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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO E JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MBE EM RESPONSABILDIADE SOCIAL E TERCEIRO SETOR MONOGRAFIA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EDUCAR PARA A CIDADANIA PLANETÁRIA – O PAPEL DAS ESCOLAS NO SÉCULO XXI PAULA FREITAS DA SILVA ORIENTADOR: PROFª. DÁLIA MAIMON DEZEMBRO 2007 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO E JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MBE EM RESPONSABILDIADE SOCIAL E TERCEIRO SETOR MONOGRAFIA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EDUCAR PARA A CIDADANIA PLANETÁRIA – O PAPEL DAS ESCOLAS NO SÉCULO XXI PAULA FREITAS DA SILVA ORIENTADOR: PROFª. DÁLIA MAIMON DEZEMBRO 2007 As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do autor Creio que tirarei da vida exatamente o que nela colocar. Mahatma Gandhi AGRADECIMENTOS Expresso meu mais profundo agradecimento aos meus pais, que não só me trouxeram ao mundo, mas também sempre estiveram comigo, apoiando-me com amor, carinho, amizade e palavras animadoras. Agradeço a todos os meus professores, tanto aos que me acompanharam durante essa Especialização, mas também a todos os anteriores, que fazem parte da minha história e contribuíram para a minha formação e para a pessoa que sou. Agradeço a meus irmãos, minhas amigas e amigos queridos pelos incentivos e pela compreensão das minhas ausências em encontros em função de estar estudando. Ao meu querido amigo Nagib Said, exprimo meu profundo agradecimento por estar sempre me levantando o ânimo, apoiando e me transmitindo muita fé no ser humano, por meio do seu comportamento reto, otimismo e força interior. Não poderia deixar de agradecer a todos os meus colegas da Petrobras; aos que participaram da Especialização comigo; aos do Cenpes, em especial à Aparecida Laino, amiga recente que rapidamente conquistou meu coração; aos da Engenharia, em especial ao Mário Reis, meu eterno mentor e amigo querido; aos da Universidade Petrobras e, especialmente, às minhas gerentes Maria de Fátima e Aparecida Muniz que me deram a oportunidade de participar dessa Especialização. À minha orientadora Dália Maimon, que me acolheu com carinho e boa vontade, e à minha co-orientadora Analice, expresso meu mais sincero agradecimento por terem me apoiado e incentivado a escrever essa monografia. Agradeço, sobretudo, a Deus que me coloca à prova a todo momento, dando-me mil oportunidades de aprendizado, sempre colocando muitos anjos-amigos no meu caminho, para me auxiliarem e transmitir força. RESUMO O presente trabalho defende a importância do papel da escola em ajudar a construir uma nova consciência de cidadania, que promova o desenvolvimento sustentável a consciência planetária. Chegamos ao século XXI com enormes prejuízos ambientais e sociais que, se perdurarem, inviabilizarão a permanência do ser humano e de muitas outras espécies na Terra. Diante dessa realidade, faz-se premente uma mudança no sistema educacional, tradicionalmente estruturado de forma disciplinar, para assumir caráter transdisciplinar, permitindo assim a articulação das várias áreas do saber e favorecendo uma visão de mundo ampla, complexa, complementar e contextualizada, em detrimento da tradicional perspectiva cartesiana, pautada na objetividade, linearidade e simplicidade. Ao falarmos de cidadania planetária, estamos também falando de sustentabilidade, e conseqüentemente, de um mundo interdependente e complexo. Dessa forma, a educação no século XXI além de necessitar possuir um caráter transdisciplinar, também deve contemplar vários temas que hoje não fazem parte dos currículos escolares, como diversidade, solidariedade, ética, responsabilidade social e ambiental, etc. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 7 2. ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS ...................................................................... 10 2.1 CONCEITO DE EDUCAÇÃO ...................................................................................... 10 2.2 CONCEITO DE CIDADANIA ..................................................................................... 14 2.3 CONCEITO DE CIDADANIA PLANETÁRIA ............................................................ 16 3. EDUCAR PARA A CIDADANIA PLANTÁRIA ............................................................... 19 4. TRANSDISCIPLINARIDADE ............................................................................................ 23 5. O PAPEL DA ESCOLA NA FORMAÇÃO DE UMA VISÃO CRÍTICA E CONSCIENTE SOBRE CIDADANIA .............................................................................................................. 27 6. CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 32 7. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 35 7 1. INTRODUÇÃO A educação tradicional, tal qual a conhecemos, não foi eficaz em forjar um homem apto a fazer frente aos principais problemas relacionados à sociedade e ao meio ambiente. A atual situação planetária, caracterizada por elementos negativos como, por exemplo, o aumento da pobreza, a concentração de renda, a violência crescente, assim como os problemas ambientais que emergem na forma de desmatamentos, escassez de água, poluição e mudanças climáticas demonstram que a humanidade não foi capaz de construir uma sociedade minimamente justa. Ao contrário, construiu uma sociedade extremamente desigual e contraditória. Com certeza, a educação não é e nem poderia ser a única força reparadora da atual crise social e ambiental no mundo. A forma com que as diversas nações se organizaram politicamente, cada uma privilegiando seu próprio modelo econômico-político- social e a acumulação de bens e renda, bem como o Liberalismo e o Capitalismo avançando cada vez mais como principal modelo produtivo, contribuiu enormemente para nos trazer ao quadro atual. Contudo, a partir de uma perspectiva de investigação, torna-se notório que o modelo de ensino utilizado até então vem sendo determinante para a manutenção e agravamento dessas questões. Isso se deve porque tal modelo foi incapaz de edificar uma postura cidadã planetária ou mesmo uma sociedade cooperativa e solidária, comprometida com a manutenção da vida no planeta. Vivemos num mundo onde as distâncias não param de reduzir-se e onde devemos renunciar à herança perniciosa do passado, feita de conflitos e concorrência, e virar-nos para uma nova cultura da convergência e da cooperação, preenchendo o fosso alarmante que existe entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, se não quisermos ver desaparecer as ricas promessas do próximo milênio, por entre as lutas e o caos de que são já vítimas numerosas regiões do mundo. É este, fundamentalmente, o desafio a vencer pela educação no século XXI. (DELORS, 2006: 243) Neste sentido, este trabalho desenvolve uma abordagem que responda qual o papel da educação para a construção de um mundo justo, inclusivo, eqüitativo, cooperativo, em síntese, que seja sustentável. Tal noção está presente no conceito de cidadania planetária, onde se faz de vital importância a “implantação de um novo modelo econômico,social e político que, a partir de uma nova distribuição dos bens e serviços conduza à realização de uma vida coletiva solidária...” (SANTOS, 2000:170). 8 A educação, tal qual a conhecemos, orientada para a formação técnico- profissional de indivíduos capacitados para atuar na reprodução do modelo econômico vigente, faz-se deficiente no que se refere à formação de cidadãos com capacidade de atuar na transformação da realidade sócio-ambiental. Se o modelo educacional valoriza a obediência, a decoreba de conteúdos, a imitação de antigos paradigmas, a mera repetição de papéis; ela não contribui para a formação de cidadãos críticos, autônomos, capazes de fazer suas próprias escolhas, e de atuar em um ambiente democrático de forma ativa, assumindo seu papel de ator social e político, capaz de influenciar e transformar a sociedade. Diante disso, nesta monografia, propomos a aplicação de uma educação voltada para a formação integral do indivíduo, que o prepare para a vida e para uma efetiva participação nas esferas política, econômica e social. Não basta adquirir conhecimentos e habilidades para ingressar no mercado de trabalho e garantir a própria subsistência. É preciso adquirir valores e comportamentos que o farão atuar como cidadãos conscientes e responsáveis não apenas por si, mas também por seus semelhantes. Tal mudança de paradigma só poderá ocorrer se assentada em “valores, princípios, atitudes e comportamentos e da percepção do planeta como uma comunidade única” (PRADO, 2000:22). Ao lado disso, para que tais valores e princípios sejam aceitos, é preciso levar às salas de aula informações pertinentes que digam respeito à situação atual da humanidade e do planeta. A idéia de uma educação orientada para a cidadania planetária, ao contrário do que se possa imaginar, não prescinde de que se fortaleçam as bases para a realização de uma educação fundada na experiência e na realidade local. Como afirma PRADO, “Não se pode falar em cidadania planetária e global sem efetiva cidadania na esfera local e nacional. Ela é essencialmente uma cidadania integral, portanto, uma cidadania ativa e plena não apenas nos direitos sociais, políticos, culturais e institucionais, mas também econômicos”. (PRADO, 2000: 23. Grifos no original) Ou seja, a educação contextualizada cumpre um importante papel na formação de cidadãos críticos, participativos, capazes de exercer a cidadania ativa, que conheçam seus direitos (individuais e coletivos) e deveres e que influenciem tanto na esfera local quanto na esfera internacional. Devemos partir do conhecimento e da consciência da nossa realidade mais próxima, para daí conseguirmos enxergar e analisar as realidades mais afastadas. Se o indivíduo está inserido em um ambiente democrático (família, escola, etc.) que lhe permita 9 pensar e atuar de forma livre e responsável, ele desenvolverá maior senso crítico, capacidade de decisão, iniciativa e utilizará essas competências na esfera social e política. Diante do exposto, sustentamos que o sistema educacional deve ser revisto para tornar-se capaz de estar à frente das transformações prementes que se fazem necessárias num mundo à beira de um colapso social e ambiental. Para tal, analisamos as concepções dos diversos autores citados ao longo desse trabalho, que está dividido em quatro capítulos. Primeiramente, abordamos alguns aspectos teóricos e conceituais que dão subsídio à compreensão do que é discutido posteriormente; tratamos do conceito de educação, cidadania e cidadania planetária. Em seguida, expomos nossa visão do que vem a ser educar para a cidadania. A partir dessa visão, defendemos a importância de uma educação transdisciplinar e de se abordar, no âmbito escolar, temas que contribuam para a formação do cidadão. Finalmente, discutimos o papel da escola na fomentação de uma visão crítica e consciente sobre cidadania planetária. 10 2. ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS 2.1 CONCEITO DE EDUCAÇÃO Procurando o significado da palavra “educação” no Dicionário Aurélio, encontramos, dentre outros, os seguintes significados: “ato ou efeito de educar(-se); processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social.” Essa é a visão atual de educação, contudo, não foi sempre assim. Para entendermos como chegamos à essa compreensão, é importante verificarmos como esse conceito foi construído e modificado desde a Idade Antiga. Na Grécia Antiga, utilizava-se, inicialmente, a palavra paidéia (de paidos - criança), que significava simplesmente “criação de meninos". Contudo, ao longo do tempo e da evolução daquela sociedade, o termo adquiriu um significado muito mais amplo. Até o século VI a.C., o objetivo fundamental da educação era a formação aristocrática do homem como "Belo e Bom". Porém, a partir do século V a.C., passou-se a exigir mais da educação. Além de formar o homem, a educação devia formar o cidadão. Dessa forma, a antiga educação, baseada na ginástica, na música e na gramática, deixa de ser suficiente. Com o surgimento da pólis (cidade-estado grega) a partir do século VIII a.C., nasce o novo ideal da paidéia grega e o conceito de cidadão, aquele que vivia na pólis. Em português, não há uma palavra que traduza o que o termo paidéia significava na Grécia Antiga. Ela extrapola o conceito tradicional de educação e deve ser compreendida como a busca de uma teoria consciente de educação e da atuação do homem na sociedade. Ou seja, trata da reflexão sobre a formação do homem para a vida na pólis, sendo capaz de atuar de maneira digna e boa tanto como governado quanto como governante. O objetivo não era ensinar ofícios, mas sim formar para a liberdade e a nobreza. Na sua abrangência, paidéia não designa unicamente a técnica própria para, desde cedo, preparar a criança para a vida adulta. A ampliação do conceito fez com que ele passasse também a designar o resultado do processo educativo que se prolonga por toda a vida, ou seja, ultrapassa os anos escolares e vai até à vida adulta, abrangendo aspectos culturais e espirituais da condição humana. Contrastando a educação na Grécia com a educação em Roma, podemos observar que na Grécia, atribuía-se maior importância ao estudo da Filosofia. A educação na 11 Grécia era pública e obrigatória. Nesse primeiro estágio, ensinava-se ginástica, danças, música, noções de gramática (ler e escrever) e aritmética. Depois de passar pelo ensino primário, os alunos podiam tentar ingressar nas escolas filosóficas atenienses, a Academia e o Liceu. A educação romana, por outro lado, atribuía maior importância à Oratória e ao Direito. Sua educação estava baseada no ensino das artes liberais, ou seja, a arte de quem é livre para pensar. As artes liberais abrangiam dois ciclos: o trivium (Gramática, Retórica e Lógica) e o quatrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música). Esse programa de educação possuía caráter propedêutico, isto é, tinha o objetivo de preparar os aprendizes para um ensino posterior e mais completo, e foi utilizado pela Igreja Cristã até a Idade Média, tendo como objetivo maior e final a compreensão das Sagradas Escrituras. A cultura greco-romana, aliada às concepções e aos ideais cristãos, influenciaram mormente a educação até o século XVI. A partir daí, com a decadência do modo de produção feudal e a ascensão da burguesia, torna-se fundamental o domínio da natureza por meio de técnicas que suportem o sistema de cooperação, precursor da produção em série do século XX. (GADOTTI, 2006-b: 76) O nascimento do pensamento pedagógico moderno surge nos séculos XVI e XVII, juntamente com as grandes descobertas científicas da época: desenvolvimento da Astronomia (Giordano Bruno: 1548-1600); descoberta da lei da queda dos corpos e dos satélites de Júpiter (GalileuGalilei: 1564-1642); constatação da circulação do sangue (William Harvey: 1578-1657), dentre outras. Francis Bacon (1561- 1626) criou o método indutivo de investigação em oposição ao método de dedução de Aristóteles. Bacon propôs a distinção entre a fé e a razão para evitar as distorções à compreensão da realidade causadas pelos preconceitos religiosos. René Descartes (1596- 1650) criticou o ensino humanista e criou o método científico, onde a razão e a ciência substituíam o predomínio da fé. “A pedagogia realista insurgiu-se contra o formalismo humanista pregando a superioridade do domínio do mundo exterior sobre o domínio do mundo interior, a supremacia das coisas sobre as palavras. Desenvolveu a paixão pela razão (Descartes) e o estudo da natureza (Bacon). De humanista, a educação torna-se científica. O conhecimento só possuía valor quando preparava para a vida e para a ação.” (GADOTTI, 2006-b: 78. Grifos no original) O Iluminismo trouxe uma nova visão sobre educação. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) constituiu um marco entre a velha e a nova escola. Rousseau trouxe, pela primeira vez, o tema da infância para a educação, demonstrando imensa preocupação em 12 compreender o mundo da criança, que, em sua concepção, nasce boa, e por vezes é corrompida pela visão distorcida do adulto. O século XVIII também foi marcado por uma crescente preocupação em estender a educação para as classes populares, que reivindicavam mais saber e educação pública. Os grandes teóricos iluministas defendiam uma educação baseada nos princípios democráticos, que fosse laica e oferecida gratuitamente pelo Estado a todos. “O iluminismo educacional representou o fundamento da pedagogia burguesa, que até hoje insiste predominantemente na transmissão de conteúdos e na formação individualista. A burguesia percebeu a necessidade de oferecer instrução, mínima, para a massa trabalhadora. Por isso, a educação se dirigiu para a formação do cidadão disciplinado. O surgimento dos sistemas nacionais de educação, no século XIX, é o resultado e a expressão da importância que a burguesia, como classe ascendente, emprestou à educação.” (GADOTTI, 2006-b: 90) Na definição de educação do professor, pedagogo e escritor francês do século XIX, Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869) está clara a preocupação com uma formação mais completa do homem, no que tange ao intelecto, à ética e à saúde física. Não há, contudo, nenhuma referência aos aspectos sociais e políticos: “A educação é a arte de formar os homens, isto é, a arte de neles fazer surgir os germes das virtudes e reprimir os do vício, de desenvolver sua inteligência e dar-lhes a instrução adequada às suas necessidades; enfim, de formar o corpo e de lhe dar a força e a saúde. Em uma palavra, o objetivo da educação consiste no desenvolvimento simultâneo das faculdades morais, físicas e intelectuais.” (RIVAIL, 2005 [1828]:11). Retornando ao segundo significado da palavra educação pelo Dicionário Aurélio, “Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social.”, percebemos muito em comum com o ideal da paidéia grega, que ficou esquecido ao longo de séculos. Hoje percebemos que a educação escolar não pode se limitar a conteúdos teóricos, isolados da realidade dos alunos, que não buscam prepará-los para a vida em sociedade num mundo cada vez mais complexo e globalizado. A escola não pode se ater apenas a instruir, ou seja transmitir informações conceituais, que muitas vezes não possuem nenhuma aplicabilidade no dia-a-dia dos educandos. Hoje é notória a necessidade de uma escola que ajude a desenvolver 13 o ser humano de maneira integral, ou seja, que realmente esteja ciente de seu papel na capacitação física, intelectual e moral desses indivíduos, auxiliando sua integração na sociedade e não apenas no mercado de trabalho. Da mesma forma, num mundo global, esses indivíduos precisam se enxergar como pertencentes a uma sociedade maior, não delimitada pelas fronteiras de seus bairros, cidades, estados e nem mesmo países. Hoje, os impactos ambientais e sociais comprovam que o que fazemos numa ponta do planeta acabará por afetar regiões bastante longínquas, portanto, é necessário ampliar o conceito de sociedade, fazendo com que as pessoas se vejam dentro de um espaço muito mais extenso, o Planeta Terra. Se não criarmos essa consciência e não mudarmos nossa forma de viver e interagir com todas as criaturas na Terra, talvez nos tornemos mais uma espécie em extinção no planeta. É baseado nessa crença que defendemos que a educação possui papel essencial na mudança de consciência da humanidade, e que as escolas, instituições que nos recebem na mais tenra idade, precisam contribuir não apenas para a produção e reprodução de conhecimentos, mas também para a formação de seres humanos mais éticos e responsáveis. Uma discussão relevante é se seria possível a um professor ensinar um aluno, ou seja, sobre a própria pertinência do verbo ensinar. Essa questão foi amplamente debatida por Paulo Freire (1921-1927), um dos grandes nomes da educação no Brasil. Ele nos diz: “A educação é uma resposta da finitude da infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à sua perfeição. A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso ninguém educa ninguém.” (FREIRE, 1979: 27, 28). Na visão de Paulo Freire, “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.” (FREIRE, 2006: 22. Grifo no original). Dessa forma, uma educação de qualidade que possa cumprir com todos os objetivos que estamos defendendo nesse trabalho, demanda uma compreensão não-tradicional do papel da escola bem como do papel do professor. Este não pode mais agir como o detentor do saber, mas se perceber como alguém que, juntamente com outros indivíduos que hoje estão numa sala de aula como seus alunos, irá construir novos saberes. Os alunos não chegam vazios na escola, ao contrário, trazem experiências diversas e desconhecidas pelo professor e demais colegas. O professor precisa saber usar essas experiências para enriquecer as aulas, atrair a atenção dos alunos e aprender com eles. Estamos tratando aqui de algo muito maior do que a educação para a sobrevivência, para aquisição de trabalho de forma a suprir as necessidades básicas do 14 indivíduo. Estamos tratando aqui de uma educação baseada em valores universais (honestidade, respeito à diversidade, tolerância, diálogo, democracia, ética, paz, cooperação, solidariedade, participação...) válidos para todos, não apenas para a minha própria nação. Estamos tratando aqui de uma educação que contribua para uma cidadania completa e ativa: “A educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão.” (MORIN, 2006-a: 65). Neste contexto, podemos afirmar que educar é conseguir alcançar o íntimo do aluno, despertando-o para o desejo e a busca do conhecimento de si mesmo e da vida, e fornecer-lhe os valores (honestidade, ética, coerência, etc.) que nortearão o seu caminho, bem como os meios necessários para que possa modelar o seu próprio destino e contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária para toda a humanidade. Essa educação tem início nos primeiros anos de vida do indivíduo e não tem fim. Hoje, na era da informação e do conhecimento, precisamos estar constantemente nos atualizando. Ao lado disso, a educação escolar e principalmente a auto-educação, de iniciativa e esforço do próprio indivíduo, são os alavancadores da sua evolução, no sentido detorná-lo melhor como ser humano: “A educação ao longo de toda a vida é uma construção contínua da pessoa humana, do seu saber, e das suas aptidões, mas também da sua capacidade de discernir e agir. Deve levá-la a tomar consciência de si própria e do meio que a envolve e a desempenhar o papel social que lhe cabe no mundo do trabalho e na comunidade.” (DELORS, 2006: 243) 2.2 CONCEITO DE CIDADANIA Conforme vimos no item anterior, o conceito de cidadão remonta à Grécia nos séculos VII e VI a.C., na época do surgimento das poleis (cidades-estado). O termo designava aquele homem, não-escravo, que vivia na cidade e, portanto, estava submetido às leis da cidade. A vida em sociedade passou a predominar nesse período. Como decorrência, as discussões em assembléias, substituindo a estrutura de poder em torno de uma realeza, tornaram-se necessárias e passaram a demandar a participação política do cidadão. Dessa forma, surgiu também a necessidade de preparar as pessoas que viviam nas poleis para esse novo papel, surgindo então o conceito de paidéia. A paidéia grega visava a formação geral do indivíduo como homem e como cidadão. Platão define paidéia da seguinte forma "... a essência de toda a verdadeira educação ou paidéia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como 15 fundamento" (JAEGER, 1995: 147). O cidadão deveria participar da vida social, cultural e política da pólis. Desde seu surgimento, a palavra cidadão recebeu várias acepções de acordo com o momento histórico vivido. “A visão de cidadania - não como mera aparência, mas como universalidade abstrata reconhecida pelo Estado Moderno – desenvolve-se, principalmente ao longo do século XX, como processo „civilizatório‟ e cultura democrática...” (GENRO, 1998: 124). Atualmente, como bem explicitado na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, assinada em 1948, o cidadão é descrito como sujeito de direitos e deveres, súdito e soberano em relação ao Estado, onde todos os homens são considerados iguais perante a lei, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (art. II). Nesse documento, são enumerados os direitos que todos os seres humanos possuem, ainda que em diversos locais muitos não os desfrutem. Também é colocado que: “Todo ser humano possui deveres para com a comunidade. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.” (art. XXIX) Podemos classificar os direitos do cidadão em: direitos civis (relacionados à locomoção, segurança e capacidade de dispor do próprio corpo), direitos sociais (relacionados ao atendimento das necessidades básicas do ser humano, tais quais: alimentação, moradia, saúde, educação...) e direitos políticos (dizem respeito à deliberação do homem sobre sua própria vida, ao direito da livre expressão de pensamento, da prática política e religiosa, etc.). (COVRE, 2006: 13-15). Contudo, ser cidadão implica também em responsabilidades e deveres, como: “...ser o próprio fomentador da existência dos direitos a todos, ter responsabilidade em conjunto pela coletividade, cumprir normas e propostas elaboradas e decididas coletivamente, fazer parte do governo, direita ou indiretamente, ao votar, ao pressionar através dos movimentos sociais, participar de assembléias...” (COVRE, 2006: 9). 16 Ou seja, “Um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade em relação a sua pátria.” (MORIN, 2006-a: 65) O conceito de cidadania está estreitamente ligado ao conceito de democracia. Tomando por base uma das definições do Dicionário Novo Aurélio para o termo: “Democracia - Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade, i. e, dos poderes de decisão e de execução; democratismo.” Percebemos que não há como se exercer cidadania se não estivermos em um regime democrático, daí a familiaridade entre os conceitos. “Paulo Freire situava o conceito de cidadania no contexto de uma sociedade nova, radicalmente democrática, associando cidadania e autonomia. No seu último livro ele afirma que „o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.‟ ” (GADOTTI, 2006-a: 69. Grifos no original) O cidadão que exerce efetivamente seus direitos e deveres vive em uma sociedade democrática, e sua autonomia para participar das decisões político-sociais não deve ser vista como um favor ou algo semelhante. Na verdade, existem direitos inerentes à própria natureza humana, e a autonomia do cidadão é um deles. 2.3 CONCEITO DE CIDADANIA PLANETÁRIA Uma vez elucidado o que entendemos por cidadania, precisamos explicar o que vem a ser cidadania planetária. Como vimos desenvolvendo ao longo desse trabalho, acreditamos num conceito de solidariedade e de coletividade que não se restringem às fronteiras de uma nação. É essencial que a humanidade tome ciência de que não se pode mais viver baseado na convicção de fazer parte de uma nação isolada do resto do mundo. Como nos diz Morin: “A consciência e o sentimento de pertencermos à Terra e de nossa identidade terrena são vitais atualmente. A progressão e o enraizamento desta consciência de pertencer a nossa pátria terrena é que permitirão o desenvolvimento, por múltiplos canais e em diversas regiões do globo, de um sentimento de religação e intersolidariedade, 17 imprescindível para civilizar as relações humanas...” (MORIN, 2006- a: 73). A expressão Cidadania planetária compreende um conjunto de ações, princípios, valores e atitudes do cidadão como habitante do planeta Terra, percebendo-o como um todo inseparável, onde seus habitantes devem viver em comunhão. Para Gadotti, a cidadania planetária: “... sustenta-se na visão unificadora do planeta e de uma sociedade mundial. Ela se manifesta em diferentes expressões, „nossa humanidade comum‟, „unidade de diversidade‟, „nosso futuro comum‟, „nossa prática comum‟, „cidadania planetária‟.” (GADOTTI, 2000: 135). Como vemos, reconhecer-se cidadão terreno e, como tal, agir pensando no todo e para o bem de todos, é de vital importância para a sobrevivência do nosso planeta. Apesar dos grandes avanços das ciências alcançados no último século, a humanidade não foi capaz de mitigar os danos causados à natureza e nem, muito menos, de extirpar a miséria e a fome nos países subdesenvolvidos. Nas últimas décadas muito se tem falado sobre desenvolvimento sustentável, contudo efetivamente ainda não fomos capazes de frear os abusos com relação à utilização desmedida dos recursos naturais da Terra e nem tampouco de deter os danos ambientais causados, em grande parte, por esse próprio desenvolvimento tecnológico, alcançado de forma inconsciente e não-sustentável. No tripé do desenvolvimento sustentável, vemos que o vértice econômico tem sido preocupação unânime, todavia sem a devida atenção aos outros dois vértices, o ambiental e o social. Enquanto não houver equilíbrio entre esses três aspectos, não há que se falar em sustentabilidade. Como bem coloca Prado: “A cidadania planetária deverá ter como foco a superação da desigualdade, a eliminação das sangrentas diferenças econômicas e a integração da diversidade culturalda humanidade. Não se pode falar de cidadania planetária ou global sem efetiva cidadania na esfera local e nacional. Ela é essencialmente uma cidadania integral, portanto, uma cidadania ativa e plena não apenas nos direitos sociais, políticos, culturais e institucionais, mas também econômicos.” (PRADO, 2000: 23. Grifos no original) Compreender-se cidadão do Planeta pressupõe envolvimento e participação, além de consciência e sentimento de pertencimento não apenas a uma nação, mas a um sistema interdependente, onde o que se faz num canto da Terra afeta todos os outros continentes. Isto se dá não apenas em termos ambientais, mas também em termos econômicos e sociais. 18 Possuir consciência planetária implica em estar preocupado com a sobrevivência do Planeta e de todos os seres que o habitam, em ser um cidadão atuante na luta por uma sociedade planetária de inclusão e respeito à diversidade, em assinar um pacto para a construção de um mundo novo, melhor e mais justo para todos, contribuindo, dentro do seu campo de ação, para que esse sonho possa se tornar realidade. “A educação deve contribuir não somente para a tomada de consciência de nossa Terra-Pátria, mas também permitir que esta consciência se traduza em vontade de realizar a cidadania terrena.” (MORIN, 2006-2: 18) 19 3. EDUCAR PARA A CIDADANIA PLANTÁRIA Defendemos, nesse trabalho, que educar para a cidadania planetária significa educar para a sustentabilidade. A palavra sustentabilidade começou a ser utilizada por volta de 1980, época em que os países começaram a se preocupar com mais veemência em descobrir formas de crescer economicamente sem causar prejuízos ambientais e sociais, preservando o bem-estar das futuras gerações. “Sustentabilidade, na prática, pode ser encarada como a arte de fazer negócios num mundo interdependente.” (SAVITZ; WEBER, 2007: 2. Grifos no original) Essa interdependência se manifesta em três grandes eixos: de todos os seres vivos entre si e deles com o meio ambiente, dos vários elementos da sociedade entre si e em relação ao tecido social, bem como do crescimento econômico das empresas e das Nações; eixos que, por sua vez, também são interdependentes. Os interesses sociais e econômicos das várias partes (nações, instituições sociais, religiosas, políticas e financeiras) devem respeitar o meio ambiente, os valores humanos e aspirações não-econômicas, de forma a garantir a subsistência do planeta para as gerações vindouras. Desde o surgimento do conceito de sustentabilidade, muito se tem discutido tanto no âmbito das decisões dos chefes de nações quanto no próprio mundo empresarial. Hoje se torna crescente a cobrança social por empresas que atuem de forma sustentável, preservando o meio ambiente e as comunidades circunvizinhas às suas áreas de atuação. “...empresa sustentável é aquela que gera lucro para os acionistas, ao mesmo tempo em que protege o meio ambiente e melhora a vida das pessoas com que mantém interações. Suas atividades promovem a interseção entre os interesses de negócios e os interesses do meio ambiente e da sociedade.” (SAVITZ; WEBER, 2007: 2. Grifos no original) Ao lado de a sociedade paulatinamente estar ampliando sua consciência a respeito do papel que deve desempenhar fiscalizando e pressionando as empresas para garantir uma postura cada vez mais sustentável (e aumentar essa consciência social deve ser um dos objetivos da educação para a cidadania); as próprias empresas estão percebendo que essa é a única forma de manterem seus negócios de forma duradoura. Esgotar recursos e causar danos sociais são fatais para empresas que desejam subsistir ao longo de décadas. 20 “O comportamento ambiental da organização responsável corresponde ao Ético Ambiental abordado acima. Esta tem uma gestão de longo prazo e compõe seus interesses com os da sociedade em que vive. Possui uma atitude proativa, que transforma uma restrição ambiental em nova oportunidade de negócio.” (MAIMON, 1996: 23. Grifo no original) Alcançar o desenvolvimento sustentável deve ser uma preocupação de todos os segmentos da sociedade, governos, empresas e cidadãos. Cada um, no seu âmbito de atuação, contribui positiva ou negativamente para a sustentabilidade do planeta. O ser humano possui uma tendência a enxergar grandes feitos, grandes prejuízos. Nesse sentido, poderíamos erroneamente assumir que os governos e as empresas são os únicos ou maiores responsáveis pela grave situação que vivenciamos hoje. Contudo, cada indivíduo contribui enormemente para o esgotamento, por exemplo, dos recursos naturais do planeta. Com pequenas atitudes no dia-a-dia em casa, acaba-se desperdiçando energia elétrica (ao tomar banho, ao deixar as luzes acesas desnecessariamente), utilizando mais papel do que seria necessário, desperdiçando água ao deixar a torneira aberta quando se escova os dentes, dentre outras tantas ações corriqueiras, mas que se repetem ao longo de muitos anos. No âmbito social, também é possível contribuir para minimizar o sofrimento alheio. Existem várias instituições religiosas, ONGs e grupos que se juntam para ajudar populações mais carentes. Seja por meio de doações ou da participação efetiva em ações sociais, todos podem contribuir para minimizar as diferenças e a dor alheia. Mais uma vez, nesse sentido, há um tremendo espaço de influência para a educação. Tal consciência em relação ao outro, seja este qualquer ente da sociedade, remete-nos ao princípio da responsabilidade comum diferenciada. Esse princípio favorece a reflexão sobre a forma e o quanto cada nação, empresa, ou segmento vem contribuindo para os danos ambientais e sociais, cada qual com sua parcela de colaboração, porém todos responsáveis pelo resultado final. Para ilustrar esse princípio, citamos parte de uma entrevista dada por Luiz Gylvan Meira Filho, astrofísico e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e um dos autores do Protocolo de Kyoto: “_ O Brasil se coloca freqüentemente como vítima do aquecimento global, mas aparece como quarto colocado entre os principais emissores de CO2. Somos os vilões, afinal? _...Um conceito de enorme profundidade, da primeira convenção da ONU sobre mudança climática, é o de uma responsabilidade comum, mas diferenciada. _ Qual o tamanho da responsabilidade diferenciada do Brasil? 21 _ Prefiro não ordenar os países, porque há muitas variáveis. O que interessa é saber qual a responsabilidade de cada nação e colocar em um contexto. O tamanho da responsabilidade do Brasil em CO2 é de 3,5% da emissão mundial. Mas há que se perguntar o que é o Brasil no mundo. A população brasileira representa menos de 3% da mundial. Essa é uma das formas de analisar. Se mudarmos a pergunta para qual o peso do Brasil na mudança de clima já observada, que é de 0,7º C, a resposta é um número menor, da ordem de 2,6%. Gosto mais dessa colocação.” (MEIRA FILHO, 2007: 2) Também como conseqüência desse processo de desenvolvimento sustentável, o princípio da precaução, proposto formalmente na Conferência RIO 92, passou a ser amplamente utilizado. A sua definição, dada em 14 de junho de 1992, foi a seguinte: O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano. (GOLDIM, 2002: 1) Ou seja, este princípio visa preservar de possíveis perigos, em função de riscos que não podem ser avaliados. Ele vem sendo largamente utilizado nas questões ambientais. Quando falamos em sustentabilidade, estamos necessariamente falando também de interdependência. “Sustentabilidade também é a observância da interdependênciade vários elementos da sociedade, entre si e em relação ao tecido social. Sustentabilidade é reconhecimento das necessidades e interesses das outras partes (grupos comunitários, instituições educacionais e religiosas, força de trabalho e público), não esgarçando, mas, ao contrário, reforçando a rede de relacionamentos que as mantém integradas.” (SAVITZ; WEBER, 2007: 3. Grifo no original) É preciso que cada indivíduo consiga se perceber como parte de um grande sistema, no qual influencia e pelo qual é influenciado. A educação deve ajudar a desenvolver a visão sistêmica, e, conseqüentemente, a consciência e responsabilidade para com o semelhante e para com o planeta. Enquanto cada qual achar que suas atitudes só prejudicam a si próprios, não estará agindo como cidadão, muito menos como um cidadão de visão planetária. Não estamos defendendo que as pessoas percam sua individualidade, que entrem numa forma e percam suas características que as fazem um ser uno. Ao contrário, queremos que esse ser único possa enxergar os demais seres também únicos, portanto, também 22 merecedores das mesmas oportunidades, sucessos, e alegrias, bem como sujeitos às mesmas dificuldades, fracassos, insucessos e tristezas. Enquanto o individualismo tiver um peso maior que o bem comum, estaremos distantes da construção de uma sociedade sustentável e justa. Para que a humanidade perceba a relevância da consciência planetária e, conseqüentemente, possa adquirir o sentimento e o comportamento de cidadania planetária, a educação deve sustentar essa bandeira, e as escolas, primordialmente, devem assumir o papel de fomentadoras dessa visão crítica e consciente sobre cidadania. “A aspiração da educação cidadã (Jordan, 1995, p.16) consiste em ensinar a conviver, a alcançar a maturidade psicológica e social para „colocar-se no lugar do outro‟, „para colaborar na construção da pessoa‟, „para valorizar a dignidade humana‟, para acreditar sem utopias que a comunidade certamente pode ser melhorada a partir da ação e do envolvimento de seus membros.” (SERRANO, 2002: 10. Grifos no original) Garantir a subsistência do planeta para as gerações futuras vem sendo objeto de grande preocupação, apesar de pouco ter se avançado em termos de realizações visíveis e palpáveis. A Agenda 21, acordo firmado entre 179 países durante a conferência das nações unidas para meio ambiente e desenvolvimento em 1992, no Rio de Janeiro, conhecida por ECO-92, constitui um plano de ação estratégico, que visa promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, conciliando métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Apesar de não possuir caráter mandatório, a ampla adesão aos seus princípios vem favorecendo novas posturas com relação ao uso dos recursos naturais e a busca por adoção de tecnologias mais limpas. Da mesma forma, a Carta da Terra cujo texto final foi aprovado na sede da UNESCO em março de 2000, também representa o esforço de lideranças de diversos países em ajudar a construir um mundo sustentável, baseado no respeito ao meio ambiente, aos direitos humanos, à justiça econômica e social bem como a uma cultura de ética, paz e respeito diversidade. Ou seja, “A educação para a convivência cidadã deveria capacitar as pessoas para participar, de modo ativo e eficiente, da melhoria, do reforço e da proteção dos Direitos Humanos.” (SERRANO, 2002: 12) 23 4. TRANSDISCIPLINARIDADE Um conceito relativamente recente, porém de vital importância hoje para qualquer discussão sobre educação é o de transdisciplinaridade. A transdisciplinaridade nasceu com o objetivo de buscar novos caminhos e possibilidades de enxergar e analisar, em maior profundidade, a complexidade dos tempos atuais. Esse conceito traduz a busca de se articular uma compreensão nova da realidade entre e para além das disciplinas especializadas tradicionais, uma vez que visa à máxima interação entre elas, porém respeitando suas individualidades, fazendo com que cada uma colabore para a melhor visão possível sobre um determinado aspecto, sem tentar transformá-las em uma disciplina única. Em suma, a transdisciplinaridade traz uma abordagem sobre a compreensão da vida, da realidade e do mundo que passa entre, além e através das disciplinas e dos vários campos do saber, considerando a complexidade, a interdependência e a complementariedade das várias partes que compõem o universo. O sistema educacional tradicional, tal qual está organizado hoje, que tem por base o positivismo cartesiano, separou o conhecimento em partes como se pudéssemos falar das diversas áreas do saber de forma isolada, fragmentada. Cada professor, responsável por sua disciplina, possui um conteúdo a cumprir, ou seja, há uma série de tópicos no currículo escolar, e este não lhe permite muita mobilidade. Para que as disciplinas coloquem-se a serviço da cidadania, da aprendizagem do debate e da razão, é preciso parar de sobrecarregar os programas, assegurando aos professores e aos alunos o direito e o tempo necessários à construção conjunta de uma parte dos saberes para debater, para confrontar várias hipóteses e para encontrar melhores caminhos.” (PERRENOUD, 2005, 14) Via de regra, esse conteúdo é vasto e, para ser cumprido, não permite uma liberdade de inserção de outros temas que o professor poderia considerar adequado. Ou seja, a estrutura disciplinar impede que os respectivos professores se articulem e articulem seus conhecimentos. Como as diversas disciplinas não se comunicam, a escola acaba por ajudar a construir uma espécie de mosaico na cabeça dos alunos, onde os diversos saberes estão departamentalizados em seu cérebro, sem as devidas conexões e contextualizações. Num tema comum a muitas disciplinas a questão se agrava, como, por exemplo, ao estudarmos o ser humano. Este tópico receberá diversas definições conforme a disciplina estudada: História, 24 Geografia, Sociologia, Biologia, Psicologia, etc., sem que elas se articulem e busquem dar uma visão complementar e complexa do ser humano. Além da questão da fragmentação do saber, o sistema educacional atual privilegia a transmissão de conteúdos formais em detrimento de temas fundamentais para a formação dos jovens que em poucos anos estarão decidindo o futuro das nações e do mundo. Acreditamos que a escola é o espaço adequado para se discutir e se vivenciar questões como diversidade, ética, sustentabilidade, solidariedade, cidadania. Sem pretensão de esgotar todos os temas importantes que devem ser inseridos no contexto de reflexão e aprendizagem escolar, discutiremos alguns tópicos a seguir. A diversidade está presente em toda parte, seja ela de sexo, raça, religião, situação sócio-econômica..., inclusive na escola. Contudo, a forma de olhar para o diferente e lidar com ele, é o que fará toda a diferença. Se, desde cedo, as crianças compreenderem a riqueza da diversidade, percebendo seu caráter positivo de complementaridade, e não de contrariedade, como costuma ser vista, elas desenvolverão maior aceitação ao diverso, ao novo, e não desenvolverão os preconceitos tão comuns à sociedade atual. Entretanto, para que isso aconteça, é necessário vivenciar as diferenças, ir até elas, quando estão distantes, criar oportunidades de convivência. Só se tem respeito verdadeiro por aquilo que se conhece. Se queremos ajudar a promover a formação de pessoas mais sensíveis e conscientes sobre as necessidades dos seus semelhantes e de todos os seres vivos, de pessoas engajadas na luta pelo desenvolvimento sustentável, temos que dar a elas oportunidades de conhecer outras realidades além da sua, de interagir com pessoas com culturas, hábitos religiosos, níveis sociais diferentes do seu. Para se adquirir um interesse e um respeito genuíno por todos os seres, é fundamental que se tenha uma experiência direta, que se alcanceum nível mínimo de convivência que permita certo grau de empatia, ou seja, sentir-se como o outro, colocar-se no lugar dele, para daí então compreender seus sentimentos e suas necessidades. “O princípio aqui é que todas as deliberações que afetam a sustentabilidade da evolução devam ser feitas por pessoas que têm uma “sensibilidade vivida” em relação às pessoas que estão sendo afetadas (por essas deliberações) e os seres envolvidos. O princípio aqui é que essa sensibilidade não pode estar baseada apenas em relatórios, estatísticas e números. O fundamental aqui é que essas pessoas tenham uma experiência direta, “olho no olho”, presencial para chegar ao nível de respeito necessário (assim evitando decisões no “piloto automático”).” (MOTOMURA, 2005: 2. Grifos no original) 25 Ou seja, quando falamos em educação, temos que ter em mente um horizonte de médio a longo prazo, pois estamos contribuindo para a formação de médicos, policiais, advogados, professores, empresários, dirigentes de governo, etc. A preparação desses profissionais começa nos primeiros anos escolares e não termina nunca, pois o ser humano é um ser que nunca está pronto, acabado. Como defendia Paulo Freire, “O homem, por ser inacabado, incompleto, não sabe de maneira absoluta” (FREIRE, 1979: 28). Contudo, sabemos que os valores e princípios adquiridos nas mais tenras idades possuem um caráter norteador importante, e eles deverão servir de bússola para as gerações vindouras que passarão a decidir o destino do planeta. Outra questão de suma importância que deve ser amplamente discutida nos bancos escolares é Ecologia. A escola precisa tomar para si a responsabilidade de ajudar a promover na população a conscientização sobre as questões ecológicas. Ainda há muita ignorância a respeito desse tema. Como muito bem pontua Oscar Motomura em seu artigo “Desenvolvimento Sustentável: Princípios Éticos para um Efetivo Fazer Acontecer”: “...muitos problemas de sustentabilidade ocorrem no mundo todo por mera ignorância dos tomadores de decisão, dos que implantam as decisões, etc.A premissa é que nossos líderes e nossos políticos precisam ser urgentemente reeducados no básico que afeta a sustentabilidade de nosso desenvolvimento integrado...na medida em que a população como um todo se alfabetizar ecologicamente, o desenvolvimento sustentável tenderá a ocorrer de forma natural, a partir de movimento de baixo para cima.” (MOTOMURA, 2005: 2) O Brasil é um dos países mais ricos do mundo em ativos naturais. A Amazônia, por exemplo, concentra dois terços da biodiversidade do Planeta. Contudo, como vivemos num sistema interdependente, essa riqueza possui valor inestimável não apenas para os brasileiros, mas para toda a humanidade. Sendo assim, é preciso não apenas preservar esse legado para as gerações futuras, mas também mostrar a elas a importância de valorizá-lo e utilizá-lo de forma sustentável, de maneira a garantir a sobrevivência de todas as espécies no planeta. Outro tema de grande relevância é a conscientização para a importância do bem comum. Falar de um mundo sustentável significa falar de um mundo onde o individual não se sobreponha ao coletivo. Isso não quer dizer que as características únicas e estimáveis de cada indivíduo devam ser deixadas de lado, ao contrário, elas enriquecem o conjunto, o 26 todo. Afirmarmos, sim, que por vezes é necessário abrir mão de certas coisas que só beneficiam um pequeno grupo em prol da sociedade e do bem comum. “É o propósito nobre que busca o melhor para todos, que ajuda a dissolver as diferenças em interesses e objetivos individuais, setoriais, regionais, etc. Nenhuma deliberação sobre sustentabilidade deverá ser levada adiante se o propósito maior (o bem comum, o melhor para todos) não estiver claro para todos. É algo essencial para o conceito de sustentabilidade, que é sempre do todo sistêmico/interconectado e nuca de parte dele.” (MOTOMURA, 2005: 5) As salas escolares são um espaço maravilhoso para a prática da valorização do bem comum. A individualidade, o egoísmo, o egocentrismo são inerentes à natureza humana, portanto costumam despontar nas mais tenras idades. Quanto mais cedo essas características forem identificadas, mais fácil será corrigir rumos e desenvolver outros valores que as suplantem. Um tema da mais alta importância e que permeia todos os demais é o respeito à vida; a própria vida, a dos semelhantes e de todas as espécies. A escola precisa enfocar claramente esse tema. Utilizamos a palavra “vida” aqui no seu sentido mais amplo. Não basta estar vivo, é preciso viver com dignidade, em condições que permitam a evolução. Tudo no universo está em constante transformação e evolução. Estamos submetidos às leis da Natureza, fazemos parte dela. Sendo assim, a escola deve ajudar a conscientizar sobre a sustentabilidade da evolução. “...o desenvolvimento sustentável ideal só será possível quando a vida prevalecer sobre todos os outros valores criados pelos seres humanos. E quando formos capazes de questionar pela raiz o próprio modo de vida, padrões de consumo, etc. que geram a não-sustentabilidade atual de nosso “desenvolvimento” do planta. Não é ético atuar no jogo de ilusões onde o econômico de curto prazo prevalece até sobre a saúde global das pessoas e de todas as forma de vida no planeta. A premissa aqui é que a vida deve estar no centro de tudo.” (MOTOMURA, 2005: 5. Grifos no original) 27 5. O PAPEL DA ESCOLA NA FORMAÇÃO DE UMA VISÃO CRÍTICA E CONSCIENTE SOBRE CIDADANIA Antes de iniciarmos a defesa da escola como um espaço primordial para a formação de cidadãos críticos e atuantes, faz-se necessário deixar claro que não ignoramos o fato de que há milhares de crianças que nem sequer chegam a ter acesso ao ensino primário. Como muito bem exposto no Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI: “O número de alunos inscritos nas escolas primárias e secundárias de todo o mundo passou de cerca de 250 milhões em 1960 para mais de um bilhão hoje em dia. Durante este mesmo período, quase triplicou o número de adultos que sabem ler e escrever, passando de um bilhão em 1960 para mais de 2,7 bilhões atualmente. Apesar disso, há ainda no mundo 885 milhões de analfabetos, atingindo o analfabetismo a seguinte proporção: em cinco mulheres duas são analfabetas e em cinco homens um é analfabeto. O acesso à educação básica, para não falar da esperança de poder completar o primeiro ciclo de escolaridade, está longe de ser generalizado: 130 milhões de crianças não têm acesso ao ensino primário e cem milhões de crianças matriculadas nas escolas não concluem os quatro anos de estudo considerados como o mínimo para não se esquecer o que se aprendeu, por exemplo, a leitura e a escrita.” (DELORS, 2006: 123) Contudo, apesar de estarmos cientes de que a escola não está disponível para todos, mas ao contrário, continua sendo privilégio para alguns, ainda assim a vemos como o espaço mais adequado para fomentarmos uma nova consciência sobre cidadania junto às crianças e jovens que têm acesso à educação formal. “Na sociedade da informação a escola deve servir de bússola para navegar nesse mar do conhecimento, superando a visão utilitarista de só oferecer informações „úteis‟ para a competitividade, para obter resultados. Deve oferecer uma formação geral na direção de uma educação integral. O que significa servir de bússola? Significa orientar criticamente, sobretudo as crianças e jovens, na busca de uma informação que os faça crescer e não embrutecer.” (GADOTTI, 2006- a: 88. Grifos no original). Para nos assumirmos como cidadãos e cidadãs do mundo, é necessário que tenhamos uma educação que nos permita refletir sobre essas questões. Para que as diversas populações do globo terrestre possam assumir verdadeiramente suascidadanias, faz-se necessário uma escola que também possua consciência de cidadania planetária, que disponibilize conhecimentos e discussões, que fomente reflexões e contribua para a formação 28 de cidadãos preparados e críticos, que possam exercer uma cidadania ativa, que conheçam seus direitos (individuais e coletivos) e deveres, mas que também participem, que influenciem tanto na esfera local quanto na esfera internacional. Sabemos que a escola bem como os professores estão inseridos nesse mesmo contexto social que ainda não possui consciência de cidadania e sustentabilidade. Como muito bem colocado por Perrenoud: “...a escola está na sociedade, é fruto dela, é de onde extrai seus recursos. Sua „autonomia relativa‟ não a torna um santuário à margem do mundo, nem um superego. Não se pode exigir que ela preserve ou inculque valores que uma parte da sociedade vilipendia ou só respeita da boca para fora. ...Um sistema educacional não pode ser muito mais virtuoso que a sociedade da qual extrai sua legitimidade e seus recursos.” (PERRENOUD, 2005: 9, 10. Grifos no original) Dessa forma, não podemos imaginar que a escola é um ambiente ideal onde todos os professores são exemplo de boa conduta e valores. Contudo, pela própria natureza da instituição e pelo fato de muitas pessoas engajadas na educação estarem a frente de movimentos que buscam essa transformação social, acreditamos que a escola representa um bom espaço para iniciar essa transformação no seu próprio âmago. Na realidade brasileira hoje, os pais precisam trabalhar fora, sem contar com o crescente número de famílias sustentadas apenas pela figura materna. Sendo assim, na maioria dos casos as crianças passam o dia nas creches, escolas ou aos cuidados de avós, tios e outros cuidadores. A consciência de uma cidadania planetária é algo extremamente novo, gerada pela globalização e pelos problemas ambientais que vivemos após o uso irrestrito e irracional dos bens naturais. As gerações passadas não estão familiarizadas com essa problemática, não estando, portanto, aptas a preparar nossas crianças para uma nova forma de se relacionar com as pessoas, com os seres vivos e com a natureza. Grande parte da população ainda não entende a necessidade de poupar água e energia quando se tem dinheiro para pagar as contas, não compreende a importância de reciclar seus lixos, não tem a menor idéia do que vem a ser o consumo consciente e não tem noção dos impactos de suas ações para a sociedade como um todo e para o planeta. Dessa forma, como podemos supor que essas pessoas possam educar nossas crianças para a cidadania planetária? Hoje, esse papel deve ser desempenhado pela escola, pois ela é a instituição onde nossos filhos passam grande parte do seu tempo. Contudo, para que a escola possa cumprir esse papel, é fundamental que preparemos os professores, 29 pois eles, em sua maioria, também são de gerações que não estavam ainda ligadas a essas questões. Na verdade, podemos dizer que o professor é o elemento-chave para que a escola possa cumprir essa função, pois ele participa na formulação dos conteúdos e na escolha da metodologia de ensino. Ao lado disso, é comum os alunos se espelharem em seus professores, o que faz com que o exemplo oferecido no dia-a-dia tenha uma forte influência sob os valores que os alunos irão abraçar e, conseqüentemente sob suas atitudes. “...o educador é um mediador do conhecimento, diante do aluno que é o sujeito da sua própria formação. Ele precisa construir conhecimento a partir do que faz. Para isso ele também precisa ser curioso, buscar sentido para o que faz e apontar novos sentidos para o quefazer dos seus alunos. ” (GADOTTI, 2006-a: 89) No Brasil, enfrentamos uma série de dificuldades tanto na valorização do papel do professor quanto na sua respectiva remuneração. Os salários baixos, o desprestígio ao ensino por parte das autoridades, a falta de boas escolas para uma formação de melhor qualidade e mais completa, fazem com que muitos professores tenham sentimento de menos valia e ajam de forma desinteressada com relação a seu papel de educador. Para que a escola possa contribuir para mudar o atual estágio de falta de consciência que estamos vivendo, é de vital importância que os professores tenham uma formação de alto nível e tenham oportunidades de aperfeiçoamentos periódicos. Eles também precisam perceber salários justos, ter estímulos sociais e intelectuais por parte dos governos e receber constantes orientações técnicas especializadas na área da educação. Somente assim poderemos contar com educadores motivados e desejosos de ajudar a construir uma sociedade melhor, mais igualitária e justa para todos. “Felizmente, vem ganhando cada vez mais importância entre os profissionais da educação a concepção de uma escola como lugar onde não apenas ensinam-se conhecimentos e transmitem conteúdos, mas também como um lugar onde se aprende a viver com os outros, a respeitá-los, a compartilhar, a ser tolerante e, definitivamente, a se formar como bom cidadão” (SERRANO, 2002: 57) Explicamos por que consideramos a escola a instituição que deve liderar essa mudança de atitude do ser humano diante do seu semelhante e da natureza. Também colocamos que acreditamos ser o professor a principal figura na realização dessa complexa tarefa. Agora faz-se necessário expor de que forma vemos a escola/professor atuando para 30 criar essa visão crítica que acreditamos ser de vital relevância para a subsistência da humanidade. Em primeiro lugar, a escola precisa ser ambiente agradável, democrático, onde os educandos sintam prazer em estar e possam se expressar livremente. Os alunos têm que ser vistos como sujeitos do seu próprio aprendizado, e não como um recipiente vazio a ser preenchido pelo professor. Este deve compreender que não há aprendizagem se o aluno não estiver interessado, aberto, curioso e desejoso de refletir sobre a realidade e buscar novos saberes. O professor é o mediador do processo educativo e, como tal, deve estar ciente de que: “A Mediação Pedagógica deve nos levar à mediação entre: _ o imediato e mediato, _ o próximo e o distante, _ o mais sentido e o menos sentido, _ o provado e o público, _ o pessoal-familiar e o público, _ o individual e o organizativo, _ a dispersão e a presença na sociedade civil, _ um horizonte de compreensão e outros, _ um eu, um você e um nós, _ o micro e o macro.” (GUTIERREZ & PRADO, 2000: 59) Além dos conteúdos teóricos do currículo escolar, o professor deve levar os alunos a refletirem sobre questões sociais e ambientais, despertar o interesse de seus alunos para essas questões, fomentado o pensamento crítico. É preciso compreender que comportamentos nos trouxeram ao atual estágio de corrupção social e destruição ambiental, para daí então pensar-se em novas formas de ser e estar no mundo. “Uma educação para a cidadania planetária deveria nos levar à construção de uma cultura de sustentabilidade, isto é, uma biocultura, uma cultura da vida, da convivência harmônica entre os seres humanos e entre estes e a natureza (equilíbrio dinâmico). (GUTIERREZ & PRADO, 2000: 24. Grifos no original) As questões sociais e ambientais devem estar presente nas discussões escolares desde a mais tenra idade. Para tal, as práticas pedagógicas precisam estar voltadas para as necessidades reais da sociedade atual, contribuindo para que cada indivíduo possa construir sua cidadania planetária. Da mesma forma, para que alcancemos a consciência planetária precisamos compreender que para mantermos o planeta vivo é necessário que tenhamos 31 solidariedade, isto é, reconheçamos que todos fazemos parte da Terra e que é possível viver em harmonia com ela e com as demais nações. O conceito de sustentabilidade está baseado em três eixos de sustentação: social, ambientale econômico. A globalização, acentuada nas últimas décadas, já nos provou que o que ocorre num país, seja este desenvolvido, subdesenvolvido ou em desenvolvimento, afeta a economia mundial. Não há mais espaço para vivermos ou sermos educados como se vivêssemos em ilhas, e isso deve ser aprendido nos primeiros anos de vida, pois o planeta e a sociedade mundial estão entrando em colapso, não há tempo a perder. Por isso mesmo, nós, adultos responsáveis pelas decisões de hoje, também precisamos mudar, pois, caso contrário, nossos herdeiros não terão como consertar os estragos causadas por nós e nossos antecessores. Como dissemos anteriormente, a escola é um ótimo meio para desenvolvermos a consciência cidadã em nossas crianças. Contudo, não é o único. A mídia, utilizando-se de programas que alertem sobre as questões ambientais e sociais, e principalmente nossos exemplos de comportamento ético e socioambientalmente responsável, ajudará a inspirar nas nossas crianças atitudes e comportamentos sustentáveis. Como muito bem coloca Milton Santos, “O processo de tomada de consciência – já o vimos – não é homogêneo, nem segundo os lugares, nem segundo as classes sociais ou situações profissionais, nem quanto aos indivíduos. A velocidade com que cada pessoa se apropria da verdade contida na história é diferente, tanto quanto a profundidade e coerência dessa apropriação. A descoberta individual é, já, um considerável passo à frente, ainda que possa parecer ao seu portador um caminho penoso, à medida das resistências circundantes a esse novo pensar.” (SANTOS, 2000: 168) De fato, não podemos achar que a sociedade como um todo se transformará rapidamente. Esse processo de conscientização é vagaroso e desigual, cada qual ao seu tempo, dentro das suas possibilidades. Porém, isso não é motivo para que esmoreçamos. Façamos cada um de nós o que pudermos, procurando influenciar os que nos são próximos, administrando nossas ansiedades e respeitando o outro, mesmo que permaneça com os mesmos hábitos não-sustentáveis. Afinal, respeitar as diferenças não é um dos preceitos dessa nova forma de conviver do cidadão planetário?! A história é dinâmica, porém possui seu próprio ritmo; basta pensarmos no quanto mudamos desde os primórdios da espécie humana na Terra. 32 6. CONCLUSÃO Quando analisamos a paidéia grega, com seu conceito bem mais amplo a respeito de educação e formação do homem para viver em sociedade, surgida lá no século VI a.C.; quando estudamos os sofistas e o nascimento da Filosofia com Sócrates, Platão e Aristóteles no século V a.C., é inevitável não pensarmos sobre o estágio atual da educação no Brasil e nos ressentirmos por, em alguns aspectos, estarmos aquém do que se fazia há vários séculos. Se o homem não parar para meditar sobre como vem agindo e as conseqüências de seu comportamento e modo de vida para a humanidade como um todo e para o planeta em que vivemos, não poderemos garantir a preservação da raça humana na Terra. Acreditamos que a Educação terá papel essencial para a mudança de consciência da humanidade, se conseguir contribuir não apenas para a produção e reprodução de conhecimentos, mas também para a formação de seres humanos mais éticos e responsáveis. Sem dúvida, não podemos prescindir dos conhecimentos técnicos e das habilidades específicas para o desempenho dos vários papéis e ocupações que mantêm o aparelho social. Contudo, esses conhecimentos e essas habilidades não foram suficientes para construir uma sociedade sustentável. Faltam-nos valores e atitudes. A humanidade carece de ética, solidariedade, humildade, senso de justiça, enfim, atenção e cuidado para com o semelhante e para com o planeta que nos fornece todos os subsídios para a nossa sobrevivência. Um processo de desenvolvimento integral do ser humano, ou seja, que vise sua capacitação física, intelectual e moral, e permita/facilite sua melhor integração individual e social no mundo, não pode prescindir de uma nova forma de se encarar a educação, tanto no que tange seus objetivos como nas várias abordagens e metodologias possíveis. A Pedagogia deve valer-se das várias disciplinas afins que a complementam, tais como Psicologia, Antropologia, História da Educação, Sociologia, Filosofia e demais campos do saber que possam contribuir para as discussões pedagógicas, de forma a manter um caráter reflexivo, questionador, racional e de constante busca pela excelência do processo pedagógico. O estudo dessas disciplinas faz ressaltar a importância de os educadores se preocuparem não apenas com a formação profissional do homem para o mercado de trabalho, mas com a formação do homem para atuar no mundo de forma crítica, como um elemento de transformação da realidade instalada. 33 Diante desse quadro alarmante que, para alguns, pode parecer a tela de um artista excêntrico ou pessimista, percebemos que o tempo urge, e que, se não mudarmos imediatamente nossa forma de agir e interagir com o semelhante e com o planeta, os danos mais graves podem se tornar irreversíveis. Os riscos do adiamento de decisões e atitudes, pois não podemos permanecer discutindo sem partir para a prática, que freiem os danos sociais e os impactos ambientais das nossas ações anti-sociais e antiecológicas diante do planeta é de responsabilidade dos grandes líderes mundiais, sim, mas também é responsabilidade de todos nós. A sociedade precisa se informar e pressionar os governos para que mudemos o rumo da trajetória de destruição que estamos trilhando. Não podemos procrastinar o que hoje se configura como inadiável. A sustentabilidade da humanidade e do planeta está altamente ameaçada e nossa demora e inércia podem se traduzir em prejuízos inconciliáveis com a permanência do homem na Terra. Como muito bem coloca Singh, é necessário que coloquemos o arsenal de métodos pedagógicos mais modernos e inovadores em ação, “com o objetivo de criar um programa de educação mundial que abra os olhos das crianças e adultos para a era planetária que aí vem, e os seus corações para os gritos dos oprimidos e dos que sofrem.” (SINGH, 2006: 243) Não há mais espaço para a visão bairrista de outros tempos. Não adianta pensar em alimentar e educar apenas a população do próprio país, as próprias crianças, pois, no mundo globalizado de hoje, quando a crise em países mais pobres se agrava, os famintos e desempregados migram para outras regiões. Educar para a cidadania planetária é a única forma viável de garantir a sustentabilidade e a subsistência da humanidade no planeta. Dessa forma, reafirmamos que, para criarmos essa nova consciência de uma sociedade de âmbito planetário, onde os cidadãos busquem não apenas o seu próprio bem- estar, mais o bem-estar da coletividade, há que se buscar uma nova forma de educar. Conseqüentemente, para se alcançar esse novo patamar consciência social é preciso que preparemos as futuras gerações tomadoras de decisão. Preparação no sentido de dar-lhes subsídios para agir com autonomia, para decidir e defender os direitos civis, políticos e sociais, para exercerem seus deveres e usufruírem da liberdade de uma sociedade democrática, para serem os protagonistas das mudanças que desejam ver no mundo. Somente por meio da participação desses indivíduos conseguiremos construir um mundo verdadeiramente democrático e solidário. É nesse sentido que vemos a instituição escolar cumprindo papel preponderante e primordial no estabelecimento das bases para o 34 desenvolvimento político-social da humanidade, assim como para a formação de uma sociedade globalmente responsável e sustentável. 35 7. BIBLIOGRAFIA 1. BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: ética do humano – compaixão pela Terra. 11ª edição. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2004. 2. COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. 3ª edição. São Paulo: Brasiliense, 2006. 3. DELORS, Jacques. Educação,um tesouro a descobrir. 10ª edição. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2006. 4. FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 24ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 5. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 34ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. 6. GADOTTI, Moacir. Escola Cidadã. 11ª edição. São Paulo: Cortez, 2006. 7. GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. 8ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2006. 8. GADOTTI, Moacir. 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