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Prova (questões discursivas)- Penal III
1. Em 31 de dezembro de 2017, João José, 19 anos, registrou imagens de nudez e sexo de Rosa, 18 anos. As imagens foram captadas ao tempo do relacionamento (namoro) com Rosa. No ano seguinte, Rosa termina o relacionamento em razão dos diversos desentendimentos do casal. Rosa passou a ser perseguida por João José que afirmava que se ela "ficasse" com outra pessoa ou não reatasse o relacionamento iria divulgar as cenas de sexo. Que compareceu, em 8 de fevereiro a Delegacia da Mulher para noticiar os eventos acima narrados conforme print das conversas privadas com João José e o vídeo não autorizado. Em 09 de fevereiro, João José divulgou em 3 redes sociais, inclusive no grupo da faculdade e da família da vítima, as imagens de nudez e sexo captadas ao tempo do relacionamento. No processo constatou- se que a vítima ouviu coisas absurdas nos locais que frequentava onde a chamavam de vagabunda, que divulgava fotos na internet, que ela estava traindo o atual namorado e outros constrangimentos; que a depoente fez tratamento psicológico por dois meses após o episódio [...]O agente confessou o crime e afirmou que pretendia obrigá-la a reatar o relacionamento.
 Considerando os fatos narrados, qual (is) conduta(s) criminosa(s) foi (foram) praticada(s)? Explique. E há concurso de crimes? Qual? Explique. 
 Observem que o comportamento é anterior a inclusão da conduta do art. 218-C (Divulgação 
de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
2. Na madrugada do dia 25 de dezembro de 2015, no período compreendido entre 0:00 e 07:00 horas, em seu quarto, Rosa sentindo fortes dores decorrentes de contrações características de trabalho de parto e desconfiando que a criança começava a nascer, chamou João José, irmão de Rosa e pai da criança. Rosa e João José permaneceram no quarto com a luz apagada, para que ninguém desconfiasse, uma vez que tal gravidez foi escondida durante todo o período de gestação. Realizados os trabalhos de parto e nascendo a criança ainda com vida, conforme demonstra o laudo cadavérico de fls. 38, Rosa, sob a influência do estado puerperal imbuída de animus necandi, deixou a recém-nascida (Pamela) ao lado da cama, sem nenhum cuidado necessário. Logo em seguida, João José, após tal conduta, colocou a criança embaixo da cama até que esta viesse a falecer por asfixia por aspiração de líquido amniótico (cf. laudo de exame de necropsia de fls. 38). Após perceberem a morte da recém-nascida, uma vez que a mesma encontrava-se fria, enterraram a criança em um mato próximo da casa com intenção de ocultar o cadáver da criança e, consequentemente, o crime ocorrido. Considerando os fatos narrados, qual (is) conduta(s) criminosa(s) foi (foram) praticada(s)? Explique. E há concurso de pessoas? Explique. 
Respostas
1.Na época do fato, seria aplicado o delito de difamação, art.139 do CP e ameaça, art.147, CP. Assim, adequando o fato a estrutura do tipo penal temos:
Difamação, art.139, CP
- Bem jurídico: O bem jurídico tutelado é a honra, entendida no seu aspecto da reputação, ou seja, a honra objetiva.
- Sujeitos do delito: Sujeito ativo- João José; sujeito passivo- Rosa.
- Tipo objetivo: Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação. No caso, João José divulgou as fotos de Rosa em 3 redes sociais, inclusive no grupo da faculdade e da família da vítima, com o intuito de atingir a reputação da vítima.
- Tipo subjetivo: é necessária a presença do animus deffamandi. Ao contrário 
da calúnia, ainda que o agente tenha certeza do fato imputado, o tipo não é afastado, já que não importa se a imputação é verdadeira ou falsa. No caso, João José agiu com dolo específico de denegrir a honra de Rosa. 
 -Consumação: ocorre quando a imputação é conhecida por terceiro. Assim, o delito se consuma quando João José divulga as fotos de Rosa, nos grupos e em 3 redes sociais.
- Formas derivadas: Não há.
-Pena: detenção, de três meses a um ano, e multa.
-Ação Penal: Ação Penal Privada.
Ameaça, art.147, CP	
- Bem jurídico: É a liberdade psíquica que é afetada quando uma pessoa sofre ameaça. Na situação, a liberdade psíquica de Rosa.
- Sujeitos do delito: ativo- João José, passivo- Rosa.
- Tipo objetivo: a conduta típica consiste em ameaçar, isto é intimidar, anunciar a provocação de um mal injusto. No caso, João José ameaçava divulgar as fotos caso Rosa não voltasse com ele.
-Tipo subjetivo: O tipo exige o dolo, que é a vontade de intimidar. Não é imprescindível que o agente queira cumprir o prometido, basta que tenha dolo de intimidar. No caso, João José intimidava Rosa, afirmando que se ela ficasse com outra pessoa, ele divulgaria as fotos.
- Consumação: consuma-se no momento em que a vitima toma conhecimento do conteúdo da ameaça, independentemente de sua real intimidação. Trata-se de crime formal, bastando à intenção de amedrontar e que a mesma tenha potencial para tanto. Na situação, o delito se consumou quando ele afirmava para a vítima que divulgaria as imagens se ela ficasse com alguém ou se não voltasse com ele.
- Formas derivadas: Não há.
- Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa.
- Ação Penal: Ação penal pública condicionada à representação.	
 
Com relação ao concurso de crimes, é importante salientar que este está presente na situação fática. O concurso de crimes consiste em explicar como deverão ser aplicadas as penas quando o agente, mediante uma ou várias condutas, cometer uma pluralidade de crimes. Nesse sentido o Código Penal traz três espécies de concurso: o material (art.69), o formal (art.70) e o crime continuado (art.71). Na situação dada, há a presença do concurso material, assim é necessário ressaltar os requisitos que devem ser preenchidos: o primeiro requisito é a pluralidade de condutas, ou seja, mais de uma ação ou omissão. Visto isto, João José ameaça divulgar as imagens, e depois divulga as imagens com o intuito de atingir a reputação de Rosa. O segundo e último requisito é a pluralidade de crimes, ou seja, o cometimento de dois ou mais crimes, sendo estes idênticos ou não. Neste sentido, com mais de uma ação, João José cometeu dois crimes, o de difamação e ameaça. Em suma, ainda se tratando de concurso material, pode-se concluir a existência de dois tipos deste: o homogêneo e heterogêneo. Adequando-o a situação, temos que os delitos cometidos por João José se enquadram no concurso material heterogêneo, haja vista que o agente praticou duas infrações penais distintas. Assim, como a regra adotada pelo Código Penal é a do cúmulo material, tal distinção não têm relevância prática. Sendo assim, por se tratar de concurso material, devem-se aplicar cumulativamente as penas privativas de liberdade, ou seja, somam-se as penas de cada delito cometido por João José.
Ainda no que concerne aos delitos, se a conduta tivesse sido praticada nos dias atuais, não seria aplicado os delitos citados acima. Haveria a aplicação dos crimes de divulgação de cena de estupro, ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (art.218-C, CP) e o delito de Perseguição (art.147-A, CP) incorporado recentemente ao Código Penal Brasileiro. Assim, adequando os fatos a estrutura do tipo penal temos:
Divulgação de cena de estupro, ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (art.218-C, CP)
-Bem jurídico: O bem jurídico tutelado pelos crimes é a dignidade sexual da vítima, que é violada pela divulgação das cenas do estupro da qual foi vítima ou quando tem vídeos ou fotos íntimas divulgadas. 
-Sujeitos: ativo- João José; passivo- Rosa.
- Tipo objetivo: Divulgar as imagens, no caso, a divulgação das imagens de Rosa. 
- Tipo subjetivo: dolo; exigindo que o agente tenha conhecimento que compartilha ou divulga vídeo, fotografia ou qualquer outro conteúdo que contenha cena de estupro, que incentive tal prática ou sem o consentimento da vítima. No caso, sem o consentimento de Rosa, João José divulgou suas fotos. 
- Consumação: o crime se consuma no momentoem que é realizado um dos verbos-núcleo do tipo, independentemente da ocorrência de qualquer resultado lesivo. Assim, quando João José divulga as fotos, o delito foi consumado.
- Formas derivadas: Cabe majorante; o § 1º prevê que a pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. No caso, João José é ex-namorado da vítima e expõe as fotos pelo fato dela não reatar o relacionamento.
- Pena: reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
-Ação Penal: Ação Penal Pública incondicionada.
Perseguição, art. 147-A, CP
-Bem jurídico: Liberdade individual da pessoa.
- Sujeitos do delito: ativo- João José; passivo- Rosa.
- Tipo objetivo: Invadir ou perturbar a esfera de liberdade ou privacidade. No caso, João José perseguia Rosa, até que ela foi na Delegacia da mulher noticiar os fatos que estavam ocorrendo.
- Tipo subjetivo: Só pode ser realizado a título doloso, não exigindo dolo específico na conduta, se fazendo necessário apenas o dolo genérico (vontade + consciência). 
- Consumação: Crime habitual, a conduta necessita ser reiterada, ou seja, realizada habitualmente. No caso, João José estava perseguindo Rosa, e afirmando que se ela não voltasse com ele, o mesmo divulgaria as fotos.
- Formas derivadas: Não há. 
- Pena: reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
- Ação Penal: Ação Penal Pública condicionada, exceto nos casos que incidem a Lei Maria da Penha, no caso será pública incondicionada.
2- Foram praticadas os delitos de infanticídio (art.123, CP) e o crime de ocultação de cadáver (art.211 do CP). Assim, adequando os fatos a estrutura do tipo penal temos:
 Infanticídio, art.123 do CP 
- Bem jurídico: Vida humana, especificamente a do nascente ou do recém-nascido; nesta situação a recém-nascida, Pamela. 
- Sujeitos do delito: Sujeito ativo- Rosa (mãe) e João José (pai); sujeito passivo- a recém- nascida Pamela.
- Tipo objetivo: Tirar a vida extrauterina do próprio filho, durante ou logo após o parto. Aplicando a essa situação, têm-se Rosa sob influência do estado puerperal e imbuída pelo animus necandi, deixando assim Pamela sem nenhum cuidado ao lado da cama, e João José a colocando embaixo da cama até que ela viesse a falecer.
- Tipo subjetivo: Dolo, haja vista que Rosa estava sob o estado puerperal e João José também, haja vista que a colocou embaixo da cama até que a recém-nascida viesse falecer. 
- Consumação: O crime se consuma com a morte do recém-nascido, nesse caso constata-se que o infanticídio se consumou quando os agentes perceberam que Pamela estava fria.
- Formas derivadas: No deito não há forma derivada, haja vista que não houve nenhuma qualificadora, nem majorantes ou minorantes especiais.
- Pena: A pena prevista para o delito é de, detenção, de dois a seis anos.
- Ação Penal: Ação Penal Pública incondicionada, haja vista que não depende de prévia manifestação de qualquer pessoa para ser iniciada. 
Ocultação de cadáver, art.211 do CP
- Bem jurídico: Sentimento de respeito aos mortos.
- Sujeitos do delito: Sujeitos ativos: Rosa e João José; sujeito passivo: parentes.
-Tipo Objetivo: Ocultar (esconder temporariamente, somente podendo ocorrer antes do sepultamento) cadáver. Nesse caso, têm-se que os pais enterraram a criança em um mato próximo da casa com intenção de ocultar o cadáver da criança e, consequentemente, o crime.
- Tipo Subjetivo: Dolo, haja vista que os pais tinham a vontade livre e consciente de esconder o cadáver da recém-nascida.
- Consumação: o delito se consuma quando o corpo da criança foi enterrado.
- Formas derivadas: Não há.
- Pena: reclusão, de um a três anos, e multa.
- Ação Penal: Ação Penal Pública Incondicionada.
Ademais, no que concerne ao concurso de pessoas, é importante ressaltar que este está presente nessa situação. O concurso de pessoas é uma regra trazida pelo art.29 do CP e aplica-se aos crimes de concurso eventual, que são aqueles que podem ser cometidos por um único agente, mas que eventualmente, são praticados por duas ou mais pessoas. No caso do delito de infanticídio, pontua-se que por tratar-se de crime próprio, deve ser praticado pela mãe, mas permite concurso de pessoas, sendo entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência de que o coautor ou participe do crime de infanticídio responde pela pena deste, tendo em vista que a expressão estado puerperal é elementar do tipo e, por força do art. 30 do CP, comunicável. Sendo assim, a circunstância elementar do tipo é aquela sem a qual o crime não existe; é a circunstância que integra a tipificação do delito. No crime de infanticídio, “sob efeito do estado puerperal” é uma condição pessoal elementar, visto que sem essa situação o crime não se configura. Sendo circunstância pessoal elementar, se comunica ao partícipe ou co-autor, por força da segunda parte do art. 30, CP. Neste sentido, Rosa e João José respondem por infanticídio e ocultação de cadáver, sendo ambos co-autores do crime.
Com relação aos crimes, pontua-se que na situação fática há a configuração de concurso material, art.69 do Código Penal. Visto isso, Rosa e João José cometem uma pluralidade de condutas que ensejam em uma pluralidade de crimes. Assim, as penas devem ser aplicadas cumulativamente, a cada um dos agentes. Ademais, é importante salientar também que, por serem delitos diferentes, trata-se de concurso material heterogêneo, porém a distinção dos crimes não tem relevância na cumulação das penas.

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