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RESOLUÇÃO DE SITUAÇÕES-PROBLEMA INTERDISCIPLINARES: UM CAMINHO NA FORMAÇÃO E PRÁTICA DO PROFESSOR DOS ANOS INICIAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA Valéria Gonçalves de Carvalho Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre. Orientador: Profª. Mônica de Cássia Vieira Waldhelm – D.Sc. Rio de Janeiro dezembro/ 2011 ii RESOLUÇÃO DE SITUAÇÕES-PROBLEMA INTERDISCIPLINARES: UM CAMINHO NA FORMAÇÃO E PRÁTICA DO PROFESSOR DOS ANOS INICIAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre. Valéria Gonçalves de Carvalho Aprovada por: __________________________________________________________ Profª. Mônica de Cássia Vieira Waldhelm, D.Sc. orientadora __________________________________________________________ Profª. Dayse Haime Pastore, D.Sc. __________________________________________________________ Profª. Ana Teresa de Carvalho Correa de Oliveira, D.Sc.(UFRJ) Rio de Janeiro dezembro/2011 iii Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do CEFET/RJ C331 Carvalho, Valéria Gonçalves de Resolução de situações-problema interdisciplinares : um caminho na formação e prática do professor dos anos iniciais da educação básica / Va- léria Gonçalves de Carvalho.—2011. xii, 86f. + [116f. de Apêndices] : il.col. , grafs. , tabs. ; enc. Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca , 2011. Bibliografia : f.84 – 86 Orientadora : Mônica de Cássia Vieira Waldhelm 1.Ensino 2.Matemática (Ensino fundamental-Estudo e ensino) 3.Inter- disciplinaridade I.Waldhelm, Mônica de Cássia Vieira (orient.) II.Título. CDD 371 CDD 371 iv AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pois sem Ele, nada seria possível e sequer estaria nesta etapa do curso, desfrutando destes momentos que foram tão importantes e almejados durante toda a minha trajetória profissional. Aos meus pais Francisco e Marlene, ao meu esposo Jorge e aos meus filhos Jorge Gabriel e Pedro Henrique; pelo carinho e apoio, pelo esforço, dedicação e compreensão, em todos os momentos desta e de outras caminhadas. Em especial, a minha orientadora, por sua competente orientação, pelo seu incentivo, pelas indicações de fontes e seus ensinamentos durante a elaboração deste trabalho de conclusão de curso, que se trata, verdadeiramente, da realização de um sonho. A todos os professores do CEFET-RJ que atuam no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática, que foram tão importantes no meu percurso de qualificação que culminou no desenvolvimento desta dissertação. Aos meus alunos do curso de Pedagogia da Faculdade de Formação de Professores que participaram da minha pesquisa e muito contribuíram com material que me possibilitou consolidar este trabalho. Aos meus colegas de trabalho na Faculdade de Formação de Professores da UERJ e da UFF que me incentivaram e viabilizaram galgar este patamar de qualificação profissional. A todos que me apoiaram e que me ajudaram, por estarem sempre presentes nas horas difíceis ou tristes. v Aprender a ensinar é um processo que continua ao longo da carreira docente e que, não obstante a qualidade do que fizermos nos nossos programas de formação de professores, na melhor das hipóteses só poderemos preparar os professores para começar a ensinar. (ZEICHNER, 1993, p. 55) vi RESUMO RESOLUÇÃO DE SITUAÇÕES-PROBLEMA INTERDISCIPLINARES: UM CAMINHO NA FORMAÇÃO E PRÁTICA DO PROFESSOR DOS ANOS INICIAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA Valéria Gonçalves de Carvalho Orientador: Profª. Mônica de Cássia Vieira Waldhelm, D.Sc. Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre. O presente estudo visa refletir sobre as dificuldades de implementação de uma prática interdisciplinar nos anos iniciais da Educação Básica e propor a Resolução de Situações- problema Interdisciplinares como estratégia para ser aplicada neste segmento a fim de estimular o professor a se manter em constante movimento pela busca de conhecimento e conduzir um trabalho que possa promover uma aprendizagem integral e significativa. A pesquisa se deu em turmas do curso de Pedagogia da Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) na disciplina ―Matemática: Conteúdos e Métodos II‖. Além das turmas do 1º e 2º semestre de 2010, também foram entrevistados 17 professores, através de questionários, da rede pública municipal e privada de São Gonçalo e Niterói, atuantes no 1º segmento do Ensino Fundamental. A pesquisa possibilitou perceber as práticas e refletir sobre como atuar na formação de professores para vislumbrar uma forma de olhar o conhecimento de modo interdisciplinar e contextualizado. As atividades propostas aos alunos do curso de Pedagogia permitiram a autora trabalhar a resolução e elaboração de situações-problema interdisciplinares, envolvendo conteúdos dos diferentes campos de conhecimento e da Matemática. Como produto final foi elaborado um caderno de situações-problema interdisciplinares que foi construído coletivamente no decorrer da pesquisa. Palavras- chave: Situações-problema; Interdisciplinaridade; Contextualização Rio de Janeiro dezembro/2011 vii ABSTRACT PROBLEM SOLVING SITUATIONS INTERDISCIPLINARY: WALKING IN TEACHER TRAINING AND PRACTICE OF THE EARLY YEARS OF BASIC EDUCATION Valéria Gonçalves de Carvalho Advisor: Profª. Mônica de Cássia Vieira Waldhelm, D. Sc. Abstract of dissertation submitted to Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca CEFET/RJ as partial fulfillment of the requirements for the degree of Master. This study aims to reflect on the difficulties of implementing an interdisciplinary practice in the early years of Basic Education and propose the resolution of problem situations Interdisciplinary be applied as a strategy for this segment in order to encourage the teacher to keep in constant motion by the search knowledge and conduct a job that can promote a full and meaningful learning. The trial took place in classes in the Faculty of Education Teacher Education (FFP) at the State University of Rio de Janeiro (UERJ) in the discipline "Mathematics: Content and Methods II." In addition to classes in the 1st and 2nd half of 2010, 17 teachers were also interviewed through questionnaires from public and private city of São Gonçaloand Niterói, acting on a segment of the Elementary School. The results allow us to understand the practices and reflect on how to act in the training of teachers to devise a way of looking at knowledge in an interdisciplinary way and contextualized. The activities offered to students of Education allowed the author to work and drafting the resolution of problem situations interdisciplinary, involving different areas of content knowledge and mathematics. As a final product was prepared a notebook of interdisciplinary problem situations which was built during the research collectively. Keywords: Problem-situations; Interdisciplinarity; Contextualization Rio de Janeiro december/2011 viii SUMÁRIO Introdução 1 O Problema 1 Objetivos 3 Objetivo Geral 3 Objetivos Específicos 3 Justificativa 5 Fundamentação Teórica 8 Capítulo I: O Ensino Fundamental 12 Capítulo II: A Matemática no Ensino Fundamental 14 Capítulo III: Matemática: por que se aprende, porque se ensina e o que é preciso ensinar nos anos iniciais do Ensino Fundamental? 19 Capítulo IV: O que significa Resolução de situações-problema e Aprendizagem Baseada em Problemas 21 Capítulo V: O fazer interdisciplinar 32 Capítulo VI: A formação de professores para uma prática com resolução de situações-problema interdisciplinares nos anos iniciais da Educação Básica 39 Capítulo VII: Metodologia 43 VII.1. A Pesquisa 43 Capítulo VIII: Resultados e Discussões 57 VIII.1. Análise dos dados da pesquisa 58 VIII.1.1. A Turma do 1º semestre de 2010 58 VIII.1.2. A Turma do 2º semestre de 2010 59 VIII.1.3. Os Professores em prática nos anos iniciais do Ensino Fundamental 67 Considerações Finais 81 Referências Bibliográficas 84 APÊNDICES APÊNDICE I – Questionário 1 aplicado aos alunos do curso de Pedagogia. A-1 APÊNDICE II – Questionário 2 aplicado aos alunos do curso de Pedagogia. A-3 APÊNDICE III – Questionário 3 aplicado aos alunos do curso de Pedagogia. A-5 APÊNDICE IV – Questionário 4 aplicado aos alunos do curso de Pedagogia. A-6 APÊNDICE V – Questionário para professores do Ensino Fundamental I. A-9 ix APÊNDICE VI – Questionário para alunos em formação de professor para a Educação Básica da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - FFP/UERJ. A-16 APÊNDICE VII – Fotos ilustrativas do campus da FFP/UERJ. A-21 APÊNDICE VIII – Fotos dos alunos do curso de Pedagogia em atividades da pesquisa. A-22 APÊNDICE IX – Caderno de situações-problema interdisciplinares. A-27 x LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABP – APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS EB – EDUCAÇÃO BÁSICA EF – ENSINO FUNDAMENTAL LDB – LEI DE DIRETRIZES E BASES MEC – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO PCN – PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS SP – SITUAÇÃO-PROBLEMA SPI – SITUAÇÃO-PROBLEMA INTERDISCIPLINAR UNESCO – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA NTCEM – NATIONAL TRIBAL CONFERENCE ON ENVIRONMENTAL MANAGEMENT xi LISTA DE FIGURAS Figura VII.1: Utilização de Contextos e Sentido..........................................................................45 LISTA DE TABELAS Tabela VII.1: Sondagem Inicial....................................................................................................68 Tabela VIII.2: Processos de ensino-aprendizagem.....................................................................69 Tabela VIII.3: Fatores que motivaram a escolha pelo curso/carreira..........................................70 Tabela VIII.4: Relação dos professores pesquisados.................................................................72 Tabela VIII.5: Sondagem dos professores..................................................................................75 Tabela VIII.6: Quadro sobre a prática interdisciplinar................................................................ 78 Tabela VIII.7: Quadro sobre a prática com situações-problema.................................................80 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico VIII.1: Faixa Etária dos professores pesquisados...........................................................73 Gráfico VIII.2: Qualificação dos professores pesquisados..........................................................73 Gráfico VIII.3: Instituição de origem da graduação dos professores pesquisados.............. .......74 Gráfico VIII.4: Tempo de exercício no magistério dos professores.............................................75 xii LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração AVII-1: Dependências da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FFP/UERJ .............. A-21 Ilustração AVIII-1: Debate em grupo dos alunos que elaboraram situação-problema de Ciências e Matemática........................................................................................A-22 Ilustração AVIII-2: Debate em grupo dos alunos que elaboraram situação-problema de Educação Física e Matemática............................................ A-22 Ilustração AVIII-3: Debate em grupo dos alunos que elaboraram situação-problema envolvendo Geografia e Matemática........................................................................A-23 Ilustração AVIII-4: Apresentação da situação-problema proposta envolvendo História e Matemática .............................................................................................. A-23 Ilustração AVIII-5: Apresentação da situação-problema envolvendo Geografia e Matemática.............................................................................................................A-24 Ilustração AVIII-6: Apresentação da situação-problema envolvendo Artes e Matemática ................................................................................................................A-24 Ilustração AVIII-7: Apresentação da situação-problema envolvendo Educação Física e Matemática....................................................................................................A-25 Ilustração AVIII-8: Apresentação da situação-problema envolvendo Ciências e Matemática.................................................................................................................A-25 Ilustração AVIII-9: Apresentação da situação-problema envolvendo Língua Portuguesa e Matemática...........................................................................................A-26 1 Introdução O Problema O primeiro segmento do Ensino Fundamental apresenta uma característica particular que, historicamente, tem se mantido: os professores atuam de forma generalista, ou seja, um mesmo professor desenvolve conteúdos dos diferentes campos disciplinares, entre eles o da Matemática. Logo, a atuação desse professor demanda uma formação genérica e menos especializada, que em uma universidade é realizada no curso de Pedagogia. Os profissionais desta área, para cumprirem com essa difícil tarefa, precisam estudar distintos aspectos de um objeto ou uma realidade, pois atuam em várias disciplinas em nível elementar, mas de extrema importância, pois é neste momento que o aluno vai ter o primeiro contato com as mesmas. Esses profissionais atuam como divulgadores de conhecimento científico produzido pelos especialistas, mas eles mesmos não são especialistas, o que não se trata, portanto, de uma tarefa simples, visto que requer versatilidade e pressupõe uma boaformação. Muitos desses professores enfrentam situações de constrangimento por ensinarem conteúdos de disciplinas para as quais não foram adequadamente qualificados. Para dar conta, efetivamente, dessa função, eles precisam conhecer, não extensa ou profundamente, os conhecimentos produzidos em diferentes disciplinas, mas necessitam de uma formação que os permita orientar os seus alunos de forma segura a dar os primeiros passos na aprendizagem dos diversos componentes curriculares. Além disso, podem despertar (ou não) e estimular (ou não) talentos em alunos que, futuramente, poderão se traduzir na opção por uma carreira na área matemática. Neste contexto de atuação, seria esperado que, nas atividades pedagógicas, não fosse trabalhado o conhecimento de forma fragmentada. Porém, por fatores diversos, entre eles a formação inicial do professor, os livros didáticos e uma tradição curricular linear e essencialmente organizada de modo disciplinar, o que se percebe é que trabalhos interdisciplinares não constituem uma prática comum nas escolas nem mesmo neste segmento inicial da Educação Básica (EB). Segundo Curi (2005, p. 21), ―sendo o professor polivalente 1 o responsável pela ‗iniciação‘ das crianças em matemática, pela abordagem de conceitos e procedimentos importantes para a construção de seu pensamento matemático, a sua 1 Denominação dada aos professores que lecionam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A indicação CFE 22/73, proposta pelo Conselheiro Valnir Chagas, define o professor dos anos iniciais como uma figura polivalente, ou seja, que pode transitar em todos os componentes do currículo dos anos iniciais. 2 formação, específica para essa tarefa, é tema de grande prioridade na área de Educação Matemática.‖ Na Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), site http://www.ffp.uerj.br, tal como em outras instituições, a licenciatura é entendida como uma carreira com especificidades, para as quais corresponde um currículo próprio que cumpre com a finalidade de formar educadores para atuar em sala de aula. Apresenta uma proposta diferenciada no que diz respeito a sua concepção, pois pretende oferecer uma visão abrangente e integrada. A FFP é uma faculdade que tem como principal foco a formação de professores. A partir dessa pesquisa foi possível refletir, rever estratégias pedagógicas e adequar metodologias para melhor cumprir a missão de formar professores qualificados e sintonizados com a atualidade. Trata-se de uma discussão de questões que estão inseridas no campo da formação de professores que vão ensinar, ou que ensinam matemática nos anos iniciais. Considera-se que a preocupação com a Educação Matemática deve já começar nos anos iniciais, por isso, tal como Curi (2005), vê-se como prioridade uma boa formação do professor dessa etapa de escolarização. O curso de Pedagogia da FFP/UERJ destina-se a formar profissionais para exercer funções de Magistério na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal em cursos de Educação Profissional, na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Os portadores do diploma deste curso poderão atuar nos setores públicos e privados, no magistério do Ensino Básico, na pesquisa, na coordenação, em atividades de gestão e demais atividades relacionadas aos processos educacionais em âmbito geral. O estudante de Pedagogia é previamente informado que o foco do seu curso é o aprofundamento dos estudos que tomem a docência como centralidade de sua formação. Pretende-se, assim, habilitar para atuação na Educação Básica e na gestão escolar, assumindo o papel de professor pesquisador/pedagogo, de intelectual que cria e recria sua prática. O curso tem como objetivo geral a articulação entre teoria e prática na formação do professor-pesquisador, visando a produzir uma prática formativa que realize uma permanente articulação entre as dimensões históricas, sociais, científicas, filosóficas, culturais e epistemológicas. Está estruturado por um currículo organizado inter e transdisciplinarmente por meio dos seguintes eixos integradores das disciplinas: Conhecimento e linguagens na Educação Básica; Docência e Pedagogia na Educação Básica; Fundamentos Teóricos e Educação; Gestão e Organização do Trabalho na Escola; Temáticas Contemporâneas na Educação; Pesquisa em Educação; Estágio Supervisionado e Atividades Complementares. 3 Partindo da prática profissional docente, em particular como professora-formadora desse curso de Pedagogia, investigou-se que dificuldades os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental apresentam ao trabalhar a Matemática de modo interdisciplinar, bem como foi elaborado um caderno de situações-problema interdisciplinares adequados a este segmento, com orientações metodológicas e textos complementares, que podem vir a ser utilizados como apoio ao trabalho desses futuros professores. Dessa forma foi possível, também, refletir sobre a prática da professora-pesquisadora enquanto formadora de professores e contribuir para a formação desses novos professores, em uma pesquisa que promoveu ações que possibilitaram a instrumentalização dos mesmos para que venham a desenvolver práticas na direção de um trabalho que valorize o conhecimento contextualizado e com limites disciplinares menos rígidos. Este trabalho buscou estar em consonância com as diretrizes orientadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e com a Aprendizagem Baseada em Problemas – ABP. Entende-se que a aplicação de tal abordagem não deva estar restrita a um segmento específico, mas que a mesma possa ser aplicada a todos os níveis, inclusive nos anos iniciais, com as devidas adequações. A ABP foi aplicada aos alunos de Pedagogia, com o intuito desse professor em formação inicial vir a abordar a matemática de modo contextualizado e interdisciplinar, como é a proposta da ABP, e se sentir seguro a aplicá-la em sua prática profissional. A resolução de situações-problema interdisciplinares pode ser trabalhada como uma alternativa metodológica para esse período escolar, de modo a já prepará-los para esse modo de ver o conhecimento. Objetivos Objetivo Geral: Discutir sobre as dificuldades de trabalhar a matemática de modo interdisciplinar e contextualizado e propor a utilização da resolução de situações-problema interdisciplinares como estratégia para inserção da contextualização e da interdisciplinaridade na formação e prática de professores dos anos iniciais da Educação Básica, destinados a ensinar matemática; Objetivos Específicos: Esclarecer o que vem a ser o fazer interdisciplinar e o que significa resolver situações- problema; 4 Identificar as dificuldades existentes no trabalho com a matemática, de modo interdisciplinar e contextualizado na formação do professor que irá atuar nos anos iniciais da Educação Básica; Vivenciar a estratégia de resolução de situações-problema interdisciplinares em uma abordagem baseada em problemas, destacando de que forma a aprendizagem da matemática se dá; Reconhecer, utilizar, interpretar e propor modelos para situações-problema interdisciplinares; Articular, integrar e sistematizar fenômenos e teorias dentro de uma ciência, entre as várias ciências e áreas do conhecimento; Investigar estratégias que proporcionem ao professor em formação uma visão integrada do conhecimento; Pensar em como promover autonomia intelectual e em como esta é evidenciada na resolução de situações-problema interdisciplinares; Reconhecer relações entre a Matemática e outras áreas do conhecimento, percebendo sua presença nos mais variados campos de estudo e da vidahumana, seja nas demais ciências, seja nas ciências humanas e sociais, como a Geografia e a História, ou ainda nos mais diversos setores da sociedade, como na arte, na saúde e meio ambiente, nos transportes, na moradia e na economia; Contribuir para a formação e prática do professor dos anos iniciais da Educação Básica, produzindo um caderno de situações-problema interdisciplinares com orientações metodológicas. No Capítulo I, procurou-se situar o 1º segmento do Ensino Fundamental para o qual o olhar da pesquisadora se voltou, tendo em vista o seu trabalho com turmas de Pedagogia, cujos egressos poderão se tornar professores desse segmento. Nos capítulos II e III, identificou-se que matemática deve ser trabalhada nos anos iniciais, sendo destacadas as competências que devem ser desenvolvidas por meio do seu estudo, de modo a pensar que competências devem ser trabalhadas na formação inicial do professor que irá desenvolver o seu trabalho nesta etapa de escolarização. No capítulo IV, refletiu-se sobre o que significa resolução de situações-problema e como se dá um trabalho com uma abordagem de aprendizagem baseada em problemas. No capítulo V, buscou-se referenciais teóricos sobre o fazer interdisciplinar e compreender qual o perfil desejado para um professor que entende a necessidade de um trabalho nesta perspectiva. No capítulo VI, refletiu-se sobre a formação de professores para uma prática com resolução de situações-problema interdisciplinares nos anos iniciais da Educação Básica. 5 Justificativa: Professora auxiliar do Departamento de Matemática (DMAT) da Faculdade de Formação de Professores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FFP/UERJ), situada no campus São Gonçalo, que, como o próprio nome já diz, tem como missão formar professores – pois atua somente com licenciaturas–, a professora-pesquisadora trabalha em turmas do curso de Pedagogia. Este curso, conforme mencionado na Introdução, permite que o aluno, ao término do curso, atue, dentre outras opções, como professor nos anos iniciais do Ensino Fundamental, ou seja, no chamado Ensino Fundamental I. No contexto de sua atuação, a professora-pesquisadora percebe que tem a oportunidade de influir na futura vida profissional desses alunos, promovendo uma interlocução entre Matemática e Pedagogia na disciplina ―Matemática: Conteúdos e Métodos‖. Assim, pretendeu, por meio desta pesquisa, entre outras coisas, fazer uma reflexão sobre a sua prática e modificá-la, de modo a contribuir de forma mais efetiva e sistemática na formação desses professores, para que os mesmos se sintam encorajados a incorporar a resolução de situações-problema interdisciplinares em suas futuras ações pedagógicas. Entende-se que, na formação inicial de professores, deve-se pensar no conteúdo que se vai ensinar, em como se vai ensinar e em como se dá o aprendizado. Nos anos 1990, que constituíram a chamada década da Educação, iniciada com a publicação da nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases) Nº 9.394, no ano de 1996 e com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), propostos pelo Ministério da Educação (MEC) no final da década de 1990, pode-se observar que se difundiram pelo país diversas propostas que buscavam colocar em prática as ideias contidas nestes documentos oficiais. No foco das propostas, estão concepções de ensino e aprendizagem que incluem os princípios de interdisciplinaridade, a contextualização e o desenvolvimento de competências, defendidas como fundamentais para a formação de uma sociedade voltada para o conhecimento cultural- científico e a cidadania. Entre estas propostas, destacam-se no presente trabalho a interdisciplinaridade e a contextualização através da resolução de situações-problema. Os PCNs atentam que a interdisciplinaridade não implica em acabar com as disciplinas, mas utilizar os conhecimentos de várias delas na compreensão de um problema, na busca de soluções, ou para entender um fenômeno sob vários pontos de vista, articulando assim as disciplinas, sem, porém, haver a perda da identidade disciplinar. Entendemos que tal orientação já deve ser pensada na formação inicial dos professores que atuarão nos anos iniciais da EB, pois desta forma é possível qualificá-los a uma prática profissional em sintonia com a mesma. Em Matemática, a contextualização é um instrumento essencial, que deve ser pensado num sentido amplo e não empregado de modo artificial, ou restrito ao universo mais imediato do aluno– não permitindo o contato com outras realidades–, a fim de que este possa vislumbrar 6 novas perspectivas. O tratamento contextualizado do conhecimento é um dos recursos que se tem para retirar o aluno da condição de mero espectador, levando-o a uma condição de cidadão crítico e capaz de aplicar os seus conhecimentos em diversas situações. Ele permite que o aluno se torne capaz de contribuir de forma crítica e construtiva na sociedade, de modo que esta cada vez mais demanda autonomia para que o indivíduo seja capaz de se posicionar diante de questões da vida cidadã. Tratar os conteúdos de ensino de forma contextualizada significa aproveitar ao máximo as relações existentes entre os conteúdos e contextos nos quais estes se aplicam, a fim de despertar no aluno, independentemente dol nível de escolaridade, a motivação na busca pela solução, de modo a dar significado ao que está sendo aprendido. Implica, por conseguinte, levar em conta que todo conhecimento envolve uma relação ativa entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Assim, a contextualização pode desenvolver a capacidade de relacionar o aprendido com o observado e a teoria com suas consequências e aplicações práticas. A interdisciplinaridade, conforme orientam os PCNs, supõe um eixo integrador, que pode ser objeto de conhecimento, um projeto de investigação de interesse dos alunos e da escola; logo, deve ser pensada na formação inicial dos professores que nela vão atuar. Considera-se que ela representa uma alternativa viável em todas as etapas de escolarização por meio da estratégia de trabalho com situações-problema interdisciplinares. Podendo, desta forma, colaborar na formação integral do cidadão, evitando os equívocos e limitações de uma visão compartimentada do conhecimento. Propõe-se que a organização e o tratamento dos conteúdos do ensino e as situações de aprendizagem sejam feitos de modo a destacar as múltiplas interações entre as várias disciplinas do currículo, superando, sempre que possível, a fragmentação entre elas. ―[...] ao planejar uma aula, o professor precisa buscar relações, formas de integrações e articulação interdisciplinar entre os diversos conteúdos estudados, para possibilitar ao aluno uma visão mais abrangente, mais global sobre o que esta sendo objeto de estudo, evitando assim, o estudo de disciplinas estanques descontextualizados, isolados... respeitando nível do conhecimento e compreensão dos alunos frente ao que tiver sendo enfocado.‖ (Projeto Aprender, 2004, p.65). Quando o indivíduo se vê diante de um problema, ele é levado a uma análise crítica do mesmo e busca identificar os modelos matemáticos necessários para sua solução. Dessa forma, a prática de ensino de matemática deixa claro que o conhecimento matemático tem na resolução de situações-problema uma ferramenta poderosa e eficaz. A competência em resolver problemas que envolvam o conhecimento matemático é uma das características da eficiência da aprendizagem, pois de nada vale conhecer fórmulas e algoritmos para realizar operações etc. se não se é capaz de identificar a sua aplicação em contextos que os exigem, isto é, o saber matemático não deve se restringir ao conhecimento de formas geométricas, 7 fórmulas, algoritmos etc., mas em saber contemplar o mundo com um olhar atento, identificando como este saber pode ter um papel decisivo na melhoria daqualidade de vida das pessoas. O professor que se pretende formar na FFP/UERJ deve saber ler, elaborar hipóteses, interpretar e se expressar com clareza e estar devidamente qualificado a mediar um trabalho nas diretrizes da contextualização e da interdisciplinaridade. Portanto, a sua vivência com resolução de situações-problema interdisciplinares permitirá um conhecimento mais integral, uma maior capacidade de articulação de ideias, podendo evitar distorções do tipo ser "muito bom" em um assunto e "fraco" em outro. Uma boa formação, ampla, mas não menos segura conceitualmente, é essencial, principalmente, para quem vai atuar nos anos iniciais do Ensino Fundamental, conferindo ainda maior segurança para ousar metodologicamente. Além disso, um curso de formação de professores deve atentar para as competências,2 definidas nas Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação para o Ensino Fundamental, que seus egressos devem adquirir. A formação inicial deve levar em consideração o debate sobre as orientações a serem seguidas nos seus futuros espaços de atuação. Dentre estas, destacam- se: • Eixo de Representação e comunicação: leitura, transmissão de ideias, interpretação e produção de textos nas diversas formas características da Matemática. • Eixo de Investigação e compreensão: capacidade de enfrentar desafios e resolução de situações-problema, utilizando-se de conceitos e procedimentos peculiares (experimentação, abstração, modelagem). • Eixo de Contextualização: no âmbito histórico ou sócio-cultural, na forma de análise crítica das ideias e dos recursos da área, para questionar, modificar ou resolver problemas propostos. A disciplina Matemática: Conteúdos e Métodos II, na qual a pesquisa foi realizada, tem como objetivos: Possibilitar a compreensão do processo de produção dos conhecimentos matemáticos; Trabalhar o campo da Matemática voltado para a atuação na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, enfatizando um processo articulado entre conteúdos e métodos. Sua ementa é constituída de: 2 A noção de competência designará aqui a capacidade de mobilizar recursos cognitivos para enfrentar situações-problema. (PERRENOUD, 2000, p. 15). 8 Frações e as operações aritméticas com as frações. Números fracionários, os números decimais e a ampliação do sistema de numeração decimal. Porcentagem e os sistemas de medidas e sua história. Optou-se por implementar a pesquisa nesta disciplina por se considerar que o trabalho com racionais, tabelas e gráficos, porcentagem e proporcionalidade são conteúdos que, de forma bem natural, poderiam exemplificar uma abordagem na perspectiva de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), bem como por estes conteúdos representarem dificuldades já observadas tanto na Educação Básica, quanto naqueles que ingressam na universidade nos cursos de Pedagogia. São comuns as dificuldades na resolução de problemas com os números racionais, portanto é importante, em um curso de formação de professores, compartilhar as dificuldades e debater os erros como uma oportunidade de superar os obstáculos que impedem a sua compreensão. Para desenvolvimento desta disciplina dispõe-se de um encontro semanal de três tempos, cada um de 50 minutos, tendo-se em um semestre um total de 15 encontros, totalizando 45 H/AULA. Com esta pesquisa, pretendeu-se contribuir para uma área de grande relevância e que carece de estudos, que é a da formação inicial de professores para o trabalho com a matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, articulando-se teoria e prática com uma abordagem baseada em problemas, na qual os conteúdos matemáticos e as estratégias de ensino dos mesmos sejam trabalhados numa perspectiva contextualizada e interdisciplinar. ―A melhoria do ensino da matemática nas escolas brasileiras depende, principalmente, da melhor capacitação de professores. É crucial que eles estejam bem preparados, e isso significa dominar o conteúdo daquilo que deve ser ensinado e conhecer as melhores estratégias para o ensino. Para os sistemas de ensino, seria essencial aproximar a pesquisa em educação matemática dos anos iniciais.‖ (ARAÚJO, 2004b, p. 1). Fundamentação Teórica Para fundamentar a pesquisa foram considerados estudos de uma grande variedade de teóricos, como era de se esperar de um trabalho que envolve uma perspectiva de olhar interdisciplinar. Nela, ressalta-se a importância da formação do educador com uma postura crítica capaz de repensar as suas práticas pedagógicas e avaliar os resultados de sua atuação, 9 pois através da mesma a pesquisadora pode rever suas práticas e procurar cultivar uma postura crítica, primeiramente em si mesma e, em consequência, nos alunos em formação sob sua mediação. Na formação de um professor, deve-se essencialmente qualificá-lo para atuação na escola dando-lhe, não somente uma bagagem pedagógica e de conhecimentos, mas também, e essencialmente, desenvolvendo nele o senso crítico e uma formação humanística para que ele possa ter capacidade de lidar com indivíduos em sua prática e pautar as suas práticas de modo crítico, consciente e responsável. A formação não se constrói por acumulação, mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal (NÓVOA, 1995, p. 25). Para realizar as atividades junto aos alunos em formação foram considerados os pressupostos apresentados nos trabalhos de SCHÖN (2000), pelos quais se pode afirmar que os alunos aprendem na ação, enquanto o professor exerce o papel de orientador, e não simplesmente de professor, tendo como principais atividades em um ensino prático: demonstrar, aconselhar, instigar a curiosidade, questionar e criticar. Destaca-se que são necessárias reflexões na formação inicial dos professores, de modo que estes evitem o distanciamento das questões que envolvem a sua futura prática. É importante também desenvolver o conhecimento matemático, pois de nada serve a didática sem o seu desenvolvimento. Adotou-se o conceito de formação segundo MEDINA e DOMINGUEZ (1989), que afirmam que a formação deve procurar desenvolver nos docentes um estilo de ensino próprio e assumido de forma reflexiva, de modo a produzir nos alunos uma aprendizagem significativa.3 Estes autores se referem à necessidade de se entender a formação num contexto de trabalho dentro de uma equipe. Ser professor, segundo os autores, implica lidar com outros professores que trabalham em escolas com a função de permitir que os alunos aprendam e se qualifiquem para cumprir o seu papel social, que, no caso específico do formador de professores no curso de Pedagogia, é o de contribuir para formar professores que atuarão nos anos iniciais da Educação Básica. Ainda em Zeichner e Pérez Gomes (1998) encontramos subsídios referentes ao saber docente, para quem ―as experiências práticas em escolas contribuem necessariamente para formar melhores professores.‖ Dessa forma, os alunos em formação devem vivenciar práticas que reflitam situações didáticas que fazem parte das práticas nas escolas, que nessa pesquisa foram observadas pelos relatos de professores em atividade. Além disso, vivenciaram a resolução e elaboração de situações-problema, tanto individualmente quanto em grupo. 3 Aprendizagem que torna o indivíduo capaz de aplicar o conceito em diversos contextos. 10 As especificidades da formação de professores significam, segundo Ferry (1991), um processo de desenvolvimento individual destinado a adquirir ou aperfeiçoar capacidades, tendo as suas especificidades: Formação dupla (acadêmica e pedagógica); Formação profissional; Formação de formadores. Esta pesquisa, certamente, permitiu também uma revisão na práticade formadora da pesquisadora e uma melhor adequação de conteúdos e práticas necessários à formação de professores que atuarão nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com práticas sintonizadas ao contexto atual. A matemática no curso de Pedagogia é indispensável para universalizar e tornar possível o aprendizado de uma maneira simples como o ler e escrever. Profissionais bem preparados e antenados com as constantes mudanças no mundo farão de fato diferença neste ensino, conduzindo com qualidade a sua atividade, influindo de forma positiva na construção de uma base sólida de seus alunos. Dos trabalhos de Liping Ma (1999, p.129-141), pesquisadora na Carnegie Foundation for the Advancement of Sciences, que começou a sua carreira em uma escola em uma aldeia na área rural da República Popular da China, considerou-se o que ela destaca com relação às quatro formas através das quais o professor aprende: estudando o material intensivamente; aprendendo com os colegas; aprendendo com os alunos e fazendo matemática. Em seu trabalho, ela aborda a necessidade do interesse do professor em como ensinar, o que ensinar, as conexões dos conceitos, dos pontos importantes e de se identificar quais são os erros e confusões que os estudantes tendem a ter quando se ensina determinado tópico. Ressalta o que no nosso dia a dia nem sempre é possível: a importância das interações entre colegas. Professores jovens devem aprender com os mais velhos, mas também os mais velhos devem estar abertos a aprender com os mais jovens, pois dividindo ideias com outros é possível impulsionar o indivíduo a tornar suas ideias mais claras e explícitas. Essa troca também pode ocorrer com os alunos. Em sua atuação, o professor não só deve ensinar, mas também aprender com seus alunos. Algumas vezes, a maneira de resolver um problema proposta pelos estudantes nunca tinha sido pensada pelo professor. Os conhecimentos necessários para ser um bom professor começam em sua formação inicial e se desenvolvem e se aprimoram na prática, quando o professor prepara suas aulas, estuda o material a ser ensinado e reflete durante todo o processo de ensino e aprendizagem. Foram também consideradas as reflexões da pesquisadora Deborah Ball (1988). Ela, que iniciou a sua prática profissional em turmas do 5º ano, logo percebeu que necessitava aprender matemática por si própria para poder melhorar o seu ensino. Daí nasceu o seu interesse pela educação matemática. Hoje, ela é formadora de professores e professoras de educação matemática na Universidade de Michigan. Em seus trabalhos, reflete sobre as implicações que a preparação em matemática tem na qualidade de seu ensino. Em sua tese de doutorado, ela distingue três tipos de ensino de matemática: tradicional, conceitual e pedagogia 11 matemática. Cada um desses tipos reflete uma concepção sobre a matemática e ainda distingue perspectivas sobre o seu ensino e aprendizagem, sobre os alunos e sobre o contexto da sala de aula. Na pedagogia matemática, que está subjacente em toda esta pesquisa, privilegia-se não apenas a substância da matemática, mas a sua natureza e epistemologia. Tão central como a compreensão dos conceitos matemáticos e dos procedimentos (menosprezados no que ela chama de ensino tradicional, mas valorizada no ensino conceitual) são a compreensão do que significa fazer matemática, a capacidade de validar as próprias respostas, a apreciação da relevância da matemática para além da utilidade cotidiana. A presente proposta, ensinar via resolução de situações-problema interdisciplinares, segue as orientações de George Polya (1995), para quem o problema seria um elemento disparador de um processo de construção do conhecimento matemático, e de Pozo (1998), em cuja análise a solução de problemas é vista como um veículo acessível para levar alunos a aprender a aprender. Nos PCNs, a resolução de problemas é o contexto tanto para a elaboração de novos conceitos quanto para a adaptação de antigos esquemas mentais a novas situações. A concepção adotada na pesquisa sobre resolução de problemas foi, portanto, a de ensinar via resolução de problemas. Trabalhou-se com resolução de problemas na perspectiva ABP – Aprendizagem Baseada em Problemas do inglês PBL (Problem-Based Learning) –, que consiste em um método de ensino nascido em meados da década de 1960 na escola médica da Universidade McMaster, no qual os problemas são elaborados a priori e cuja grande vantagem é a proposição de situações sobre as quais os estudantes podem refletir, usando conhecimentos de diferentes disciplinas. Alguns dos problemas que foram trabalhados e propostos haviam sido previamente elaborados e pesquisados intencionalmente para, em seguida, serem aplicados em sala de aula. Na sequência da pesquisa, os alunos passaram a propor problemas e passou-se a analisá-los, identificando-os como exercício, problema, situação-problema e/ou situação-problema interdisciplinar. Em relação ao conceito de interdisciplinaridade, foram tomados como base os trabalhos de Fazenda (1994) e Fourez (1997, 2001), compreendendo que quanto mais interdisciplinar for o trabalho docente, e quanto maior for a relação conceitual estabelecida entre as diferentes áreas do conhecimento, mais significativo será o resultado do trabalho. Os PCNs, ao tratarem deste conceito, destacam o diálogo entre as disciplinas, para que assim o educando possa ter uma visão do conhecimento como um todo, de forma global e não de partes. Para Câmara (1999, p.15), ―A interdisciplinaridade deve ser pensada como entre ciências, por um lado, considerando o território de cada uma delas e, ao mesmo tempo, identificando possíveis áreas que possam se entrecruzar, buscando as conexões possíveis. 12 E essa busca se realiza por meio de um processo dialógico que permite novas interpretações, mudança de visão, avaliação crítica de pressupostos, um aprender com o outro, uma nova reorganização do pensar e do fazer.‖ Capítulo I - O Ensino Fundamental Não se pode pensar na formação de um professor sem investigar o nível de escolaridade para o qual se destina a sua formação, pois é impossível separar, num futuro educador, o seu conhecimento matemático das suas convicções relativamente ao modo como as crianças aprendem matemática. Esta pesquisa visou discutir questões que dizem respeito à formação de professores que vão ensinar matemática nos anos iniciais, o que envolve, além de pensar conteúdos, reflexão sobre estratégias a serem implementadas nesta etapa da Educação Básica. Etapa esta que tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum, indispensável para o exercício da cidadania, e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos superiores. Regulamentado por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, o Ensino Fundamental é uma das etapas da Educação Básica no Brasil. Tem, atualmente, duração de nove anos, sendo a matrícula obrigatória para todas as crianças com idade entre 6 e 14 anos. Essa matrícula compulsória implica na responsabilidade conjunta tanto dos pais ou responsáveis pela matrícula dos filhos, como do Estado pela garantia de vagas nas escolas públicas e também da sociedade, por fazer valer a própria obrigatoriedade. No dia 06 de fevereiro de 2006, foi sancionada a Lei nº 11.274 que regulamenta o Ensino Fundamental de nove anos, que até então era constituído de oito. Esta ampliação teve como objetivo assegurar a todas as crianças um tempo maior de convívio escolar, maiores oportunidades de aprender e, com isso, uma aprendizagem com mais qualidade, passando a abranger a Classe de Alfabetização (fase anterior à 1ª série, com matrícula obrigatória aos seis anos) que, até então, não fazia parte do ciclo obrigatório (a alfabetização na rede pública e em parte da rede particular era realizada normalmentena 1ª série). Passando agora a ter a seguinte configuração: 1º ano (antiga alfabetização), 2° ano (antiga 1ª série), 3° ano (antiga 2ª série), 4° ano (antiga 3ª série), 5° ano ( antiga 4ª série), 6° ano ( antiga 5ª série), 7° ano (antiga 6ª série), 8° ano (antiga 7ª série) e 9° ano ( antiga 8ª série). A organização do Ensino Fundamental divide o ensino, na prática, em dois segmentos, Ensino Fundamental I e Ensino Fundamental II. O primeiro deles corresponde aos cinco primeiros anos (chamados anos iniciais do Ensino Fundamental), que é desenvolvido, usualmente, em classes com um único http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Diretrizes_e_Bases_da_Educa%C3%A7%C3%A3o http://pt.wikipedia.org/wiki/1996 http://pt.wikipedia.org/wiki/Educa%C3%A7%C3%A3o_b%C3%A1sica http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o 13 professor regente, o que não acontece em todas as escolas, como observou-se durante a pesquisa. Nesta, pôde-se constatar que, em várias escolas, já existem outros professores, ditos de aulas especializadas, principalmente, em Informática, Educação Física, Artes/Música, Religião e Inglês. O segundo segmento corresponde aos anos finais, nos quais o trabalho pedagógico é desenvolvido por uma equipe de professores especialistas em diferentes disciplinas. A LDB, no art. 32, determina como objetivo do Ensino Fundamental a formação do cidadão, mediante: ―I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. Objetivo Geral do Ensino Fundamental: utilizar diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica, corporal — como meio para expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções da cultura. • Objetivo Geral do Ensino de Matemática: analisar informações relevantes do ponto de vista do conhecimento e estabelecer o maior número de relações entre elas, fazendo uso do conhecimento matemático para interpretá-las e avaliá-las criticamente. • Objetivo do Ensino de Matemática para o Primeiro Ciclo: identificar, em situações práticas, que muitas informações são organizadas em tabelas e gráficos para facilitar a leitura e a interpretação, e construir formas pessoais de registro para comunicar informações coletadas.‖ Nos PCNs para Ensino Fundamental, temos indicações para Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, Arte e Educação Física. O objetivo do Ensino de Matemática para o primeiro ciclo (no qual se enquadram os anos iniciais) se constitui em identificar, em situações práticas, que muitas informações são organizadas em tabelas e gráficos para facilitar a leitura e a interpretação e, assim, construir formas pessoais de registro para comunicar informações coletadas. No ensino de Matemática, também são abordados conteúdos que envolvem números e operações, aplicados para resolver problemas; o estudo do espaço e da forma (geometria) que auxilia os alunos a organizarem o pensamento por meio do reconhecimento e da análise das propriedades características de modelos geométricos; no conteúdo de grandezas e medidas, destacam-se atividades que conduzem à comparação de grandezas de mesma natureza e o desenvolvimento de procedimentos para uso adequado de relógio, régua, fita métrica etc. 14 Neste sentido, as metodologias de ensino devem procurar levar o aluno a explorar e descobrir todas as possibilidades de aquisição do conhecimento, desenvolvendo a sua capacidade de observar, descobrir e pensar com autonomia. Para isso, é privilegiado o ensino enquanto oportunidade de desenvolvimento da capacidade de aprender como um ato de interação entre professor e educando, através dos estímulos ao desenvolvimento pleno das potencialidades do aluno e sua inserção no ambiente social, trabalhando os conteúdos de forma interdisciplinar e contextualizada. Importante é se ter em conta que, qualquer que seja o conteúdo, este não deve ser visto como um fim em si mesmo, e, sim, como um meio para se aprender a pensar e questionar o próprio conhecimento, para se compreender que aprender não é reproduzir verdades alheias, mas sim olhar para o mundo colhendo dados, interpretando- os, transformando-os e tirando suas próprias conclusões. Os PCNs orientam que o objetivo geral do Ensino Fundamental deve ser utilizar diferentes linguagens: verbal, matemática, gráfica, plástica, corporal. Aplicando as mesmas como meio para expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções da cultura. Pretende-se dessa maneira a formação de um aluno que reflete, participa e assume responsabilidades, sendo esta conquista da autonomia condição imprescindível para alcançar o pleno exercício da cidadania e de uma integração com a cultura mais ampla. O que se pretende nessa etapa escolar é, fundamentalmente, estimular nos alunos o desenvolvimento, desde já, de competências, para que os mesmos consigam ampliar suas estratégias de ação, de comunicação e de relações interpessoais, a capacidade de perceber e entender as situações com mais clareza, extensão e profundidade, podendo tomar decisões de maior amplitude e acerto. ―Para o exercício pleno da cidadania, um mínimo de formação básica em ciências deve ser desenvolvido, de modo a fornecer instrumentos que possibilitem uma melhor compreensão da sociedade em que vivemos.‖ (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1990, p.56). Capítulo II - A matemática no Ensino Fundamental A partir da década de 1960, o ensino de Matemática sofreu forte influência do movimento que ficou conhecido como Movimento de Matemática Moderna – MMM. Em decorrência desse movimento, incorporaram-se ao trabalho em sala de aula uma grande ênfase ao uso da linguagem dos conjuntos e a formalização precoce de ideias matemáticas que ainda não estavam ao alcance e compreensão dos alunos. Esse movimento trouxe também a busca e a pesquisa de novos métodos de ensino e de recursos didáticos que 15 levassem em consideração que o educando precisa participar de forma ativa do seu processo de aprendizagem. Na década de 1980, pode-se observar, entre os educadores matemáticos, a preocupação de estabelecer uma proposta de educação que refletisse sobre formas de desenvolver as competências básicas necessárias para o exercício da cidadania. Essa preocupação se concretizou por meio de várias propostas, cujas características principais foram: O ensino da Matemática com base em problemas do cotidiano e das demais áreas de conhecimento; A exploração de um diversificado rol de conteúdos, ocupando-se de forma equilibrada e articulada de números e operações, espaço e forma, grandezas e medidas, além do tratamento de informação, que inclui elementos de estatística, probabilidade e análise combinatória; A utilização responsável dos recursos tecnológicos disponíveis – vídeo, calculadora, computador etc. – como ferramentas de aprendizagem. No Brasil, o estabelecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCNs, pelo Ministério da Educação e do Desporto foi um marco decisivo para essa nova forma de ver a educação. Neles, a Matemática está organizada em quatro blocos de conteúdos: Números e Operações; Espaço e Forma; Grandezas e Medidas; Tratamento da Informação. Os PCNs apontam a necessidade de se incorporar situações que explorem diferentes contextos, não somente o matemático, já nos anos iniciais da Educação Básica. Anos estes fundamentaispara que os alunos aprendam a ler números, a compreender as quatro operações aritméticas e a aplicá-las no cotidiano. As deficiências nesta etapa de escolarização comprometem assim todo o aprendizado do aluno no Ensino Básico e nas etapas subsequentes. Para que os futuros professores estejam em sintonia com essas orientações, precisa-se também ter clareza dos objetivos do ensino da Matemática no Ensino Fundamental e ser feito em sua formação um trabalho, para que aqueles que não têm em si essas competências desenvolvidas sejam capazes de vivenciar práticas que os permitam o resgate das competências e habilidades que irão necessitar na condução de seu trabalho, caso contrário irão perpetuar um círculo vicioso. Segundo Pozo (1998, p.45), os objetivos básicos do ensino da Matemática nos anos iniciais são: ―1º) O estabelecimento e potencialização de determinadas habilidades cognitivas; 2º) A avaliação dos conhecimentos fora da sala de aula; 16 3º) Utilização da Matemática como instrumento em outras áreas do conhecimento.‖ Para que se possa atingir tais objetivos, esta pesquisa propõe a aplicação de situações- problema interdisciplinares como estratégia na formação dos professores que atuarão nos anos iniciais da educação básica, tendo em vista a necessidade de prepará-los para uma adequada condução do seu trabalho. É essencial que o professor que vai atuar no ensino fundamental perceba o caráter prático da Matemática, ou seja, que ela permite às pessoas resolver problemas do cotidiano, para que diante dessa percepção seja capaz de apresentar aos seus alunos o conhecimento matemático de forma significativa. Além disso, a aprendizagem da Matemática deve também contribuir para o desenvolvimento do raciocínio, da lógica, da coerência, o que vai além dos aspectos práticos, o aprender a aprender. Os diferentes campos da Matemática devem interagir, de forma articulada, com as atividades matemáticas que deverão ser desenvolvidas. Não apenas as questões aritméticas devem merecer atenção, mas também são fundamentais os trabalhos geométricos e métricos e, além destes, os trabalhos que envolvem o raciocínio combinatório e o probabilístico e as análises estatísticas. Nos dias de hoje, a seleção e a organização de informações são aspectos centrais do trabalho com Matemática. Em um mundo em que há uma grande massa de informações, algumas contraditórias, outras pouco importantes, é necessário que o cidadão seja capaz de avaliar e selecionar criticamente as informações que lhe chegam. A Matemática oferece inúmeras ferramentas para lidar com as informações que chegam e estabelecer ligações entre temas matemáticos de diferentes campos e entre esses temas e conhecimentos de outras áreas de conhecimento. O conhecimento matemático não deve ser apresentado de forma descontextualizada e isolada. É importante a articulação de conteúdos da própria matemática, bem como mostrar a sua relação com outras áreas de conhecimento e com temáticas sociais importantes. É importante saber resolver situações-problema, sabendo validar estratégias e resultados, desenvolvendo formas de raciocínios e processos, como dedução, indução, intuição, analogia, estimativa e utilizando conceitos e procedimentos matemáticos, bem como as ferramentas tecnológicas disponíveis. A Matemática não deve ser trabalhada de forma simplesmente mecânica, uma vez que fórmulas e regras apresentadas para serem aplicadas em exercícios que seguem um dado modelo não constroem uma autonomia intelectual, tanto que quando se veem em variadas situações grande parte dos alunos não são capazes de aplicar os conhecimentos na solução das mesmas. E escutamos aquela dura afirmação: ―você nunca deu uma questão dessas‖. Assim, a potencialidade que ela tem de estimular o desenvolvimento de capacidades 17 importantes não é aproveitada. O aluno precisa conjecturar, construir argumentações, investigar, intuir, propor soluções para situações-problema apresentadas, se sentir capaz de produzir conhecimento. Precisa-se atentar para o fato de que o que se precisa é formar indivíduos que saibam ler, elaborar hipóteses, interpretar e se expressar com clareza, e não de indivíduos reprodutores de ideias e passivos. Essas competências devem ser desenvolvidas e são essenciais para uma boa atuação de um professor, para isso é necessário que este saiba comunicar-se, ou seja, descrever, representar e apresentar resultados e argumentar sobre suas conjecturas, fazendo uso da linguagem oral e estabelecendo relações entre ela e diferentes representações. Segundo Lerner (1995, p.116), o aluno deve ser levado a: ―resolver situações-problema diversificadas, elaborar estratégias e compará-las com os outros, construir formas de representação e discuti-las com os demais, confrontar interpretações acerca da notação convencional, antecipar e julgar resultados, refletir a partir das propriedades das operações e elaborar enunciados.‖ É importante fazer bom uso da linguagem oral ou se buscar relações entre ela e as representações matemáticas. Os textos matemáticos precisam estar mais presentes nas aulas dessa disciplina. É essencial que o aluno, em qualquer etapa de escolarização, seja estimulado a ler e a escrever pequenos textos relatando suas conclusões ou justificando suas hipóteses. Desta forma, colabora-se para que possa se sentir seguro da própria capacidade, desenvolvendo a autoestima e a determinação na busca de soluções. Igualmente importante é oportunizar situações nas quais ele possa interagir com seus colegas de modo cooperativo, trabalhando coletivamente na busca de soluções para as situações propostas, identificando aspectos consensuais ou não na discussão de um assunto, respeitando o modo de pensar dos colegas e aprendendo com eles. Isso é favorecido quando o professor atua de modo a instigar e conduzir o aluno a refletir sobre o seu pensamento e formular suas conjecturas. O conceito que cada um faz de sua possibilidade de produzir conhecimento é um dos fatores mais importantes do sucesso ou do fracasso de sua aprendizagem. É muito comum encontrarmos nos cursos de formação de professores para os anos iniciais alunos que não acreditam em sua capacidade de aprender matemática. Por esse motivo, é de fundamental importância que o trabalho com a Matemática possibilite a percepção de que se é capaz de resolver problemas e de raciocinar, como se faz no dia a dia. O professor tem papel decisivo nessa tarefa, em qualquer etapa de escolarização, daí a importância de que em sua formação inicial se qualifique para cumprir esse papel, pois ninguém pode desenvolver no outro algo que não tem desenvolvido em si. 18 Aprender matemática se dá em um contexto de interações, de troca de ideias e de saberes, de construção coletiva de novos conhecimentos. Evidentemente, o professor tem um papel muito importante como mediador e orientador dessas interações. No entanto, é preciso que os alunos percebam que podem aprender também com seus colegas e que podem ensiná- los. O trabalho colaborativo na busca de soluções de problemas é um objetivo de extrema importância. Quando se fala em conceitos e em procedimentos, sabe-se que é bastante difícil separar a aprendizagem de uns e de outros e que tal separação, de natureza didática, apenas ajuda a compreender que na construção do conhecimento há não só ―saberes‖ (teóricos), mas também ―fazeres‖ (práticos). É importante também destacar que a construção de conceitos e de procedimentos não acontece em um dado momento por meio de uma única explicação do professor, mas sim que ocorre por aproximações sucessivas, a partir da aplicação de variadas estratégias. O professor deve ter várias opções para dispor delas quando necessário. É preciso que o aluno tenha acesso a informações e vivencie situações em que esses conceitos estão em jogopara poder construir generalizações parciais que, ao longo de suas experiências, lhe possibilitarão atingir conceitualizações cada vez mais abrangentes. Estas, por sua vez, irão levá-lo à compreensão de princípios, ou seja, conceitos de maior nível de abstração. A aprendizagem não deve ser apenas de conceitos e procedimentos, mas também de atitudes. As atitudes devem sempre ser explicitadas aos alunos pelo professor, que deverá destacar a importância do desenvolvimento de atitudes favoráveis para a aprendizagem de Matemática. Dentre elas destacam-se: Confiança na própria capacidade para elaborar estratégias pessoais diante de situações-problema; Troca de experiências com seus colegas como forma de aprendizagem; Curiosidade por questionar, explorar e interpretar os diferentes usos dos números, reconhecendo sua utilidade na vida cotidiana; Interesse e curiosidade em conhecer diferentes estratégias de pensamento; Utilidade dos elementos de referência para localizar-se e identificar a localização de objetos no espaço; Sensibilidade para a observação das formas geométricas na natureza, nas artes, nas edificações; Uso de medidas e estimativas para resolver problemas cotidianos; Interesse por conhecer, interpretar e produzir informações; Organização na elaboração e apresentação dos trabalhos;. Leitura e interpretação de gráficos. 19 O professor tem um papel fundamental no desenvolvimento de tais atitudes. É preciso assumir uma postura de professor reflexivo, que busca despertar em seus alunos o gosto por estudar matemática, quanto mais o professor que tem diante de si alunos que serão responsáveis por ensinar matemática às crianças. Capítulo III - Matemática: por que se aprende, por que se ensina e o que é necessário ensinar nos anos iniciais do Ensino Fundamental? A Matemática fornece instrumentos eficazes para que se possa compreender e atuar em um mundo globalizado, sendo por isso uma ferramenta cada vez mais presente na solução de problemas do mundo. A partir dela são desenvolvidas estruturas abstratas baseadas em modelos concretos e raciocínios puramente formais, que permitem concluir sobre a possibilidade, ou não, da existência de certos padrões e suas propriedades no modelo original. Além de método, a Matemática é um meio de comunicação, uma linguagem formal, e como tal requer uma prática constante, um exercício de sua ―gramática‖. Por ser uma linguagem precisa, a Matemática permite a argumentação de forma clara, concisa, rigorosa e universal. Essa linguagem deve começar a ser trabalhada já nos anos iniciais de escolarização e tem de ser dominada pelos profissionais que vão atuar nesse segmento. O aspecto cultural da Matemática, o conhecimento matemático, faz parte do patrimônio cultural que a humanidade vem acumulando; possui características e procedimentos próprios, e tem um papel fundamental na construção de uma visão de mundo consciente e crítica. Em qualquer etapa de escolarização, o conhecimento matemático deve ser apresentado como historicamente construído e em permanente evolução. A seguir, destacam-se as competências definidas nas Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação, que devem ser adquiridas pelo aluno ao concluir a Educação Básica ao estudar Matemática: • Do eixo da Representação e comunicação: leitura, transmissão de ideias, interpretação e produção de textos nas diversas formas características da Matemática. Algumas habilidades referentes a esta competência são: Ler e interpretar dados apresentados em tabelas, gráficos, diagramas, fórmulas, equações ou representações geométricas; traduzir informações de uma dessas formas de apresentação para outra; utilizar essas formas de apresentação de informações selecionando, em cada caso, as mais adequadas; 20 Ler e interpretar diferentes tipos de textos com informações apresentadas na forma de linguagem matemática como, por exemplo, artigos de conteúdo econômico, social ou cultural, que aparecem em jornais e revistas, em propagandas de promoções e vendas, apresentados em folhetos ou na mídia; Expressar-se com clareza sobre temas matemáticos, oralmente ou por escrito. • Do eixo da Investigação e compreensão: capacidade de enfrentar desafios e resolução de situações-problema, utilizando-se de conceitos e procedimentos peculiares (experimentação, abstração, modelagem). Dentre as habilidades referentes a esta competência estão: Identificar os dados relevantes numa situação-problema, para buscar possíveis resoluções; Elaborar estratégias para resolver uma dada situação-problema; identificar regularidade em dadas situações; fazer estimativas; interpretar, fazer uso e elaborar modelos e representações matemáticas para analisar situações; Reconhecer relações entre a Matemática e as outras áreas do conhecimento. • Do eixo da Contextualização no âmbito histórico ou sociocultural, na forma de análise crítica das ideias e dos recursos da área, para questionar, modificar ou resolver problemas propostos. Tratar os conteúdos de ensino de forma contextualizada significa aproveitar ao máximo as relações existentes entre esses conteúdos e o contexto pessoal ou social do aluno, de modo a dar significado ao que está sendo aprendido, levando-se em conta que todo conhecimento envolve uma relação ativa entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Assim, a contextualização ajuda a desenvolver no aluno a capacidade de relacionar o aprendido com o observado e a teoria com suas consequências e aplicações práticas. Em Teberosky e Tolchinsky (orgs, 2002, p. 275), é debatida a necessidade da aquisição do conhecimento matemático, pois ele é fundamental para uma parcela cada vez maior da população e atesta que ―a maior parte das pessoas pode aprender matemática sem nenhuma dificuldade, desde que tal aprendizagem esteja vinculada a contextos e situações culturais e sociais significativas.‖ Algumas habilidades referentes a esta competência são: Compreender a construção do conhecimento matemático como um processo histórico, em estreita relação com as condições sociais, políticas e econômicas de uma determinada época; Compreender a responsabilidade social associada à aquisição e ao uso do conhecimento matemático, sentindo-se mobilizado para diferentes ações que envolvam seu interesse como cidadão ou de sua comunidade; 21 O tratamento contextualizado do conhecimento é um dos recursos que a escola tem para retirar o aluno da condição de mero espectador. Em Matemática, a contextualização é um instrumento bastante útil, mas que precisa ser interpretada num sentido amplo, e não empregada de modo artificial, ou restrito apenas a um universo mais imediato. Tratar os conteúdos de ensino de forma contextualizada significa aproveitar ao máximo as relações existentes entre esses conteúdos e a realidade, de modo a dar significado ao que está sendo aprendido. Dessa forma devem-se trazer questões da atualidade para serem refletidas em sala de aula, a fim de utilizar as ferramentas matemáticas para analisar situações de seu entorno real e propor soluções. O objetivo é, portanto, criar condições para uma aprendizagem motivadora, que leve o aluno a superar o distanciamento entre os conteúdos estudados e suas experiências, estabelecendo relações entre os tópicos trabalhados e trazendo referências que podem ser de natureza histórica, cultural ou social, ou mesmo de dentro da própria Matemática. Alguns temas como, por exemplo, o tratamento de dados, ou a contagem, podem ser mais facilmente referidos a situações que fazem parte do cotidiano da mídia e da linguagem coloquial. Outros podem ser estudados a partir de modificações de situações mais simples para mais complexas e que possuam motivação matemática. Esse tipo de contextualização estimula a criatividade, o espírito inventivoe a curiosidade. Capítulo IV - O que significa resolução de situações-problema e aprendizagem baseada em problemas? É fundamental se ter clareza do que se entende sobre o que é um problema. Considera- se que se está diante de um problema quando é possível confrontá-lo com uma questão a qual não se sabe dar resposta ou quando se está diante de uma situação que não se sabe resolver usando os conhecimentos de que já se dispõe. Estar diante de um problema é estar diante de uma situação em que o aluno é solicitado a realizar uma tarefa para a qual não possui um método de resolução predeterminado. Um problema matemático é uma situação que demanda a realização de uma sequência de ações ou operações para se chegar a um resultado. Ou seja, a solução não está disponível no início, mas é preciso construí-la. Se a realização da tarefa não for desejada pelo sujeito, a situação não pode ser considerada um problema. É problema tudo o que, de uma maneira ou de outra, implica da parte do sujeito a construção de uma resposta ou de uma ação que produza certo efeito. A noção de problema não tem sentido se o sujeito puder aplicar um sistema de respostas inteiramente constituído. É interessante destacar que todas essas concepções salientam o caráter não rotineiro da questão e a necessidade de envolvimento daquele que vai em busca da solução. Um problema é sempre relativo, pois se você já o conhece ou sabe sua resposta ele não é um problema, mas pode ser 22 para outra pessoa. Questões rotineiras não podem ser consideradas como problemas. Há um aspecto muito importante que é comum a todas as conceituações de problema, e que nada tem a ver com o conteúdo de uma determinada disciplina; trata-se da motivação. O aluno precisa ter interesse, precisa estar seduzido pela questão, precisa ter necessidade de chegar a uma resposta. Esta concepção de resolução de problemas encontra respaldo na orientação do National Council Supervisors of Mathematics (NCSM,1988), que destaca que um problema é ―um processo de aplicação de conhecimentos previamente adquiridos a novas e não familiares situações‖. Entende-se que o papel do problema é fornecer um vínculo entre o conteúdo e certa realidade que é dada pelo enunciado do problema. Ressalta-se que essa realidade é inteiramente flexível e pode variar desde a busca de garantias e condições de sobrevivência até ao mais abstrato dos procedimentos de uma teoria. Apresentar ideias matemáticas com significado é a melhor maneira de responder a habitual pergunta: ―para que serve isso?‖, que tanto os professores de matemática estão acostumados a ouvir. Na verdade, com as novas ideias sendo apresentadas a partir de situações-problema, dificilmente ocorrerá aos alunos essa pergunta; ou seja, os problemas já são uma situação de aplicação do conteúdo matemático e mostram, de forma a não deixar dúvidas, ―para que ele serve‖. Esse é um fator que revela para o professor se ele soube escolher bem os problemas propostos, ou se propiciou em sala de aula uma dinâmica onde os próprios alunos se deparem e proponham os problemas que deverão resolver, então essa pergunta não deverá surgir. Usar a resolução de problemas em sala de aula requer uma mudança de hábitos no que diz respeito, inclusive, a formas de avaliação. Pode-se perceber que, para a grande maioria dos alunos, resolver um problema significa fazer cálculos com os números do enunciado ou aplicar as fórmulas aprendidas em aula, sem necessariamente apropriar-se da situação ou buscar compreender, criticar, analisar e validar os resultados. Inclusive, quando se fala que se está solucionando um problema é comum associá-lo à disciplina Matemática, o que é um equívoco. O saber matemático muitas vezes não se apresenta como um conjunto de conceitos interrelacionados através dos quais se permita resolver um conjunto de problemas, mas como um interminável discurso simbólico, abstrato e incompreensível. A aprendizagem matemática neste contexto se dá mecanicamente, apenas por reprodução e imitação, o que não leva a uma aprendizagem significativa. A resolução de problemas, na perspectiva estudada por vários grupos de educadores matemáticos, tem como finalidade fazer com que os alunos usem conhecimentos e informações que estão a seu alcance. Dante (2000) afirma que a capacidade e a habilidade de resolver problemas se desenvolvem ao longo do tempo, como resultado de um processo de 23 ensino, de diferentes oportunidades para a resolução de variados tipos de problemas e de confronto com situações da realidade. Os PCNs resumem de forma interessante os princípios da resolução de problemas como eixo organizador do processo ensino/aprendizagem de Matemática: a. ―O ponto de partida da atividade matemática não é a definição, mas o problema. No processo de ensino e aprendizagem, conceitos, idéias e métodos matemáticos devem ser abordados mediante a exploração de problemas, ou seja, de situações em que os alunos precisem desenvolver algum tipo de estratégia para resolvê-las; b. O problema certamente não é um exercício em que o aluno aplica, de forma quase mecânica, uma fórmula ou um processo operatório. Só há problema se o aluno for levado a interpretar o enunciado da questão que lhe é proposta e a estruturar a situação que lhe é apresentada; c. Aproximações sucessivas ao conceito são construídas para resolver um certo tipo de problema; num outro momento, o aluno utiliza o que aprendeu para resolver outros, o que exige transferências, retificações, rupturas, segundo um processo análogo ao que se pode observar na história da Matemática; d. O aluno não constrói um conceito em resposta a um problema, mas constrói um campo de conceitos que tomam sentido num campo de problema. Um conceito matemático se constrói articulado com outros conceitos, por meio de uma série de retificações e generalizações; e. A resolução de problemas não é uma atividade para ser desenvolvida em paralelo ou como a aplicação da aprendizagem, mas uma orientação para a aprendizagem, pois proporciona o contexto em que se pode apreender conceitos, procedimentos e atitudes matemáticas.‖ Portanto, é muito importante discutir os procedimentos envolvidos na resolução de problemas, desde a leitura e a análise cuidadosa da situação até a elaboração de procedimentos de resolução que envolvem hipóteses, simulações e tentativas. É fundamental também aprender a comparar os resultados obtidos com os dos colegas e validar os procedimentos que utilizaram e desenvolver a argumentação. Para um trabalho nessa perspectiva é importante que o futuro professor vivencie em sua formação tais práticas. O psicólogo Lino Macedo (2002), no livro As Competências para Ensinar no Século XXI, defende que as situações-problema são uma forma e um recurso de desenvolvimento de competências e propõe "que consideremos competência seguindo três características: tomada de decisão, mobilização de recursos e saber agir, enquanto construção, coordenação e articulação de esquemas de ação ou de pensamento". Como já afirmou Confúcio: ―O que eu ouço, eu esqueço. O que eu vejo, eu lembro. O que eu faço, eu entendo‖. O professor, na atualidade, deve estar preparado para atuar como o mediador entre o conhecimento e o aluno, procurando resgatar nos estudantes o interesse em aprender e, dessa forma, ensinar com ênfase principalmente em situações-problema contextualizados no 24 cotidiano vivenciado ou que pode vir a ser vivenciado pelo aluno, propiciando a elaboração de trabalhos próprios e pesquisas, como estabelecem os Parâmetros Curriculares Nacionais. Recomenda-se que os professores utilizem a metodologia de resolução de problemas como estratégia didática. A resolução de situações-problema deve ser considerada não apenas como fonte de aprendizagem, mas também como atividade matemática na qual o educador pode efetivamente avaliar