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Textos fundamentais da literatura universal As flores do mal

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TEXTOS 
FUNDAMENTAIS DA 
LITERATURA 
UNIVERSAL 
Luara Pinto Minuzzi
As fl ores do mal, de 
Baudelaire: o prenúncio 
da estética simbolista
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Identi� car as características do simbolismo.
  Relacionar as características do simbolismo com a obra de Charles 
Baudelaire, em especial, com o livro As � ores do mal.
  Analisar poemas e trechos de poemas de As � ores do mal.
Introdução
Você sabe o que é um flâneur? O significado do termo flâneur é cami-
nhante, observador, errante. O flâneur é aquele sujeito que anda pelas ruas 
de uma cidade sem um objetivo preciso, sem pressa, sem horário para 
chegar a algum lugar. Ele anda apenas pelo prazer de andar e observar 
todos os elementos das ruas. Essa foi uma figura muito importante na 
França do século XIX, e foi a partir do poeta Charles Baudelaire que os 
estudiosos começaram a se interessar por esse tema e por esse tipo de 
sujeito e a estudá-los.
Neste capítulo, você vai descobrir quem foi Charles Baudelaire e por 
que ele é considerado um flâneur. Vai analisar alguns dos seus poemas 
do livro As flores do mal e identificar, nesses textos, características do 
simbolismo, movimento estético do qual Baudelaire foi precursor.
A estética simbolista no século XIX
Charles Baudelaire foi um poeta francês que nasceu em 1821 e morreu em 1867 
(Figura 1). As suas obras marcaram não apenas a sua geração (um livro seu, 
As fl ores do mal, é considerado marco do Simbolismo), mas também inúmeras 
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gerações posteriores. Para entender os seus poemas e como eles se encaixam 
no contexto da época, vamos, primeiro, analisar algumas das características 
e dos acontecimentos de relevo desse momento histórico.
O século XIX foi marcado por uma grande evolução técnica e científica. 
Na metade do século, ocorreu a Segunda Revolução Industrial na Inglaterra, 
França e Estados Unidos. Ela veio para potencializar a evolução ocorrida 
durante a primeira Revolução Industrial, com o desenvolvimento de várias 
indústrias, como a química, a elétrica, a de petróleo e a de aço. O papel das 
máquinas nas indústrias e no processo de fabricação de bens era cada vez 
maior. Produção em massa, rapidez, corrida pelo lucro — todas essas são 
expressões que podem caracterizar essa época. Por outro lado, a exploração 
dos trabalhadores operários também chegou a níveis absurdos. A concentração 
das riquezas nas mãos de poucos foi potencializada. Enquanto isso, muitos e 
muitos viviam com quase nada. 
Além disso, no campo da filosofia, havia uma corrente chamada de Posi-
tivismo, que colocava a razão, a ciência e a lógica como as únicas formas de 
se chegar ao conhecimento. Augusto Comte foi um dos seus mais famosos 
representantes, e os positivistas acreditavam que o avanço da humanidade era 
possível exclusivamente a partir do avanço da ciência e da técnica. Você pode 
imaginar que a religião, os sonhos, a arte e a imaginação acabavam ficando 
bastante de lado e não eram considerados importantes na vida das pessoas. 
Já no campo das artes, eram o Realismo e o Naturalismo as escolas 
que predominavam. Esses dois movimentos estão intimamente relacionados 
com o Positivismo. Portanto, os realistas e os naturalistas acreditavam que 
a realidade era algo objetivo e, dessa forma, procuravam retratá-la, nos seus 
livros e pinturas, por exemplo, da forma mais fiel possível. A razão era muito 
valorizada, e esses artistas tendiam a não se deixar levar pelos sentimentos e 
emoções na hora de criar arte. 
Você deve imaginar que todo esse racionalismo em demasia começou, uma 
hora, a cansar e a sufocar. É claro que a ciência é importante, assim como a 
evolução das técnicas da indústria e o trabalho duro para ganhar dinheiro. 
Mas será que só isso basta? E os sentimentos? E a subjetividade de cada um?
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É nesse contexto que surge o Simbolismo, com a publicação de As flores do 
mal, de Baudelaire, como já vimos. Esses artistas retomam alguns dos ideais 
românticos, mas, é claro, criam algo novo, uma nova estética. A subjetividade, 
a ênfase nos sentimentos e na imaginação e o individualismo são algumas das 
marcas em comum entre os movimentos do Romantismo e do Simbolismo.
Além de Baudelaire, destacaram-se muitos outros: os também franceses Paul Verlaine, 
Arthur Rimbaud e Stéphane Mallarmé; o português Camilo Pessanha; os brasileiros 
Augusto dos Anjos, Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimarães. Já na pintura, é possível 
citar os franceses Paul Gauguin e Gustave Moreau. Portanto, se é na França que essa 
estética surge, logo ela se espalha por outros países da Europa e do mundo.
Com Baudelaire, surge a figura do flâneur: o flâneur é um indivíduo que 
caminha pela cidade. Porém, ele não caminha para ir de casa para o trabalho 
ou de casa para um bar encontrar os amigos. Ele caminha simplesmente por 
caminhar, pelo prazer de observar as cenas e as pessoas da cidade. Ele caminha 
sem um objetivo, sem um destino, sem pressa e sem hora para chegar. Não 
só Baudelaire tinha esse costume de vagar e de se perder pelas ruas de Paris, 
como introduz vários flâneurs nos seus poemas. 
Depois de Baudelaire, essa passa a ser uma figura bastante comum na 
capital da França, e só a partir dela você já pode perceber a diferença dos 
simbolistas para os realistas e os homens de negócio da França pós-Revolução 
Industrial: em uma sociedade marcada pela necessidade de efetividade, quem 
tem tempo para caminhar assim, sem um propósito e sem estar fazendo nada 
de útil ou de prático — sem estar ganhando dinheiro ou contribuindo para a 
evolução da ciência?
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Figura 1. Charles Baudelaire.
Fonte: Charles Baudelaire (2017).
Apesar de os simbolistas apresentarem a tendência de se oporem aos realistas e aos 
naturalistas, as divisões entre os diferentes movimentos estéticos não são rígidas. As 
características que se apontam como sendo de cada estética são aquelas que mais 
surgem na obra dos seus autores, são as mais comuns e as mais marcantes. Essas divisões 
nos ajudam a organizar o passado para o compreender melhor. Isso não quer dizer 
que um poeta simbolista não possa apresentar aqui ou ali uma marca do Realismo, 
por exemplo. No mundo real, essas divisões são muito mais fluidas.
Agora você vai identificar algumas das principais características do mo-
vimento Simbolista. Para isso, vamos deter a atenção em alguns quadros e 
poemas com essa estética.
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Primeiro, observe o seguinte poema de Arthur Rimbaud:
Minha boêmia
(Fantasia)
 
Lá ia eu, de mãos nos bolsos descosidos;
Meu paletó também tornava-se ideal;
Sob o céu, Musa, eu fui teu súdito leal,
Puxa vida! a sonhar amores destemidos!
 
O meu único par de calças tinha furos.
— Pequeno Polegar do sonho ao meu redor
Rimas espalho. Albergo-me à Ursa Maior.
— Os meus astros no céu rangem frêmitos puros.
 
Sentado, eu os ouvia, à beira do caminho,
Nas noites de setembro, onde senti qual vinho
O orvalho a rorejar-me a fronte em comoção;
 
Onde, rimando em meio a imensidões fantásticas,
Eu tomava, qual lira, as botinas elásticas
E tangia um dos pés junto ao meu coração! (RIMBAUD apud ROCHA, 2009).
Você deve notar, primeiro, o que o eu lírico está fazendo na abertura do 
poema: ele está andando com as mãos nos bolsos. De repente, ele senta no 
meio do caminho e fica olhando as estrelas — não para descobrir um novo 
planeta ou para estudar uma constelação, mas simplesmente para apreciar o 
céu. Aqui, portanto, surge o flâneur, que caminha sem um propósito. 
Repare, ainda, na forma como o eu lírico se veste: ele só tem umpar 
de calças cheio de furos e o seu bolso está descosido — mesmo assim, ele 
considera o seu paletó ideal. Quer dizer, o poeta não está muito preocupado 
com o plano do material, com a realidade imediata, mas com “sonhar amores 
destemidos”, espalhar rimas, rimar “em meio a imensidões fantásticas”, e fala 
em coração, musa e vinho. O poeta vive para espalhar rimas, está preocupado 
com a arte e com os sentimentos. Por isso, descuida-se completamente das 
suas roupas e do aspecto prático da vida. Portanto, aqui surgem mais algumas 
das marcas do Simbolismo: a ênfase nas emoções e no sentimento, no plano 
do onírico e do fantástico. 
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Ele ainda está claramente preocupado com ele mesmo e com os seus senti-
mentos, e essa é outra marca do Simbolismo: o individualismo e a desconside-
ração em relação a temas sociais. Veja, por exemplo, quantas vezes os pronomes 
“eu”, “meu” ou “meus” são repetidos ao longo do poema de Rimbaud. Se os 
Realistas e os Naturalistas se preocupavam com os problemas sociais e davam 
grande importância à denúncia dessas questões nas suas obras, os simbolistas 
se voltaram mais para o interior do eu, para os sentimentos particulares, não 
para questões coletivas. 
O poeta também cita a Musa. Quando ele fala na Musa, ele fala, na verdade, 
em inspiração e em escrever não seguindo rigorosos esquemas e planejamento, 
mas se deixando livre para ir para onde a imaginação quiser. 
Apesar disso, repare que o poema segue uma estrutura rígida — a do 
soneto. O soneto é composto por dois quartetos e dois tercetos, como o poema 
de Rimbaud. Ademais, a preocupação com as rimas, com a combinação entre 
os sons finais de cada verso, também fica evidente: observe que as rimas dos 
quartetos são entrelaçadas, sendo que o primeiro verso rima com o quarto, 
e o segundo, com o terceiro. Como no primeiro quarteto: “descosidos” rima 
com “destemidos” e “ideal” rima com “leal”. Dessa forma, mais uma carac-
terística do Simbolismo destaca-se: a preocupação que esses poetas tinham 
com a forma dos seus textos. Com as rimas, ainda é possível citar outra marca 
da literatura simbolista: a musicalidade e a aproximação dos poemas com 
a música. Verlaine, um dos poetas simbolistas, chega, inclusive, a sentenciar 
em um poema: “A música antes de mais nada...”.
Por último, repare no título do poema, “Minha boêmia”. Ao longo do texto, a 
palavra “vinho” ainda é citada. Muitos dos poetas simbolistas também ficaram 
conhecidos justamente pelas suas vidas boêmias, pelo desregramento, pelo 
abuso do álcool e das drogas. Eles, por esse e por outros motivos, também 
ficaram conhecidos como “poetas decadentistas”. 
A musicalidade ainda é perceptível nesses versos do poema “Violões que 
choram”, de Cruz e Souza:
[...] Vozes veladas, veludosas vozes, 
Volúpias dos violões, vozes veladas, 
Vagam nos velhos vórtices velozes 
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. 
Tudo nas cordas dos violões ecoa 
E vibra e se contorce no ar, convulso... 
Tudo na noite, tudo clama e voa 
Sob a febril agitação de um pulso (CRUZ E SOUZA apud GÂMBERA, 2017).
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A musicalidade já surge no tema dos versos: o som aveludado das cordas 
de um violão. Mas, além disso, você reparou na repetição da letra “v”? Na 
verdade, não é tanto a repetição da letra o que importa, mas a repetição de um 
som. Leia em voz alta esse trecho do poema e perceba o efeito dessa repetição 
e a musicalidade obtida a partir dela. Essa repetição de uma consoante é uma 
figura de linguagem conhecida como aliteração. Também existe a assonância, 
que é a repetição de sons vocálicos. Esses foram recursos muito utilizados 
pelos simbolistas.
A Figura 2 traz a pintura simbolista “Zeus e Sêmele”, de Gustave Moreau, 
feita entre 1894 e 1895.
Figura 2. “Zeus e Sêmele”, de Gustave Moreau.
Fonte: Jupiter and Semele (2007).
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Sobre o tema da pintura, repare que as figuras de deuses da mitologia grega 
são resgatadas. Alguns dos temas simbolistas eram justamente o misticismo, o 
transcendentalismo e a religiosidade — em clara oposição com o racionalismo 
e com a ciência do Positivismo, do Realismo e do Naturalismo. Com certeza, 
Moreau não se inspirou em alguma paisagem ou cena que tenha visto e copiou-a 
fielmente, o que fica claro pelo tema fantasioso e imaginário — quase como 
se estivéssemos em um sonho. Os traços do pintor também não são realistas, 
o que mostra que ele não estava preocupado em passar uma sensação de que 
estamos olhando uma fotografia, por exemplo.
A quantidade de detalhes também é impressionante, e a maioria deles 
não está no quadro à toa. Preste atenção nas figuras aladas: elas são várias 
e possuem um simbolismo especial, relacionado com a ascensão, com a ele-
vação, com o divino e com o espiritual. Os simbolistas davam muito valor 
aos símbolos, a esses elementos que possuem um significado não evidente, 
escondido, misterioso, subentendido — daí o nome dessa estética. Observe 
atentamente a pintura e tente descobrir outros símbolos escondidos nela. São 
tantos que é até difícil dar conta de todos.
Por último, examine a figura feminina: ela é bela e idealizada, quase 
mística e transcendental. As mulheres são, muitas vezes, consideradas, pelos 
simbolistas, seres divinos, que transcendem o plano da matéria.
Charles Baudelaire, As flores do mal e a estética 
simbolista
As fl ores do mal, de Charles Baudelaire, é considerado marco não só da poesia 
simbolista, mas também como o de toda a poesia moderna. A vida do poeta 
vida é marcada pela desobediência, pela liberdade, por um espírito de rebeldia 
e pelo pioneirismo. Já na escola, por exemplo, Baudelaire foi expulso por não 
mostrar um bilhete passado por um colega.
Baudelaire é enviado para a Índia por seu padrasto, muito preocupado com 
a sua vida desregrada. O jovem, contudo, nunca chega ao seu destino e acaba 
retornando para Paris. Quando atinge a maioridade, ele recebe a herança do 
seu pai e passa a viver, por alguns anos, entre o álcool e as drogas. Ele tem um 
relacionamento com Jeanne Duval, uma dançarina haitiana. Os dois gastam 
a herança de forma desregrada por algum tempo e isso faz com que a sua 
mãe decida intervir: ela entra na justiça e a fortuna de Baudelaire passa a ser 
controlada por um notário. 
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Entre a escrita e a vida boêmia passa o escritor, até que ele sofre um desmaio, 
quando está na Bélgica, e nunca mais se recupera. Com 46 anos, Baudelaire 
morre de Sífilis sem ter conhecido a fama, que adquiriu apenas postumamente. 
Apesar de ter morrido relativamente jovem, as obras de Baudelaire revolu-
cionaram a literatura. Entre as mais famosas, encontram-se A arte romântica 
(1852), As flores do mal (1857), Os paraísos artificiais (1860), Pequenos 
poemas em prosa (1862) e Miudezas (1866). Além de poesia, o autor escreveu 
uma única novela, La Fanfarlo. Ele também fez várias traduções, e a obra do 
escritor americano Edgar Allan Poe foi uma das que receberam a sua atenção. 
Baudelaire ainda produziu ensaios nos quais refletiu sobre o seu próprio fazer 
literário e sobre os textos literários de outros escritores. 
O poeta foi acusado na justiça pelo seu livro As flores do mal, publicado 
em 1857 (Figura 3). Seis poemas que estão nesse volume foram considerados 
obscenos, e o autor foi acusado de blasfêmia. Após pagar uma multa, Baudelaire 
precisou reescrevê-los e considerou que as novas versões eram ainda mais 
belas do que as originais. A revista Le Figaro também atacou fortemente os 
poemas de Baudelaire. Portanto a recepção da obra, na época, nãofoi nada boa.
Figura 3. Primeira edição de As flores do mal, 
com anotações de Baudelaire.
Fonte: Fleurs du mal (2016).
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Apesar disso, após a sua morte, o livro As flores do mal passou a ser avaliado 
como revolucionário. Os poemas dessa obra são divididos em seis grupos ou 
ciclos: “Tédio e Ideal”, “Quadros Parisienses”, “O vinho”, “As flores do mal”, 
“Revolta” e “A Morte”.
O livro abre com um poema com a indicação “Ao leitor”. Nele, o eu lírico diz:
É o Tédio! — O olhar esquivo à mínima emoção,
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu conheces, leitor, o monstro delicado
— Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão! (BAUDELAIRE, 2012, p. 125).
O eu lírico toma o leitor como seu igual e fala sobre o tédio, um sentimento 
muito importante na arte simbolista. Há, inclusive, um termo que Baudelaire 
utiliza e que depois é retomado por vários escritores simbolistas: spleen. Esse é 
um sentimento de melancolia, de tristeza causado pelo tédio e pela falta de estí-
mulos e de fatos, pessoas e acontecimentos, que despertem o interesse do poeta. 
Sobre o spleen, ainda há outro poema interessante de ser lido e analisado:
O Albatroz
Às vezes, por prazer, os homens da equipagem
Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
O navio a singrar por glaucos patamares.
Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,
O monarca do azul, canhestro e envergonhado,
Deixa pender, qual par de remos junto aos pés,
As asas em que fulge um branco imaculado.
Antes tão belo, como é feio na desgraça
Esse viajante agora flácido e acanhado!
Um, com cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,
Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!
O Poeta se compara ao príncipe da altura
Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
Exilado ao chão, em meio à turba obscura,
As asas de gigante impedem-no de andar (BAUDELAIRE, 2012, p. 135-136).
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Você se recorda do que discutimos acerca da importância do símbolo para 
a estética desses escritores? Pois é, nesse poema, há um importante símbolo: 
o albatroz. O poeta quer falar sobre o tédio e sobre como ele se sente incapaz 
de agir no mundo terreno e só sente felicidade quando trabalha com coisas 
elevadas, como a arte. Para discutir isso, porém, a figura do albatroz é utili-
zada. Não é que o poeta se preocupe especialmente com os albatrozes ou com 
a matança dessas aves e a possibilidade da sua extinção. Não é nada disso: o 
albatroz é um símbolo do poeta — ele representa, nesse poema, o que o poeta é. 
Vamos ver como isso funciona: o eu lírico vai discorrendo sobre como 
o albatroz é um monarca quando está nos céus, é belo e corajoso, enfrenta 
os vendavais e ri das agruras; porém, quando os marinheiros o capturam 
e o restringem ao nível do chão, das tábuas do convés, ele fica canhestro e 
envergonhado, feio e enfermo. Na última estrofe, o poeta explícita: “O Poeta 
se compara ao príncipe da altura”. Dessa forma, ele revela a correspondência 
entre o albatroz e o poeta. Tudo o que ele havia falado antes sobre a albatroz 
pode ser aplicado ao poeta. Quando o poeta está exilado ao chão, ao mun-
dano, a problemas relacionados a como pagar o aluguel ou a que profissão 
exercer para sobreviver, ele não consegue agir. A suas asas de gigante, o seu 
brilhantismo, a sua vocação para a arte — tudo isso o impede de andar no 
plano do terreno. O poeta apenas é capaz de agir quando se trata da poesia, 
da imaginação, dos sentimentos e dos sonhos. 
Perceba, também, como o poema é todo construído a partir de antíteses: 
“imensa ave dos mares” em oposição a “canhestro e envergonhado”; “belo” 
e “feio”; o voo destemido e a caminhada impossibilitada. Outro aspecto a ser 
notado é a importância das cores — em especial, da cor branca: as asas do 
albatroz são de um “branco imaculado”. As cores e a cor branca eram bastante 
importantes na arte simbolista e surgem em vários dos seus textos.
Outro famoso poema, “A uma passante”, que integra o ciclo dos “Quadros 
parisienses”, ainda pode nos dar uma ideia melhor de quem era o flâneur.
A uma passante
A rua em derredor era um ruído incomum.
Longa, magra, de luto e na dor majestosa,
Uma mulher passou e com a mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;
Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.
Eu bebia perdido em minha crispação
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No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que embala e o frenesi que mata.
Um relâmpago e após a noite! — Aérea beldade,
E cujo olhar me fez renascer de repente,
Só te verei um dia e já na eternidade?
Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente!
Não sabes meu destino, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado — e o sabias demais! (BAUDELAIRE, 2012, p. 330-333).
O eu lírico relata um encontro fugaz com uma mulher que passou na rua. 
A beleza da moça é descrita em pormenores: ela é longa, magra, nobre e ágil. 
Ela corresponde ao ideal de beleza do poeta e ganha contornos perfeitos. 
Mesmo estando de preto e de luto, ela é majestosa. A moça é, inclusive, 
descrita como “aérea”, o que lhe confere um caráter quase incorpóreo, como 
se ela pertencesse mais ao plano espiritual do que ao material. Todas essas 
são características da representação da mulher na literatura e na pintura 
simbolistas, como discutido anteriormente. 
O foco, além da bela figura, é o interior do poeta: os seus sentimentos, 
ao enxergar a mulher, são esmiuçados. O poeta está perdido em crispação e 
frenesi. Os sentimentos e o subjetivismo, portanto, são destacados nesse poema. 
Porém, essa aparição e a sensação causada por ela são muito rápidas — 
assim como surge, já desaparece. O eu lírico renasce com o seu surgimento, 
mas esse surgimento é comparado com um relâmpago que ilumina a sua vida 
por alguns segundos, mas logo volta a noite. Essa é uma paixão fugaz. Tudo 
é muito volátil — como são as coisas para o flâneur, pois ele caminha pela 
cidade, olha tudo e todos, mas não se envolve com nada. Ele é um observador, 
então as impressões sensoriais são importantes: as cores, os sons, os cheiros. 
Porém, tudo isso é muito fugidio. 
O filósofo alemão Walter Benjamin publicou um livro no qual analisa a obra de Charles 
Baudelaire: A Paris do Segundo Império em Baudelaire. Um dos poemas trabalhados por ele é 
justamente “A uma passante”. Ele estuda o choque causado no eu lírico por essa brevíssima 
e fugidia aparição da bela mulher e desenvolve uma teoria da percepção a partir disso.
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 Vamos ler um último poema, agora relacionado a um tema muito abordado 
pelos simbolistas: a degradação e a morte.
A morte dos artistas
Quantas vezes irei sacudir os meus guisos,
Tua fronte beijar, morna Criatura?
E para o alvo alcançar, de tão mística altura,
Quantos dardos da aljava hão de me ser precisos?
Em conjuras sutis usaremos os juízos,
Para após demolir muita grave armadura,
Antes de contemplar a grande Criatura
De desejo infernal que paralisa os risos!
Há estes que o Ídolo seu não fitaram jamais,
Há o maldito escultor que, marcado de ofensa,
Só vive a martelar o peito e a fronte imensa.
Só esperam — Capitólio, e de sombras fatais! —
Venha a Morte e planando à feição de um sol novo,
Em seu cérebro arder como um floral renovo (BAUDELAIRE, 2012, p. 
417- 419).
Aqui, a morte não é temida, é desejada. O culto da morte e a concepção 
da morte como a única solução possível para os problemas da vida foram 
constantes da literatura dos poetas simbolistas. Por esse desejo pela morte, 
esses poetas também são conhecidos como decadentes (conforme já foi visto 
antes) e comomalditos. 
Mas por que a morte é desejada e ansiada nesse poema? Pelo título, o leitor 
já percebe que o texto não vai tratar de qualquer morte, mas da morte dos 
artistas. Além disso, notamos que o eu lírico está se dirigindo a alguém de 
quem a fronte ele beija. Esse sujeito com quem o eu lírico fala é uma “morna 
criatura”, que, provavelmente, é a morte. O eu lírico espera que a morte che-
gue para ele a fim de que surja “um sol novo” e “um floral renovo”. Disso, 
concluímos que a sua existência presente não é muito feliz e satisfatória. 
A morte é, inclusive, concebida como uma “mística alura”. A morte perde 
o caráter negativo e negro e torna-se algo positivo. O eu lírico se questiona, 
então: “E para o alvo alcançar, de tão mística altura/Quantos dardos da aljava 
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hão de me ser precisos?”. Ele deseja saber, portanto, o que precisa fazer para 
conhecer o descanso da morte — quantos dardos são necessários para atingir 
o alvo, o tão sonhado fim.
Além da morte, o tema do misticismo também aparece no poema, quando
o eu lírico imagina o que vai acontecer depois do seu fim. Ademais, você deve 
notar que esse poema, assim como os outros citados, são sonetos — portanto,
fica evidente a preocupação do poeta com as formas. As rimas ainda conferem 
a musicalidade, marca do Simbolismo.
Esses e todos os outros aspectos da obra de Baudelaire, como o subjetivismo, 
a decadência, a valorização dos sentimentos, são encontrados nos outros poetas 
simbolistas. Assim, percebemos a importância de poeta francês na história 
da literatura simbolista e da literatura universal: Baudelaire foi um precursor 
e lançou as bases do que viria a se tornar a poesia moderna.
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BAUDELAIRE, C. As flores do mal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
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