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TBL 1 E 2 – CECIL
Abordagem do paciente com doença hepática
 O fígado tem uma variedade de funções-chave, incluindo o metabolismo dos produtos de alimentares que comemos, a produção de aminoácidos para formar proteínas, a desintoxicação de drogas ingeridas, a conversão de substâncias nitrogenadas a partir do intestino em ureia para subsequente excreção renal, a formação de fatores de coagulação, o metabolismo da bilirrubina, o processamento dos lipídios absorvidos a partir do intestino e a excreção dos seus produtos como bile. O fígado também armazena glicogênio, que é uma fonte de glicose, e tem um papel no controle de infecções bacterianas através da remoção destas a partir da corrente sanguínea. Essas várias funções são desempenhadas por diversos tipos de células hepáticas, incluindo hepatócitos, células do ducto biliar e células de Kupffer.
 O fígado tem duplo fornecimento de sangue: 70% do seu sangue é distribuído pela veia porta, que drena o intestino, e o restante vem da artéria hepática. Após a distribuição para o fígado pela veia porta, o sangue, rico em nutrientes, passa pelos sinusoides hepáticos em contato próximo com os hepatócitos que estão subjacentes antes de drenar na veia hepática. Os hepatócitos desintoxicam, metabolizam e sintetizam os produtos da digestão que são entregues a eles. A bilirrubina, o produto da quebra das hemácias e outras hemoproteínas, é produzida pelas células reticuloendoteliais predominantemente no fígado e no baço. A bilirrubina é transportada para os hepatócitos ligada à albumina e, então, é solubilizada pelos hepatócitos para excreção nas vias biliares.
As consequências clínicas da doença hepática podem refletir a perda da atividade hepatocelular, com a diminuição das funções de desintoxicação, excreção e de sintetização. A interrupção do fluxo da bile pode ser causada pela excreção biliar ineficaz por doença dos hepatócitos ou pela hipertensão portal em decorrência da interrupção do fluxo de sangue através do fígado doente. A disfunção hepatócita resulta na diminuição da produção de fatores de coagulação, albumina e outras proteínas, bem como na redução da formação endógena de lipídios. A lesão hepatócita pode ter uma variedade de causas, incluindo vírus, álcool, doenças autoimunes e medicamentos hepatotóxicos, e é acompanhada pelo vazamento das enzimas celulares na circulação sistêmica. A coagulopatia, diminuição da albumina sérica, e hiperbilirrubinemia são típicas na lesão hepatocelular mais grave. A hipertensão portal ocorre em razão da perturbação do fluxo sanguíneo de baixa pressão intra-hepática pela veia porta e em direção à circulação venosa sistêmica, geralmente devido à fibrose no parênquima hepático. Consequências da hipertensão portal incluem a acumulação de ascite abdominal e o desenvolvimento de colaterais venosos portossistêmicos com shunt portossistêmico, resultando, assim, na formação de varizes e em encefalopatia hepática. As doenças vasculares, incluindo trombose da veia porta, também podem resultar em hipertensão portal. 
Em razão das diversas funções do fígado, o seu complexo fornecimento de sangue e sua relação intrínseca com a árvore biliar, a doença hepática pode-se apresentar de diversas maneiras. A queixa atual muitas vezes reflete se a causa está relacionada ao caráter difuso da doença, por exemplo, a hepatite viral aguda com lesão hepatócita generalizada apresenta-se como um mal-estar ou cansaço ou por sintomas discretos por exemplo, quando a obstrução biliar em decorrência de um cálculo biliar no ducto biliar comum apresenta-se como dor abdominal intensa. Pacientes com doença hepática podem apresentar queixas múltiplas, como náuseas e anorexia devido à doença hepatocelular podendo ser acompanhada de desconforto no quadrante superior direito, devido ao estiramento da cápsula hepática por edema celular no parênquima e inflamação. Pacientes com doença hepática mais avançada, como cirrose descompensada, podem ter disfunção hepatocelular acentuada com icterícia e coagulopatia, além da hipertensão portal com ascite e sangramento das varizes esofágicas. Muitos pacientes que apresentam sintomas ou sinais hepáticos podem ter doença extra-hepática; por exemplo, um fígado sensível e inchado pode ter sua causa em um distúrbio sistêmico, como insuficiência cardíaca com congestão hepática, em vez de uma doença hepática primária. Em pacientes cirróticos, a apresentação inicial da doença hepática não diagnosticada previamente pode ser uma das principais complicações, como uma hemorragia varicosa, que, por sua vez, pode precipitar uma encefalopatia hepática e outras características da descompensação hepática franca.
Histórico clínico 
Os pacientes com doenças hepáticas procuram o médico por inúmeras razões, que vão desde a descoberta incidental de testes bioquímicos hepáticos anormais até a cirrose avançada. No entanto, para os pacientes com possível doença hepática um histórico completo orienta a avaliação diagnóstica apropriada. Muitas queixas relacionadas à doença hepática, como fadiga, são inespecíficas; a menos que a doença hepática seja considerada no diagnóstico diferencial, o reconhecimento da origem hepática dessas queixas pode ser tardio. 
Na prática clínica, uma apresentação frequente de doença hepática é um paciente assintomático, em que se constata alteração dos testes bioquímicos hepáticos, durante uma solicitação de seguro de vida, exame físico anual, ou tentativa de doar sangue. Esses pacientes muitas vezes não têm um histórico prévio de doença hepática, mas é importante saber sobre ocasiões passadas quando testes bioquímicos hepáticos podem ter sido obtidos para determinar se a disfunção hepática é de longa data ou mais recente. Em um paciente com disfunção hepática, uma investigação específica deve ser feita sobre a presença de mal-estar, anorexia, fadiga e alteração de peso. 
A icterícia é a manifestação mais típica da doença hepática, mas não é específica. Um paciente pode notar fezes de cor clara ou urina escura primeiramente, em vez de icterícia na esclera. A ausência dessas alterações sugere que a hiperbilirrubinemia não conjugada devido à hemólise pode ser a causa de icterícia, em vez de doença hepática intrínseca. Não raro, um paciente pode não ter conhecimento da icterícia até que seja observado por um membro da família ou um colega. 
A dor abdominal relacionada à doença hepática pode ter uma variedade de causas. Cálculos biliares sintomáticos podem apresentar-se com o início abrupto de desconforto grave na região epigástrica ou no quadrante superior direito, muitas vezes após uma grande refeição e, frequentemente, associado a náuseas e vômitos. A dor é geralmente estável, em vez de cólicas, e pode irradiar amplamente, inclusive para tórax e costas. Os pacientes podem não ser capazes de encontrar uma posição que diminua a dor, que pode durar várias horas. A dor mais persistente, especialmente se associada à perda de peso e icterícia, aumenta a preocupação com a obstrução maligna do ducto biliar. A dor é também comum na doença do parênquima hepático na ausência de doença do trato biliar. Muitos pacientes com distúrbios hepatocelulares crônicos, como hepatite crônica C ou a doença hepática gordurosa não alcoólica, se queixam de desconforto vago no quadrante superior direito que não tem nenhum alívio particular ou fatores agravantes. Dor abdominal, que pode ser grave, também é frequente na hepatite viral aguda, bem como na congestão hepática que resulta do aumento retrógrado da pressão na insuficiência cardíaca ou a oclusão da veia hepática, como visto em BuddChiari. Fadiga, anorexia e mal-estar podem estar presentes tanto na doença hepática crônica quanto na aguda. Em doenças hepáticas agudas, como hepatite viral aguda, doença hepática induzida por drogas, ou uma apresentação aguda da hepatite autoimune, os pacientes podem relatar fadiga profunda, náuseas e mal-estar com diminuição do apetite e perda substancial de peso associado. Aversão aos cigarros é dita ser característica da hepatite viral aguda. 
A fadiga tambémé proeminente na doença hepática crônica como hepatite C crônica. O prurido é uma caracterís proeminente de distúrbios colestáticos, como cirrose biliar primária, colangite esclerosante, ou colestase por drogas, particularmente quando os pacientes têm icterícia franca; no entanto, o prurido também ocorre na doença hepática parenquimatosa crônica, mais notoriamente a hepatite C crônica, e na hepatite viral aguda. Facilidade de aparecimento das equimoses em pacientes com doença hepática reflete coagulopatia e trombocitopenia. 
Febre em um paciente com disfunção hepática é vista no pródromo da hepatite A aguda, bem como na hepatite alcoólica e doença hepática induzida por drogas. Em um paciente com suspeita de obstrução biliar, a febre sugere colangite bacteriana complicada ou colecistite aguda. 
A ascite é a evidência mais frequente de cirrose e hipertensão portal em um paciente com doença hepática. Os pacientes relatam aumento da circunferência abdominal, que pode ser precedida por edema do tornozelo. Ganho de peso devido à retenção de líquidos pode ser mascarado pela perda concomitante de massa muscular, e vice-versa. O aparecimento de ascite na ausência de um histórico de doença hepática sugere um evento vascular, como a oclusão da veia hepática, ou uma causa não hepática de ascite, como a síndrome nefrótica ou insuficiência cardíaca. O acúmulo de ascite em um paciente com doença hepática pode ser sutil, com uma circunferência da cintura aumentando lentamente, ou pode ser mais rápida, como em um paciente cirrótico que recebe reposição de líquidos após hemorragia gastrointestinal. Embora a ascite, em um paciente com doença hepática, implique a presença de cirrose, a ascite também pode complicar a doença hepática aguda grave, incluindo hepatite alcoólica e hepatite viral, em que se sugere um mau prognóstico.
 A encefalopatia hepática, que é uma doença neuropsiquiátrica em pacientes com doença hepática, pode variar de disfunção cognitiva sutil a coma profundo. Os sintomas iniciais incluem um padrão de distúrbio do sono, com insônia noturna e sonolência diurna. A encefalopatia mais avançada pode resultar em comprometimento da memória, confusão e dificuldade em completar as tarefas de rotina. No entanto, um novo início de confusão ou coma em um paciente com doença hepática não deve presumir a ocorrência de encefalopatia hepática, a menos que outras explicações, como overdose de sedativos ou hematoma subdural, sejam descartadas. Precipitantes importantes de encefalopatia hepática em um paciente cirrótico incluem hemorragia gastrointestinal, infecção bacteriana e desequilíbrio eletrolítico, os quais devem ser excluídos durante a avaliação clínica inicial. Em um paciente com insuficiência hepática aguda, o coma em decorrência de um edema cerebral pode ser impossível de se distinguir da encefalopatia hepática avançada, a menos que o aumento da pressão intracraniana resulte em papiledema.
 A hemorragia gastrointestinal em função de sangramento varicoso geralmente é profusa e muitas vezes de início repentino. Apresenta-se classicamente com hematêmese ou melena, e, coexistindo com a hipotensão postural e pré-síncope, pode refletir em profunda perda de sangue. O aumento do aporte proteico ao intestino pode causar encefalopatia hepática. Causas não varicosas de hemorragia gastrointestinal em um paciente com doença hepática incluem gastropatia hipertensiva.
Fatores de risco para doença hepática
 Um aspecto importante do histórico é a identificação de possíveis fatores de risco para doenças hepáticas. O histórico deve incluir questionamento dirigido sobre o consumo de álcool, incluindo a frequência e o padrão. Deve-se fazer uma verificação sobre a idade inicial do uso de álcool e se o seu consumo tem aumentado com a idade. Os membros da família, se presentes, também devem ser questionados sobre sua percepção de uso de álcool pelo paciente e se isso resultou em dificuldades nos relacionamentos pessoais ou no desempenho no trabalho. Outros indícios sobre o abuso de álcool são um histórico de penalidades por dirigir sob a influência de álcool, acidentes de automóveis e sintomas físicos de dependência do álcool. Um questionamento mais cauteloso pode ser necessário para obter um histórico de uso de drogas recreativas, especialmente dada a desaprovação social desta atividade. Não raro, um paciente com suspeita de hepatite viral admite fumar maconha ou inalar cocaína, mas não reconhece o uso de drogas via intravenosa. Com o aumento da frequência da doença hepática gordurosa não alcoólica como causa de disfunção hepática, o histórico deve avaliar condições de comorbidades, como diabetes melito, hiperlipidemia ou ganho de peso. A ingestão de medicamentos, independentemente de obtidos com ou sem prescrição médica, deve ser avaliada porque a doença hepática induzida por drogas é uma causa importante de disfunção hepática aparentemente criptogênica e não está limitada a drogas terapêuticas. Cada vez mais, produtos fitoterápicos e “naturais” são ingeridos para uma variedade de doenças, e os pacientes podem deixar de relatar seu uso, porque não percebem que esses agentes têm efeitos colaterais ou podem perceber que os médicos não recomendam sua utilização. Como acontece com o álcool, é importante quantificar a medicação ingerida e por quanto tempo está sendo utilizada. O histórico social deve também incluir detalhes sobre viagem recente e convivência com indivíduos com hepatite viral através do contato íntimo, familiar e profissional. Também é importante perguntar sobre a atividade física intensa que pode resultar na elevação dos níveis das aminotransferases de origem não hepática.
Estudos Laboratoriais
 A avaliação inicial para a suspeita de doença hepática envolve uma bateria de testes de sangue que refletem necroinflamação hepática (aminotransferases séricas), colestase, anormalidades da função excretora (bilirrubina), e da função da síntese hepática (albumina ). Na disfunção hepatocelular causada por hepatite viral, os níveis de aminotransferase são elevados, com o nível de alanina aminotransferase sérica (ALT) maior do que o nível de aspartato aminotransferase (AST). Na hepatite alcoólica, elevação do AST excede a elevação da ALT. Em pacientes com obstrução biliar ou doenças hepáticas colestáticas, como cirrose biliar primária ou colestase por drogas, a bilirrubina e, geralmente, os níveis de fosfatase alcalina são elevados. O comprometimento da função de síntese hepática, como ocorre na cirrose ou hepatite viral aguda grave, pode levar a uma albumina sérica baixa ao longo de dias ou semanas. O tempo de protrombina, expresso como a razão normalizada internacional (INR), é um ensaio mais sensível da função de síntese hepática e torna-se prolongado dentro de algumas horas após uma lesão hepática grave. A hipertensão portal devido à fibrose hepática avançada ou cirrose resulta em uma diminuição da contagem de plaquetas em razão do hiperesplenismo. Embora esses padrões gerais de disfunção hepática sejam úteis na avaliação inicial de doença hepática, eles são inespecíficos. Por exemplo, um paciente com um processo predominantemente hepatocelular comumente tem bilirrubina e fosfatase alcalina elevadas e um nível baixo de albumina sérica se a lesão for grave. No entanto, esses exames de sangue devem identificar o padrão predominante de anormalidade e ajudar a focar a avaliação diagnóstica na realização de sorologias e exames de imagem abdominal.
 
Icterícia
 Definição
 A icterícia, na língua inglesa jaundice, uma palavra francesa derivada de jaune (amarelo), é a coloração amarelo-alaranjada da pele, conjuntiva e membranas mucosas que resulta de concentrações elevadas de bilirrubina no plasma. A hiperbilirrubinemia leve pode ser clinicamente indetectável, mas a icterícia torna-se evidente em concentrações plasmáticas de bilirrubina de 3 a 4 mg/dL, dependendo da pigmentação normal do paciente, das condições de observação e da fração de bilirrubina que se encontra elevada. A interpretação ideal das concentrações plasmáticas elevadasde bilirrubina baseia-se na apreciação de suas fontes e distribuição. 
Metabolismo da Bilirrubina
 Produção de Bilirrubina
 A bilirrubina é o produto de degradação do radical heme das hemoproteínas, uma classe de proteínas envolvidas no transporte ou no metabolismo do oxigênio (Fig. 149-1). Adultos normais produzem diariamente cerca de 4 mg de bilirrubina por quilo de peso corporal. Entre 70% e 90% da bilirrubina resultam da hemoglobina das hemácias, que, por sua vez, são sequestradas e destruídas pelas células fagocíticas mononucleares do sistema reticuloendotelial, principalmente no baço, fígado e medula óssea. Uma fração menor reflete a eritropoiese ineficaz, a destruição prematura dos eritrócitos recémformados no interior da medula óssea. O restante resulta principalmente do metabolismo das hemoproteínas não hemoglobínicas, como a mioglobina, o citocromo P450, catalase e peroxidase. Embora isto ocorra principalmente no fígado, a bilirrubina provou ter propriedades antioxidantes, e estudos recentes sugerem que uma produção regulada limitada de bilirrubina do heme pode ocorrer em muitos tipos de células e contribuir para a regulação do ambiente antioxidante intracelular.
A conversão de duas etapas de heme em bilirrubina começa com a abertura da molécula do heme, em sua ponte α de carbono pela enzima microssomal heme-oxigenase, um processo que resulta na formação de quantidades equimolares de monóxido de carbono e biliverdina, um pigmento tetrapirrólico verde, o principal produto de excreção do heme em pássaros, répteis e anfíbios. Em razão de a biliverdina não poder atravessar a placenta, sua redução para bilirrubina em mamíferos por uma segunda enzima, a biliverdina-redutase, permite a sua remoção transplacentária do feto para a circulação materna. A bilirrubina não conjugada produzida na periferia é transportada para o fígado no plasma. Devido à sua insolubilidade em meio aquoso, ela é mantida em solução por uma ligação firme, porém reversível, à albumina. Vários compostos, incluindo sulfonamidas, furosemida e contrastes radiográficos, deslocam competitivamente a bilirrubina de seus sítios de ligação na albumina, um fenômeno de pouca significação clínica exceto em neonatos, nos quais a concentração elevada resultante de bilirrubina não ligada aumenta o risco de kernicterus. 
Distribuição de Bilirrubina pelo Fígado
 A excreção de bilirrubina do corpo é uma das principais funções do fígado (Fig. 149-1), em que a microanatomia especializada aumenta a extração de componentes ligados fortemente às proteínas da circulação. A translocação hepática da bilirrubina do sangue para a bile envolve quatro etapas distintas: (1) captação de bilirrubina não conjugada tanto por um processo de transporte facilitado incompletamente caracterizado quanto por difusão; (2) ligação intracelular, principalmente a várias proteínas citosólicas da família da glutationa-S-transferase; (3) conversão de bilirrubina não conjugada a mono e diglicuronato de bilirrubina por uma isoforma específica da UDP-glicuronosil transferase denominada UGT1A1; e (4) transferência dos mono e diglicuronatos de bilirrubina para a bile por um transportador de membrana canalicular dependente de trifosfato de adenosina (ATP), denominado proteína associada à resistência a múltiplas drogas 2 (MRP2) ou transportador canalicular de ânions orgânicos multiespecífico (cMOAT). MRP2/cMOAT é um membro da família do gene MRP, cujos outros membros bombeiam certos conjugados de medicamentos, bem como medicamentos anticancerosos não modificados, para fora das células. 
A conjugação de mono e diglicuronatos de bilirrubina aumenta de forma significativa a solubilidade aquosa da bilirrubina e, assim, aumenta sua eliminação do corpo, enquanto, simultaneamente, reduz sua capacidade de se difundir através das membranas biológicas, incluindo a barreira hematoencefálica. Em recém-nascidos, uma capacidade diminuída em conjugar a bilirrubina leva à hiperbilirrubinemia não conjugada (icterícia fisiológica do recém-nascido). Se grave, a hiperbilirrubinemia pode levar à toxicidade irreversível do sistema nervoso central. Fototerapia por exposição à luz azul converte a bilirrubina em fotoisômeros hidrossolúveis que são prontamente excretados na bile, protegendo o sistema nervoso central da toxicidade da bilirrubina. A síndrome de Gilbert e a síndrome de Crigler-Najjar tipos 1 e 2, que resultam de defeitos genéticos na conjugação da bilirrubina, são caracterizadas por hiperbilirrubinemia não conjugada; em contraste, a síndrome Dubin-Johnson, que resulta de defeitos hereditários do MRP2/cMOAT (veja adiante), é caracterizada por hiperbilirrubinemia conjugada ou mista.
Circulação Êntero-hepática e Excreção de Bilirrubina 
Bilirrubina na Bile
 A bile normal contém uma média de menos de 5% de bilirrubina não conjugada, 7% de bilirrubina monoconjugada e 90% de bilirrubina biconjugada. A proporção de monoconjugados aumenta com um aumento da carga de bilirrubina (hemólise) ou conjugação defeituosa (p. ex., síndromes de Gilbert e Crigler-Najjar tipo 2). Após a secreção canalicular, a bilirrubina conjugada desce pelo trato gastrointestinal, sem reabsorção tanto pela vesícula biliar quanto pela mucosa intestinal.
 Urobilinogênio e a Circulação Êntero-hepática 
Embora uma parte da bilirrubina atinja as fezes, a maioria é convertida em urobilinogênio e compostos relacionados por bactérias dentro do íleo e do cólon, onde o urobilinogênio é reabsorvido, retorna ao fígado através da circulação portal, e é reexcretado na bile em um processo de recirculação êntero-hepática. Qualquer urobilinogênio não captado pelo fígado atinge a circulação sistêmica e é eliminado pelos rins. A excreção de urobilinogênio normal na urina é de 4 mg/dia ou menos. Com hemólise, que aumenta a carga de bilirrubina entrando no intestino, e dessa forma, a quantidade de urobilinogênio formado e reabsorvido, ou com doença hepática, que diminui sua extração hepática, os níveis plasmáticos de urobilinogênio sobem, e mais urobilinogênio é excretado na urina. Colestase grave, obstrução de ducto biliar ou antibióticos de amplo espectro que reduzem ou eliminam a conversão bacteriana de bilirrubina em urobilinogênio diminuem de forma marcante a formação e a excreção urinária de urobilinogênio. A bilirrubina não conjugada geralmente não atinge o intestino exceto em recémnascidos ou através de trajetos alternativos definidos pela doença, na presença de hiperbilirrubinemia não conjugada grave (p. ex., Crigler-Najjar tipo 1). Nestas circunstâncias, a bilirrubina não conjugada é reabsorvida do intestino, amplificando deste modo a hiperbilirrubinemia.
(HARRISON)
Icterícia
A icterícia é uma coloração amarelada dos tecidos, decorrente do depósito de
bilirrubina. O depósito tecidual de bilirrubina acontece apenas na presença de
hiperbilirrubinemia sérica, sendo um sinal de doença hepática ou, com menor
frequência, de um distúrbio hemolítico. O grau de elevação da bilirrubina sérica pode
ser estimado pelo exame físico. Aumentos discretos na bilirrubina sérica são mais bem detectados ao exame das escleras, que têm uma afinidade particular pela bilirrubina em razão do seu alto conteúdo de elastina. A presença de escleras ictéricas indica nível de bilirrubina sérica de no mínimo 51 μmol/L (3 mg/dL). A capacidade de detectar a esclera ictérica é dificultada quando a sala de exame possui iluminação fluorescente.
Se o médico suspeita de escleras ictéricas, um segundo local para examinar é sob a
língua. À medida que os níveis séricos de bilirrubina aumentam, a pele se torna
amarelada nos pacientes de pele clara e mesmo esverdeada quando o processo é de
longa duração; a coloração esverdeada é produzida por oxidação da bilirrubina em
biliverdina.
O diagnóstico diferencial para a coloração amarelada da pele é limitado. Além da
icterícia, devem ser considerados carotenodermia, uso do medicamento quinacrina e
exposição excessiva a fenóis. A carotenodermia é a coloração amarelada imposta à
pele de indivíduos saudáveis que consomem quantidades excessivasde vegetais e
frutas que contêm caroteno, como cenoura, vegetais folhosos, abóbora, pêssego e
laranja. Na icterícia, a coloração amarela da pele se distribui de maneira uniforme pelo corpo, enquanto, na carotenodermia, o pigmento concentra-se em palmas, plantas, fronte e pregas nasolabiais. A carotenodermia pode ser diferenciada da icterícia pela ausência de pigmentação das escleras. A quinacrina provoca uma coloração amarelada da pele em 4-37% dos pacientes tratados.
Outro indicador sensível do aumento de bilirrubina sérica é o escurecimento da
urina, que decorre da excreção renal de bilirrubina conjugada. Com frequência, os
pacientes descrevem a urina como tendo cor de chá ou de refrigerantes do tipo cola. 
A bilirrubinúria indica elevação da fração direta da bilirrubina sérica e, portanto,
presença de doença hepática. Os níveis séricos de bilirrubina aumentam quando há desequilíbrio entre a produção e a depuração de bilirrubina. Uma avaliação lógica do paciente ictérico requer uma compreensão da produção e do metabolismo da bilirrubina.
PRODUÇÃO E METABOLISMO DA BILIRRUBINA
A bilirrubina, um pigmento tetrapirrólico, é um produto da degradação do heme (ferroprotoporfirina IX). Cerca de 70-80% dos 250-300 mg de bilirrubina produzidos a cada dia derivam da degradação da hemoglobina em eritrócitos senis. O restante advém de células eritroides prematuramente destruídas na medula óssea e do turnover das hemoproteínas, como a mioglobina e os citocromos, encontradas nos tecidos corporais.
A formação de bilirrubina ocorre nas células reticuloendoteliais, principalmente no
baço e fígado. A primeira reação, catalisada pela enzima microssômica heme oxigenase, cliva de modo oxidativo a ponte α do grupo porfirina e abre o anel do heme. Os produtos finais dessa reação são a biliverdina, o monóxido de carbono e o ferro. A segunda reação, catalisada pela enzima citossólica biliverdina redutase, reduz a ponte de metileno central da biliverdina e a converte em bilirrubina. A bilirrubina formada nas células reticuloendoteliais é praticamente insolúvel em água, o que decorre de uma ligação de hidrogênio interna firme entre a fração hidrossolúvel da bilirrubina – isto é, a ligação dos grupos carboxila do ácido propiônico na metade dipirrólica da molécula, com os grupos imino e lactâmico da metade oposta. Essa configuração bloqueia o acesso de solvente aos resíduos polares da bilirrubina e dirige os resíduos hidrofóbicos para fora. Para ser transportada no sangue, a bilirrubina deve estar solubilizada. A solubilização é obtida pela ligação reversível, não covalente da bilirrubina à albumina.
A bilirrubina não conjugada ligada a albumina é transportada ao fígado. Ali, a bilirrubina – mas não a albumina – é absorvida pelos hepatócitos por meio de processo que, ao menos em parte, envolve transporte pela membrana mediado
por carreador. Ainda não se identificou qualquer transportador específico da
bilirrubina.
Após entrar no hepatócito, a bilirrubina não conjugada é ligada no citosol a diversas
proteínas, incluindo a superfamília da glutationa S-transferase. Essas proteínas atuam tanto para reduzir o refluxo de bilirrubina para o soro quanto para apresentá-la à conjugação. No retículo endoplasmático, a bilirrubina é solubilizada por conjugação com o ácido glicurônico, um processo que rompe as ligações internas de hidrogênio e forma monoglicuronídeo e diglicuronídeo de bilirrubina. A conjugação do ácido glicurônico com a bilirrubina é catalisada pela bilirrubina uridina difosfato glicuronosil transferase (UDPGT). Os conjugados de bilirrubina, agora hidrofílicos, difundem-se do retículo endotelial para a membrana canalicular, em que o monoglicuronídeo e o diglicuronídeo de bilirrubina são ativamente transportados para dentro da bile canalicular por um mecanismo dependente de energia que envolve a proteína associada à resistência a múltiplos fármacos 2 (MRP2).
A bilirrubina conjugada excretada dentro da bile drena para o duodeno e atravessa
inalterada a parte proximal do intestino delgado. A bilirrubina conjugada não é captada pela mucosa intestinal. Quando atinge a parte distal do íleo e o cólon, a bilirrubina conjugada é hidrolisada em bilirrubina não conjugada pelas β glicuronidases bacterianas. A bilirrubina não conjugada é reduzida pela flora bacteriana intestinal normal para formar um grupo de tetrapirróis incolores chamados urobilinogênios.
Cerca de 80-90% desses produtos são excretados nas fezes, quer na forma inalterada,
quer oxidados em derivados alaranjados denominados urobilinas. Os 10-20% restantes dos urobilinogênios são absorvidos passivamente, penetram no sangue venoso portal e são reexcretados pelo fígado. Uma pequena fração (geralmente < 3 mg/dL) escapa da captação hepática e é filtrada pelos glomérulos renais, sendo excretada na urina.
Dosagem das Enzimas Séricas 
Os níveis das enzimas hepáticas encontradas no plasma constituem uma medida de reposição (turnover) ou de lesão dos hepatócitos. As enzimas liberadas durante a reposição normal dos hepatócitos parecem ser a principal base dos níveis circulantes normais. A lesão celular e a morte celular ativam as fosfolipases que criam orifícios na membrana plasmática, aumentando com isso a liberação dos conteúdos intracelulares.
 Aminotransferases
 As aminotransferases (anteriormente denominadas transaminases) catalisam a transferência do grupo α-amino do aspartato (aspartato aminotransferase, AST) ou alanina (alanina aminotransferase, ALT) para o grupo α-ceto do grupo do cetoglutarato com fosfato de piridoxal (vitamina B6 ) com um cofator. Os métodos laboratoriais que avaliam a atividade da aminotransferase requerem uma suplementação com vitamina B6 para evitar a atividade falsamente reduzida em indivíduos com deficiência de vitamina B6 . 
Valores normais para aminotransferases séricas são geralmente relatados como sendo de aproximadamente até 40 UI/L, mas quando cuidado especial é tomado para excluir pacientes obesos e outros com doença hepática gordurosa conhecida da amostra da população, os resultados sugerem que menos de 30 UI/L é normal para homens e menos de 19 UI/L para mulheres. Os valores podem exceder 1.000 UI/L na lesão hepatocelular aguda, por exemplo, de infecção viral ou toxinas. A ALT é uma enzima puramente citosólica. Isoformas distintas da AST estão presentes no citosol e nas mitocôndrias. A expressão da isoforma mitocondrial e sua exportação fisiológica do hepatócito são suprarreguladas pelo etanol. Níveis circulantes de AST ou ALT (ou ambas) estão elevados na maioria das doenças hepáticas e o grau de atividade das aminotransferases encontradas no plasma praticamente reflete a atividade atual do processo patológico. No entanto, existem exceções críticas, e a sensibilidade das aminotransferases como marcadores da lesão hepatocelular varia com a doença em questão. Um subgrupo de pacientes com hepatite C crônica comprovada têm níveis normais de transaminases, aproximadamente 25% dos pacientes com obesidade mórbida com esteato-hepatite não alcoólica comprovada por biópsia podem ter os níveis de ALT normais, e níveis de aminotransferases maiores ou iguais a 200 a 300 UI/L são incomuns mesmo nos casos mais graves de hepatite alcoólica. Em contraste, aminotransferases de 1.000 UI/L ou maior estão muitas vezes presente até mesma na hepatite viral aguda leve ou logo após obstrução biliar aguda, por exemplo, durante a passagem de um cálculo biliar. Por outro lado, os níveis de aminotransferases podem declinar durante o curso de necrose hepática maciça devido à lesão hepática ser tão extensa que passa a existir pouca atividade enzimática. 
Os níveis de aminotransferases são úteis de várias maneiras distintas. Primeiramente, eles fornecem um teste de rastreamento relativamente específico para doença hepatobiliar. Embora os níveis de AST possam estar aumentados com doença de outros órgãos (notoriamente músculo do miocárdio e esquelético), valores dez vezes o limite superior do normal ou maiores quase invariavelmente indicam patologia hepatobiliar.Fosfatase Alcalina
 As fosfatases alcalinas são enzimas distribuídas amplamente por todo o organismo (p. ex., fígado, ductos biliares, intestino, osso, rim, placenta e leucócitos) que catalisam a liberação do ortofosfato dos substratos éster em um pH alcalino. O nível sérico de atividade normal no adulto é altamente dependente do método de dosagem, idade e sexo. Dois métodos atualmente em uso têm os limites superiores da normalidade em adultos de 85 e 110 UI/L (veja Apêndice). Níveis mais elevados são normais em crianças e na gravidez. Os resultados devem sempre ser comparados com a faixa normal apropriada. No osso, a fosfatase alcalina participa no depósito de hidroxiapatita no osteoide. Em outros locais, incluindo o fígado, a atividade da fosfatase alcalina pode facilitar o movimento de moléculas através das membranas celulares.
Com uma meia-vida sérica de aproximadamente uma semana, a fosfatase alcalina sérica pode permanecer elevada por dias a semanas após a resolução da obstrução biliar. Este retardo pode induzir a erro especialmente quando for acompanhado de hiperbilirrubinemia prolongada de reação direta devido à depuração retardada da bilirrubina-δ. Elevações mais modestas na fosfatase alcalina sérica (três vezes o normal ou menos) ocorrem em muitos distúrbios parenquimatosos hepáticos, incluindo hepatite e cirrose. Na ausência de doença óssea, aumentos maiores (três a dez vezes o normal) geralmente indicam obstrução do fluxo biliar. 
Bilirrubina
 O diagnóstico diferencial de hiperbilirrubinemia (veja anteriormente) inclui doença hepática generalizada, distúrbios hereditários do metabolismo da bilirrubina (p. ex., síndromes de Gilbert e Crigler-Najjar) e condições não hepáticas (p. ex., hemólise). Níveis mais elevados de bilirrubina correlacionam-se com pior prognóstico na hepatite alcoólica aguda (Capítulo 155), insuficiência hepática fulminante, cirrose biliar primária, e na maioria das formas de doença hepática crônica.
Tempo de Protrombina
 O tempo de protrombina (TP) reflete as concentrações plasmáticas de fatores tanto da via extrínseca quanto da via comum, que são os fatores VII, X e V, protrombina e fibrinogênio. Um TP prolongado mais frequentemente resulta da deficiência de vitamina K, doença hepática ou de ambas. A vitamina K, uma vitamina lipossolúvel encontrada em muitos alimentos, é também sintetizada pelas bactérias intestinais. A deficiência de vitamina K pode ser causada por uma ingesta dietética pobre e estados de má absorção, incluindo a má absorção de gordura que resulta da colestase e ocorre, também, com a supressão da flora intestinal por antibióticos, particularmente em pacientes que recebem reposição inadequada de vitamina K. 
As meias-vidas dos fatores de coagulação tipicamente são inferiores a um dia. O fator VII, que tem a meia-vida mais curta, geralmente é o mais precoce e gravemente deprimido durante períodos de síntese hepática defeituosa. Devido ao TP ser dependente do nível do fator VII, ele responde rapidamente às mudanças na função de síntese hepática; é útil para acompanhar o curso de doenças hepáticas agudas, nas quais um prolongamento significativo ou crescente do TP pode indicar um prognóstico sombrio. Um TP anormal devido unicamente à deficiência de vitamina K, em geral, normaliza- se dentro de 24 a 48 horas após a repleção parenteral. Todavia, se a síntese diminuída dos fatores de coagulação refletir disfunção hepatocitária, a resposta à vitamina K será mínima ou estará ausente. Finalmente, o prolongamento do TP também pode refletir coagulação intravascular disseminada, que sempre deve ser considerada no contexto tanto da insuficiência hepática aguda quanto da doença hepática crônica em estágio final.
Albumina
 A albumina é produzida unicamente pelo fígado. Sua concentração plasmática reflete um equilíbrio entre sua taxa de síntese, (100 a 200 mg/kg/dia) e sua meia-vida plasmática de cerca de 21 dias. A taxa de síntese é afetada pelo estado nutricional do paciente, níveis de hormônios tireoidianos e glicocorticoides, pressão coloidosmótica do plasma, exposição à hepatotoxinas (p. ex., álcool) e pela presença de distúrbios sistêmicos ou doença hepática. Muitas condições aumentam as perdas de albumina e encurtam sua meia-vida plasmática, incluindo a síndrome nefrótica, a enteropatia perdedora de proteína, queimaduras graves, dermatite esfoliativa e hemorragia gastrointestinal importante. Na cirrose com ascite, a hipoalbuminemia indica uma síntese diminuída ou redistribuição no líquido ascítico. Portanto, uma concentração sérica reduzida de albumina pode com confiança ser considerada um indicador de função de síntese hepática diminuída apenas quando estes outros fatores não estiverem envolvidos.
Hepatite viral aguda
Introdução
 A infecção com um vírus hepatotrópico provoca um episódio agudo de inflamação do fígado, referida como a hepatite aguda, o que pode levar a uma eliminação espontânea do agente infeccioso ou a sua persistência, que por sua vez leva a uma infecção crônica, para um subconjunto destes vírus. Cinco vírus de hepatite são responsáveis pela maioria dos casos de hepatite aguda (Tabela 150-1): vírus da hepatite A (HAV); vírus da hepatite B (HBV); hepatite C (HCV); hepatite D ou delta vírus (HDV), que é um viroide defeituoso usando o antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) como o seu envelope; e hepatite E (HEV).
Características gerais da hepatite viral aguda
 Patologia
 A hepatite viral aguda é caracterizada por necroinflamação hepática aguda. Como nenhum dos vírus hepatotrópicos é citopático, acredita-se que a lesão hepática seja mediada por uma forte reação citotóxica das células T contra hepatócitos infectados que expressam antígenos virais na sua superfície. As citocinas pró-inflamatórias, células natural killer, e citotoxicidade celular dependente de anticorpos também parecem desempenhar um papel na necroinflamação hepática. A eliminação imune bem-sucedida pode levar à depuração viral, que pode ou não estar associada à imunidade ao longo da vida, dependendo do agente infeccioso. A reação imunológica às vezes é tão potente que o paciente desenvolve hepatite subfulminante ou mesmo fulminante que requer transplante hepático. Em alguns pacientes—a proporção varia, de acordo com o vírus responsável pela hepatite aguda—a resposta imune falha e infecção crônica é estabelecida. 
Manifestações clínicas
 Após a infecção, existe um período de incubação de alguns dias a algumas semanas, dependendo do agente causador. Este período de incubação é geralmente caracterizado por sintomas inespecíficos, incluindo náuseas, fadiga, perda de apetite, sintomas de gripe, e/ou dor no quadrante superior direito. Sintomas imunomediados, incluindo erupção cutânea, urticária, artralgias, edema angioneurótico e febre são observados em 10% a 20% dos pacientes durante a fase pré-ictérica. Leucopenia e linfocitose relativa são alterações laboratoriais frequentemente encontradas.
Durante a fase aguda da doença, os sintomas podem variar amplamente, desde assintomáticos até subictéricos, ictéricos ou grave e fulminante. A forma ictérica, que não é frequente, é caracterizada por fadiga, anorexia, náuseas, disgesia, icterícia, urina escura, fezes de cor clara e perda de peso. O exame físico revela icterícia e sensibilidade hepática. Hepatomegalia e esplenomegalia podem estar presentes. Em testes de laboratório, a hepatite viral aguda é caracterizada pela elevação dos níveis bilirrubina sérica total e direta e níveis de aminotransferases que muitas vezes são mais de 10 vezes o limite superior da normalidade. A hepatite aguda colestática é frequentemente associada à icterícia e prurido prolongados e flutuantes. Após 1 a 3 semanas, em média, os sinais clínicos e laboratoriais melhoram progressivamente e voltam ao normal. Alguns pacientes, entretanto, podem sofrer uma recaída antes da resolução definitiva. Formas fulminantes de hepatite viral aguda são caracterizadas por sinais de insuficiência hepática, incluindo mudanças na personalidade, comportamento agressivo,distúrbios do sono e encefalopatia hepática. Coma pode sobrevir rapidamente, e hemorragia generalizada pode se desenvolver. Diagnóstico O diagnóstico da hepatite aguda é suspeitado com base em elevados níveis séricos de aminotransferases, que são geralmente mais de 10 vezes o limite superior da normalidade. Os níveis de bilirrubina total e direta são elevados se a hepatite aguda é subictérica ou ictérica. Os níveis de fosfatase alcalina podem estar elevados em casos de hepatite colestática.
Doença Hepática Gordurosa não Alcoólica
 A DHGNA, que é mais comumente vista em pacientes não alcoolistas obesos, diabéticos e hiperlipidêmicos, tem uma prevalência variando de 15% a 30% nos Estados Unidos. Nem todos os pacientes obesos têm a doença hepática gordurosa, mas a EHNA ocorre em cerca de 3% a 5% da população obesa ou com excesso de peso e a fibrose hepática está presente em até 40% destes indivíduos. A maioria dos pacientes com esteatose hepática tem doença estável e não progressiva, mas a EHNA pode progredir para cirrose. Muitos pacientes que foram previamente descritos como tendo cirrose criptogênica são agora considerados com tendo EHNA, especialmente porque o catabolismo da cirrose reduz a esteatose macrovesicular, e então, a biópsia realizada em fase tardia pode mostrar apenas cirrose inativa. 
Os sintomas geralmente incluem fadiga e/ou desconforto vago no quadrante superior direito, provavelmente em decorrência da distensão da cápsula hepática. No entanto, a maioria dos pacientes procura assistência médica devido à elevação das enzimas hepáticas acidentalmente identificada ou a detecção de esteatose hepática em exames de imagem realizados para outros fins. 
Uma história clínica cuidadosa, para se ter certeza de que a ingestão de álcool é inferior a 20 g/dia, é fundamental para o diagnóstico de DHGNA. Exames laboratoriais de rotina para outras doenças hepáticas comuns (p. ex., hepatites B e C, hemocromatose), bem como para as menos comuns (p. ex., doença de Wilson, deficiência de α1 -antitripsina, doenças autoimunes do fígado), devem ser realizados. Estudos de imagem podem confirmar os aspectos característicos de um fígado gorduroso (p. ex., fígado brilhante na ultrassonografia). No entanto, estes achados são inespecíficos, e o diagnóstico final de DHGNA ou EHNA requer biópsia hepática. Os principais tratamentos são mudanças na dieta e perda de peso, mas alguns medicamentos também podem ser úteis em pacientes selecionados.
Definições 
Histologicamente, a DHGNA assemelha-se à doença hepática alcoólica, mas ocorre em indivíduos sem consumo de álcool significativo. Consumo médio de álcool maior do que duas doses por dia em homens e maior do que uma dose por dia em mulheres geralmente não é consistente com um diagnóstico de DHGNA. Além disso, a definição de DHGNA exclui pacientes com um histórico de exposição a medicamentos esteatogênicos, como amiodarona, metotrexato e tamoxifeno. A DHGNA engloba um espectro de histologia hepática anormal, indo desde uma simples esteatose até esteato-hepatite não alcoólica (EHNA) e cirrose. Na esteatose simples, a histologia hepática revela esteatose macrovesicular sem balonização dos hepatócitos ou fibrose do fígado. EHNA, que é uma forma mais avançada da DHGNA, é histologicamente caracterizada por esteatose macrovesicular, balonização dos hepatócitos, inflamação e fibrose sinusoidal. 
Epidemiologia 
A DHGNA é uma das causas mais comuns de elevação das enzimas hepáticas e doença hepática crônica no mundo ocidental. Sua incidência em adultos e crianças está aumentando rapidamente devido à epidemia de obesidade em curso, diabetes melito tipo 2 e síndrome metabólica. Sua prevalência é bastante elevada em certas populações de pacientes; por exemplo, quase 80% dos diabéticos tipo 2 e 90% dos obesos mórbidos têm evidência de imagem de DHGNA. Estima-se que quase um terço dos adultos norte-americanos tenham DHGNA e até 5% dos adultos norteamericanos podem ter EHNA. Estas porcentagens comparam-se razoavelmente bem a outros dados que sugerem que a prevalência de cirrose decorrente da DHGNA seja de cerca de 2%. Hispânicos e brancos correm maior risco de terem DHGNA, enquanto sua prevalência é curiosamente baixa em afro-americanos.
Fisiopatologia
 Os principais fatores de risco para DHGNA incluem obesidade, diabetes melito tipo 2, síndrome metabólica e dislipidemia. Outras comorbidades associadas à DHGNA incluem a síndrome dos ovários policísticos, hipotireoidismo, hipopituitarismo e apneia do sono. Dois defeitos fundamentais na DHGNA são a resistência à insulina/hiperinsulinemia e níveis excessivos de fígado gorduroso não esterificado dentro dos hepatócitos. Um influxo excessivo de ácidos graxos não esterificados nos hepatócitos resulta em esteatose macrovesicular, que é predominantemente de localização centrolobular. Além disso, pacientes com DHGNA têm lipogênese intra-hepática aumentada novamente. Embora os pacientes com DHGNA esterifiquem vigorosamente ácidos graxos livres em triglicerídeos neutros, ácidos graxos livres dentro dos hepatócitos são considerados os principais mediadores de lesão celular (lipotoxicidade). No plano de fundo da esteatose hepática, fatores que promovem lesão celular, inflamação e fibrose incluem estresse oxidativo, estresse do retículo endoplasmático, apoptose, adipocitocinas e ativação de células estreladas. As fontes de estresse oxidativo incluem mitocôndrias e microssomos. Adipocitocinas que desempenham um papel importante na patogênese da DHGNA incluem a adiponectina e TNF-α. Não está claro porque alguns pacientes com DHGNA apresentam EHNA, enquanto outros pacientes com um perfil de fator de risco comparável têm apenas esteatose simples. Existe uma relação consistente e significativa dos polimorfismos genéticos PNPLA3 com a gravidade da esteatose e outras características histológicas da DHGNA. No entanto, os fatores genéticos que desempenham um papel na EHNA e DHGNA não foram completamente elucidados.
Manifestações clínicas
 A DHGNA é muitas vezes assintomática, mas pode, raramente, causar fadiga e dor no quadrante superior direito. O exame físico pode revelar hepatomegalia, eritema palmar e nevos aracnoides. Se a doença hepática estiver avançada, características de insuficiência hepática, como ascite, encefalopatia e vasos colaterais abdominais, estão presentes. A esteatose simples é benigna, com um risco mínimo de cirrose, enquanto a DHGNA é progressiva e pode levar à cirrose e insuficiência hepática. Em até 20% dos pacientes com EHNA, a histologia hepática piorará e cirrose se desenvolverá ao longo de um período de 10 a 15 anos. Acredita-se que obesidade grave, idade avançada e diabetes sejam os fatores de risco para a progressão da doença. A progressão da doença durante a fase inicial pode ser identificada apenas com uma repetição da biópsia hepática, porém, em fases posteriores, os sinais e sintomas da hipertensão portal (p. ex., vasos colaterais abdominais e baixa contagem de plaquetas) indicam o desenvolvimento de cirrose. Pacientes com cirrose induzida por EHNA correm risco de desenvolver carcinoma hepatocelular. Os pacientes com DHGNA têm vários riscos metabólicos que os predispõem à aterosclerose e doença arterial coronariana é a causa mais comum de morte em pacientes com DHGNA. 
Diagnóstico
 Geralmente, suspeita-se de DHGNA quando os níveis de aminotransferase estão assintomaticamente elevados em um indivíduo com fatores metabólicos de risco (obesidade e diabetes) ou quando o imageamento do fígado (ultrassom, TC ou RM), obtido por outra razão, mostra infiltração gordurosa. O diagnóstico de DHGNA requer que não haja histórico de consumo significativo de álcool prévio ou atual, nenhuma exposição a medicamentos esteatogênicos e nenhuma evidência de outras causas de doença hepática, como hepatite viral B ou C. Níveis elevados de aminotransferases, embora comuns, não são necessários para o diagnóstico de DHGNA. Diferentemente da doença hepática alcoólica, os níveis de ALT são maiores do que os níveis de AST, mas eles raramente excedem250 UI/L. Em geral, os níveis de AST e ALT não têm importância diagnóstica ou prognóstica. Hiperferritinemia leve é comum e não deve ser confundida com hemocromatose hereditária. Do mesmo modo, positividade de baixo grau de autoanticorpos (anticorpos antinucleares, antianticorpos antimúsculo liso) não é incomum e não deve ser confundida com doença hepática autoimune. Pelo fato de a esteatose ser comum em pacientes com a doença de Wilson, ceruloplasmina sérica deve ser obtida como parte da avaliação diagnóstica.
Tratamento 
Modificação do estilo de vida com restrição alimentar e exercício físico regular é a primeira escolha de tratamento para a DHGNA. Geralmente, recomenda-se que os pacientes com DHGNA percam 10% do seu peso corporal de forma gradual, mas este objetivo é difícil de se alcançar. Se os recursos estiverem disponíveis, uma abordagem multidisciplinar, com terapia comportamental, aconselhamento dietético e acompanhamento por um nutricionista e um especialista em exercícios, é mais bem sucedida do que uma abordagem prescritiva. 
 As estatinas (p. ex., atorvastatina 20 mg por dia) com ou sem vitaminas C e E podem melhorar os resultados de testes hepáticos e reduzir a DHGNA subsequente. Em um grande estudo, 800 UI de vitamina E administrados diariamente durante dois anos melhoraram a histologia do fígado significativamente. Sensibilizadores de insulina tiazolidinediona (pioglitazona e rosiglitazona) melhoram a esteatose, inflamação e balonização, mas podem não melhorar a fibrose. Infelizmente, o ganho de peso que é comum com as tiazolidinedionas pode anular os benefícios histológicos que elas oferecem. Em obesos mórbidos com DHGNA e outras comorbidades metabólicas significativas, a cirurgia bariátrica pode levar a uma melhora significativa na histologia hepática, porém o médico deve descartar a presença de hipertensão portal antes de oferecer este tipo de cirurgia. Pacientes com DHGNA têm, frequentemente, dislipidemia que os deixa em risco excessivo de doença arterial coronariana; sua dislipidemia deve ser tratada agressivamente com estatinas e outros agentes hipolipemiantes, que podem ser administrados de maneira segura a pacientes com DHGNA e EHNA. Pacientes cuidadosamente selecionados com cirrose descompensada devido à DHGNA podem ser tratados com transplante de fígado, porém, a recorrência durante o período pós-transplante é comum.
Prevenção
 As medidas para prevenir a DHGNA incluem a manutenção do peso corporal ideal, fazer exercícios regularmente e tratar quaisquer comorbidades metabólicas associadas, como diabetes e dislipidemia. Evitar gordura saturada, ingestão de frutose e consumo de álcool pode reduzir o desenvolvimento da DHGNA. 
Prognóstico
 Esteatose isolada é geralmente benigna, enquanto a esteato-hepatite é geralmente progressiva. Por outro lado, no entanto, dados relativos ao risco e aos fatores de risco para a progressão da DHGNA e EHNA para cirrose e insuficiência hepática são escassos. Pelo fato de muitas vezes a DHGNA coexistir com um ou mais componentes da síndrome metabólica, a sua presença reflete um prognóstico geral a longo prazo cuidadoso. As complicações a longo prazo em pacientes com esteatose simples geralmente resultam de doenças cardiovasculares e aterosclerose e não de insuficiência hepática. Os pacientes com EHNA também correm risco de insuficiência hepática e câncer do fígado, além da seu risco significativamente aumentado de doença cardiovascular. Por exemplo, entre os pacientes com EHNA em sua biópsia inicial, um terço ou mais desenvolve fibrose progressiva ao longo de um intervalo médio de acompanhamento de cerca de cinco anos. Idade avançada, diabetes, balonização e fibrose na biópsia hepática são preditores importantes de progressão.
(HARRISON)
PATOGÊNESE
Os mecanismos subjacentes da patogênese e da progressão da DHGNA não são
totalmente claros. Os mecanismos mais bem compreendidos pertencem à esteatose
hepática. Essa condição resulta de quando mecanismos do hepatócito para síntese de triglicerídeos (p. ex., captação de lipídeos e nova lipogênese) superam os mecanismos para eliminação de triglicerídeos (p. ex., metabolismo de degradação e exportação de lipoproteínas), levando ao acúmulo de gorduras (i.e., triglicerídeos) dentro dos hepatócitos. A obesidade estimula o acúmulo de triglicerídeos nos hepatócitos por alterar a microbiota intestinal para melhorar a recuperação de energia de fontes dietéticas e a permeabilidade intestinal. A redução da função de barreira intestinal aumenta a exposição hepática aos produtos derivados do intestino, que estimulam as células hepáticas a gerar mediadores inflamatórios que inibem as ações da insulina. Os depósitos adiposos de obesos também produzem fatores solúveis em excesso (adipocinas) que inibem a sensibilidade tissular à insulina. A resistência à insulina promove hiperglicemia. Isso estimula o pâncreas a produzir mais insulina para manter a homeostase da glicose. Contudo, a hiperinsulinemia também promove a captação de lipídeos, a síntese de gorduras e o depósito de gorduras. O resultado líquido é o acúmulo de triglicerídeos hepáticos (i.e., esteatose).
Os triglicerídeos em si não são hepatotóxicos. Contudo, seus precursores (p. ex., os
ácidos graxos e diacilgliceróis) e os subprodutos metabólicos (p. ex., espécies reativas do oxigênio) podem danificar os hepatócitos, levando à lipotoxicidade dos hepatócitos. A lipotoxicidade também desencadeia a geração de outros fatores (p. ex., citocinas inflamatórias, mediadores hormonais) que desregulam os sistemas que normalmente mantêm a viabilidade dos hepatócitos. Os hepatócitos que estão morrendo, por sua vez, liberam vários fatores que deflagram respostas de cicatrização que pretendem substituir (regenerar) os hepatócitos perdidos. Esse reparo envolve a expansão transitória de outros tipos de células, como os miofibroblastos e células progenitoras, que produzem e degradam a matriz, remodelam a vasculatura e geram hepatócitos de substituição, bem como o recrutamento de células imunes que liberam fatores que modulam a lesão e o reparo do fígado. A EHNA é a manifestação morfológica de lipotoxicidade e respostas resultantes de cicatrização de ferimentos. Como a gravidade e a duração da lesão hepática lipotóxica ditam a intensidade e a duração do reparo, as características histológicas e o desfecho de EHNA são variáveis. Cirrose e câncer hepático são desfechos potenciais de EHNA crônica. A cirrose resulta de reparo inútil, isto é, acúmulo progressivo de células cicatriciais, matriz fibrosa e vasculatura anormal
(cicatriciais) em vez de reconstrução/regeneração eficiente de parênquima hepático
saudável. Os cânceres hepáticos primários se desenvolvem quando as células hepáticas transformadas em células malignas escapam dos mecanismos que normalmente controlam o crescimento regenerativo. Os mecanismos responsáveis pelo reparo insuficiente (cirrose) e carcinogênese hepática não são bem compreendidos. Como a regeneração hepática normal é um processo muito complexo, há múltiplas oportunidades para desregulação e, assim, heterogeneidade patogênica. Até agora, essa heterogeneidade tem confundido o desenvolvimento dos testes diagnósticos e tratamentos para reparo hepático defeituoso/desregulado (i.e., cirrose e câncer). Por conseguinte, as estratégias atuais se concentram em evitar os reparos errados e prevenir e/ou reduzir a lesão lipotóxica do fígado.
Doença hepática alcoólica
 Definição
 O consumo excessivo de álcool provoca doença hepática alcoólica e pode piorar significativamente outros distúrbios do fígado, como hepatite viral e hemocromatose. Embora a maioria dos indivíduos que consome álcool não o consuma excessivamente e não desenvolva quaisquer consequências físicas ou sociais, alguns alcoolistas consomem álcool suficiente e, presumivelmente devido a outros fatores predisponentes, desenvolvem doença hepática alcoólica. Doença hepática alcoólica é um espectro de doenças hepáticas crônicas, que vão desde fígado gorduroso alcoólico até hepatite alcoólica e cirrose.Doença hepática gordurosa alcoólica se desenvolverá em quase 90% dos indivíduos que consomem muito álcool (em média, > 6 doses por dia) e alguns indivíduos desenvolvem as condições mais graves de hepatite alcoólica e cirrose alcoólica. Quase 50% dos pacientes com hepatite alcoólica têm cirrose preexistente, e os indivíduos que ainda não têm cirrose, correm um risco elevado de desenvolvê-la, especialmente se continuarem a consumir álcool.
 Epidemiologia
 A real prevalência da doença hepática alcoólica não é conhecida, porém, acredita-se que quase 1% dos adultos norte-americanos tenha doença hepática alcoólica. Mesmo este número é considerado abaixo do real porque formas mais leves de doença hepática alcoólica são assintomáticas e muitas vezes não reconhecidas. Estimou-se que a doença hepática alcoólica representa 40% das mortes por cirrose e 28% das mortes por doença hepática. É a segunda indicação mais comum para o transplante de fígado nos Estados Unidos uma vez estabelecida a abstinência de álcool.
 Fisiopatologia
 Os mecanismos subjacentes à lesão hepática alcoólica podem ser amplamente classificados naqueles causados pelos efeitos do álcool diretamente sobre os hepatócitos e naqueles causados pelos efeitos mediados por células de Kupffer. Os mecanismos dos hepatócitos incluem o estado de redox alterado induzido por reações ao álcool e aldeído desidrogenase, o estresse oxidativo e peroxidação lipídica causada pela indução de enzimas CYP2E1 e do sistema de transferência de elétrons mitocondriais e os efeitos do álcool sobre os fatores de transcrição nuclear (AMP quinase e SREBP-1c), formação de proteínas aduzidas e metabolismo alterado de metionina e folato com estresse do retículo endoplasmático resultante. O consumo crônico de álcool aumenta a permeabilidade intestinal e a endotoxemia portal, ativando as células de Kupffer. As células de Kupffer ativadas liberam certo número de mediadores pró-inflamatórios, incluindo fator-α (TNF-α) de necrose tumoral, fator-β1 (TGF-β1) transformador de crescimento, interleucinas 1, 6, 8 e 10 e fator de crescimento derivado de plaquetas (FCDP). TNF-α possui uma multiplicidade de efeitos biológicos e causa apoptose de hepatócitos, enquanto TGF-β1 e FCDP desempenham importantes papéis na ativação de células estreladas, produção de colágeno e fibrose hepática. 
Entre os fatores de risco conhecidos para o desenvolvimento de doença hepática alcoólica, a quantidade de álcool consumida é o mais importante. Por razões ainda não esclarecidas, apenas 30% a 35% dos indivíduos que bebem muito e por muito tempo desenvolvem hepatite alcoólica e menos de 20% desenvolvem cirrose. As mulheres correm maior risco; por exemplo, o risco de cirrose alcoólica aumenta após dez anos de consumo de álcool em quantidades de mais de 60 a 80 g/dia em homens, enquanto, em mulheres, ela pode desenvolver-se em quantidades de apenas mais de 20 g/dia. Além disso, o pico de incidência de doença hepática alcoólica em mulheres ocorre aproximadamente uma década mais cedo do que nos homens. O tipo de bebida alcoólica consumida pode não ser tão fundamental, mas destilados e cerveja podem ser mais hepatotóxicos que o vinho. Grupos étnicos afro-americanos e hispânicos podem estar predispostos à lesão hepática alcoólica mais significativa. Obesidade e desnutrição proteico-calórica, em que micronutrientes e capacidade antioxidante estão diminuídos, também são predisposições importantes.
(HARRISON)
ETIOLOGIA E PATOGÊNESE
A quantidade e a duração da ingestão de álcool são os fatores de risco mais importantes envolvidos no surgimento da hepatopatia alcoólica (Quadro 363.1). Os papéis do(s) tipo(s) de bebida, isto é, vinho, cerveja ou bebidas com concentrações alcoólicas muito mais altas, assim como o padrão de consumo (ingestão diária versus ingestão compulsiva) são menos claros. A progressão para além do estágio de esteatose hepática parece exigir a presença de fatores de risco adicionais que ainda não estão totalmente definidos. Embora existam predisposições genéticas para o alcoolismo (Cap. 467), o gênero é um forte determinante para a doença hepática alcoólica. As mulheres são mais suscetíveis à lesão hepática alcoólica quando comparadas aos homens. Elas desenvolvem uma hepatopatia em fase avançada com ingestão alcoólica substancialmente menor. Em geral, o tempo que deve transcorrer para o desenvolvimento da doença hepática está diretamente relacionado com a quantidade de álcool consumida. Para estimar o consumo de álcool, é útil saber que uma cerveja, 113 mL de vinho ou 28 mL de uma bebida com teor alcoólico de 80% contêm cerca de 12 g de álcool. O limiar para desenvolver hepatopatia alcoólica é maior nos homens, enquanto as mulheres correm maior risco de vir a desenvolver graus semelhantes de lesão hepática ao consumirem significativamente menos. As diferenças que dependem do sexo resultam de efeitos pouco compreendidos do estrogênio, proporção de gordura corporal e metabolismo gástrico do álcool. A obesidade, uma dieta rica em gorduras e o efeito protetor do café foram postulados como importantes no desenvolvimento do processo patogênico.
PATOLOGIA
O fígado possui um repertório limitado em resposta a lesão. A esteatose hepática é a
resposta histológica inicial e mais comum aos estímulos hepatotóxicos, incluindo a
ingestão excessiva de álcool. O acúmulo de gordura dentro dos hepatócitos
perivenulares coincide com a localização da desidrogenase alcoólica, a principal
enzima responsável pelo metabolismo do álcool. A ingestão contínua de álcool resulta em acúmulo de gordura ao longo de todo o lóbulo hepático. Não obstante a extensa degeneração gordurosa e distorção dos hepatócitos com gordura macrovesicular, a interrupção da bebida resulta em normalização da arquitetura hepática e do conteúdo de gordura.
 A esteatose alcoólica tem sido tradicionalmente considerada como totalmente
benigna, mas, da mesma forma que o espectro da esteatose não alcoólica, o aparecimento de esteato-hepatite e determinadas características patológicas, como
mitocôndrias gigantes, fibrose perivenular e gordura macrovesicular, pode estar
associado com lesão hepática progressiva.
A transição entre a esteatose hepática e o surgimento de hepatite alcoólica é
obscura. O elemento mais característico da hepatite alcoólica é uma lesão dos
hepatócitos que se caracteriza por degeneração em balão, necrose salpicada (irregular), infiltrado de polimorfonucleares e fibrose dos espaços perivenular e perissinusoidal de Disse. Os corpúsculos de Mallory-Denk estão presentes com frequência nos casos mais exuberantes, porém não são específicos nem necessários para que se possa estabelecer um diagnóstico. Admite-se que a hepatite alcoólica seja um precursor para o desenvolvimento da cirrose. Entretanto, à semelhança da esteatose hepática, é potencialmente reversível com a cessação do consumo de álcool. A cirrose está presente em até 50% dos pacientes com hepatite alcoólica comprovada por biópsia, e sua regressão é duvidosa mesmo após a abstenção.
Manifestações clínicas 
Pacientes com doença hepática alcoólica podem ter sinais e sintomas de alcoolismo subjacente, bem como aqueles causados por doença do fígado. Estigmas de alcoolismo crônico incluem eritema palmar, nevos aracnoides, ginecomastia bilateral, atrofia testicular, aumento da parótida bilateral e contraturas de Dupuytren. As características clínicas da doença hepática dependerão do estádio da doença hepática alcoólica, isto é, se o paciente tem fígado gorduroso alcoólico ou doença hepática mais avançada, como hepatite e cirrose alcoólicas.
Pacientes com doença hepática gordurosa alcoólica são geralmente assintomáticos, mas alguns podem ter anorexia, fadiga, desconforto no quadrante superior direito e hepatomegalia dolorosa. Estes pacientes podem ter também evidência bioquímica de alcoolismo e doença hepática alcoólica com macrocitose, bem como níveis elevados de aspartato aminotransferase (AST) e γ-glutamil transpeptidase (GGT). Pacientes com doença hepática alcoólica normalmente nãotêm icterícia, ascite ou esplenomegalia. 
Pacientes com hepatite alcoólica podem ter uma apresentação mais dramática com mal-estar grave, fadiga, anorexia, febre, evidência de desnutrição proteico-calórica, e características de doença hepática descompensada, incluindo icterícia, coagulopatia, ascite e encefalopatia. O exame físico mostra, invariavelmente, pelo menos algumas características do alcoolismo crônico e icterícia, ascite e esplenomegalia são comuns. O exame laboratorial é tipicamente anormal. Alterações hematológicas comuns incluem leucocitose com predominância de neutrófilos, anemia macrocítica, trombocitopenia e um tempo de protrombina prolongado. Bioquímicas hepáticas ficam anormais com AST e proporção de AST para alanina transferase (ALT), fosfatase alcalina, GGT e bilirrubina total elevados, mas níveis reduzidos de albumina sérica. O AST raramente excede 300 UI/L. Anormalidades eletrolíticas séricas, incluindo hipocalemia, hipomagnesemia, hipocalcemia e hipofosfatemia são frequentes. Pacientes com cirrose alcoólica têm as mesmas características clínicas que são comuns a outros tipos de cirrose, mas também com características marcantes de alcoolismo crônico subjacente.
Diagnóstico
 O diagnóstico da doença hepática alcoólica depende fortemente do histórico de consumo excessivo de álcool e da presença de doença hepática. Embora as anormalidades laboratoriais não sejam específicas para doença hepática alcoólica, elas podem ser bastante sugestivas no contexto de consumo excessivo de álcool. Uma proporção AST/ALT superior a 2 é típica na doença hepática alcoólica e valores de ALT maiores que 150 a 200 UI/L são muito raros na doença hepática alcoólica. Teste sorológico para hepatite viral crônica coexistente é fundamental. Dilemas de diagnóstico surgem quando um paciente nega o consumo excessivo de álcool em face das características clínicas que são sugestivas de doença hepática alcoólica. Entrevistas com os familiares sobre o consumo de álcool específico podem ser úteis na determinação precisa do consumo de álcool. Níveis sanguíneos elevados de transferrina deficiente em carboidratos, que é uma forma de transferrina com menos do que as quatro cadeias de ácidos siálicos presentes na transferrina normal, podem identificar o recente consumo excessivo de álcool. Imageamento hepático por ultrassonografia, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) mostrará alterações compatíveis com esteatose hepática ou formas mais avançadas da doença do fígado, como hepatite e cirrose alcoólicas. O imageamento também é importante para excluir outras formas de doença hepática, incluindo malignidade e obstrução biliar. Os achados de imagem específicos para doença hepática alcoólica incluem um lobo caudado aumentado, maior visualização da fossa hepática posterior direita e preservação da gordura focal ou distribuição geográfica da gordura. 
Como o tratamento específico para a hepatite alcoólica pode ser prejudicial em pacientes com outras doenças hepáticas, é muito importante excluir outras doenças do fígado predominantes ou coexistentes, incluindo hepatite viral crônica e lesão hepática induzida por drogas, especialmente por acetaminofeno, pelo histórico, exames de sangue e biópsia, se necessário. Hiperferritinemia geralmente reflete um reagente de fase aguda, em vez de um transtorno de sobrecarga de ferro, por isso ele geralmente voltará ao normal quando a lesão hepática aguda se resolver.
 A biópsia hepática é a chave para caracterizar precisamente a natureza da doença hepática alcoólica e determinar se o paciente tem fígado gorduroso ou hepatite alcoólica mais avançada. Características histológicas de fígado gorduroso alcoólico incluem esteatose macrovesicular, que é predominantemente de natureza na zona 3. Na hepatite alcoólica, a biópsia é mais marcante e revela esteatose macrovesicular, infiltração neutrofílica lobular, hialino de Mallory, balonização dos hepatócitos e fibrose perivenular. Em geral, pacientes com hepatite alcoólica também têm evidência histológica de lesão crônica do fígado sob a forma de fibrose mais avançada (fibrose periportal ou em ponte, ou cirrose).
Tratamento
 A abstinência total, que é a medida de tratamento mais importante, é obrigatória para a melhora das características clínicas e histológicas da doença hepática alcoólica. Seus benefícios são inequívocos, mesmo em pacientes com descompensação grave. No entanto, a abstinência a longo prazo é difícil de se alcançar, então, uma abordagem multidisciplinar com aconselhamento e medicamentos que promovam a abstinência deve ser considerada. A doença hepática alcoólica não requer nenhum tratamento específico que não seja a abstinência. Os pacientes com hepatite alcoólica, no entanto, têm maior mortalidade a curto e longo prazos e devem ser considerados para intervenções terapêuticas além da abstinência obrigatória. Todos os pacientes com hepatite alcoólica e cirrose alcoólica devem ser avaliados e tratados quanto à desnutrição proteico-calórica e deficiência de micronutrientes. Pacientes hospitalizados com descompensação grave devem ser considerados para nutrição enteral. Complicações como ascite, peritonite bacteriana espontânea, encefalopatia, sangramento varicoso, síndrome hepatorrenal, osteoporose e síndrome hepatopulmonar podem ocorrer em pacientes com cirrose alcoólica descompensada e devem ser tratadas cuidadosamente. O transplante de fígado é uma opção razoável para pacientes com cirrose alcoólica descompensada, porém, seis meses de abstinência e intenso apoio social geralmente são necessários para a elegibilidade. Pacientes com cirrose alcoólica correm o risco de desenvolver carcinoma hepatocelular e devem ser avaliados com imageamento do fígado e níveis de α-fetoproteína séricos semestralmente. Eles também correm o risco de malignidade extra-hepática, especialmente cânceres de cabeça e pescoço, pulmão e esôfago. 
Prognóstico
 Fígado gorduroso alcoólico é geralmente reversível com a abstinência total durante alguns meses. A hepatite alcoólica relaciona-se à alta mortalidade, com quase 40% dos pacientes morrendo dentro de seis meses após a sua apresentação.
Cirrose e suas sequelas
Definição
 A cirrose, que pode ser o estádio final de qualquer doença hepática crônica, é um processo difuso caracterizado por fibrose e pela conversão do parênquima normal em nódulos estruturalmente anormais. Esses nódulos regenerativos perdem a organização lobular normal e são circundados por tecido fibroso. O processo envolve o fígado de uma forma geral e é essencialmente irreversível. Embora a cirrose seja histopatologicamente um diagnóstico de “tudo ou nada”, ironicamente ela pode ser classificada como compensada ou descompensada. A cirrose descompensada é definida pela presença de ascite, sangramento/hemorragia varicosa, encefalopatia hepática ou icterícia, que são complicações resultantes das principais consequências da cirrose: hipertensão portal e insuficiência hepática.
Epidemiologia
 É muito difícil avaliar a prevalência e a incidência real da cirrose na população em geral, porque muitos pacientes com cirrose são assintomáticos quando a descompensação ocorre. Estima-se que a prevalência mundial da doença hepática crônica ou cirrose situese em torno de 100 (com variação de 25 a 400) por 100 mil pessoas, mas ela varia amplamente de um país para outro e de uma região para outra. 
A cirrose é uma causa importante de morbidade e mortalidade por todo o mundo e nos Estados Unidos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas morrem anualmente em decorrência da cirrose. Nos Estados Unidos, a cirrose é responsável por cerca de 27.500 mil mortes por ano, ou uma taxa de mortalidade de 9,3 pessoas para cada 100 mil, o que a torna a 12ª causa geral de morte. Importante mencionar que a doença hepática crônica e cirrose são a sétima causa de morte nos Estados Unidos em indivíduos entre 25 e 64 anos de idade. Como a doença hepática crônica afeta as pessoas nos anos mais produtivos de sua vida, elatem um impacto significativo sobre a economia como um resultado da morte prematura, doença e invalidez. 
Qualquer doença hepática crônica pode evoluir para cirrose. A hepatite viral tipo C e a doença hepática alcoólica são as causas mais comuns de cirrose, seguidas pela doença hepática gordurosa não alcoólica e pela hepatite B crônica. No entanto, existem muitas outras causas de cirrose, que incluem doenças hepáticas autoimunes e colestáticas, como a cirrose biliar, colangite esclerosante primária, hepatites autoimunes e doenças metabólicas como a hemocromatose, doença de Wilson e deficiência de α1 -antitripsina. Quando todas as causas foram investigadas e descartadas, a cirrose é considerada como “criptogênica”. Acredita-se, atualmente, que muitos casos de cirrose criptogênica se devam à doença hepática gordurosa não alcoólica.
É importante mencionar que, embora a entidade denominada cirrose biliar primária evolua para cirrose somente na sua fase final, esse termo atualmente é considerado errôneo. A cirrose biliar primária é uma doença hepática crônica colestática mediada pela resposta imune, que é caracterizada pela destruição progressiva dos ductos biliares intra-hepáticos, progredindo de um estádio inicial no qual há uma fibrose mínima (estádio 1) para um estádio final no qual existe uma cirrose bem estabelecida (estádio 4).
Fisiopatologia 
Fibrose Hepática/Cirrose
 A característica patogênica-chave subjacente à fibrose hepática e à cirrose é a ativação das células estreladas hepáticas. As células estreladas hepáticas, conhecidas como células de Ito ou células perissinusoidais, estão localizadas no espaço de Disse, entre os hepatócitos e as células endoteliais sinusoidais. Normalmente, as células estreladas hepáticas são quiescentes e servem como principal local de armazenamento de retinoides (vitamina A). Em resposta a uma lesão, as células estreladas hepáticas se tornam ativadas, como resultado da perda dos seus depósitos de vitamina A, proliferam, desenvolvem um retículo endoplasmático granular proeminente e secretam matriz extracelular (colágeno tipo 1 e 3, proteoglicanos sulfatados e glicoproteínas). Além disso, elas se tornam miofibroblastos hepáticos contráteis. Diferentemente de outros capilares, os sinusoides hepáticos normais necessitam de uma membrana basal. As células endoteliais sinusoidais possuem extensas fenestrações (100 a 200 nm de diâmetro) que permitem a passagem de grandes moléculas, com peso molecular maior do que 250 mil. A deposição de colágeno no espaço de Disse, como ocorre na cirrose, leva à perda da defenestração das células endoteliais sinusoidais (“capilarização” dos sinusoides). Dessa maneira, há alteração nas trocas entre o plasma e os hepatócitos, resultando na diminuição do diâmetro do sinusoide, o que é ainda mais exacerbado pela contração das células estreladas.
Complicações da Cirrose 
As duas consequências principais da cirrose são a hipertensão portal, acompanhada de um estado circulatório hiperdinâmico, e a insuficiência hepática (Fig. 156-2). O desenvolvimento de varizes e ascite é uma decorrência direta da hipertensão portal e do estado circulatório hiperdinâmico, enquanto a icterícia resulta da incapacidade do fígado de excretar a bilirrubina (p. ex., insuficiência hepática). A encefalopatia se origina tanto da hipertensão portal como da insuficiência hepática. A ascite, por sua vez, pode tornarse complicada por infecção, quando então é denominada peritonite bacteriana espontânea e pela insuficiência renal funcional, que é chamada síndrome hepatorrenal.
Hipertensão Portal e Estado Circulatório Hiperdinâmico
 Na cirrose, a hipertensão portal resulta tanto do aumento da resistência do fluxo portal quanto da elevação do influxo venoso portal. O mecanismo inicial é o aumento da resistência vascular sinusoidal secundária para (1) deposição de tecido fibroso e subsequente compressão pelos nódulos regenerativos (componente fixo) e (2) vasoconstrição ativa (componente funcional), que responde à ação de drogas vasodilatadoras como o nitroprussiato, e é causada pela deficiência de óxido nítrico (ON), bem como pela atividade aumentada dos vasoconstritores. Inicialmente, no processo hipertensivo portal, o baço cresce e sequestra plaquetas e outras células sanguíneas, o que leva ao desenvolvimento de hiperesplenismo. Além disso, os vasos que normalmente drenam para o sistema portal, como a veia gástrica esquerda, revertem seu fluxo e, assim, ocorre um desvio do sangue do sistema portal para a circulação sistêmica. Essas vias colaterais portossistêmicas são insuficientes para descomprimir o sistema venoso portal e oferecem resistência adicional ao fluxo portal. À medida que os colaterais se desenvolvem, um aumento no fluxo sanguíneo portal mantém o estado hipertensivo, como resultado da vasodilatação esplâncnica, que, por sua vez, é secundária ao aumento na produção de ON. Assim, o paradoxo na hipertensão portal é que a deficiência de ON na vasculatura intra-hepática desencadeia vasoconstrição e resistência aumentada, enquanto a superprodução de ON na circulação extra-hepática leva à vasodilatação e fluxo aumentado.
 Além da vasodilatação esplâncnica, existe a vasodilatação sistêmica, que, por causar decréscimo no volume arterial efetivo, desencadeia a ativação do sistema neuro-humoral (sistema renina-angiotensina-aldosterona), retenção de sódio, expansão do volume de plasma e o desenvolvimento de um estado circulatório hiperdinâmico. Este estado circulatório hiperdinâmico mantém a hipertensão portal, levando à formação e crescimento de varizes e desempenha um papel importante no desenvolvimento de todas as complicações da cirrose.
Varizes e Hemorragia Varicosa
 A complicação da cirrose que resulta mais diretamente da hipertensão portal é o desenvolvimento dos colaterais portossistêmicos, dos quais os mais relevantes são aqueles que se formam a partir da dilatação das veias coronárias e gástricas e constituem varizes gastroesofágicas. A formação inicial dos colaterais esofagianos depende da pressão portal, clinicamente estabelecida por um gradiente limiar de pressão venosa hepática de 10 a 12 mm Hg, abaixo do qual as varizes não se desenvolvem. O desenvolvimento de um estado circulatório hiperdinâmico provoca uma dilatação ainda maior e o crescimento de varizes e, eventualmente, a sua ruptura e hemorragia varicosa, uma das complicações mais temidas da hipertensão portal. A tensão em uma variz determina a ruptura varicosa e é diretamente proporcional ao diâmetro da variz e à pressão intravaricosa e inversamente proporcional à espessura da parede da variz.
Ascite e Síndrome Hepatorrenal
 A ascite, na cirrose, é secundária à hipertensão sinusoidal e à retenção de sódio. A cirrose leva à hipertensão sinusoidal pelo bloqueio do fluxo venoso hepático, anatomicamente pela fibrose e pelos nódulos regenerativos e funcionalmente pelo tônus vascular póssinusoidal aumentado. De maneira similar à formação das varizes esofágicas, o gradiente limiar da pressão venosa hepática necessário para a formação de ascite é de 12 mm Hg. Além disso, a retenção de sódio aumenta o volume intravascular e permite a formação continuada de ascite. Retenção de sódio resulta da vasodilatação que é principalmente devido a um aumento da produção de ON pelo fato de a inibição de ON em animais experimentais aumentar a excreção urinária de sódio, reduzir os níveis de aldosterona no plasma e reduzir a ascite. Com a progressão da cirrose e a hipertensão portal, a vasodilatação torna-se mais pronunciada e, assim, há a ativação adicional do sistema nervoso simpático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona, resultando em uma maior retenção de sódio (ascite refratária), retenção de água (hiponatremia) e vasoconstrição renal (síndrome hepatorrenal).
Peritonite Bacteriana Espontânea
 A peritonite bacteriana espontânea, uma infecção do líquido ascítico, ocorre na ausência de perfuração de um órgão oco ou um foco de inflamatório intra-abdominal, como um abscesso, pancreatite aguda ou colecistite. A translocação

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