálico inicialmente em equilíbrio térmico espontaneamente se esfrie em uma extremidade e se aqueça na outra, criando uma diferença de temperatura entre elas às expensas de sua energia interna. Ou você já escutou alguém contar que “desfritou” algum ovo? A Natureza desconhece o comando desfazer e a segunda lei da termodinâmica resume o fato da impossibilidade de que os processos acima descritos possam ocorrer espontaneamente. 8.2 Sentido de um Processo Termodinâmico Os processos que ocorrem na Natureza são todos irreversíveis: ocorrem em um sentido, mas não ocorrem no sentido inverso. Apesar desta preferência, podemos imaginar uma classe de processos idealizados que poderiam ser reversíveis. Um sistema que realiza esse processo reversível ideal está sempre muito próximo do equilíbrio termodinâmico com as vizinhanças e no interior do próprio sistema. Defi ne- se, então, processo reversível como sendo aquele que está sempre em equilíbrio termodinâmico. Por esta razão é que chamamos tais processos de quase-equilíbrio. A expansão do gás, discutida na seção anterior, é um processo que em nenhum momento está em equilíbrio: somente no fi nal o sistema atinge o equilíbrio. A fi gura 8.2 mostra, de forma bastante pitoresca, a situação de uma absurda reversibilidade. O estado aleatório ou o grau de desordem do estado fi nal de um sistema pode ser relacionado com o sentido da realização de um processo natural. Por exemplo, imagine que você tenha colocado em ordem as cartas de um baralho, separando por naipe e em ordem crescente de valor. Quando você atirar esse baralho para o alto, ao chegar ao solo, você esperaria que ele se mantivesse ordenado como no estado inicial? A experiência tem mostrado que o baralho chega ao solo em um estado de maior aleatoriedade (ou de maior desordem) do que possuía quando estava ainda em suas mãos. O gás que sofreu uma expansão livre na secção anterior possui um estado fi nal mais desordenado do que o estado inicial. Na fi gura 8.3 estão esquematizados um processo irreversível e um processo rever- sível. Em 3a temos uma quantidade de gelo a 0 oC envolvido por uma caixa metálica mantida a 70 oC. Após certo tempo, o gelo se funde e a água atinge a temperatura de 40 oC (este não é ainda um estado de equilíbrio). Este é um processo irreversível porque a diferença de temperatura é fi nita (não infi nitesi- mal). Na parte 3b, a caixa é mantida a uma temperatura muito próxima a 0 oC e somente incrementos infi ni- tesimais (positivos ou negativos) de calor são permitidos. Dessa forma, pode-se aquecer quase – estatica- mente a água ( Qδ positivo) ou res- friá-la quase – estaticamente, per- mitindo que pequenas quantidades de água voltem ao estado sólido ( Qδ negativo). Esse procedimento caracteriza um processo reversível, porque pode-se reverter seu sentido. Figura 8.2 - A sequência poderia acontecer, mas é altamente improvável. Figura 8.3 a) Processo irreversível: o bloco de gelo derrete irreversível- mente quando colocado em uma caixa de metal; b) Processo reversível: elevando ou diminuindo infi nitesimal- mente a temperatura da caixa o calor fl ui para o gelo ou o calor fl ui para a caixa e a água congela novamente. QUESTÃO 8.1 As duas mãos estão inicialmente à mesma temperatura. O ato de esfregar as mãos uma na outra é um processo reversível? Segunda Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 136 8.3 Máquinas Térmicas A conversão de trabalho em calor ocorre espontaneamente quando o trabalho é realizado por forças dissipativas tais como o atrito. Em dias frios é comum esfregar as mãos para aquecê-las. O freio de um carro é efetivo devido às forças de atrito entre o disco e as pastilhas e a energia dissipada na forma de calor gerado é transferida para o meio ambiente. A conversão de calor em trabalho é uma questão um pouco maisdelicada. Esta con- versão é altamente conveniente do ponto de vista econômico. A energia transferi- da como trabalho presta-se a inúmeras aplicações práticas. Esta energia transferida na forma de calor não pode ser usada diretamente, por exemplo, para se erguer certa massa até a uma determinada altura; a simples queima de combustível não propicia a um carro seu deslocamento: adianta muito pouco despejar um litro de gasolina sobre a lataria de um automóvel e em seguida atear fogo. A não ser que o propósito seja ap- enas pirotécnico e não o de locomoção. Ou, talvez, o carro já tenha lhe dado dores de cabeça sufi cientes... Excetuando essas duas últimas hipóteses, é necessário primei- ro converter o calor em trabalho: é exatamente isso que uma máquina térmica faz. Uma máquina térmica muito simples está representada na fi gura 8.4. Um cilindro metálico, provido de um pistão móvel, contém certa quantidade de um gás ideal. Inicialmente, este gás está comprimido e seu estado é caracterizado por uma pressão pi, um volume Vi e uma temperatura T igual a do ambiente. No capitulo anterior, vimos que em uma expansão isotérmica quase-estática, o sistema absorve calor do meio para manter sua temperatura constante e o gás realiza tra- balho sobre o pistão à medida que seu volume expande. Como o processo é isotérmico e o gás é ideal, a variação da energia interna é nula, e pela primeira lei da termodinâmica, WQ = . Neste processo, certa quantidade de calor absorvido, Q, é convertida em trab- alho. Entretanto, este método de expansão simples não é muito satisfatório: ele acontece uma única vez. Após ocorrer a expansão, a pressão do gás se iguala à da atmosfera, p0, e o sistema fi ca em equilíbrio mecânico. Para fazer com o gás volte ao estado inicial, precisamos realizar trabalho sobre o sistema para comprimí-lo. Parte do trabalho real- izado pelo gás durante a expansão deve ser reinvestido sobre ele e fazê-lo retornar ao estado inicial para uma expansão subseqüente. Para isto, vamos comprimir o gás por um caminho diferente daquele da expansão, de tal forma, que o trabalho realizado so- bre ele seja menor. A escolha requer pressões meno- res durante a compressão e o valor líquido é (1) acrescentou-se calor ao sistema; (2) o gás retornou ao estado inicial e está apto a realizar outra expan- são; e (3) durante a expansão mais trabalho foi pelo gás do que foi investido para completar um ciclo. A fi gura 8.5 mostra o diagrama pV para este ciclo. Em um ciclo qualquer (não necessariamente igual ao que acabamos de discutir), sabemos que o sistema realiza trabalho sobre o meio durante a expansão (positivo), e durante a compressão o meio realiza trabalho sobre o sistema (negativo). O trabalho resultante é dado pela área compreendida pelo ciclo no diagrama Figura 8.4 - Um gás comprimido que se expande isotermicamente. Figura 8.5 - Ciclo para uma expansão isotérmica quase-estática. 137 pV. Se o ciclo evolui no sentido horário, Wciclo > 0, e será negativo se ocorrer no sentido anti-horário. Como 0E∆ = para um processo cíclico, a primeira lei nos dá: ciclo cicloQ W= . Ou seja, o trabalho resultante realizado em um ciclo é igual ao calor líquido acrescentado para o ciclo. Todas as máquinas térmicas operando em ciclo têm em comum algumas características. Uma substância, chamada de substância de trabalho, passa por um processo cíclico. O calor trocado é permutado com o meio pela substância de trabalho a (pelo menos) duas temperaturas diferentes: o calor é absorvido pelo sistema à temperatura mais elevada e deve ser cedido para o meio a uma temperatura mais baixa para completar o ciclo. É exatamente este calor líquido (Qabsorvido = |Qcedido |) que representa o trabalho realizado pelo sistema no ciclo. Esta é uma conclusão geral e independe de como se verifi ca o ciclo e do tipo de substância de trabalho. Obviamente, alguns ciclos são mais efi cientes do que outros e nos projetos de uma máquina térmica o objetivo é alcançar o maior rendimento possível. O ciclo de Otto representa, de forma idealizada, os processos cíclicos de um motor a explosão. A fi gura 8.6 representa um ciclo para esse processo. No ponto a, uma mistura de ar- gasolina entra na câmara de combustão e é comprimida adiabaticamente até o ponto b. Em seguida, é aquecida isocoricamente até o ponto c pela explosão da mistura devido à corrente elétrica nos eletrodos da vela: é exatamente nesse trecho que acontece a absorção de calor pelo sistema. A força motriz transferida do motor para as rodas se dá no trecho adiabático cd. O calor deixa o sistema no trecho isocórico da. Completado o ciclo, o sistema se posiciona para um novo ciclo a partir de sua posição inicial. O rendimento є de uma máquina térmica é defi nido como a razão entre o trabalho realizado e o calor absorvido pelo sistema: є abs. . W 1 Q abs cedido cedido abs abs Q Q Q Q Q − = = = − . O calor Qabs. é usualmente conseguido pela combustão de carvão, de derivados de petróleo ou de outra espécie de combustível que deve ser pago e, portanto, as máquinas térmicas devem ser projetadas para se ter o maior rendimento possível. Por exemplo, o motor a combustão tem rendimento da ordem de 50%. Observando a defi nição matemática do rendimento, ele aumenta à medida que Qcedido diminui: a rejeição de calor pelo sistema deve ser minimizada para se alcançar maiores rendimentos da máquina térmica. O caso ideal acontece quando o calor rejeitado é nulo, portanto, tem-se є =1. Esta seria a máquina perfeita (ou a máquina dos sonhos) com efi ciência de 100%. Desde as primeiras máquinas a vapor a tecnologia tem aperfeiçoado constantemente as novas gerações de máquinas térmicas. Entretanto, é impossível a construção de um aparato com rendimento de 100%. Isto é a essência da segunda lei da termodinâmica (enunciado de Kelvin-Planck): “É impossível a construção de uma máquina térmica, operando em ciclos, converter totalmente o calor absorvido em trabalho”. Se você se lembrar do início desta seção, poderia argumentar que no caso discutido, o sistema sob uma transformação isotérmica converteu integralmente o calor absorvido em trabalho realizado pelo pistão sobre o meio. Isto não contraria o enunciado de Kelvin-Planck? Defi nitivamente, não. Observe que no enunciado aparece a expressão operando em ciclos e isso faz toda a diferença. Na evolução a que nos referimos acima, acontece somente uma expansão e, portanto, não está caracterizado um ciclo. Para que o Figura 8.6 - Ciclo de Otto no diagrama pV. Segunda Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 138 sistema retorne ao seu estado inicial é necessário que se realize trabalho sobre ele e certa quantidade de calor é rejeitada neste processo. É importante reconhecer que a máquina térmica com 100% de efi ciência obedeceria à primeira lei, mas é a segunda lei da termodinâmica que nega a possibilidade de sua existência. Ocasionalmente surge algum inventor que faz alarde de ter conseguido construir um moto perpétuo: se o aparato violar somente a segunda lei, ele é chamado de moto perpétuo de segunda espécie; se violar a primeira lei, ele é chamado de moto perpétuo de primeira espécie; se violar ambas as leis simultaneamente, ainda não se concebeu um nome apropriado. Em geral, essas pessoas não tiveram a oportunidade de adquirir conhecimento sufi ciente sobre termodinâmica. Vivessem em outra época, provavelmente estariam em busca da pedra fi losofal. Uma máquina térmica pode ser representada esquematicamente na forma mostrada na fi gura 8.7. A máquina absorve calor Qquente de uma fonte quente que está à temperatura Tquente , realiza trabalho, e rejeita calor |Qfrio | para um reservatório frio que está à temperatura Tfrio . EXEMPLO 8.1 Uma máquina térmica, operando em ciclo, absorve 200 J de calor de um reservatório quente, efetua trabalho e libera 150 J para uma fonte fria. Qual o rendimento (ou efi ciência) desta máquina? Faça uma representação esquemática doprocesso. Solução: Vimos que o trabalho efetuado é dado por: 200J 150J 50Jciclo q fW Q Q= − = − = , independentemente do tipo do ciclo realizado. O rendimento é então, є 50J 0,25 25% 200J ciclo q W Q = = = = . Representação esquemática do processo. 200 J 150 J 50 J EXEMPLO 8.2 Uma máquina térmica tem rendimento de 35%. a) Qual o trabalho que ela realiza, por ciclo, se recebe 150 J de uma fonte quente? b) Qual o calor rejeitado por ciclo? Solução: a) є . 0,35 52,5J 150J ciclo ciclo ciclo abs W W W Q = ⇒ = ∴ = . b) 150J 52,5J 97,5Jciclo ciclo cedido cedidoW Q Q Q= − ⇒ = − = . Figura 8.7 - Representação de uma máquina térmica. Q q Q f W Reservatório quente Reservatório frio máquina térmica 139 EXEMPLO 8.3 A fi gura 8.8 representa o diagrama pV para uma versão idealizada de um pequeno motor de Stirling (proposto por Robert Stirling em 1816). A máquina usa 38 10−× mols de um gás ideal e opera entre duas fontes, uma a 95 ºC e a outra a 24 ºC. Seu funcionamento ocorre à taxa 0,7 ciclos por segundo. a) Qual o trabalho realizado em um ciclo? b) Qual a potência desta máquina? c) Que calor líquido é transferido para o gás em cada ciclo? d) Encontre o rendimento desta máquina. Solução: a) Para calcular o trabalho total, precisamos obter os trabalhos nos trechos ab e cd. Nesses trechos a evolução se processa isotermicamente e já conhecemos a expressão que permite obtê-los: ln fi f i V W nRT V→ = (exemplo 7.1 do capítulo anterior). Portanto, podemos escrever: 1,5 1,5ln ln ln1,5 1 a ab ab ab ab a VW nRT nRT nRT V = = = . 1ln ln ln1,5 1,5 d cd cd cd cd c VW nRT nRT nRT V = = = − . Com os valores numéricos inseridos nas expressões acima, podemos obter o trabalho realizado pelo gás nesse ciclo (nos trechos bc e da o trabalho é nulo). ln1,5 ln1,5 ( ) ln1,5ciclo ab cd ab cd ab cdW W W nRT nRT nR T T= + = − ⇒ − ∴ 38 10 8,31 (95 24) ln1,5 1,91Jciclo cicloW W −= × × × − ⇒ ≈ . Observe que usamos as temperaturas dadas em Celsius e não em Kelvin. É justifi cável? b) A potência é dada pelo quociente WP t ∆ = ∆ . Aqui W∆ é trabalho em um ciclo e t∆ é o tempo de um ciclo. Portanto, 1,91J 1,4 W 0,7sciclo P = ≈ . c) O calor total transferido durante um ciclo pode ser obtido usando-se a primeira lei da termodinâmica: ciclo interna cicloQ E W= ∆ + . Mas a variação da energia interna é nula porque o estado fi nal é igual ao estado inicial. Assim, 1,91Jciclo cicloQ W= ≈ . d) Para encontrar o rendimento da máquina térmica, precisamos conhecer o calor retirado da fonte quente e o calor cedido à fonte fria. O exemplo 7.1, item (c), do capítulo anterior pode ajudar. Em um processo isotérmico sofrido por um gás ideal, a variação da energia interna é nula e, portanto, o calor envolvido é igual ao trabalho (pela primeira lei da termodinâmica). 3ln 8 10 8,31 368 ln1,5 9,2 Jiab ab f VQ nT V −= = × × × × ≈ . O rendimento da máquina térmica é: є . 1,91J 0,20 20% 9,2J ciclo abs W Q = = ≈ = . Poderíamos resolver este item de forma um pouco diferente (mas equivalente!): є . ( ) ln1,5 1 20% ln1,5 ciclo ab cd ab cd cd abs ab ab ab W nR T T T T T Q nRT T T − − = = = = − ≈ . Observe que embora a efi ciência deste motor Stirling seja razoável, a sua potência é baixa. Figura 8.8 – Diagrama pV para o ciclo de Stirling. Segunda Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 140 O termo máquinas térmicas pode dar a falsa impressão de que esses dispositivos tenham a fi nalidade única de receber certa quantidade de calor e realizar trabalho. Entretanto, um refrigerador também pode ser tratado como uma máquina térmica com seu ciclo invertido, ou seja, ele faz exatamente o contrário: recebe o calor de uma fonte fria (parte interna do refrigerador) e o transfere para uma fonte quente (meio ambiente). A máquina térmica, como estudada até agora, fornece trabalho; para um refrigerador, precisamos fornecer trabalho. Pela convenção de sinais que adotamos, para um refrigerador Qfrio é positivo (entra no sistema), porém, W e Qquente são negativos (o trabalho entra no sistema e o calor é rejeitado para uma fonte quente). Com isto, escrevemos W W= − e quente quenteQ Q= − . Observe que 0W− > e 0quenteQ− > . A fi gura 8.9 é a representação esquemática de um refrigerador. De acordo com a primeira lei da termodinâmica, para um processo cíclico ( 0E∆ = ), temos: quente frio ciclo quente frioQ Q W Q Q W+ = ⇒ − = − . Mas, como W W= − e quente quenteQ Q= − , podemos escrever: quente frio cicloQ Q W= + (para um refrigerador). Note que o calor transferido para a fonte quente é sempre maior do que o calor retirado da fonte fria. Por essa razão é que se desenha a seta entrando na fonte quente com largura maior. Compare com o diagrama correspondente às máquinas térmicas (fi gura 8.7). Do ponto de vista econômico, o melhor refrigerador é aquele que remove a maior quantidade de calor frioQ por ciclo, com o mesmo trabalho realizado sobre ele, cicloW . O quociente relevante é, então, frio ciclo Q W (usamos módulo para Qfrio , mas isso é desnecessário porque ela é uma grandeza positiva). A razão acima é chamada de coefi ciente de desempenho e designada por K: K frio frio ciclo quente frio Q Q W Q Q = = − (desempenho de um refrigerador). O desempenho é tanto maior quanto menor for a diferença entre as duas trocas de calor, Qquente e Qfrio . Se elas forem iguais, o coefi ciente de desempenho é infi nito: uma situação altamente desejável, mas que, infelizmente, não é factível. Conseguir um refrigerador que funcione sem absorver trabalho, não só o tornaria famoso, mas também seria regiamente pago pela invenção. Entretanto, a versão de Clausius da segunda lei da termodinâmica, determina a impossibilidade: “É impossível a realização de qualquer processo que tenha como única etapa a transferência de calor de um corpo frio (temperatura mais baixa) para um corpo quente (temperatura mais alta) ”. Enunciado desta forma a segunda lei parece não ter relação alguma com o enunciado de Kelvin-Planck. Mas só aparentemente os dois enunciados não estão relacionados: é possível mostrar que, se qualquer processo é impedido por um enunciado, então é proibido também pelo outro. EXEMPLO 8.4 Um refrigerador tem o coefi ciente de desempenho 5,5. Qual o trabalho necessário para se obter 10 cubos de gelo, cada um de 100 gramas, inicialmente à temperatura de 10 ºC? Figura 8.9 - Diagrama esquemático de um refrigerador. QUESTÃO 8.2 Você acha uma boa idéia deixar a porta de um refrigerador aberta para abaixar a temperatura da cozinha? 141 Solução: A massa de água a ser congelada é 1 kg. Precisamos primeiro abaixar a temperatura da água até 0 ºC: Q1 = (1 kg)(4,18 kJ/kJ.K)(283 K − 273 K) = 41,8 kJ. O calor de fusão do gelo (igual ao calor de solidifi cação da água) vale 333.5 kJ/kg. Pre- cisamos, então, retirar esse calor para haver a solidifi cação da massa de água, portanto, Q2 = 333,5 kJ. O calor total que deve ser removido é Qtotal = Q1 + Q2 = 41,8 kJ + 333,5 kJ ≈ 375 kJ. Pela defi nição do coefi ciente de desempenho, temos: 375kJ 68,2kJ 5,5 frioQK W W = ⇒ = = . EXEMPLO 8.5 Um refrigerador doméstico, cujo coefi ciente de desempenho é 4,7, extrai calor da câma- ra fria (onde se colocam os alimentos) à taxa de 250 J por ciclo. a) Quanto de trabalho por ciclo é necessário para operar o refrigerador? b) Quanto calor é rejeitado para o ambiente, que serve como fonte quente? Solução: a) Para calcular o trabalho, usamos a defi nição do coefi ciente de desempenho: 250J 53J 4,7 frioQW W K = ⇒ = = . Essa quantidade de energia é transferida para o sistema por um agente “externo”: o mo- tor elétrico é o responsável por isso. Este valor, transformado em moeda corrente, é que aparece na fatura de energia elétrica. b) A primeira lei da termodinâmica nos dá: 53J 250J 303Jquente frioQ W Q= + = + = . Por este valor percebe-se que o refrigerador é um excelente aquecedor de ambiente. Pa- gando por 53 J (o trabalhodo motor), você tem 303 J de calor liberado para o ambiente. Se você usasse um aquecedor elétrico teria somente 53 J de calor para cada 53 J que pagasse. 8.4 Ciclo De Carnot Considere todas as máquinas térmicas concebíveis operando entre dois reservatórios térmicos com temperaturas Tquente e Tfrio . Cada uma delas tem efi ciência inferior a 100% de acordo com a segunda lei da termodinâmica. A pergunta que o engenheiro francês Sadi Carnot conseguiu responder era: qual dessas máquinas térmicas tem o maior rendimento? É interessante notar que Carnot chegou à resposta correta mesmo acreditando na teoria do calórico. O ciclo proposto por Carnot é um ciclo idealizado pelo fato de ser um ciclo reversível. Uma máquina térmica operando ciclicamente segundo o ciclo de Carnot tem o máximo rendimento (fi gura 8.10). Temos quatro estágios para o ciclo de Carnot: (1) Uma expansão isotérmica reversível à temperatura Tquente e uma quantidade de calor Qquente é absorvido pelo sistema (trecho a-b). Segunda Lei da termodinâmica Figura 8.10 - Diagrama pV para o ciclo de Carnot. FÍSICA GERAL II 142 (2) Um processo adiabático reversível: a temperatura do sistema decresce de Tquente para Tfrio (trecho b-c). (3) Uma compressão isotérmica reversível à Tfrio: o calor | Qfrio | é retirado do sistema (trecho c-d). (4) Um processo adiabático reversível para completar o ciclo: a temperatura do sistema aumenta novamente até Tquente (trecho d-a). Usaremos um gás ideal para obter o rendimento de uma máquina operando se- gundo um ciclo de Carnot, mas o resultado é válido de forma geral. Na expansão isotérmica ab, a energia interna se mantém constante e, portanto, o calor é igual ao trabalho realizado pelo gás: ln bquente ab quente a VQ W nRT V = = (para o trecho ab). ln lnd cfrio cd frio c d V VQ W nRT nRT V V = = = − (para o trecho cd). Note que Vd é menor que Vc , logo, Qfrio é negativo (Qfrio = | Qfrio | para deixar explícito que se trata de um valor negativo): durante a compressão isotérmica há rejeição de calor pelo sistema. O quociente entre os valores acima fornece ln( / ) ln( / ) frio frio c d quente quente b a Q T V V Q T V V = − × . Para os processos adiabáticos encontramos (válido somente para gás ideal; veja exemplo 7.1 do capítulo anterior): 1 1 quente b frio cT V T V γ γ− −= e 1 1quente a frio dT V T V γ γ− −= . Dividindo uma pela outra, temos: 1 11 1 1 1 b c b c b c a d a d a d V V V V V V V V V V V V γ γγ γ γ γ − −− − − − = ∴ = ⇒ = . Esta relação pode ser utilizada na expressão do quociente dos calores: frio frio quente quente Q T Q T = − ou, em módulo, frio frio quentequente Q T TQ = . A defi nição de rendimento (ou efi ciência) é є ∴−= quente frio Q Q 1 є quente frio T T 1−= . Esta é a expressão do rendimento para uma máquina térmica operando segundo o ciclo de Carnot. Nenhuma outra, trabalhando entre as temperaturas Tquente e Tfrio, dá um rendimento superior a este. Isso é fácil de perceber porque a máquina térmica de Carnot opera em ciclos reversíveis. Desnecessário dizer que as temperaturas devem sempre ser expressas em Kelvin. EXEMPLO 8.6 Um inventor alega ter construído um motor que, em certo intervalo de tempo, absorve 110 MJ de calor a 415 K e rejeita 50 MJ a 212 K; simultaneamente esse motor realiza um trabalho de 16,7 kW.hora. Você investiria dinheiro nesse projeto? Solução: As unidades não estão padronizadas: uma boa escolha é trabalhar no SI. kJkW hora 3600s kW hora 3600kJ 3,6MJ s × = × ∴ × = = Pelos dados que o inventor nos forneceu podemos calcular o rendimento de sua máquina: є (16,7(3,6MJ) 0,55 ou 55% 110MJquente W Q = = ≈ . 143 O rendimento para o ciclo de Carnot desse motor é: є 2121 1 415 frio quente T T = − = − ∴ є 49%≈ . Como é maior do que o máximo teórico previsto para o ciclo de Carnot, a melhor deci- são é não investir. EXEMPLO 8.7 Certa máquina de Carnot absorve 2000 J de calor de um reservatório a 500 K, realiza trabalho e rejeita calor para um reservatório a 350 K. a) Qual foi o trabalho realizado? b) Que calor foi cedido ao reservatório? c) Qual o rendimento dessa máquina? Solução: O item (c) é imediato: c) є 3501 1 0,3 500 f q T T = − = − = ∴ є = 30%. a) Na dedução da fórmula do rendimento do ciclo de Carnot, obtivemos a relação 3502000 1400J 500 f f f q q Q T Q Q T = − ∴ = − × = − . O sinal negativo é consistente porque o calor está sendo rejeitado pelo sistema. b) A primeira lei da termodinâmica nos dá (após completar um ciclo 0E∆ = ): 2000J 1400J 600JtotalW Q= = − = . Este valor poderia ter sido determinado através do item (a): є 0,3 2000J 600J q W W Q = ⇒ = × = . EXEMPLO 8.8 0.20 mol de um gás ideal diatômico )2( =γ passa por ciclo de Carnot com temperatu- ras de 227 oC e 27 oC. A pressão inicial é pa = 106 Pa, e durante a expansão isotérmica à temperatura mais alta, seu volume dobra. a) Achar a pressão e o volume em cada um dos pontos a, b, c e d da fi gura ao lado. b) Calcule Q, W e ΔE no ciclo todo, e em cada um dos trechos. CV = 20,8 J/mol.K. c) Determine o rendimento desse aparato. Solução: As temperaturas devem ser transformadas para Kelvin: 300 K e 500 K. a) pa = 106 Pa (dado). Usamos a equação do gás ideal para obter o volume: 4 3 6 (0, 20)(8,31)(500) 8,31 10 m 10a V −= = × . Se o volume dobra após a expansão isotérmica, então, 4 316,62 10 mbV −= × . Durante a etapa isotérmica a→b, temos: 6 4 5 4 10 8,31 10 5 10 Pa 16,62 10a a b b b b p V p V p p − − × × = ⇒ = ∴ = × × . Na expansão adiabática b→c: 1 1 1 1 4 359,6 10 m .qq b f c c b f T T V T V V V T γ γ γ − − − − = ∴ = = × Segunda Lei da termodinâmica Figura 8.11 -+Ciclo de Carnot para o Exemplo 8.8. FÍSICA GERAL II 144 A pressão no ponto c pode ser obtida pela equação dos gases ideais: 5 4 (0, 20)(98,31)(300) 0,837 10 Pa. 59,6 10 c c c c nRTp p V − = = ⇒ = × × O volume no ponto d pode ser obtido de forma semelhante àquele usado para calcular o volume no ponto c, através da adiabática. O resultado é 4 329,8 10 mdV −= × . A pressão no ponto d pode ser calculada pela equação dos gases ideais e o resultado é 51,67 10 Pa.dp = × b) Nos trechos isotérmicos a variação da energia interna é zero (gás ideal) e, portanto, pela primeira lei da termodinâmica, temos: a→b: ln (0,20)(8,31)(500) ln 2 576J.ba b q q a VW Q nRT V→ = = = = c→d: ln 346J.dc d f f c VW Q nRT V→ = = = − Nos trechos adiabáticos o calor trocado é nulo e pela primeira lei da termodinâmica temos: Trecho b→c: bc bcW E= −∆ Trecho d→a: da daW E= −∆ . Para um gás ideal a energia interna é somente função das temperaturas inicial e fi nal. Pela primeira lei da termodinâmica, temos: ( ) (0,20)(20,8)(300 500) 832J.bc bc V f qW E nC T T= −∆ = − − = − − = ( ) (0, 20)(20,8)(500 300) 832Jda da V q fW E nC T T= −∆ = − − = − − = − . Se você não se recorda de onde vieram as expressões para as energias internas, convém rever a seção 3 sobre calor específi co do capítulo anterior. Uma tabela mostra os resultados obtidos para o item (b). A última linha dá o calor total e o trabalho total para o ciclo. PROCESSO Q (J) W (J) ΔE (J) a→b 576 576 0 b→c 0 832 -832 c→d -346 -346 0 d→a 0 -832 832 TOTAL 230 230 0 c) O rendimento dessa máquina de Carnot: є 230J 0,40 576J ciclo quente W Q = = = ; ou poderíamos usar є 500K 300J 0,40 500K − = = . Se o ciclo de Carnot for revertido, é possível obter o que se chama refrigerador de Carnot. O coefi ciente de desempenho desse refrigerador pode ser expresso combinando-se a defi nição de desempenho, K, com a transferência de calor, frio frio quentequente Q T TQ = para o ciclo. 1 frio f q f q fquente frio f q Q Q Q T K K T TQ Q Q Q = = ⇒ = −− − . Um bom desempenho é conseguido quando a diferença de temperatura é pequena: neste caso pode-se retirar grande quantidade de calor da câmara, com pouco trabalho realizado sobre o sistema. Se a diferença detemperatura for grande, necessita-se injetar uma quantidade substancial de trabalho. Um refrigerador caseiro, real, tem coefi cientes de desempenho próximo a 5, entretanto, se ele operasse seguindo um ciclo de Carnot teria seu coefi ciente de desempenho próximo a 10 (tente justifi car esta estimativa!). 145 8.5 Entropia A segunda lei da termodinâmica, como foi formulada, tem aspecto diferente das outras leis que você já encontrou, tais como: a segunda lei de Newton, a primeira lei da termodinâmica, a lei dos gases ideais; ela não possui um caráter quantitativo, isto é, não está relacionada a uma equação. Seu enunciado diz respeito a uma impossibilidade. Entretanto, seu enunciado pode ser formulado em termos quantitativos através do conceito de entropia. O fl uxo de calor entre dois corpos a diferentes temperaturas ocorre, espontaneamente, sempre no sentido do de maior temperatura para o de menor temperatura. A expansão livre, irreversível, de um gás sempre ocorre para que o sistema alcance o estado de maior desordem, comparada com o estado inicial. Em ambos os processos, a primeira lei da termodinâmica não é violada. Mas por que, então, a natureza se comporta de tal forma a conseguir a máxima desordem possível? Responder porque pode ser uma presunção metafísica; mas podemos entender como isso acontece e quantifi cá-la: o objetivo desta seção pode ser restrito a esse ponto. A entropia fornece uma estimativa quantitativa do grau de desordem de um sistema. Para entendermos como isto pode ser feito, vamos considerar, novamente, um gás ideal. A escolha pode ser restritiva, mas as conclusões serão abrangentes. Suponha que esse gás sofra uma expansão isotérmica: adiciona-se uma pequena quantidade de calor dQ e esperamos que ele se expanda o sufi ciente para manter sua temperatura constante. Neste processo a energia interna não varia e pela primeira lei da termodinâmica, o trabalho é igual ao calor adicionado: nRT dV dQdQ dW pdV dV V V nRT = = = ∴ = . As partículas, após a expansão, podem se mover em um volume maior e, portanto, suas posições se tornam mais aleatórias. A variação relativa do volume, dV V , fornece uma indicação de quanto se aumentou o estado de aleatoriedade ou de desordem do sistema. Mas esse quociente é proporcional à razão dQ T e isto também indica de quanto foi aumentado o grau de desordem do sistema pela adição de calor à temperatura constante. Introduzimos o símbolo S para a entropia do sistema e defi nimos a variação infi nitesimal de entropia dS durante um processo infi nitesimal reversível à temperatura T, através da relação .revdQdS T = (processo infi nitesimal reversível). Para evolução não infi nitesimal, quando uma quantidade de calor Q é fornecida isotérmica e reversivelmente ao sistema, a variação total de entropia é dada por . 2 1 revQS S S T ∆ = − = . A unidade dessa nova variável de estado, entropia, é J/K no Sistema Internacional. Podemos perceber o signifi cado físico da entropia em termos de desordem do sistema. Uma temperatura elevada corresponde a um movimento bastante caótico. Quando a temperatura é baixa, o movimento molecular é menor e o fornecimento de uma quantidade de calor Q produz um aumento substancial neste movimento aleatório. Por outro lado, quando a temperatura já é alta, a mesma quantidade de calor produzirá um aumento relativamente menor no estado aleatório existente. Portanto, a razão Q/T caracteriza de forma apropriada o crescimento da desordem no estado do sistema quando uma quantidade de calor é absorvida. A lei zero da termodinâmica está relacionada à variável de estado que chamamos de temperatura. A primeira lei defi ne uma variável de estado, a energia interna do sistema, CURIOSIDADE A sigla OTEC (Ocean Thermal Energy Conversion) representa a idéia de se utilizar a diferença de temperatura entre a camada superfi cial (25oC) e águas a 100m de profundidade (10oC) nos oceanos. Para um motor operando em um ciclo de Carnot, o rendimento seria de apenas 5%. Que é um baixo rendimento, ninguém contesta; porém, realiza- se um trabalho útil a custo zero (desconsiderando, o b v i a m e n t e , os valores dos investimentos). Segunda Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 146 em termos de duas grandezas que não são variáveis de estado (calor e trabalho). A segunda lei da termodinâmica está relacionada com a variável de estado que chamamos entropia. Se .revdQ for o calor adicionado quando o sistema segue uma trajetória reversível entre os estados, a variação da entropia, independentemente da trajetória real seguida, é igual a esse calor transferido ao longo da trajetória reversível dividido pela temperatura do sistema. Em outras palavras, a função entropia é uma variável de estado: sua variação só depende dos estados inicial e fi nal e não do caminho seguido entre os dois estados. Da mesma forma que se medem, por exemplo, variações da energia interna, no caso da entropia acontece o mesmo: medimos variações de entropia. Entretanto, é comum em termoquímica atribuir um valor padrão S0 e a partir desta referência medir-se a entropia (assim como elegemos uma referência na medida da energia potencial gravitacional). Quando o calor é absorvido pelo sistema, .revdQ é positivo e, portanto, a entropia do sistema aumenta. Se .revdQ é negativo (rejeição de calor), a entropia do sistema diminui. Como a entropia é uma medida de desordem do sistema e eles tendem para estados mais desordenados, a entropia de Universo aumenta em todos os processos naturais. Esta é outra maneira de enunciar a segunda lei da termodinâmica. É comum ouvir-se que a entropia de um sistema sempre cresce. Isto não é verdade: a entropia de um sistema pode decrescer; o que sempre cresce é a entropia do Universo (aqui Universo signifi ca sistema + ambiente). O crescimento da entropia está associado ao que se chama fl echa do tempo: por isso é fácil identifi car se o fi lme de uma demolição está correndo de forma inversa. Para calcular a variação de entropia para um processo não-infi nitesimal (alguns livros costumam chamá-lo de processo fi nito), devemos reconhecer que a temperatura geralmente não permanece constante. Neste caso, a variação de entropia entre dois estados, inicial e fi nal, é dada por f f r f i i i dQS S S dS T − = ∆ = =∫ ∫ (calculada ao longo de uma trajetória reversível). No caso de um processo adiabático reversível, nenhum calor é trocado entre o sistema e o ambiente, portanto, a variação de entropia é nula: .0Sadiabático =∆ Por isso esta transformação é chamada de isentrópica. Considere agora um sistema realizando um ciclo reversível arbitrário. Como a entropia é uma variável de estado e, portanto, só depende dos valores inicial e fi nal, conclui-se que a variação de entropia é nula. A expressão matemática que exprime esta condição é dada por: . 0revdQ T =∫ (ciclo reversível). EXEMPLO 8.9 Uma massa de gelo de 0,120 kg a 0 oC é colocado em água que está à mesma temperatura. O sistema (água + gelo) é exposto ao ambiente para que haja a fusão do gelo (a temperatura permanece a 0 oC). Determine a variação de entropia entre 0,120 kg de gelo e 0,120 kg de água. Dado o calor latente de fusão do gelo é 335 kJ/kg. Solução: A fusão do gelo se processa de forma irreversível porque a transferência de calor é feita irreversivelmente (o processo está longe de ser infi nitesimal). Porém, para se calcular a variação de entropia devemos seguir um caminho reversível. Obviamente, o resultado será o mesmo porque a entropia é uma variável de estado e só depende dos estados inicial e fi nal e não do caminho seguido. Isto pode ser conseguido imaginando que o recipiente esteja a uma temperatura ligeiramente superior a do sistema (água + gelo). (0,120kg)(335kJ/kg) 40,2kJfusão fusão fusãoQ mL Q= = ∴ = . 1 40,2kJ 147 J/K 273K f f líquido sólido i i dQ QS S S S dQ T T T ∆ = − = ⇒ ∆ = = = =∫ ∫ . 147 EXEMPLO 8.10 Você se propõe a fazercafé e coloca 0,5 litro de água para ferver. Inicialmente a água está à temperatura de 20 ºC e, devido à pressão atmosférica local, ela ferve a 95 ºC. Determine a variação de entropia nesse processo. Dado: cp= 4,2 kJ/kg.K. Solução: Precisamos eleger um caminho reversível para o processo. Podemos imaginar uma série de reservatórios térmicos com temperaturas ligeiramente diferentes entre si, iniciando a 20 oC e terminando a 95 oC. A água vai trocando calor sucessivamente com esses reser- vatórios até atingir a temperatura de ebulição. Em cada etapa, ela recebe reversivelmen- te uma quantia infi nitesimal de calor dQ. Se o calor específi co da água é cp (constante), então, pdQ mc dT= . 368 293 368K(0,5kg)(4,2kJ/kg.K) ln 478,6 J/K 293K f p i mc dTdQS Q S T T ∆ = ⇒ ∆ = ∴∆ = =∫ ∫ EXEMPLO 8.11 Um gás ideal sofre uma expansão livre adiabática. Qual a variação da entropia do sis- tema neste processo? Solução: Para uma expansão livre de um gás ideal, nenhum trabalho (mecânico) é realizado pelo sistema porque não ocorreu deslocamento de partes móveis do sistema: portanto, W é nulo. Como o sistema está isolado termicamente, nenhum calor foi trocado entre o sistema e o ambiente: portanto, Q também é nulo. Ainda mais: a variação da energia interna, ΔE, é zero porque para um gás ideal a temperatura se mantém constante durante uma expansão livre. Com todas as grandezas se anulando, somos levados a acreditar que a variação de entropia deve ser zero. Esta conclusão pode ser obtida se você usar .2 1 revQS S S T ∆ = − = e considerar que, devido ao fato do sistema estar isolado termicamente, Q se anula e por isso ΔS = 0. Isto parece uma contradição, pois no início desta seção dissemos que ao fi nal de uma expansão livre do gás ideal, a entropia aumentava porque as partículas tinham um grau de aleatoriedade maior do que no início. Alguma coisa parece não fun- cionar bem aqui e a suspeita recai sobre o uso da equação para ΔS: ela foi utilizada de maneira não conveniente. Isto porque devemos empregá-la para processos reversíveis. Podemos escolher um processo isotérmico (T mantida constante) como sendo infi nitesimal e reversível ligando os estados inicial e fi nal: . . 1f frev rev i i dQS dQ T T ∆ = =∫ ∫ . Mas em um processo isotérmico para gás ideal, . 1 0 a rev revlei E dQ dW∆ = ⇒ = . Então, . 1 1 ln f i V f rev iV V S dW S nRT T T V ∆ = ∴∆ =∫ ou ln f i V S nR V ∆ = . Esta é a variação da entropia na expansão livre de um gás ideal. Note que, sendo o vo- lume fi nal maior do que o volume inicial, há um aumento de entropia no processo: foi o que dissemos no início da seção. Segunda Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 148 Exercícios Em diversos problemas você vai usar uma combinação da lei dos gases ideais com a primeira e a segunda leis da termodinâmica. MÁQUINAS TÉRMICAS. 1. Um mol de gás ideal monoatômico (Hélio) passa pelo ciclo mostrado na fi gura 8.12. O trecho bc é uma expansão adiabática; 3 310atm, 10 m , 8b b c bp V e V V −= = = . a) Encontre , , , c a b cp T T T . b) Calcule , , ab bc caE E E∆ ∆ ∆ . Verifi que se 0E∆ = para o ciclo. c) Qual o calor trocado em cada trecho do processo? E qual o calor trocado no ciclo? d) Calcular o trabalho total realizado no ciclo. e) Qual é a efi ciência do ciclo? Dados: 1,67monoatômicoγ = ; 51atm 10 Pa≈ 2. Um mol de um gás ideal monoatômico, inicialmente ocupando um volume de 10 litros e à temperatura de 300 K, é aquecido a volume constante até a temperatura de 600 K, expande isotermicamente até atingir a pressão inicial e fi nalmente é comprimido isobaricamente, retornando ao volume, pressão e temperatura originais. a) Calcule o calor absorvido pelo gás durante um ciclo. b) Qual o trabalho realizado pelo gás nesse ciclo? c) Qual a efi ciência deste ciclo? 3. Um mol de um gás ideal sofre transformações como indica a fi gura 8.13. O estado a tem 100kPa, 22,4 litros.a ap V= = a) Determine as temperaturas dos estados a, b, c, d. b) Qual o calor acrescentado em cada ciclo? c) Qual o trabalho realizado em cada ciclo? d) Quanto de calor é retirado por ciclo? e) Qual é a efi ciência dessa máquina térmica? 4. Um motor Diesel produz 2200 J de trabalho mecânico e rejeita 4300 J de calor em cada ciclo. a) Qual a quantidade de calor que deve ser fornecida para esta máquina por ciclo? b) Encontre sua efi ciência. 5. Um motor a gasolina produz uma potência igual a 180 kW. Sua efi ciência é 0,28. a) Qual o calor fornecido a esta máquina por segundo? b) Qual o calor rejeitado por ela em cada segundo? 6. Para produzir gelo, um freezer extrai 42 kcal de calor de um reservatório a -12 ºC em cada ciclo. O coefi ciente de desempenho deste freezer é 5,7 e ele funciona em um ambiente cuja temperatura é 26 ºC. a) Quanto calor, por ciclo, é rejeitado para o ambiente? b) Qual é o trabalho, por ciclo, necessário para que ele funcione? Figura 8.12 - Problema 1. Figura 8.13 - Problema 3. 149 7. Um refrigerador possui um coefi ciente de desempenho igual a 2,1. Ele absorve 43, 4 10 J× de calor da fonte fria em cada ciclo. a) Qual é o trabalho mecânico que se deve fornecer à máquina em cada ciclo? b) Que calor é rejeitado na fonte quente por ciclo? CICLO DE CARNOT. 8. Uma máquina de Carnot opera com um reservatório quente a 620 K e absorve 550 J de calor a esta temperatura por ciclo, e fornece 335 J para o reservatório frio. a) Qual o trabalho produzido por ciclo? b) Encontre a temperatura da fonte fria. c) Qual é a efi ciência desta máquina? 9. Certa máquina de Carnot tem efi ciência de 59% e realiza 42,5 10 J× de trabalho em cada ciclo. a) Que calor esta máquina extrai da fonte quente em cada ciclo? b) Suponha que rejeite calor para uma fonte fria a 20 ºC. Qual a temperatura da fonte quente? 10. Uma máquina térmica, funcionando com gás ideal, opera em um ciclo de Carnot entre 227 ºC e 127 ºC. Ela absorve 46 10 cal× à temperatura maior. a) Que trabalho, por ciclo, esta máquina consegue realizar? b) Qual é seu rendimento? 11. Uma máquina de Carnot opera entre 320 K e 260 K e absorve 500 J de calor da fonte quente. a) Que trabalho ela pode fornecer? b) Se esta máquina, trabalhando entre essas duas temperaturas, funcionar como refrigerador, que trabalho deve ser fornecido a ela para retirar 1000 J da fonte fria? 12. Uma máquina térmica de Carnot possui uma efi ciência de 0,6 e a temperatura do reservatório quente é 800 K. Se 3000 J são rejeitados para a fonte fria em um ciclo, qual o trabalho que esta máquina realiza por ciclo? 13. Uma máquina de Carnot opera com um reservatório frio a -90 ºC e possui efi ciência de 40%. Um engenheiro recebeu a tarefa de aumentar seu rendimento para 45%. a) De quantos graus Celsius ele deve aumentar a fonte quente, permanecendo fi xa a temperatura da fonte fria? b) De quantos graus Celsius ele deve diminuir a fonte fria, mantendo constante a temperatura da fonte quente? ENTROPIA 14. Um estudante, na falta do que fazer, aquece 0,350 kg de gelo a 0 ºC até sua completa fusão. a) Qual a variação de entropia para este processo? b) A fonte de calor é um corpo de massa muito grande que está a 25 ºC. Qual a variação de entropia deste corpo? c) Qual a variação total de entropia da água e do corpo? Segunda Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 150 15. Acrescenta-se certa quantidade de calor Q reversivelmente e isotermicamente a um sistema que está a uma temperatura T. a) Encontre a expressão para a variação de entropia deste sistema. b) Qual o valor de ΔS se Q = 30 J e T = 300 K? 16. Em um processo reversível, 3 mols de um gás ideal são comprimidos isotermicamente a 20 ºC. Durante a compressão, um trabalho de 1850 J é realizado sobre o gás. Qual a variação de entropia deste gás? 17. Um bloco de gelo de 15 kg a 0 ºC passa para o estado líquido dentro de uma sala a20 ºC. Considere a gelo e a sala como formando um sistema isolado e suponha a sala grande o sufi ciente para que sua variação de temperatura possa ser desprezada. a) A liquefação do gelo é reversível ou irreversível? Explique sem recorrer às equações, desenvolvendo um raciocínio físico simples. b) Calcule a variação de entropia do sistema (gelo + sala). O resultado é compatível com o item (a)? 18. Dois blocos metálicos de mesmo material e a temperaturas diferentes estão separados por uma parede isolante. Em seguida, a parede que os separa é removida e os blocos são aproximados para trocar calor (veja fi gura ao lado). Suponha que o bloco mais quente tenha temperatura T + ΔT, e mais frio esteja à temperatura T − ΔT. a) Mostre que a variação de entropia do bloco mais quente é lnquente TS mc T T ∆ = + ∆ . b) Mostre que para o bloco mais frio tem-se lnfrio TS mc T T ∆ = − ∆ . Figura 8.14 – Problema 18 151 Anotações Segunda Lei da termodinâmica FÍSICA GERAL II 152 Anotações 153 Referências9 NUSSENZVEIG, Herch Moysés. Curso de Física Básica. 4.ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2002, v.2. TIPLER, Paul A.; MOSCA, Gene. Física para cientistas e engenheiros, Rio de Janeiro: LTC Livros Técnicos, 2006. V.1 SERWAY, Raymond A.; JEWETT JR., John W. Princípios da Física, São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2004 v. 1. HALLIDAY, David; RESNICK, Robert; WALKER, Jearl. Fundamentos de Física, 7. ed. Rio de Janeiro: LTC Livros Técnicos, 2006. V. 2 YOUNG, Hugh D.; FREEDMAN, Roger A. Física II Sears & Zemansky, 12. ed. São Paulo: Addison Wesley, 2008