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DIREITO DAS SUCESSÕES 
 
1. Conceitos Iniciais 
 
A palavra “sucessão” possui vários significados: Continuação, assumir o lugar, substituir ou 
transmitir. 
 
E pode se dar de duas maneiras: 
• Por ato Inter Vivos: cessão de contrato ou sucessão de empresa; 
• Por evento Mortis Causa: relacionada à morte.* 
 
Maria Helena Diniz conceitua o Direito das Sucessões como “o conjunto de normas que 
disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em 
virtude da lei ou de testamento (CC, art. 1.786). 
Consiste, portanto, no complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão de bens ou 
valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao 
herdeiro” 
 
Flavio Tartuce conceitua o Direito das Sucessões como “o ramo do Direito Civil que tem como 
conteúdo as transmissões de direitos e deveres de uma pessoa a outra, diante do falecimento 
da primeira, seja por disposição de última vontade, seja por determinação da lei, que acaba 
por presumir a vontade do falecido.” 
 
Fundamentos da Sucessão: 
 
• Para José de Oliveira Ascensão: O fundamento principal da sucessão é a continuidade da 
pessoa (patrimonial ou não). 
• Para Giselda Hironaka: O fundamento é sincronizar o direito de propriedade ao Direito de 
Família. 
 
Entre os dois conceitos acima, o principal fundamento é o direito de propriedade e a sua função 
social (art. 5º, XXII e XXIII, da CF), considerando-se que o direito à herança é um direito 
fundamental (art. 5º, XXX, da CF). 
 
CF/88, Art. 5º: 
“XXII - é garantido o direito de propriedade; 
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 
[...] 
XXX - é garantido o direito de herança;” 
 
Duas são as modalidades básicas da sucessão (art. 1.786 do CC): 
 
a) Sucessão legítima: decorre da lei, que enuncia a ordem de vocação hereditária, 
presumindo a vontade do morto (chamado de de cujus, autor da herança ou falecido). Também 
sucessão ab intestato (na falta de testamento). O art. 1.829 do CC prevê a ordem de vocação 
hereditária. 
 
b) Sucessão testamentária: tem origem em ato de última vontade do morto, por exercício 
da autonomia privada. Possui primazia em relação à sucessão legítima. 
 
Essa sucessão pode ser: 
 
• A título universal, via testamento; 
• Ou singular, por meio de legado ou codicilo. 
 
Na realidade brasileira, a pessoa pode ser sucessora legítima e testamentária ao mesmo tempo. 
Exemplo: um filho contemplado com um legado ou testamento também herdará como sucessor 
legítimo. 
 
OBS: “Droit de Saisine” (le mort saisit le vif = o morto é substituído pelo vivo), tido como 
verdadeiro princípio do Direito das Sucessões pela doutrina, como quer o Prof. Zeno Veloso. 
Está previsto, no Direito Brasileiro, no art. 1.784 do CC: 
“Art. 1.784. Aberta a sucessão [pela morte], a herança transmite-se, desde logo, aos 
herdeiros legítimos e testamentários.” [de forma automática, independentemente de 
qualquer ato, inclusive de aceitação] 
 
Lembrando-se que há duas hipóteses de aquisição da propriedade de forma automática, sem 
necessidade de registro imobiliário: na usucapião (forma de aquisição originária) e na 
sucessão (por aquisição derivada). 
Local de abertura da sucessão: 
 CC, Art. 1.785: “A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido.” 
 Ou seja, não se abre a sucessão no local da morte ou dos imóveis. Tal regra repercute 
no art. 48 do NCPC, pois o foro de domicílio do falecido, em regra, é o competente para 
o inventário, a partilha e atos afins, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro. 
 
Regra de Direito Intertemporal 
 
 A sucessão situa-se no plano da eficácia e, por isso, regula a sucessão e a legitimação 
para suceder a lei vigente ao tempo da sua abertura (o falecimento). Exemplo: A pessoa 
viveu a maior parte de sua vida na vigência do Código Civil de 1916. Com seu falecimento 
após 11/01/2003, aplica-se o Código Civil de 2002, porquanto vigente no dia da morte. 
 CC, Art. 1.787: “Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo 
da abertura daquela.” 
Duas são as modalidades de herdeiros (art. 1.789 e 1.845 do CC): 
 
a) Herdeiros necessários, forçados ou reservatários: têm em seu favor a proteção da 
legítima (quota reservada de 50% do patrimônio). 
 
São herdeiros necessários: 
CC, Art. 1.845. “São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.” 
 
Não há previsão expressa quanto ao companheiro ou convivente, objeto de crítica dos Profs. 
Paulo Lôbo, Zeno Veloso e Gisele Hinoraka, por exemplo. Porém, a tendência é de se considerar 
o companheiro como herdeiro necessário, diante da decisão do STF de inconstitucionalidade do 
art. 1.790 do CC (Informativo 864). 
 
b) Herdeiros facultativos: não têm proteção da legítima. O autor da herança pode dispor de 
todos os seus bens. 
Exemplo: colaterais até o 4º grau. 
 
E o companheiro? Reitere-se que a tendência é dizer que não é mais herdeiro facultativo, mas 
necessário. 
CC, Art. 1.789. “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da 
herança.” 
 
2. Da Herança e sua Administração 
 
Conceito: Herança é o conjunto de bens formado com o falecimento do de cujus. Constitui o 
espólio, que não é pessoa jurídica, mas ente despersonalizado ou despersonificado, com 
legitimidade ativa e passiva (art. 75, VII, do NCPC). 
 
CPC, Art. 75. “Serão representados em juízo, ativa e passivamente: [...] VII - o espólio, pelo 
inventariante;” 
 
O direito à herança é um bem imóvel por determinação legal (art. 80, II, do CC). Além disso, 
a herança é indivisível antes da partilha (art. 1.791 do CC). 
Há formação de condomínio eventual pro indiviso, entre os herdeiros. 
 
CC: “Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os 
herdeiros. 
Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da 
herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.” 
 
Conforme art. 1.793 do CC, a cessão de direitos hereditários exige escritura pública, sob pena 
de nulidade absoluta. 
 
• É ineficaz (alienação a non domino) a cessão pelo coerdeiro de seu direito hereditário 
sobre qualquer bem da 
herança considerado singularmente. 
• Também é ineficaz a disposição de bens sem prévia autorização do juiz da sucessão, onde 
corre o inventário, por qualquer herdeiro. 
 
Nos casos de alienação da quota hereditária os coerdeiros têm direito de preempção ou prelação 
legal (preferência). Se o coerdeiro for preterido, poderá ele ingressar em juízo e haver a coisa 
para si (ação de Preferência prevista no art. 1.795 do CC), com prazo decadencial de 180 dias, 
a contar da transmissão. 
 
OBS: “Intra Vires Hereditatis”: o herdeiro somente responde nos limites da herança que 
receber. Ele não responde além das forças da herança (que seria ultra vires hereditatis). 
Prevista no art. 1.792 do Código Civil. 
 
“Art. 1.792. O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-
lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor 
dos bens herdados.” 
 
3. Vocação Hereditária e Legitimados a Suceder 
 
O polêmico art. 1.798 prevê que se legitimam a suceder as pessoas já nascidas ou já concebidas 
no momento da abertura da sucessão. Não havia essa previsão ao nascituro no Código Civil de 
1916. 
 
CC: “Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da 
abertura da sucessão.” 
 
Segundo entendimento do Prof. Flávio Tartuce, seguindo Profs. Silmara Chinellato, Franciso 
Amaral e Diogo Leite de Campos, o nascituro possui direitos sucessórios, pois a lei os garante 
desde a concepção. 
 
No entanto, prevalece a posição da personalidade condicional, no que diz respeito à 
herança, uma vez que o nascituro tem direito sucessório se nascer com vida (conforme Maria 
Helena Diniz, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, Francisco Cahali e Zeno Veloso).E o embrião? Tem direito sucessório? 
Sim, no entendimento do Enunciado 267 da III JDC: “A regra do art. 1.798 do Código Civil 
deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, 
abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos 
patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança.” 
 
 
 
Legitimados a suceder na sucessão testamentária: 
 
CC: “Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: 
I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas 
ao abrir-se a sucessão; 
II - as pessoas jurídicas; 
III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de 
fundação.” 
 
No inciso I do art. 1.799: O concepturo, aquele que sequer foi concebido. Filhos de pessoas 
indicadas pelo testador, desde que vivas estas na abertura da sucessão. 
OBS: “Art. 1.800. § 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for 
concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do 
testador, caberão aos herdeiros legítimos.” 
 
Nos incisos II e III do art. 1.799: Pessoas Jurídicas já constituídas e Pessoas Jurídicas que 
ainda serão constituídas por determinação do testador. 
Exemplo: Fundação existente ou a ser instituída, com o nome do de cujus. Fundação Ayrton 
Senna, Viva Cazuza 
 
4. Aceitação e Renúncia da Herança 
 
I) Aceitação ou Adição da Herança: trata-se de ato em que o herdeiro confirma a 
transmissão da herança, conforme ar. 
1.804 do CC: 
“Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a 
abertura da sucessão. 
Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à 
herança.” 
 
É necessária? 
• Maria Berenice Dias entende que não, defendendo a revogação dos dispositivos do Código 
Civil, haja vista a desnecessidade por já ter se operado o “droit de saisine”. 
 
• Zeno Veloso defende que sim, diante da máxima “ao constrangido ou a quem não quer, não 
se dá o benefício” (ninguém pode ser herdeiro contra a sua vontade). 
 
a) Aceitação Expressa: mediante declaração escrita do herdeiro, mediante instrumento 
público, escrito particular ou manifestação no processo. Prevista no caput do art. 1.805 do CC; 
 
b) Aceitação Tácita: decorre de comportamento ou atos próprios da qualidade de herdeiro. 
Exemplos: pagamento de impostos relativos ao bem recebido em herança, ou atuação efetiva 
no inventário. 
 
c) Aceitação Presumida: o interessado em que o herdeiro declare a aceitação poderá, 20 
dias após a abertura da sucessão, requerer ao juiz do inventário prazo razoável não superior a 
30 dias para o pronunciamento do herdeiro, sob pena de se haver a herança por aceita 
(“quem cala consente”: exceção à regra do art. 111 do CC). 
 
II) Renúncia à Herança: 
 
A renúncia à herança somente pode ser EXPRESSA, por instrumento público ou termo judicial, 
sob pena de nulidade absoluta da renúncia, com base no art. 166, IV e V, do CC. 
 
A renúncia pode ser feita por procurador, desde que a outorga dos poderes seja por escritura 
pública. (REsp 1236671/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministro SIDNEI 
BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe 04/03/2013). 
 
A renúncia à herança é assim classificada pela doutrina: 
a) Renúncia abdicativa: pura ou simples, sem indicação de beneficiário. O bem é destinado 
à massa (acervo hereditário). 
b) Renúncia translativa ou in favorem: quando há indicação do beneficiário, equivalendo a 
uma cessão gratuita ou doação, sobre a qual incide imposto de transmissão inter vivos.* 
 
OBS: Tanto a aceitação quanto a renúncia à herança são irrevogáveis (art. 1.812 CC) 
 
Conforme art. 1.810 do Código Civil, que trata apenas da renúncia, a parte do renunciante 
acresce à dos outros herdeiros da mesma classe e, sendo ele o único desta, devolve aos da 
subsequente: 
Sobre a questão, o Enunciado 575 da VI Jornada de Direito Civil esclarece que a renúncia de 
qualquer dos herdeiros devolve a sua parte aos que integram a mesma ordem dos chamados 
a suceder: “Concorrendo herdeiros de classes diversas, a renúncia de qualquer deles devolve 
sua parte aos que integram a mesma ordem dos chamados a suceder.” 
 
Assim, se os herdeiros são três filhos e um cônjuge, e um dos filhos renuncia, a parte que lhe 
compete acresce aos outros dois filhos e ao cônjuge. E seguindo a decisão do STF de se fazer 
a equiparação sucessória total do companheiro ao cônjuge, a ele também será acrescido. 
 
5. Excluídos da Sucessão. Indignidade e Deserdação 
 
 
Indignidade (arts. 1.814 a 1.818 CC) Deserdação (arts. 1.961 a 1.965 CC) 
 
 
 
Indignidade é instituto de amplo alcance, cuja natureza é essencialmente punitiva, na medida 
em que visa a afastar da relação sucessória aquele que haja cometido ato grave, socialmente 
reprovável, em detrimento da integridade física, psicológica ou moral, ou, até mesmo, contra 
a própria vida do autor da herança. 
 
Entende-se que o rol é taxativo, ou seja, não comportariam interpretação extensiva ou 
analógica: 
CC: “Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: 
I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa 
deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou 
descendente; 
 
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em 
crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; 
 
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de 
dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.” [violência ou meios 
fraudulentos também são motivos para a indignidade] 
 
“Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos 
descendentes por seus ascendentes [inclui-se o cônjuge ou companheiro]: 
I - ofensa física; 
II - injúria grave; 
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; [= relações amorosas] 
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade. 
 [pode ser desamparo alimentar] 
 
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos 
ascendentes pelos descendentes [inclui-se o cônjuge ou companheiro]: 
I - ofensa física; 
II - injúria grave; 
III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou 
companheiro da filha ou o da neta; [= relação amorosa] 
IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade. 
[pode ser desamparo alimentar] 
 
Art. 1.964. Somente com expressa declaração de causa pode a deserdação ser ordenada em 
testamento.” 
 
Prazo e Legitimidade para a Ação de Exclusão de Herdeiro por Indignidade: 
 
“Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, 
será declarada por sentença. 
§ 1º O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, 
contados da abertura da sucessão. 
§ 2º Na hipótese do inciso I do art. 1.814, o Ministério Público tem legitimidade para demandar 
a exclusão do herdeiro ou legatário.” 
 
A previsão do § 2º, incluída no Código Civil de 2002 pela Lei 13.532/2017, é uma confirmação 
do Enunciado 116 da I Jornada de Direito Civil, de certa forma motivado pelo “Caso Richthofen”: 
“O Ministério Público, por força do art. 1.815 do novo Código Civil, desde que presente o 
interesse público, tem legitimidade para promover ação visando à declaração da indignidade 
de herdeiro ou legatário.” 
 
OBS: Tal previsão legal é criticada por alguns autores, que afirmam sua inconstitucionalidade 
por conflito com o art. 127 da Constituição Federal, uma vez que nele se atribui legitimidade 
ao Ministério Público para defesa de direitos indisponíveis e não desses direitos disponíveis. 
Nessa linha, os Profs. José Fernando Simão e Fernando Gajardoni. 
 
Prazo para a Açãode Confirmação da Deserdação: prazo de quatro anos, a contar da data 
da abertura do testamento. (Art. 1.965) 
 
Confrontação dos institutos: 
 
A renúncia à herança afasta o direito de representação (como se o renunciante nunca tivesse 
existido). 
 
A indignidade não afasta, pois os seus efeitos são pessoais (art. 1.816 CC). 
 
“Art. 1.816. São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído 
sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão. 
 
E a deserdação? 
 
Polêmico. Mas a doutrina tende a reconhecer pois seus efeitos também são pessoais. Projeto 
de Lei do Senado n. 118 de 2010, pretende colocar no art. 1.965 um parágrafo semelhante ao 
do art. 1.816 do CC. Os efeitos são pessoais na posição de Zeno Veloso, José Fernando Simão 
e Flávio Tartuce.

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