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Ao perguntar a um grupo de pessoas o significado da palavra “social”, muitas das respostas serão 
voltadas para o senso comum. Mas, para os psicólogos sociais, há a necessidade de especificar a que 
estão se referindo quando usam tal termo para caracterizar o terreno no qual se organiza a prática 
da Psicologia Social. 
Na maioria das vezes, esse termo confunde-se com a qualificação daquilo que constitui uma 
característica comum a todas as formas de existência coletiva em que há algum tipo de relação entre 
seus membros. Isso faz com que o social se torne tão natural que acaba parecendo sem sentido procurar 
defini-lo. Porém, há uma necessidade de sair desse impasse. E, para isso, é importante deixar de tomar 
o social como uma evidência e passar a constitui-lo como problema, ou seja, como uma 
multiplicidade construída a partir de uma relação de forças num campo histórico. O social não deve ser 
reduzido apenas às relações que ligam os indivíduos ou àquilo que eles partilham entre si. 
 pode-se dizer que se o social existe entre os 
indivíduos, não é apenas em função das múltiplas interações que 
se produzem entre eles, mas que é, sobretudo, em função da 
multiplicidade de acontecimentos e práticas que atravessam 
uma formação histórica num dado momento, os quais conferem 
ao social uma consistência de se construir como um problema. 
A ferramenta metodológica utilizada pela Psicologia Social é a pesquisa genealógica desenvolvida 
por Michel Foucault, a qual permite compreender que, com o social, jamais estamos distantes de um 
objeto real concreto (o dado), mas de um objeto real de conhecimento (o construído). Esse 
“método genealógico” é usado na construção do problema de investigação, pois esse não existe sem a 
problemática em questão; ao contrário, ele é inerente ao próprio problema na medida em que coloca o 
pensamento em ação. 
Por meio da perspectiva genealógica, o social deixa de ser considerado uma evidência para ser tomado 
como um objeto construído e múltiplo, pois não é encontrada no mundo apenas uma configuração social, 
mas diversas. Contudo, para os psicólogos sociais o que interessa para o desenvolvimento de análises 
é poder compreender os dispositivos criados por uma determinada formação social no sentido de resolver 
 
O social é essencialmente um 
objeto construído e produzido a 
partir de diferentes práticas 
humanas e que não cessa de se 
transformar ao longo do tempo. 
 
REFERÊNCIA: 
SILVA, ROSANE NEVES. A Invenção da Psicologia Social. 
Ed. Vozes: Petrópolis, 2005. 
os problemas aos quais ela se vê confrontada. Ou seja, é poder compreender a partir de que momento 
o social passa a ser formulado como um problema que requer um tipo de intervenção específica. 
Numa sociedade “primitiva” certamente não encontramos instituições especializadas, como asilos e 
orfanatos. Assim, qualquer “disfunção” nessa sociedade é reabsorvida no próprio tecido das relações 
sociais informais dela. Porém, a partir do momento em que certos “disfuncionamentos” de uma sociedade 
não são mais regulados de maneira informal, fala-se de “problematização” social: ocorre quando as 
relações sociais informais não são mais suficientes para resolver tais “disfunções”. Desse modo, 
espaços institucionais são criados, com um corpo profissional especializado que passará a se 
ocupar de tais “disfuncionamentos”. 
• A invenção do social implica um modo de intervenção que se distingue das relações 
informais. 
Isso traz a compreensão de como uma primeira configuração do social começa a ser criada, tendo uma 
problemática formulada em torno do campo assistencial. É nessa perspectiva que entendemos a criação 
de asilos, orfanatos etc. O objetivo dessas instituições é suprir as necessidades da parcela carente 
da população, as quais não eram sanadas dentro do próprio tecido informal das relações sociais. 
Na Psicologia Social, a ideia de “configurações do social” diz respeito a um certo arranjo entre 
estratégias de poder e as técnicas de subjetivação que atravessam uma formação histórica em 
um determinado momento, sem a intenção de saber sua origem cronológica. 
 corresponde às condições que levam à criação de espaços 
institucionais. Mostra como um certo tipo de problema exige um modo de intervenção específico e 
um novo arranjo do tecido social. Nessa primeira configuração, esse arranjo se caracteriza por um 
modelo chamado “social-assistencial”. A lógica inerente a esse sistema implica o desenvolvimento de 
práticas que possuem função protetora e integradora que atenda aos segmentos carentes. 
Com a criação das instituições, alguns critérios foram delimitados para definir o tipo de população que 
deveria ser assistida. São eles: o fato de pertencer à comunidade e a incapacidade de trabalhar. 
Até a metade do século XIX, a problematização do social se encontrou ligada às formas de intervenção 
que caracterizam o campo assistencial. A partir da segunda metade desse século emergiu uma “questão 
social” propriamente dita, pois o social entrou em cena como um problema específico, ligado ao fato 
político da democracia e, portanto, à sobrevivência do projeto republicano. 
Em 1848, durante as jornadas de junho, há um rompimento da noção de direito na forma democrática 
moderna, devido a uma fratura entre, de um lado, uma ordem política fundada sobre o reconhecimento 
REFERÊNCIA: 
SILVA, ROSANE NEVES. A Invenção da Psicologia Social. 
Ed. Vozes: Petrópolis, 2005. 
dos direitos dos cidadãos e, do outro, uma ordem econômica que, obedecendo às leis do mercado, revela 
a trágica inferioridade da condição civil de alguns. Um exemplo dessa contradição é o fato de que o 
Estado passou a garantir o princípio do livre acesso ao trabalho, mas, ao mesmo tempo, foi obrigado a 
recusar a responsabilidade de assegurar trabalho para todos, pois, caso o fizesse, seria incoerente com 
as bases do liberalismo econômico. 
É esse rompimento da noção do direito que faz emergir a questão social como um problema 
específico a fim de preencher o vazio resultante dessa fratura. No momento em que um novo perfil 
de populações desfavorecidas coloca o problema de um outro tipo de relação entre o trabalho e a 
pobreza, veremos se esboçar uma segunda configuração do social. 
nessa segunda configuração os critérios vão além de uma 
demarcação das populações concernidas pelo campo assistencial em função da sua capacidade ou não 
de trabalhar. Nesse momento, o problema construído ultrapassa o campo do social-assistencial, 
pois na aurora da Revolução Industrial, essa nova configuração começa a se esboçar em função 
de um novo tipo de relação entre a questão do trabalho e da pobreza. O social passa a ser visto 
como um problema indissociável de uma questão subjacente ao conjunto da sociedade capitalista. 
Com o capitalismo industrial, a riqueza e a miséria crescem na mesma medida. Desse modo, surgem 
novas regras de organização do trabalho e, como as intervenções no campo assistencial não eram 
mais suficientes, a coesão social estava ameaçada. A fim de manter essa coesão – indispensável para 
o desenvolvimento do capitalismo – era preciso instituir um sistema de regulações para preencher 
o vazio entre as duas ordens (a política e a econômica), buscando promover a integração dos 
diferentes estratos da sociedade, sobretudo das margens afastadas do processo produtivo. 
Com essa segunda configuração, o social aparece como um sistema de regulações compatível com 
os princípios de liberdade e de igualdade, mas com a manutenção das relações de dependência que 
mantém o sistema capitalista. Com as contradições inerentes às novas normas da sociedade industrial 
e devido à miséria que não parou de crescer, surge o fenômeno das multidões, que se torna um objeto 
de estudo específico. 
O que marca a diferença entre a primeira e a segunda configuração é o novo estatuto do social nesta 
última. O social não se caracteriza apenas por um conjuntode práticas que buscam regular os 
disfuncionamentos da sociedade, mas se torna, além de tudo, um objeto de conhecimento. O 
social se tornou objeto de estudo pois o fenômeno das multidões ameaçava a “ordem social” e 
demonstrava as contradições do projeto liberal. 
REFERÊNCIA: 
SILVA, ROSANE NEVES. A Invenção da Psicologia Social. 
Ed. Vozes: Petrópolis, 2005.