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Universidade Salvador - UNIFACS EETI - Escola de Engenharia e TI INTRODUÇÃO À ENGENHARIA BIOQUÍMICA George de Souza Mustafa 2014 1. A LÓGICA MOLECULAR DOS SERES VIVOS 1.1 Introdução Os seres vivos são constituídos de moléculas desprovidas de vida; Essas moléculas, quando isoladas e examinadas, comportam-se de acordo com todas as leis físicas e químicas que descrevem o comportamento da matéria inanimada; Porém, os seres vivos apresentam atributos peculiares, os quais não são encontrados nos aglomerados de matéria inanimada. 1.2 As características identificadoras da matéria viva Atributos peculiares aos seres vivos: 1º) Os seres vivos são complexos e altamente organizados. Moléculas complexas e uma variedade surpreendente de espécies diferentes. A matéria inanimada (solo, água, ar e rochas) é constituída por mistura ao acaso de compostos químicos simples que apresentam uma estrutura comparativamente pouco organizada. 2º) Cada parte ou componente do organismo vivo tem um objetivo ou função específica. Não só as estruturas macroscópicas (asa, olho, flor etc.), como também as estruturas intracelulares (núcleo, membrana etc.) e os compostos químicos (lipídeos, proteínas, enzimas etc.) possuem um objetivo ou função específica. 3º) Possuem capacidade de extrair e transformar a energia do seu meio ambiente Os seres vivos utilizam essa energia para construir e manter suas intrincadas estruturas e realizar trabalhos mecânicos. A matéria inanimada não possui capacidade de utilizar a energia externa para manter a sua própria organização estrutural. Na realidade, ela passa a uma situação de maior desordem quando absorve energia externa (aumento de entropia). 4º) O atributo mais proeminente dos organismos vivos é a sua capacidade de efetuar auto-replicação precisa. Se os organismos vivos são constituídos de moléculas intrinsecamente inanimadas, por que a matéria viva difere tão radicalmente da matéria não- viva que também consiste intrinsecamente de matéria inanimada? O objetivo primordial da Bioquímica é determinar como os agregados de moléculas inanimadas que constituem os seres vivos interagem entre si para manter e perpetuar a condição vital. Muitos cientistas chegaram a conclusão que a biologia é química! Todos os fenômenos biológicos são, em última análise, de natureza molecular. Porém, não significa dizer que a biologia é simplesmente um outro campo da química, como a química orgânica, físico-química e química inorgânica. As moléculas constituintes dos seres vivos não somente se ajustam a todos os princípios da física e química, como também interagem umas com as outras, de acordo com outro conjunto de princípios que são chamados de Lógica Molecular da Condição Vital. Esses princípios não envolvem necessariamente qualquer lei ou força física desconhecida. Eles devem ser encarados mais exatamente como um conjunto peculiar de regras básicas que governam a natureza, função e interações dos tipos específicos de moléculas encontradas nos seres vivos, e que lhes atribui a capacidade de auto-organização e de auto-replicação. Nem todos os princípios incluídos na Lógica Molecular da Condição Vital já forma identificados, e alguns só foram compreendidos parcialmente. 1.3 Biomoléculas A composição química dos organismos vivos é qualitativamente muito diversa da do meio físico em que vivem. A maioria dos componentes químicos dos organismos vivos é de natureza orgânica – compostos de carbono, hidrogênio e nitrogênio. Em contraste, os elementos carbono e nitrogênio não são abundantes na matéria inanimada, além disso ocorrem na atmosfera e na crosta terrestre somente em formas inorgânicas simples, como o dióxido de carbono, nitrogênio, carbonatos e nitratos. Os compostos orgânicos presentes na matéria viva ocorrem numa variedade extraordinária e muito deles são extremamente complexos. Mesmo as células mais simples e menores, as bactérias, contêm um número muito elevado de moléculas orgânicas diferentes. A bactéria Escherichia coli contêm cerca de 5.000 compostos orgânicos diferentes, incluindo em torno de 3.000 tipos diferentes de proteínas e 1.000 espécies de ácidos nucléicos variados. No organismo humano podem existir até mesmo 100.000 tipos de proteínas diferentes. Nenhuma da moléculas protéicas de E. coli é idêntica a qualquer uma proteína encontrada nos seres humanos, ainda que algumas funcionem de maneira muito semelhante. Desde que existem mais de 1,5 milhões de espécies de seres vivos, pode-se calcular que todas as espécies vivas juntas devem conter entre 1010 a 1012 tipos diferentes de ácidos nucléicos. Para os bioquímicos a tentativa de isolar, identificar e sintetizar todas as moléculas orgânicas diferentes encontradas na matéria viva parece ser um empreendimento sem esperança. Paradoxalmente, a imensa diversidade das moléculas orgânicas constituintes dos organismos vivos pode se reduzir a uma simplicidade verdadeiramente absurda. Por exemplo, as proteínas consistem em cadeias de aminoácidos, os quais são compostos pequenos de estrutura conhecida. Somente 20 categorias diferentes de aminoácidos são encontradas nas proteínas, mas eles se organizam em muitas seqüências diferentes para formar uma enorme variedade de proteínas. Assim, todas as 3.000 proteínas da E. coli são constituídas de somente 20 moléculas pequenas diversas. De maneira similar, todos os 1.000 ácidos nucléicos da célula da E. coli são feitos de somente 8 monômeros denominados de nucleotídeos, quatro dos quais são os blocos construtivos de DNA (ácido desoxirribonucléico) e quatro os blocos construtivos do RNA (ácido ribonucléico). Além disso, os 20 aminoácidos diferentes que formam as proteínas e os 8 nucleotídeos diversos que constituem os ácidos nucléicos são idênticos em todas as espécies existentes. As poucas moléculas primárias têm uma outra característica marcante. Cada uma delas desempenha mais de uma função nas células vivas. Na verdade, algumas são extremamente versáteis e exercem muitos papéis. Os aminoácidos não são apenas os blocos construtivos das proteínas, mas também os precursores de hormônios, alcalóides, pigmentos e muitas outras biomoléculas. Parece, portanto, provável que as biomoléculas primárias tenham sido selecionadas durante o processo da evolução biológica pela sua capacidade de exercer diversas funções. Tanto quanto sabemos, os organismos vivos atuais não contêm compostos desprovidos de função, ainda que não se conheça a função exata de muitas biomoléculas. 1.4 Lógica molecular da condição vital Das observações anteriores sobre as biomoléculas, emergem alguns dos axiomas da Lógica Molecular da Condição Vital: 1º) Existe uma simplicidade básica na organização molecular da célula. Uma vez que milhares de macromoléculas diferentes presentes na célula são construídas de um número pequeno de moléculas primárias simples. 2º) O conjunto de organismos vivos possui um só ancestral comum. Uma vez que as biomoléculas que são blocos construtivos são idênticas em todas as espécies conhecidas. 3º) A identidade de cada espécie de organismo é mantida graças à posse de um conjunto distinto de ácidos nucléicos e proteínas. Tendo em vista que cada organismo possui seus conjuntos próprios de ácidos nucléicos e proteínas. 4º) Existe um princípio básico de economia molecular nos seres vivos. A economia molecular está relacionada com a versatilidade funcional das biomoléculas. Talvez as células vivas contenham as moléculas mais simples possíveis com o menor número possível de tipos diferentes, justo suficiente para permitir a aquisição dos atributos da vida e da identidadeespecífica nas condições ambientais vigentes para ela. 1.5 Transformações de energia nas células vivas A complexidade molecular e a ordem estrutural dos organismos vivos, em contraste com a estrutura ao acaso da matéria inanimada, têm implicações profundas para o físico. A Segunda lei da termodinâmica estabelece que os processos físicos e químicos tendem para um aumento de desordem no mundo, isto é, a sua entropia. Os processos naturais nunca ocorrem de modo a reduzir a sua entropia. Como é então que os organismos vivos podem criar e manter sua estrutura extremamente ordenada e complexa em um meio ambiente que é relativamente desordenado, e que se torna mais ainda com o tempo? Os organismos vivos não constituem exceções às leis da termodinâmica. Seu alto grau de ordem molecular é mantido por um certo preço, já que ela não pode surgir espontaneamente da desordem. A primeira lei da termodinâmica estabelece que a energia não pode ser destruída nem criada. Os organismos vivos não podem, assim, destruir ou criar energia; eles somente podem transformar uma modalidade de energia em outra. Eles incorporam, de seu ambiente, uma forma de energia que é utilizável por eles nas condições especiais de temperatura e pressão nas quais vivem e, em seguida, repõem ao meio ambiente uma quantidade equivalente de energia em outra forma, menos utilizável. A modalidade utilizável de energia que as células incorporam é denominada de energia livre, que pode, simplesmente, ser definida como o tipo de energia capaz de produzir trabalho em condições de temperatura e pressão constantes. A forma menos utilizável de energia que a célula retorna ao ambiente está, principalmente, sob a forma de calor, que distribuí-se ao acaso no meio ambiente, aumentando sua entropia. Podemos agora estabelecer outro axioma , extremamente importante, da lógica molecular da condição vital: os organismos vivos criam e mantêm sua ordenação essencial às custas de seu meio ambiente, o qual se torna, por isso, mais desordenado. O meio ambiente dos seres vivos é absolutamente essencial para eles, não somente como uma fonte de energia, mas também como uma fonte de matérias-primas. Termodinamicamente, os organismos vivos são sistemas abertos, pois trocam tanto energia como matéria com seu meio ambiente e, ao fazerem isso, transformam ambos. É uma característica dos sistemas abertos o fato de eles não estarem em equilíbrio com as vizinhanças. Ainda que os organismos vivos pareçam estar em equilíbrio, uma vez que eles podem não apresentar modificação visível à observação durante um certo período de tempo, eles se encontram, na realidade, na condição designada como estado estacionário, que é a condição de um sistema aberto em que a velocidade de transferência de matéria e energia do ambiente para o sistema é compensada exatamente pela velocidade de transferência de matéria e energia para fora do sistema. É, portanto, parte da lógica molecular da condição vital que a célula seja um sistema aberto em estado de não-equilíbrio, uma máquina para extrair energia livre do ambiente, causando, em conseqüência, aumento de sua entropia. Ainda mais – e esta é outra reflexão do princípio de máxima economia -, as células vivas são altamente eficientes na manipulação de energia e matéria. Elas excedem em muito a eficiência de muitas máquinas feitas pelos seres humanos quanto a seu rendimento em converter energia absorvida em trabalho produzido. A maquinaria de transformação de energia dos seres vivos é construída inteiramente de moléculas orgânicas frágeis e instáveis, que são incapazes de resistir a temperaturas elevadas, correntes elétricas intensas ou condições extremamente ácidas ou básicas. A célula viva é também essencialmente isotérmica; a qualquer tempo, todas as partes da célula têm praticamente a mesma temperatura. Além disso, não existem diferenças significantes de pressão entre uma parte e a outra da célula. Por essas razões, as células são incapazes de utilizar o calor como fonte de energia, já que ele não pode realizar trabalho em pressão constante, se não há passagem de uma zona de temperatura elevada para outra de temperatura inferior. As células vivas, portanto, não se assemelham às máquinas caloríficas ou elétricas, ao contrário, elas obedecem a um outro importante axioma da lógica molecular da condição vital: as células vivas funcionam como máquinas isotérmicas. A energia que as células absorvem de seu meio ambiente é recuperada na forma de energia química, a qual é então transformada para realizar o trabalho químico envolvido na biossíntese de componentes celulares, o trabalho osmótico necessário para o transporte de materiais na célula ou o trabalho mecânico da contração e locomoção; todas essas transformações ocorrem essencialmente à temperatura constante. Entre as máquinas mais conhecidas feitas pelos seres humanos, somente um número reduzido é capaz de utilizar a energia química para realizar trabalho a temperatura constante. Na realidade, a engenharia tecnológica ainda está por produzir uma máquina utilizável capaz de converter a energia química em energia mecânica isotermicamente, e, todavia, esse tipo de conversão de energia é familiar a todos nós durante a contração dos músculos. 1.6 Reações químicas nas células vivas As células podem operar como máquinas químicas porque elas possuem enzimas, catalisadores capazes de aumentar bastante a velocidade das reações químicas específicas, acima de 1 milhão de vezes. As enzimas são moléculas protéicas altamente especializadas, feitas pelas células a partir de aminoácidos. Cada tipo de enzima catalisa somente um tipo específico de reação química: são conhecidas mais de mil enzimas diferentes. As enzimas excedem em muito os catalisadores feitos pelos seres humanos na sua especificidade de reação, sua eficiência catalítica, e sua capacidade de opera em condições suaves de temperatura e pH. Elas podem catalisar, em segundos, seqüências complexas de reações que levariam dias, semanas ou meses de trabalho em um laboratório químico. Existe, contudo, uma propriedade notável das reações químicas dos seres vivos que torna possível sua função eficiente como máquinas químicas; as reações catalisadas por enzimas transcorrem com um rendimento de 100%; não existem subprodutos. Em contraste, as reações dos compostos orgânicos em laboratório, com catalisadores feitos pelos seres humanos, são quase sempre acompanhadas pela formação de um ou mais compostos colaterais indesejados, de modo que o rendimento nunca é de 100% e a purificação intensa do produto torna-se necessária. O fato das enzimas acentuarem um só percurso da reação de uma determinada molécula, sem acentuarem outras reações possíveis, permite aos organismos vivos efetuarem simultaneamente muitas reações individuais diferentes, sem produzir derivados inúteis. Esse alto grau de especificidade das enzimas resulta da operação de um outro axioma fundamental da lógica molecular da condição vital: a especificidade das interações moleculares nas células resulta da complementaridade estrutural das moléculas que interagem. As moléculas enzimáticas devem se combinar com seus substratos durante o ciclo catalítico, de tal maneira que o sítio ativo da molécula enzimática se ajusta ao substrato com uma complementaridade tipo chave-fechadura quase perfeita. As centenas de reações químicas catalisadas por enzimas que ocorrem na célula não se passam independentemente umas das outras. Na realidade, elas estão ligadas em muitas seqüências diversas de reações consecutivas que possuem intermediários comuns, de modo que o produto da primeira reação se torna o substrato, ou reagente, da segunda, e assim por diante. Tais seqüências, ligadas ou acopladas, que podem apresentar de duas a vinte, ou mais, reações intermediárias, são, por sua vez,interconectadas para formarem redes de padrões convergentes ou divergentes. Esse arranjo tem muitas implicações biológicas importantes. Uma delas é que tais sistemas de reações consecutivas permitem uma canalização das reações químicas ao longo de percursos específicos para chegarem a determinados produtos finais. A outra é que as reações seqüenciais tornam possível a transferência de energia química. A transferência de energia não pode ocorrer entre duas reações químicas em condições de temperatura e pressão constantes, a não ser que as duas reações tenham um intermediário comum. Tomemos como exemplo duas reações independentes que ocorrem no mesmo recipiente a temperatura e pressão constantes: A B C D Cada uma delas prosseguirá com a mesma queda de energia livre, independente da presença da outra. Todavia, em duas reações consecutivas alguma energia química pode ser transferida de A para C por meio do intermediário comum B. A B B C As células vivas podem ser divididas em dois grandes grupos, dependendo do tipo de energia que elas obtêm de seu meio ambiente. As células fotossintéticas utilizam a energia solar como sua fonte principal de energia; a energia radiante é absorvida por um pigmento – a clorofila – e transformada em energia química. As células heterotróficas utilizam a energia de moléculas orgânicas ricas em energia, altamente reduzidas, como a glucose, as quais elas obtêm do meio ambiente. A maioria das células animais são heterotróficas. Nas células heterotróficas, a glucose é oxidada à dióxido de carbono e água; nesse processo uma parte da energia livre da molécula de glucose é conservada e empregada para promover vários tipos de trabalho celular. Ainda que essas duas classes de organismos vivos obtenham a energia do meio ambiente em formas diversas, ambas a transformam em energia química, largamente na forma de uma molécula específica – a adenosina-trifosfato (ATP). O ATP opera como o transportador principal de energia química das células de todas as espécies conhecidas. À medida que ele transfere sua energia para outras moléculas, perde seu grupo de fosfato terminal e torna-se adenosina-difosfato (ADP), que é a contrapartida descarregada, ou pobre em energia, do ATP. O ADP pode, por sua vez, receber energia química novamente, recuperando um grupo de fosfato para se tornar ATP, às custas ou de energia solar (nas células fotossintéticas) ou de energia química (nas células heterotróficas). O ATP serve como um intermediário comum, ou elo de ligação, entre duas redes amplas de reações celulares catalisadas por enzimas. Uma dessas redes conserva a energia química derivada do meio ambiente através da fosforilação do ADP, pobre em energia, que é transformado no ATP, rico em energia. A outra rede de reações utiliza a energia do ATP para realizar a biossíntese dos componentes celulares a partir de precursores simples, com o desdobramento simultâneo do ATP em ADP. Podemos agora estabelecer um outro axioma na lógica molecular das células: seqüências de reações catalisadas por enzimas, ligadas consecutivamente, propiciam os meios para a transferência de energia química dos processos produtores para os consumidores de energia. 1.7 Auto-regulação das reações celulares Existe um outro resultado importante proveniente do fato de que todas as reações químicas da célula são catalisadas por enzimas e são ligadas por intermediários comuns. Uma simples célula bacteriana como a E. coli sintetiza simultaneamente todos os seus milhares de componentes moleculares complexos diferentes, a partir de somente três precursores simples: glucose, amônia e água. Aqui, a célula viva emprega uma espécie de lógica química que está além do atual estado da arte da química de sínteses no laboratório. Se um químico tivesse que enfrentar o problema de sintetizar dois produtos, digamos um aminoácido e um lipídeo, ele jamais sonharia sintetizá-los a partir dos mesmos percursores, simultaneamente, no mesmo recipiente de reação. Ele iniciaria cada síntese usando percursores diferentes e seqüências diversas de reações. Ele realizaria as duas sínteses independentemente, em frascos separados, e provavelmente em tempos diversos. Todavia, nas células vivas, a síntese de milhares de moléculas extremamente diferentes é realizada simultaneamente, literalmente no mesmo recipiente, começando de somente alguns percursores comuns. A interconexão das reações catalisadas por enzimas em seqüências de reações consecutivas torna possível a canalização ordenada das milhares de reações químicas que estão ocorrendo nas células, de modo que todas as biomoléculas específicas requeridas pela estrutura e função celulares são produzidas em quantidades e velocidades apropriadas. Uma célula bacteriana sintetiza simultaneamente, talvez, três mil ou mais tipos diferentes de moléculas protéicas em relações molares específicas umas com as outras. Cada uma dessas moléculas protéicas contém um mínimo de cem unidades de aminoácidos em uma cadeia; muitas contêm bem mais. Mesmo assim, a 37 ºC, a célula bacteriana requer somente poucos segundos para completar a síntese de qualquer molécula protéica simples. Em contraste, a síntese de uma proteína pelos seres humanos, em laboratório – um feito que só foi conseguido, pela primeira vez, em 1969 -, requer o trabalho de químicos altamente especializados, grandes quantidades de reagentes caros, centenas de operações separadas, equipamento complexo automatizado e meses de preparação e execução. Não somente pode a célula bacteriana fazer moléculas protéicas individuais muito rapidamente, mas ela pode, também, fazer três mil ou mais tipos diferentes de proteínas simultaneamente, na relação molar exata requerida para construir uma célula viva funcionante. A conexão das reações catalisadas por enzimas em seqüências consecutivas torna a regulação do metabolismo possível, atribuindo-lhe propriedades de auto-regulação. No caso mais simples, o acúmulo excessivo de um produto final do metabolismo, como um aminoácido, por exemplo, pode inibir a etapa de velocidade limitante na seqüência de reações pela qual ele é formado, um tipo de controle conhecido como retroinibição. Além disso, as células vivas possuem o poder de regular a síntese de seus próprios catalisadores. Assim, a célula pode “desligar” a síntese de enzimas requeridas para fazer um determinado produto a partir de seus precursores toda vez que tal produto esteja disponível, já pronto, proveniente do meio ambiente. Temos, em conseqüência, outro importante princípio: as células são capazes de regular suas reações metabólicas e a biossíntese de suas enzimas, para atingir a máxima eficiência e economia. 1.8 A auto-replicação dos organismos vivos A mais notável de todas as propriedades da célula viva é sua capacidade de se reproduzir com uma fidelidade quase perfeita, não somente uma ou duas vezes, o que já seria bastante notável, mas centenas e milhares de gerações. Três aspectos imediatamente se salientam. Primeiro, alguns organismos vivos são tão imensamente complexos que a quantidade de informação genética transmitida está fora de qualquer proporção em relação ao tamanho diminuto das células que devem transportar essa informação, isto é, o espermatozóide e a célula-ovo. Sabemos hoje que praticamente toda a informação genética está presente nos cromossomas, codificada na forma de seqüências específicas de blocos construtivos de nucleotídeos em uma quantidade muito pequena de DNA, que, em uma célula-ovo ou espermatozóide humano, é não mais do que cerca de 6 x 10 –12 g. Pesquisas modernas dos aspectos bioquímicos da genética levaram, assim, a um outro axioma da lógica molecular da condição vital: os símbolos em que a informação genética é codificada no DNA são de dimensões submoleculares.Uma segunda característica notável da propriedade auto-replicante dos organismos vivos é a extraordinária estabilidade da informação genética armazenada no DNA. Pouquíssimos registros históricos preparados pelos seres humanos sobreviveram por tanto tempo. Existem, contudo, boas razões para acreditar que as bactérias atuais tenham aproximadamente o mesmo tamanho, forma, estrutura interna e contenham os mesmos tipos de blocos construtivos moleculares, e as mesmas variedades de enzimas, que as que viveram há centenas de milhões de anos atrás, apesar do fato de as bactérias, como todos os organismos, terem sofrido modificações genéticas constantes durante a evolução biológica. A informação genética é preservada na forma de ácido desoxirribonucléico (DNA ou ADN), uma molécula orgânica tão frágil que, quando isolada em solução, quebra-se em muitos fragmentos se a solução é simplesmente agitada ou pipetada. A capacidade das células vivas em preservar sua informação genética é o resultado da operação do princípio da complementaridade estrutural. Um filamento de DNA serve como a matriz para a replicação enzimática de um filamento estruturalmente complementar de DNA. De fato as enzimas sintetizadoras de DNA da célula não podem fazer DNA sem uma matriz. É, sem dúvida, notável que, mesmo na célula intacta, a molécula de DNA pode se quebrar freqüentemente, mas é rápida e automaticamente reparada por enzimas específicas. Erros ou mutações ocorrem só raramente, mas, mesmo estes, não são sempre deletérios, e podem apresentar vantagens, ao permitirem que uma determinada espécie de organismo modifique gradualmente sua identidade, para melhor se adaptar às alterações do meio ambiente no curso da evolução. Existe ainda uma terceira característica notável da transferência da informação genética nos organismos vivos. Uma vez que a informação genética é codificada na forma de uma seqüência específica de quatro blocos construtivos de nucleotídeos na molécula linear polimérica do DNA, ela é, portanto, linear, unidimensional. Chegamos aqui a um axioma crucial da lógica molecular da condição vital, aquele que fornece a conexão entre a química linear simples do DNA e todos os atributos tridimensionais da grande variedade de organismos multicelulares: a informação unidimensional do DNA é traduzida em componentes tridimensionais macromoleculares e supramoleculares dos organismos vivos através da tradução da estrutura do DNA em estrutura protéica. Todavia, ao contrário da molécula do DNA, uma cadeia polipeptídica não é estável na forma estendida linear. Ela se enrola espontaneamente, dobrando-se em uma estrutura tridimensional específica e estável, cuja geometria precisa é determinada pela própria seqüência de aminoácidos. Cada tipo de cadeia polipeptídica assume sua configuração tridimensional característica, o que atribui a ela uma atividade biológica específica. Além disso, as diversas variedades de moléculas protéicas que servem como componentes de tais bioestruturas, como membranas, ribosomas e outras organelas, agrupam-se automaticamente em estruturas tridimensionais exatamente reproduzíveis, pois elas se ajustam umas às outras somente de uma maneira específica – novamente de acordo com os princípios da complementaridade estrutural. 1.9 Considerações finais Descrevemos até agora inúmeras características das interações e inter-relações das biomoléculas que constituem, em conjunto, a lógica molecular da condição vital. Podemos resumir esses princípios pela seguinte afirmação: uma célula viva é um sistema aberto, isotérmico, de moléculas orgânicas, que se auto-estrutura, se auto-ajusta e se auto-replica, operando de acordo com o princípio da economia máxima de partes e processos; ele promove muitas reações orgânicas consecutivas interligadas para a transferência de energia e para a síntese de seus próprios componentes, por meio de catalisadores orgânicos que ele próprio produz. Em nenhum ponto de nosso exame da lógica molecular das células vivas encontramos qualquer violação das leis físicas conhecidas, nem foi necessário definir novas leis físicas. O dispositivo geral das células vivas funciona com o mesmo conjunto de leis que governa a operação das máquinas construídas pelos seres humanos, mas as reações e processos químicos das células foram aperfeiçoados muito além das possibilidades atuais da tecnologia química. Nesse levantamento, esboçamos que o objetivo central e mais fundamental da bioquímica é determinar em detalhe a lógica molecular da célula viva. Esse não é, porém, o único objetivo da bioquímica e nem mesmo seu propósito final. A bioquímica da célula é apenas o ponto de partida para o estudo molecular de muitos outros problemas de biologia. Mais fundamental talvez seja deduzir como, na obscura história primordial da Terra, certos compostos orgânicos inanimados “encontram-se” pela primeira vez, “aprenderam” a interagir uns com os outros, e finalmente se organizaram nas primeiras estruturas “vivas”. Outro aspecto é aprender como as primeiras células sofreram seu desenvolvimento evolutivo para formar a grande variedade de espécies de plantas e animais que vemos ao nosso redor na atualidade. Um outro objetivo é a descrição molecular das interações entre as células nos tecidos e das funções especializadas como a contração muscular. Ainda outro objetivo é a análise bioquímica da função neural, do nível de simples comunicação celular até o de integração, de memória, de comportamento e, finalmente, de pensamento – na realidade, toadas as questões de profundidade que se apresentam aos seres humanos em sua tentativa de compreender sua própria natureza. E, ainda, juntamente com essas questões fundamentais, a bioquímica está também desenvolvendo uma visão progressiva sobre as doenças humanas e seu tratamento, sobre a vida vegetal e a agricultura, e sobre o balanço ecológico da biosfera. 2. BIOMOLÉCULAS E CELULAS 2.1 A adequação biológica dos compostos orgânicos Somente 27 elementos químicos naturais da crosta terrestre foram encontrados nos organismos vivos: O, C, N, H, P, S, Na, K, Mg, Ca, Cl, Mn, Fe, Co, Cu, Zn, B, Al, V, Mo, I, Si, Sn, Ni, Cr, F e Se. Abundância relativa (% do nº total de átomos): Element os Corpo Humano Crosta Terrestre H 63 0,22 O 25,5 47 C 9,5 0,19 N 1,4 - Ca 0,31 3,5 P 0,22 - Cl 0,08 - K 0,06 2,5 S 0,05 - Na 0,03 2,5 Mg 0,01 2,2 Si - 28 Al - 7,9 Fe - 4,5 Ti - 0,46 Corpo humano: H + O + C + N = 99,4 % Propriedades comuns a H, O, C e N: 1) Formam ligações covalentes (H: 1 elétron; O: 2 elétrons; N: 3 elétrons e C: 4 elétrons); 2) Reagem entre si para formar um grande número de compostos covalentes diversos; 3) Oxigênio, carbono e nitrogênio podem originar ligações duplas (versatilidade); 4) São os elementos mais leves capazes de formar ligações covalentes; 5) Como a força da ligação covalente é inversamente proporcional ao peso atômico, são capazes de formar ligações muito fortes; 6) Átomo de carbono pode se ligar ao outro átomo de carbono, aumentando o tamanho da molécula; 7) Nenhum outro elemento químico pode formar moléculas de tamanhos e formas tão diversificados como o carbono. 2.2 A hierarquia de organização molecular das células As biomoléculas dos organismos vivos são ordenadas em uma hierarquia de complexidade molecular crescente. Todas as biomoléculas orgânicas derivam de precursores muito simples, de baixo peso molecular, obtidos do meio ambiente (CO2, H2O e N2). A B C Precursores → Intermediários metabólicos → Biomoléculas monoméricas primárias → PM = 18 – 44 PM = 50 – 250 PM =100 – 350 C D E → Macromoléculas → Estruturas supramoleculares → Célula PM = 103 a 109 PM = 106 - 109 Nas etapas A, B e C ocorrem reações químicas, produzindo ligações covalentes. Na etapa D, não ocorre reação química, mas ligações produzidas por forças não- covalentes, como ponte de hidrogênio e forças de Van der Waals. Célula Núcleo Mitocôndrias Cloroplastos Corpúsculos de Golgi Estruturas supramoleculares Ribosomas Complexos enzimáticos Sistemas contráteis Microtúbulos Macromoléculas Ácidos nucléicos Proteínas Polissacarídeos Lipídeos Biomoléculas monoméricas primárias Nucleotídeos Aminoácidos Monossacarídeos Ácidos graxos Glicerol Intermediários metabólicos Piruvato Citrato Malato Gliceraldeído 3-fosfato etc. Percursores provenientes do meio ambiente CO2 H2O N2 Principais componentes de uma célula da bactéria Escherichia coli: Componentes % do peso total Nº de cada tipo molecular Água 70 1 Proteínas 15 3.000 Ácido nucléico (DNA) 1 1 Ácido nucléico (RNA) 6 1.000 Carboidratos 3 50 Lípideos 2 40 Moléculas monoméricas primárias e intermediárias 2 500 Íons inorgânicos 1 12 1) As proteínas são as macromoléculas mais importante da célula, constituindo mais de 50% de peso seco da célula; 2) Todas as células vivas contém aproximadamente as mesmas proporções destas biomoléculas da E. coli, exceto partes relativamente inertes (ossos, cabelo etc.). Funções idênticas para todos os seres vivos: 1) Ácido nucléicos: armazena e transmite informações genéticas; 2) Proteínas: efetua a ação genética, algumas funcionam como enzimas e outras operam como elementos estruturais (é a classe mais versátil das macromoléculas); 3) Polissacarídeos: armazena combustível produtor de energia para a atividade celular (amido) e serve como elementos estruturais extra celulares (celulose); 4) Lipídeos: componentes estruturais das membranas e armazena combustível rico em energia. 2.3 Biomoléculas primordiais Na célula de E. coli existem talvez 3.000 tipos diferentes de proteínas e 1.000 tipos diferentes de ácidos nucléicos; Todas as proteínas são feitas de somente 20 aminoácidos diversos e os ácidos nucléicos são constituídos principalmente de só 8 nucleotídeos diferentes; Em 1953, Stanley Miller, submeteu misturas gasosas de CH4, NH3, H2O e H2 (provável atmosfera a mais de 4 bilhões de anos atrás) a faíscas elétricas; A fase gasosa continha: CO, CO2 e N2; O condensado, de cor escura: glicina, alanina, sarcosina, β-alanina, ácido α- aminobutírico, N-metilalanina, ácido aspártico, ácido glutâmico, ácido iminodiacético, ácido iminoacetopropiônico, ácido fórmico, ácido acético, ácido glicólico, ácido láctico, ácido α-hidroxibutírico, ácido succínico, uréia, metiluréia etc.. 3. ELEMENTOS DE MICROBIOLOGIA 3.1 Introdução à Microbiologia A partir da descoberta e início dos estudos dos microrganismos, ficou claro que a divisão dos seres vivos em dois reinos, animais e plantas, era insuficiente. O zoólogo E.H. Haeckel, em 1866, sugeriu a criação de um terceiro reino, denominado de Protista, englobando as bactérias, algas, fungos e protozoários. Essa classificação mostrou-se satisfatória até que estudos mais avançados sobre ultra- estrutura celular demonstraram duas categorias de células: as procarióticas e as eucarióticas. Nas primeiras o núcleo é limitado pela membrana nuclear e apresenta no seu interior vários cromossomas. Assim, em 1969, R.H. Wittaker propôs a expansão da classificação proposta por Haeckel, baseado não só na organização celular mas também na forma de obter energia e alimento: Reino Plantae, Reino Animalia, Reino Fungi, Reino Protista (microalgas e protozoários) e Reino Monera (bactérias e cianobactérias). 3.2 Nutrição Microbiana 3.2.1 Considerações gerais Basicamente as necessidades nutritivas dos microrganismos são as mesmas que as de todos os seres vivos, que, para renovarem seu protoplasma e exercerem suas atividades, exigem fontes de energia e fontes de material plástico. Nos seres vivos superiores, todavia, apenas dois tipos nutritivos: a) os vegetais são fotossintéticos, isto é, obtêm energia da luz solar, e autotróficos, nutrindo-se exclusivamente de substâncias inorgânicas; b) os animais são quimiotróficos, obtendo energia às custas de reações químicas e heterotróficos, por exigirem fontes orgânicas de carbono. Entre os microrganismos, principalmente as bactérias, há uma variedade de tipos intermediários entre os dois tipos mencionados. 3.2.2 Fontes de energia As algas e algumas bactérias são fotossintéticas. Nas primeiras o pigmento principal é a clorofila, como nas plantas; durante o processo a água é utilizada como doadora de elétrons, com desprendimento de oxigênio. Esse processo é importantíssimo e cerca de 50% do oxigênio atmosférico provém dele. Nas bactérias, o pigmento fotossintético não é a clorofila vegetal; não há produção de oxigênio, pois a água não é utilizada como fonte de elétrons. Bactérias que utilizam compostos inorgânicos (H2S, por exemplo) para esse fim são chamadas de litotróficas; as organotróficas são as que exigem doadores orgânicos de elétrons. Os fungos e a grande maioria das bactérias são quimiotróficos, obtendo energia às custas de reações químicas, onde substratos adequados são oxidados. Os microrganismos lititróficos oxidam compostos inorgânicos, enquanto que os organotróficos oxidam compostos orgânicos. No primeiro grupo encontramos somente bactérias, algumas de considerável importância. Como por exemplo, as bactérias do gênero Thiobacillus são capazes de oxidar enxofre produzindo ácido sulfúrico. São, por isso, utilizadas na lixiviação de metais ou minérios pobres, como de cobre ou de urânio, onde o processo químico usual seria pouco econômico. No segundo grupo encontramos os fungos, além de um grande número de bactérias. 3.2.3 Fontes de material plástico Para a renovação da matéria viva, os elementos quantitativamente mais importantes são o carbono, o hidrogênio, o nitrogênio, o enxofre e o fósforo. Fontes de carbono. Para os microrganismos autotróficos a única fonte de carbono é o CO2 ou o íon bicarbonato, a partir dos quais conseguem sintetizar todos os compostos orgânicos de que necessitam. Fungos e a maioria das bactérias são heretróficos, exigindo fontes orgânicas de carbono; destas, as mais comuns são os carboidratos, particularmente D-glicose; aminoácidos, ácidos monocarboxílicos, lipídeos, álcoois e mesmo polímeros como amido e celulose podem também ser utilizados. Na realidade, qualquer composto orgânico natural e muitos sintéticos podem ser utilizados por algum microrganismo. Essa versatilidade é de uma extraordinária importância, permitindo o emprego de microrganismos numa extensa série de transformações úteis aos seres humanos. Na maior parte das vezes, o mesmo composto é usado para obter energia e esqueletos de carbono. Além disso, os microrganismos heterotróficos são também capazes de fixar CO2 (muitos o exigem em quantidades maiores), embora não como fonte única de carbono. Os elementos químicos oxigênio e hidrogênio geralmente fazem parte dos compostos orgânicos. Fontes de nitrogênio. Quanto à necessidade de nitrogênio há, em linhas gerais, três categorias de microrganismos. Algumas bactérias retiram o nitrogênio diretamente da atmosfera e o convertem a nitrogênio orgânico. Essa “fixação” de nitrogênio é exercida por bactérias dos gêneros Azotobacter, Clostridium e Rhizobium. Elas executam o processo em simbiose com plantas leguminosas. Estudos recentes têm demonstrado que, além desses, outros microrganismossão capazes de fixar diretamente o nitrogênio atmosférico: algumas algas azul esverdeadas e bactérias dos gêneros Achromobacter, Nocardia, Pseudomonas e Aerobacter. Novamente temos aqui um processo de considerável importância econômica. Tais microrganismos podem contribuir de maneira significativa na fertilidade e produtividade do solo. Numerosos fungos, algas e a quase totalidade das bactérias utilizam compostos inorgânicos de nitrogênio, em especial sais de amônio e ocasionalmente nitratos (raramente nitritos). Fungos e algumas bactérias exigem fontes orgânicas de nitrogênio, representadas por um número variável de aminoácidos. De um modo geral, a adição de aminoácidos ou hidrolisados de proteínas favorece o crescimento da maioria dos microrganismos heterotróficos. Íons inorgânicos essenciais. Além de carbono e nitrogênio, os microrganismos exigem uma série de outros elementos, sob a forma de compostos inorgânicos. Alguns são necessários em quantidades apreciáveis – macronutrientes – enquanto que, de outros, bastam traços – micronutrientes. Dentre os primeiros temos o fósforo, sob a forma de fosfatos, importante no metabolismo energéticos e na síntese de ácidos nucléicos; o enxofre, necessário por fazer parte de aminoácidos como cistina e cisteína e para a síntese de vitaminas como biotina e tiamina; o potássio, ativador de enzimas e regulador da pressão ormótica; o magnésio, ativador de enzimas extracelulares e fator importante na esporulação; o ferro, necessário para a síntese dos citocromos e de certos pigmentos. O papel dos micronutrientes não é tão bem conhecido, dadas as dificuldades de seu estudo. Tem-se, todavia, demonstrado, em casos específicos, a necessidade de elementos como cobre, cobalto, zinco, manganês, sódio, boro e muitos outros. Fatores de crescimento. Denominam-se fatores de crescimento os compostos orgânicos indispensáveis a um determinado microrganismo, mas que ele não consegue sintetizar. Tais fatores, portanto, devem estar presentes no meio para que o microrganismo possa crescer. Muitos desses fatores são vitaminas, em especial do complexo B; outras vezes são aminoácidos, nucleotídeos e ácidos graxos. As necessidades dos microrganismos, nesse particular, são variadíssimas. Um dos aspectos importantes dessa indispensabilidade resulta do fato de que, quando um microrganismo exige um determinado fator, seu crescimento será limitado pela quantidade do fator presente no meio. Dentro de certos limites, o crescimento será proporcional ao teor do composto limitante. Isso permite a elaboração de um método de dosagem de certos compostos, baseado na medida do crescimento microbiano. Essa é a base da dosagem microbiológica de uma série de substâncias, principalmente aminoácidos e vitaminas. 3.2.4 Água A água não constitui um nutriente, mas é absolutamente indispensável para o crescimento dos microrganismos. Seu papel é múltiplo. Com exceção dos protozoários, capazes de englobar partículas sólidas, os microrganismos se nutrem pela passagem de substâncias em solução através da membrana citoplasmática. A água é o solvente universal. Além disso, a água exerce função primordial na regulação da pressão osmótica e, pelo seu elevado calor específico, na regulação térmica. A maior parte dos microrganismos, quando não esporulados, morre rapidamente pela dessecação. 3.2.5 Oxigênio atmosférico Como a água, o oxigênio atmosférico não é um nutriente e funciona apenas como receptor final de hidrogênio nos processos de respiração aeróbica. Os microrganismos têm comportamentos diferentes na presença de O2 livre: microrganismos aeróbios exigem a presença de oxigênio livre; alguns, todavia, o exigem em pequena quantidade, não tolerando as pressões normais de O2 atmosférico; são os microaerófilos; microrganismos anaeróbios não toleram a presença de oxigênio livre, morrendo rapidamente nessas condições; microrganismos facultativos tanto podem crescer na presença como na ausência de oxigênio livre. Entre as bactérias, encontramos três tipos de comportamentos. Os fungos são aeróbios ou facultativos, raramente anaeróbios. 3.3 Meios de cultura 3.3.1 Composição dos meios de cultura Dois grandes grupos de meios de cultura: sintéticos e complexos. Meios sintéticos: composição química qualitativa e quantitativamente conhecida. Exemplo: NH4Cl, 1,0 g; K2HPO4, 1,0 g; MgSO4.7H2O, 0,2 g; FeSO4.7H2O, 0,01g; CaCl2, 0,02g; MnCl2.4H2O, 0,002g; NaMoO4.2H2O, 0,001g; água, 1 L. Meios complexos: composição química não é perfeitamente definida. Exemplo: extrato de leveduras, extratos de órgãos animais (fígado, coração etc.), extratos de vegetais (soja, arroz etc.), sangue, soro etc.. Meio de cultura para microrganismos fotolitotróficos: só contém material inorgânico; a fonte de carbono é o CO2 da atmosfera e a fonte de energia á a luz solar. Meio de cultura para microrganismos quimiorganotróficos: se ao meio de cultura acima for adicionado 0,5 g de glicose, continuará enquadrado na definição de sintético, porém contendo agora uma fonte orgânica de energia e carbono. 3.3.2 Estado físico dos meios de cultura Soluções de nutrientes: normalmente os microrganismos têm maior facilidade de iniciar o seu crescimento nesse tipo de meio. Se existe mais de um tipo de microrganismos no material semeado, o crescimento final será constituído de uma mistura destes, o que impede que se tirem conclusões a respeito da natureza e da atividades de cada um. A forma de desenvolver culturas puras é através de meios sólidos, onde formará uma colônia de organismos iguais, visível macroscopicamente e facilmente transferido para um novo meio. Os meios sólidos são preparados adicionando-se um agente solidificador às soluções de nutrientes. Adiciona-se 1,5 a 2% de ágar (polissacarídeo extraído de algas) ao meio de cultura líquido é suficiente para a solidificação dele. Como ele possui natureza orgânica, o ágar poderá inibir o crescimento de certos microrganismos autotróficos. Nesses casos, usa-se como solidificador a sílica-gel. 3.3.3 Meios seletivos e diferenciais Meios seletivos: são aqueles que impedem o crescimento de certos microrganismos, permitindo apenas o crescimento de outros. Exemplo: corantes básicos inibem o crescimento de bactérias gram-positivas, enquanto que a azida sódica inibe as gram-negativas. Meios diferenciais: são aqueles que conferem características especiais às colônias que, em condições normais, seriam idênticas. Exemplo: microranismos fermentadores de lactose, semeados em um meio contendo lactose e um indicador, dão cor diferente das dos não fermentadores. 3.3.4 Conservação dos microrganismos Conservar à temperatura de geladeira: alguns microrganismos permanecem durante meses; Recobrir a cultura com óleo mineral estéril, reduzindo o suprimento de oxigênio; Para evitar contaminações e mutações com o passar do tempo, recorre-se ao: processo de liofilização: congelamento rápido à < - 30 ºC conservação em nitrogênio líquido ( - 179 ºC) Com estas técnicas, os microrganismos podem se conservar por muito tempo, até mesmo anos. 3.4 Crescimento microbiano 3.4.1 Medida de crescimento a) Determinação do peso seco ou úmido (a medida do peso úmido é imprecisa; para obter o peso seco, centrifuga e secado em estufa); b) Determinação química dos componentes celulares (mais preciso, porém muito sensível, pois a composição das células varia com as condições do crescimento: composição do meio de cultura, idade da cultura e velocidade do crescimento); c) Turbidimetria: a turbidez é proporcional à massa de microrganismos presente; d) Contagem do número total de indivíduos em microscópio (não leva em consideração se vivos ou mortos);e) Contagem de unidade formadora de colônias (é o método mais utilizado): são feitas diluições adequadas da suspensão, semeando-se alíquotas na superfície de meios sólidos. Após um período de incubação, conta-se as colônias que cresceram. 3.4.2 Crescimento exponencial Crescimento de microrganismos em meio líquido, durante o espaço de tempo em que a quantidade de nutrientes é superior às necessidades destes e ainda não acumulou uma quantidade significativa de substâncias tóxicas: crescimento exponencial. Microrganismos que se multiplicam por divisão binária: N = N0 x 2 n Onde, N = nº de microrganismos e n = nº de divisões ou gerações Log N = Log N0 + n Log 2 n = (Log N - Log N0)/Log 2 Equação geral: Variação de massa (X) em função do tempo: dX/dt = μX Onde, μ = velocidade específica de crescimento Log X = Log X0 + μ t 3.4.3 Cultivo Contínuo Fatores que influem no crescimento: a) Temperatura: para todos os microrganismos existem 3 temperaturas cardeais. T mínima: abaixo da qual não há crescimento; T máxima: acima da qual não há crescimento; T ótima: crescimento máximo. T ótima: microrganismos termófilos 60 ºC microrganismos criófilos 10 ºC microrganismos mesófilos 20 – 40 ºC microrganismos parasitas de animais de sangue quente = 37 ºC microrganismos habitantes do solo = 20 – 30 ºC b) pH A maioria dos microrganismos tem seu pH ótimo em torno de 7. Muitos processos fermentativos são executados por microrganismos que se desenvolvem melhor em pH em torno de 5. Raros são capazes de se desenvolver suas atividades em limites extremos. Exceções: thiobacillus thiooxidans; pH = 1 vibrio comma; pH = 10 (agente causador da cólera asiática) c) O2: crescimento de microrganismos aeróbios O2 d) Agitação: favorece o crescimento dos aeróbios e homogeniza os nutrientes 3.4.4 Controle de Microrganismos pela Ação de Agentes Físicos Esterelização: processo pelo qual são mortos, inativados, irreversivelmente ou retirados todos os organismos de um material. e) Temperatura O calor é o mais eficiente e econômico; Calor seco (160 a 180 ºC, pelo menos por 1 hora): promove oxidação violenta de componentes do protoplasma, porém não tem poder de penetração. Calor úmido: tem alta capacidade de penetração; é suficiente para matar as formas vegetativas de todos os microrganismos, excetuando-se os termófilos. Para matar qualquer tipo de microrganismos, emprega-se vapor d´água aquecido a 120º e sob uma pressão de 2 atm, durante 20 minutos. Pasteurização: aquecimento a 62º por 30 minutos, seguido de um resfriamento brusco; não é um processo de esterelização. De uma forma geral, os microrganismos resistem mais ao frio do que ao calor. Temperaturas abaixo de 0º podem ser letais para microrganismos. Congelamento brusco abaixo de – 30º não leva a formação de cristais e os microrganismos sobrevivem durante muito tempo. f) Radiações Radiações UV: 240 a 280 nm (lâmpada de mercúrio) – leva a inativação de enzimas (morte da célula). Radiações Ionizantes: mais eficiente, pois atinge os átomos. São utilizadas para esterelizar seringas, agulhas etc.. Para matar uma célula de E. Coli: UV = 106 quantas e RI = 1 quantum g) Filtração: líquido ou gás (ar) h) Vibrações Sônicas: frequência ultra-sônica > 200 KHz Muitos microrganismos são sensíveis (cavitação: gases dissolvidos saem na forma de microbolhas e rompe as paredes microbianas). 3.4.5 Controle de Microrganismos pela Ação de Agentes Químicos Os agentes químicos utilizados para matar ou inativar os microrganismos são classificados em: desinfetante e agente quimioterápico Desinfetante: agem diretamente sobre as estruturas microbianas, causando a morte do microrganismo. Não possui especificidade. Ex.: álcool etílico, formol, fenol, cloro, ozônio etc. Agente quimioterápico: intefere nas vias metabólicas (antibióticos, penicilina etc.) 4. ENGENHARIA BIOQUÍMICA 4.1 Engenharia Bioquímica: uma aplicação sui generis da engenharia química Os problemas que se apresentam no âmbito da engenharia bioquímica são, com alguma frequência, de difícil solução, dadas as peculiaridades e a complexidade dos sistemas em que se desenvolvem os processos biotecnológicos. A célula microbiana responsável pela transformação que nos interessa em um dado processo realiza, além dessa transformação, um grande número de outras reações com o objetivo, para ela absolutamente primordial, de manter-se viva e multiplicar-se. Isso pode dificultar o estabelecimento de balanços materiais, além de afetar o rendimento do processo considerado. O conhecimento das prováveis vias metabólicas que se desenvolvem nas células é, neste particular, de grande auxílio, fornecendo muitas vezes informações que indicam a maneira mais adequada de conduzir o processo que nos interessa. O fato inevitável de a célula ter a única “preocupação” de manter-se viva e multiplicar- se, também pode acarretar sérios problemas no estudo da cinética da transformação que se tem em vista, uma vez que a velocidade de formação do produto que nos interessa pode ser profundamente afetada pelas velocidades de outras reações integrantes do metabolismo do microrganismo. Isso pode dificultar o estabelecimento de modelos matemáticos, que são muito importantes para a otimização e o controle de processos bioquímicos. A manutenção de um razoável grau de homogeneidade no reator, para que todos os agentes de transformação se encontrem, pelo menos aproximadamente, nas mesmas condições (temperatura, pH, concentrações de substâncias do meio), é outro problema a ser considerado, principalmente em reatores industriais. Consideremos, agora, a operação de esterilização de grandes volumes de meio, operação esta muito freqüente em indústrias de fermentação. Como proceder: eliminar os microrganismos por filtração do meio ou destruí-los por aquecimento? Se a esterilização por aquecimento tiver sido escolhida, que processo será utilizado: o descontínuo ou o contínuo? Que temperatura de esterilização será adotada e qual o correspondente tempo do tratamento térmico? Quais serão as dimensões dos equipamentos e os controles necessários em cada caso? O meio, uma vez esterilizado, será encaminhado ao fermentador onde será transformado pela ação das células microbianas. Aqui nos deparamos com muitas alternativas. Serão utilizados microrganismos em suspensão no meio ou células imobilizadas em suportes inertes? Que processo de fermentação será utilizado: descontínuo, semicontínuo ou contínuo? Com ou sem recirculação do microrganismo? Se for escolhido o processo descontínuo, será o descontínuo simples ou o descontínuo alimentado? Se o processo adotado for o semicontínuo, que fração de meio fermentado será periodicamente retirada do reator e substituída por igual volume de meio novo? No caso de se ter optado pelo processo contínuo, adotar-se-á um único reator de mistura, vários reatores de mistura ligados em série, ou um reator pistonado? Quais serão as dimensões e o formato do reator? Como controlar as condições de fermentação? Como adicionar alguns nutrientes: todos de uma só vez no preparo do meio, ou de maneira programada durante o andamento do processo? No caso de se tratar de um processo enzimático contínuo com enzimas imobilizadas, lançar-se-á mão de um reator de leito fixo ou de leito fluidizado? Outro tópico a ser tratado é o da ampliação da escala de trabalho (“scale-up”): se bons ressultados foram obtidos, em certas condições, em um reator de pequena capacidade, como operar um reator industrial para que os mesmos resultados sejam alcançados? Finalmente, nunca será demais ressaltar a importância de que se revestea escolha dos processos que serão utilizados, tanto na separação dos produtos e subprodutos, como no tratamento ou no aproveitamento dos resíduos. 4.2 Microrganismos e meios de cultura para utilização industrial 4.2.1 Introdução O sucesso de um dado processo fermentativo depende muito de uma correta definição de quatro pontos básicos: o microrganismo, o meio de cultura, a forma de condução do processo fermentativo e as etapas de recuperação do produto. Na verdade, esses quatro pilares de um processo fermentativo interagem enormemente, sendo necessário buscar defini-los de forma conjunta, levando em consideração aspectos biológicos e econômicos. Para tornar clara essa idéia, pode-se mencionar que sempre se pretende empregar meios de cultura baratos, mas deve-se lembrar que o microrganismo deve encontrar neste meio condições adequadas para realizar a conversão pretendida. Em termos de formas de condução do processo fermentativo, seria difícil imaginar a produção de grandes quantidades de etanol, caso não se operasse os bioreatores em sistema descontínuo alimentado, ou mesmo contínuo, porém com o reciclo das células. Da mesma forma, o grande avanço alcançado pela digestão anaeróbia no tratamento biológico de efluentes líquidos, deveu-se muitíssimo ao surgimento dos reatores contínuos operados com fluxo ascendente e reciclo interno de células. As operações finais para a recuperação do produto são igualmente da mais alta importância. Sabe-se que a melhor presentemente para a recuperação do etanol, após uma fermentação alcoólica, é a operação de destilação, mas ela incide significativamente no custo do produto final, em virtude da energia necessária para a sua execução. No entanto, a importância de uma adequada definição das operações de recuperação do produto, fica mais clara quando se aborda a produção de produtos de alto valor agregado, como a produção de antibióticos, enzimas, ou outras proteínas (insulina, hormônios de crescimento, vacinas etc.). Para esses casos, as operações de recuperação do produto podem ser responsáveis por 50 a 70% do custo do produto final, indicando, claramente, a sua importância em termos de uma adequada definição. 4.2.2 Fontes de microrganismos de interesse Microrganismos que possam Ter interesse industrial, podem ser obtidos basicamente das seguintes formas: Isolamento a partir de recursos naturais; Compra em coleções de culturas; Obtenção de mutantes naturais; Obtenção de mutantes induzidos por métodos convencionais; e Obtenção de microrganismos recombinados por técnicas de engenharia genética. O isolamento de microrganismo a partir de recursos naturais, tais como solo, água, plantas etc., sempre foi uma atividade de grande importância para a obtenção de novas linhagens de interesse industrial. Trata-se de uma atividade que envolve muito trabalho experimental, significando um custo relativamente elevado, porém pode conduzir ao isolamento de linhagens melhor produtoras de um dado produto, mas, mais importante do que isto, pode conduzir à descoberta de novos produtos. É claro que o isolamento de linhagens deve ter início com certas premissas, definindo- se o que se pretende obter, pois o simples isolamento poderá levar à disponibilidade de um número inimaginável de culturas, o que dificulta a convergência para o processo ou o produto que se pretende produzir. A compra de coleções de cultura é bastante viável, tendo em vista a existência de muitas coleções em vários países. Existem nada menos do que 11 coleções de culturas em mundo, podendo-se ainda acrescentar a Agricultural Research Sewrvice Culture Collection (EUA) e a Coleção de Culturas Tropical (Campinas – SP). É de se esperar que o microrganismo utilizado para a produção de um dado antibiótico não estará disponível em uma coleção de culturas, sendo, com muita freqüência, oriundo de programas de melhoramento genético. Há sempre uma pequena possibilidade de surgimento de mutantes naturais, os quais podem ser isolados e ensaiados objetivando a verificação de sua potencialidade de produção, podendo gerar novas linhagens que apresentem interesse prático. Surgimento de mutantes naturais de interesse prático, poderá significar o dispêndio de muito tempo, razão pela qual prefere-se lançar mão de métodos que forcem o aparecimento de células mutadas, utilizando radiações ultravioleta ou substâncias químicas mutagênicas, como a nitrosoguanidina. A obtenção de mutantes é aleatória, tratando-se de recuperar as células sobreviventes em meios ou condições específicas, de forma a dirigir este isolamento para as células que se pretende. Tais programas de mutação/seleção costumam ser bastante dispendiosos. A introdução de fragmentos de DNA de certas células em outras, via vetores como os plasmídeos, permite a obtenção de células alteradas geneticamente, porém de forma muito mais dirigida do que as metodologias convencionais anteriormente mencionadas, sendo possível de ser executada não apenas com microrganismos, mas igualmente com células animais e vegetais. 4.2.3 Características desejáveis de microrganismos e meios de cultura para aplicação industrial Características desejáveis de microganismos Para uma aplicação industrial, espera-se que os microrganismos apresentem as seguintes características gerais: Apresentar elevada eficiência na conversão do substrato em produto. As matérias-primas incidem pesadamente no custo do produto final (38 a 73%); Permitir o acúmulo do produto no meio, de forma a se ter elevada concentração do produto no caldo fermentado, sem sofrer inibição acentuada em virtude deste acúmulo. Redução nos custos de recuperação; Exemplo: C6H12O6 2C2H5 OH + 2CO2 a) Rendimento da Saccharomyces cerevisiae = 90% (elevado); b) Sabe-se que quando se atinge 8 a 10% em etanol no vinho fermentado, ocorre inibição da levedura, reduzindo a velocidade da reação. Necessidade de destilar um líquido que contém apenas 10% de etanol, o que além do dispêndio de energia ainda irá gerar 90% de resíduo na forma de vinhaça. não produzir substâncias incompatíveis com o produto; Aspergillus Glicoamilase + Transglicosidase (enzimas) Glicoamilase Amido Glicose Transglicosidase Glicose Polímeros apresentar constância quanto ao comportamento fisiológico; Para a célula há sempre a tendência em otimizar o crescimento, em detrimento da síntese do produto. O emprego de linhagens relativamente instáveis poderá ocorrer, ao longo do tempo, a seleção de células que privilegiem o crescimento em detrimento do acúmulo do produto. não ser patogênico; O cultivo de patogênicos é efetuado (produção de vacinas) em reatores de pequeno porte, confinados em câmaras assépticas, tomando-se precauções necessárias para a não ocorrência de contaminação do meio ambiente. Isso significa custo adicional. não exigir condições de processo muito complexas; Implica em custos: O2 (aeração), formação de espuma (antiespumante), pH (controle difícil) etc. não exigir meios de cultura dispendiosos Fornecimento dos nutrientes apenas necessários e alternativas viáveis tecnicamente porém mais baratas. permitir a rápida liberação do produto para o meio. Características desejáveis de meios de cultivo Alguns características gerais desejáveis de meios de cultura que devem ser consideradas, são: Ser o mais barato possível; atender às necessidades nutricionais do microrganismo; auxiliar no controle do processo, como é o caso de ser ligeiramente tamponado, o queevita variações drásticas de pH, ou evitar uma excessiva formação de espuma; não provocar problemas na recuperação do produto; os componentes devem permitir algum tempo de armazenagem, afim de estarem disponíveis todo o tempo; ter composição razoavelmente fixa; e não causar dificuldades no tratamento final do efluente. O custo do meio de cultura, que deve ser o menor possível, desde que atenda às necessidades do microrganismo selecionado. Meios sintéticos: composição química conhecida e pode ser reproduzida a qualquer instante. Por essa razão, para as células que apresentam bom desempenho em meios desse tipo, espera-se a ocorrência de um sistema produtivo muito estável, além de, em geral, não apresentarem problemas quanto à recuperação e purificação do produto final. Esses meios, mesmo sendo mais onerosos, podem ser preferidos, caso realmente permitam uma maior economia nas etapas de recuperação do produto. Matérias-primas naturais podem causar problemas adicionais na recuperação e purificação do produto final, assim como problemas nos tratamentos das águas residuárias. No entanto, ainda continuam a ser as matérias-primas preferidas em grande número de casos, pela simples razão de serem as mais baratas. 4.3 Esterilização de Equipamentos 4.3.1 Introdução Esterilizar um equipamento significa eliminar todas as formas de vida de seu interior ou superfície. Em alguns processos biotecnológicos industriais, a eliminação parcial da população microbiana dos equipamentos é suficiente para garantir a qualidade que se deseja no produto. Por exemplo, nos processos onde inibidores de crescimento são produzidos (fermentação alcoólica, produção de vinagre/ácido acético, ácido láctico ou antibióticos e outros biocidas, etc.) o teor de inibidor impede em maior ou menor grau o crescimento de vários microrganismos. Na indústria de laticínios, os processos de pasteurização destroem a maior 'arte, mas não todos os microrganismos presentes.1,2 A pasteurização é emprega- ia quando uma assepsia mais rigorosa destruiria propriedades importantes do aumento e seus subprodutos. Assim, desenvolveram-se processos de desinfecção que não esterilizam, mas garantem a assepsia adequada. Essa situação é comum na indústria de alimentos, onde a eliminação de microrganismos patogênicos é levada a efeito por processos não esterilizantes. Nesses casos, a população de microrganismos que não é eliminada é mantida sob controle pela imposição de condições que impedem seu desenvolvimento, como refrigeração ou aplicação de inibidores de crescimento (sais, açúcares em altas concentrações, condimentos, preservantes químicos, biocidas, biostáticos, etc.). Os processos de produção de bens destinados à saúde humana ou animal e os de alimentos enlatados estão entre os mais restritivos com respeito à presença de contaminantes. Nesses casos, a simples presença de uma única célula de contaminante pode pôr a perder todo um lote do produto. Para lidar com essas situações, desenvolveu-se uma série de técnicas para alcançar o tipo adequado de assepsia. Esse assunto será abordado no item 3.2. A esterilização de equipamentos é feita pela aplicação de métodos físicos ou químicos. Os métodos físicos mais freqüentes são o calor seco, calor úmido, radiação ultravioleta, radiação com partículas ionizantes (gama) e ultra-som. Os métodos químicos consistem na limpeza do equipamento com líquidos ou gases que matam os microrganismos ou danificam irreversivelmente sua capacidade reprodutiva (hipoclorito, fenóis, formaldeído, óxido de etileno, ozônio, dióxido de enxofre, etc.). Reatores bioquímicos e tubulações são, geralmente, esterilizados pela aplicação de calor úmido (vapor saturado). Equipamentos destinados ao processamento de produtos de fermentação (bombas, filtros, centrífugas, misturadores, separadores, colunas cromatográficas, homogeneizadores, etc.) são preferencialmente esterilizados por calor úmido. Nos casos em que isto não é possível, empregam-se agentes químicos adequados. Material de laboratório utilizado durante o processo é esterilizado por calor úmido (autoclaves), seco (fornos) e mais raramente por radiação ultravioleta. Meios de cultura são esterilizados por calor úmido. Nos casos em que a inativação térmica de nutrientes do meio é significativa (cultura de células animais, vegetais ou de insetos, por exemplo) emprega-se a filtração em membranas ou cartuchos esterilizantes para remover fisicamente os microrganismos. O ar para o processo fermentativo é esterilizado por filtração em cartuchos esterilizantes. Embalagens são em geral esterilizadas por radiação gama, calor úmido, ou por lavagem com produtos químicos adequados. Os métodos de esterilização agem destruindo ou comprometendo estruturas microbianas, como paredes celulares, ácidos nucléicos, etc., ou inativando enzimas, proteínas, etc. O número de microrganismos que sobrevive em qualquer estágio de uma esterilização depende diretamente do número inicialmente presente. Portanto, onde for necessário aplicar esterilização, a limpeza e uma baixa carga inicial de microrganismos interferem fortemente na severidade do processo a ser aplicado 3 . 4.3.2 Terminologia e modo de atuação Esterilização Esterilização é o processo físico ou químico que destrói ou inativa todas as formas de vida presentes em um determinado material, especialmente microrganismos incluindo bactérias, fungos -tanto em suas formas vegetativas como esporuladas - e vírus. O termo esterilização possui um significado absoluto e não relativo, ou seja, uma substância ou material não pode ser parcialmente estéril. Um material estéril é totalmente isento de qualquer organismo ativo. Essa condição deve ser mantida indefinidamente3,4,5,6. Desinfecção Desinfecção é um processo menos rigoroso de eliminação de microrganismos, envolvendo usualmente o uso de um agente químico, denominado desinfetante ou germicida, geralmente líquido e à temperatura ambiente ou moderada. A desinfecção não implica necessariamente na eliminação de todos os microrganismos, sendo direcionada aos mais prejudiciais, principalmente em sua forma vegetativa, que é menos resistente que a forma esporulada. Antisséptico é um desinfetante, aplicável em seres animados (humanos e animais) para eliminar microrganismos patogênicos 3. A Tabela 3.1 apresenta uma relação dos principais termos técnicos relacionados a processos de desinfecção, com seus significados. Modo de ação dos agentes esterilizantes Agentes esterilizantes podem ser classificados como agentes físicos ou químicos. Esses agentes podem induzir, por diferentes mecanismos, a formação de substâncias químicas letais no interior das células e/ ou alterações em moléculas essenciais para a manutenção e sobrevivência celular, levando à morte do microrganismo. A morte celular pode ser causada por uma ou mais lesões. Na célula viva normal existem inúmeros alvos possíveis de lesão celular, tais como: (a) enzimas, responsáveis pelos processos metabólicos; (b) membrana citoplasmática, que mantém a integridade do conteúdo celular, controlando o transporte de substâncias entre a célula e seu meio externo, além de ser também o local de algumas reações enzimáticas; (c) parede celular, que proporciona rigidez e resistência mecânica aos microrganismos e participa de alguns processos fisiológicos. Uma lesão em qualquer um desses níveis pode desencadear alterações que levam à morte celular . Alternativamente, um dano irreversível a um gene, responsável pela codificação de alguma enzima essencial, também pode levar à morte celular. A seguir descreveremos como agem os principais agentes esterilizantes3,4,6 . Calor úmido A temperatura elevada, associada ao alto grau de umidade, representa um dos métodos mais efetivos para a destruição dosmicrorganismos. O calor úmido mata Os microrganismos, principalmente pela desnaturação irreversível de suas proteínas, destruindo, portanto elementos essenciais para a sobrevivência e multiplicação celular, como enzimas e membranas celulares. A resistência das proteínas ao calor é uma função da hidratação da célula. Quanto maior a quantidade de água, mais facilmente esta entrará nos domínios internos das moléculas de proteína, causando mudanças conformacionais irreversíveis. Além das proteínas, os carboidratos também sofrem alterações sob o tratamento de calor, sendo muitas vezes caramelizados e gerando produtos tóxicos. Essa degradação exerce, portanto, um papel importante na esterilização. Tabela 3.1 – Principais termos técnicos utilizados em processos de assepsia e seus significados TERMO SIGNIFICADO Esterilização Remoção de todas a forças de vida de um objeto ou material Desinfecção Remoção ou destruição dos organismos vivos capazes de causar danos ou infecções. Desinfectante ou germicida Agente químico capaz de promover desinfecção Antisséptico Agente químico aplicável em pessoas ou animais, com capacidades de eliminar microorganismos patogênicos. Assepsia Remoção de microorganismos patogênicos ou indesejados. Pasteurização Tratamento térmico (geralmente 62ºC por 30 min, seguindo de resfriamento brusco) para redução drástica no número de microorganismos – presentes em alimentos, normalmente leite, seus derivados, e bebidas enlatadas ou engarrafadas. Tindalização Processo de esterilização capaz de eliminar esporos altamente resistentes ao calor. Consiste em manter, o material a 100ºC por vários minutos, resfria-lo a temperatura ambiente e imcubá-lo por cerca de 24h. O procedimento é repetido várias vezes. Durante a incubação, os esporos passam à forma vegetativa, onde são susceptíveis à destruição durante o aquecimento seguinte. Biocidas Agentes capazes de causar a morte de microorganismos. Biostaticos Agentes capazes de impedir a reprodução de microorganismos, sem necessariamente mata-los. Na esterilização por vapor sob pressão (por exemplo, nas autoclaves), esta tem duas funções principais: uma delas está relacionada com a transferência de calor, que é favorecida pela condensação ocorrida no material, levando a um rápido aumento de temperatura (difusão de calor) e a outra é a manutenção ou aumento do nível de hidratação no interior das células, favorecendo portanto a coagulação das proteínas. Calor seco O calor seco destrói os microrganismos através da oxidação de seus constituintes químicos. A esterilização por calor seco é muito mais lenta e menos eficaz te por calor úmido. Ao contrário do calor úmido, nesse tipo de esterilização o calor é transferido muito lentamente e o nível de hidratação das células tende a diminuir, conferindo uma certa proteção às proteínas. Apesar de a esterilização pelo calor seco ser principalmente um processo de oxidação, não se pode afirmar que a ação do calor seco seja restrita a isto, pois 'm sempre o que ocorre é uma esterilização apenas por calor seco. Dependendo do conteúdo de água na célula pode ocorrer também a coagulação de proteínas. Irradiação por luz ultravioleta (UV) A radiação UV é absorvida por muitas substâncias celulares, mas de modo tis significativo pelos ácidos nucléicos, onde geralmente ocorrem as lesões. O seu oito letal é proporcional à dose de radiação aplicada. A região do espectro de UV com a ação esterilizante é de 220 a 300 nm, muitas vezes chamada de região "abiótica". Existe uma relação entre os comprimentos de onda germicidas e aqueles absorvidos por ácidos nucléicos ou seus constituintes. Compostos como as purinas e pirimidinas, absorvem UVa aproximadamente 260 nm, bem próximo da radiação lis efetiva que é 253,7 nm. Os aminoácidos aromáticos, como o triptofano, fenilalanina e tirosina, absorvem UVa 280 nm. Dentre os componentes dos ácidos nucléicos, os fosfatos de açúcares não absorvem significativamente UV acima de 220 nm. As pirimidinas são muito mais sensíveis ao UV do que as purinas, por isto os efeitos letais e de mutagênese nos sistemas biológicos são atribuídos a transformações fotoquímicas das bases de pirimidina. A ação esterilizante do UV ocorre primeiramente pela produção de ligações cruzadas entre pirimidinas adjacentes na mesma fita de DNA (ácido desoxirribonucléico), formando dímeros. Essa reação ocorre principalmente entre resíduos de timina, formando dímeros de timina, levando à perda da integridade do DNA bacteriano (Fig. 3.1). Essas ligações podem causar erro de leitura do código genético resultando em mutações que prejudicam funções vitais do organismo e consequentemente causando a morte celular. Existem mecanismos de reparo, pelos quais A integridade do DNA pode ser recuperada, dependendo do nível de lesão. Figura 3.1 - Formação do dímero de timina. Dímeros mistos de citosina-timina e citosina-citosina também foram identificados em DNA de organismos irradiados. Apesar de serem menos freqüentes, também podem apresentar efeitos letais. O RNA também pode sofrer ação do UV, que gera dímeros de hidratos e uracila, que podem causar inativação do RNA. Vários fatores podem influenciar na sensibilidade microbiana a UV. Destacam-se o pH, o estado fisiológico das células (a maior atividade é na fase logarítmica de crescimento) e a constituição genética. Radiação ionizante As radiações ionizantes eletromagnéticas são principalmente alfa (a), beta (ß), gama (у), raios X, raios catódicos, além de prótons, nêutrons e elétrons de alta energia. Esse tipo de radiação pode causar uma grande variedade de efeitos físicos e bioquímicos em microrganismos. O principal alvo que leva à perda de viabilidade é a molécula de DNA. Na radiação ionizante, um átomo emite elétrons de alta energia, que ionizam sua molécula. O elétron é ejetado e absorvido por outro átomo, criando uma cadeia de ionizações na substância irradiada. Essa atividade excita grupos químicos no DNA, causando a produção de radicais químicos altamente reativos, os quais podem alterar grupos químicos e até quebrar as fitas de DNA, causando mutações. A morte celular resulta da formação de uma cadeia de ionização numa porção significativa do DNA. Geralmente, a sensibilidade dos diferentes organismos a radiações ionizantes varia com o volume de DNA. Em geral, formas multicelulares são mais sensíveis à radiação ionizante do que organismos unicelulares. Óxido de etileno Óxido de etileno (EtO) é um éter cíclico que mata as células, agindo como agente alquilante. A sua ação consiste na substituição de um átomo de hidrogênio (através de uma reação de alquilação) de grupos funcionais de proteínas, ácidos nucléicos e outras moléculas (carboxila livre, amino ou sulfidrila) pela molécula de EtO aberta (CH2CH2O-) como exemplificado na Figura 3.2. Essa reação resulta no bloqueio dos grupos ativos das moléculas. No caso das proteínas, ocorre a desnaturação. Figura 3.2 - Reação de alquilação entre o óxido de etileno e uma enzima H2C - CH2 +Enzima –SH Enzirna -SH-CH2 -CH2OH O Òxido de etileno Enzima inativada Glutaraldeído O glutaraldeído age na superfície das células, onde ocorrem interações glutaraldeído-proteínas, gerando diversos produtos. Essa interação aumenta com a elevação do pH, mas os produtos formados são estáveis à hidrólise ácida. O glutaraldeído reage principalmente com os grupos amina livres das proteínas da camada de peptoglicana das bactérias, o que interfere no transporte de aminoácidos de baixo peso molecular. Em vários microrganismos ocorre a aglutinação celular, devido à formação de ligações intercelulares. 4.3.3 Esterilização por agentes físicos Os principais agentes físicos