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DIDATICA teoria @ pesquisa Alda Junqueira Marin & Selma Garrido Pimenta O 331112doras DIDÁTICA TEORIA E PESQUISA ALDAJUNQUEIRA MARIN & SELMA GARRIDO PIMENTA OrganizadOras JUnQUEira&MarinEdiTOrEs .................................................................................................................................................................................... Produção: JUNQUEIRA&MARIN EDITORESwww.junqueiraemarin.com.br Coordenação: Prof. Dr. Dinael Marin Capa/Diagramação/Editoração: ZEROCRIATIVA ........................................................................................................................................................................................... Conselho Editorial da Junqueira&Marin Editores: Profa. Dra. Alda Junqueira Marin (coord.) Profa. Dra. Adriane Knoblauch Profa. Dr. Antonio Flavio Barbosa Moreira Profa. Dra. Dirce Charara Monteiro Profa. Dra. Fabiany de Cássia Tavares Silva Profa. Dra. Geovana Mendonça Lunardi Mendes Profa. Dra. Graça Aparecida Cicillini Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno Profa. Dra. Luciana de Souza Gracioso Profa. Dra. Luciana Maria Giovanni Profa. Dra. Maria das Mercês Ferreira Sampaio Profa. Dra. Maria Isabel da Cunha Prof. Dr. Odair Sass Profa. Dra. Paula Perin Vicentini Profa. Dra. Suely Amaral Mello ........................................................................................................................................................................................... CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAPUBLICAÇÃO SINDICATONACIONALDOS EDITORES DELIVROS,RJ D551 Didática : teoria e pesquisa [recurso eletrônico] / organização Alda Junqueira Marin, Selma Garrido Pimenta. -[2. ed.]. - Araraquara [SP]:Junqueira&Marin ; Ceará:UECE, 2018. recurso digital; 2MB Formato:ebook Requisitos do sistema: Modo de acesso: world wide web Inclui bibliografia ISBN 978-85-8203-105-6(recurso eletrônico) 1. Didática. 2. Professores - Formação. 3. Livros eletrônicos. I. Marin, Alda Junqueira. II. Pimenta, Selma Garrido. III. Universidade Estadual do Ceará. 18-51287 CDD:370.71 CDU:37.02 MeriGleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária CRB-7/6439 12/07/2018 19/07/2018 .......................................................................................................................................................................... Esta edição recebeu apoio da Universidade Estadual do Ceará – UECE. ........................................................................................................................................................................................... Todos os textos estão idênticos aos originais recebidos pela Editora e sob responsabilidade das Organizadoras e dos Autores. ........................................................................................................................................................................................... Proibida a reprodução total ou parcial desta edição, por qualquer meio ou forma, em língua portuguesa ou qualquer outro idioma, sem a devida menção acerca desta edição (créditos completosde Autoria, Organização e Edição), sendo vedados quaisquer usos para fins comerciais. .......................................................................................................................................................................... • SUMÁRIO • aprEsEnTaçãO PARTE UM 1. Alda Junqueira Marin & Selma Garrido Pimenta a didáTica, as práTicas dE EnsinO E algUns princípiOs para a pEsQUisa E a dOcência Alda Junqueira Marin 2. anTinOMias na fOrMaçãO dE prOfEssOrEs E a bUsca dE inTEgraçãO EnTrE O cOnhEciMEnTO pEdagógicO-didáTicO E O cOnhEciMEnTO disciplinar José Carlos Libâneo 3. as OriEnTaçõEs EdUcaTivas cOnTra hEgEMônicasEMfacE dOs QUEsTiOnaMEnTOs pós-MOdErnOs. E a didáTica cOM issO? Lenilda Rêgo Albuquerque de Faria 4. O prOTagOnisMO da didáTica nOs cUrsOs dE licEnciaTUra: a didáTica cOMO caMpO disciplinar Selma Garrido Pimenta 7 17 39 67 81 5. pErManências E nOvOs dEsafiOs da fOrMaçãO inicial: cOnTribUiçõEs da didáTica E práTicas dE EnsinO na prEparaçãO dE prOfEssOrEs Maria Regina Guarnieri 6. a didáTica E a dOcência EM cOnTExTO Umberto de Andrade Pinto 7. fUndaMEnTOs pEdagógicOs E didáTicOs da práTica dOcEnTE UnivErsiTária E O lócus privilEgiadO para O sEU dEsEnvOlviMEnTO Maria Isabel de Almeida PARTE DOIS 8. didáTica, práTicas dE EnsinO E EdUcaçãO básica na fOrMaçãO inicial dE prOfEssOrEs: UMa rElaçãO nEcEssária Pura Lúcia Oliver Martins Joana Paulin Romanowski 9. O EnsinO dE didáTica EM cUrsOs dE licEnciaTUra na pErspEcTiva dO prOfEssOr fOrMadOr Giseli Barreto da Cruz Luis Paulo da Cruz Borges 99 113 125 141 155 11. 12. 13. 14. 15. 10. dEslOcaMEnTOs EnUnciaTivOs E ElabOraçãO cOncEiTUal dE licEnciandOs dUranTE a fOrMaçãO inicial dE prOfEssOrEs Teo Bueno de Abreu Débora Galante Pinheiro a pEdagOgia UnivErsiTária nas prOpOsTas inOvadOras dE UnivErsidadEs brasilEiras: O casO da Ufpr-liTOral Ligia Paula Couto O prOfEssOr dE didáTica E sUas aprEndizagEns dOcEnTEs: UM EsTUdO fOcalizandO narraTivas Lidenora de Araujo Cunha fOrMaçãO dOcEnTE: a disciplina didáTica nO cUrsO dE licEnciaTUra EM pEdagOgia Gabriela Clotilde dos Santos Monteiro Helenice Maia a didáTica na didáTica: UMa ExpEriência dE fOrMaçãO dE prOfEssOrEs na UfrrJ Fabrícia Vellasquez Paiva Ingrid Ribeiro de Araújo prOJETO pOlíTicO-pEdagógicO: UMa ExplicaçãO nEcEssária Daniele Cariolano da Silva Isabel Magda Said Pierre Carneiro Maria Marina Dias Cavalcante SOBRE OS AUTORES 171 185 199 213 227 243 257 APRESENTAÇÃO Alda Junqueira Marin Selma Garrido Pimenta Há355anos,Comênioconvidavaoseducadoresapensarem na questão educacional, propondo a utopia da criação de um método que fosse capaz de ensinar tudo a todos, especialmente o domínio da leitura e da escrita, base para a leitura e interpretação dos textos bíblicos. Nascia assim a Didática, no cerne de uma verdadeira revolução social e política, contra a hegemonia do poder do clero católico na condução dos destinos da humanidade. Desde então, dependendo das circunstâncias e dos momentos históricos, ela pode ser considerada como a ciência do ensino; a arte do ensino;umateoria da instrução;uma teoria da formação ou mesmo uma tecnologia para dar suporte metodológico às disciplinas curriculares. De alguma forma, esteve sempre ligada às questões postas pelos processos de ensino, compreendidos como instrumentos de poder, a serviço de interesses diferentes e contraditórias finalidades. Sabe-se que as formas de concretização do processo de ensino variam no tempo e no espaço; criam-se e recriam se produzindo modelos e estruturas que caracterizam cada momento histórico. Ao focalizar o ensino como seu objeto de estudo, necessariamente coloca em foco a práxis docente, pois os professores têm na atividade de ensinar a principal característica de seu trabalho. E será no âmbito da formação desses profissionais que a Didática expressa seu compromisso disciplinar político e social de contribuir para a melhoria das condições de uma educação humana emancipatória. O ensino é uma prática social complexa. Realizado por seres humanos entre seres humanos é transformado pela ação e relação entre os sujeitos (professores e estudantes) situados em contextos diversos: institucionais, culturais, ................................................................................ DIDÁTICAteoria e pesquisa 7 espaciais, temporais, sociais. Por sua vez, dialeticamente, o ensino transforma os sujeitos envolvidos nesse processo. Considerá lo como uma prática educacional em situações historicamente situadas significa investigá-lo nos contextos sociais nos quais se efetiva – nas aulas e demais situações de ensino das diferentes áreas do conhecimento, nas escolas de educação básica e superior dos sistemas de ensino, nas culturas, nas sociedades – estabelecendo-se os nexos entretais contextos. Enquanto práxis social viva, o ensino não é simplesmente orientado pela didática e demais disciplinas que o estudam, o que lhes daria um caráter meramente prescritivo; mas ela participa da trama das ações políticas, administrativas, econômicas e culturais contextualizadas, que incidem na práxis do ensino. O ensino como prática social vai tomando formas, transformando seus contextos e sendo transformado por eles; assim, ao continuar buscando a compreensão deste objeto em suas múltiplas formas e configurações, e fiel a sua perspectiva epistemológica, a didática vai tomando feições cada vez mais perfiladas a este processo de contínua transformação. Neste diálogo há compassos e descompassos; há ritmos afiados e ruídos dissonantes; há acertos e desacertos. Grandes questões se colocam hoje à Didática: é possível ensinar tudo a todos? Ao ampliar a participação de todos os sujeitos, ao abrir espaços para a inclusão de todas as camadas sociais no processo de educação, a escola estremece e vacila muitas vezes: o que a Didática tem a ver com isto? De quais professores precisamos hoje? Se ela tem a preocupação com o ensino, os concretizadores deste processo são os professoressituadosemcontextos e, maisumavezperguntamos:quais orientações e subsídios pode oferecer para a formação de professores? À medida que os processos de prática educativa se ampliam e se tornam mais complexos, os métodos de investigação deste fenômeno precisam ser re-configurados. Assim perguntamos: o que a Didática tem pesquisado? Quais os temas e com quais métodos? Seus estudos e pesquisas têm permitido uma melhor compreensão da práxis educativa, ou seja, do espaço de concretização do ensino? Responder a essas questões implica dizer que é certo que as pesquisas têm permitido à Didática adquirir novas configurações, propondo novas perspectivas. No entanto, dadas as condições difíceis em que ................................................................................ 8 DIDÁTICAteoria e pesquisa se coloca a escola hoje – as condições de pauperização dos docentes; a falta de um pacto social de valorização da escola, e em especial, da escola pública – ela ainda tem sido desafiada a encontrar espaços de significação frente a tantas condições desfavoráveis. Como agir/ pensar didaticamente quando não há condições mínimas para a organização de um espaço/tempo educacional que valorize o ensinar e o aprender em todos os níveis da escolarização? Aceitando e realçando que a Didática estará sempre impregnada das contradições impostas pelos momentos históricos, parece-nos oportuno analisar a produção teórica e as pesquisas produzidas ao longo desses anos, indicando que, quer como campo teórico, quer como prática social, ela funciona como caixa de ressonância e de reverberação dos desafios que o contexto socioeconômico e político propõe à tarefa educativa. Os ENDIPEs – Encontros Nacionais de Didática e Prática de Ensino – realizados nos últimos 38 anos a cada dois anos constituem fóruns específicos de estudos e pesquisas que apontam para reconfigurações constantes sobre a especificidade da didática frente a esses desafios, assim como têm ampliado o diálogo com as demais áreas que estudam o ensino, apesar de esse movimento também mostrar certa dispersão temática, epistemológica, disciplinar e de foco da Didática. Nolivro que oraapresentamos, decidimos resgatar dentre os trabalhos apresentados no XVI ENDIPE, realizado em Campinas, 2012, e que não tenham sido publicados na íntegra em outros formatos – artigos ou capítulos – aqueles que possam contribuir diretamente para essa re-configuração teórica e disciplinar da Didática na formação de professores para a educação básica e superior. Na primeira parte, são apresentados sete textos oriundos de pesquisas de natureza teórica sobre o campo epistemológico e disciplinar da didática. Nocapítulo 1,ADIDÁTICA,ASPRÁTICASDEENSINOEALGUNS PRINCÍPIOS PARA A PESQUISA E A DOCÊNCIA, Alda Junqueira Marin faz balanço das produções na área em dois períodos cruciais para a área mostrando o esgotamento das contribuições a partir da didática fundamentaldosanosde 1980,sem negar suas contribuições. ................................................................................ DIDÁTICAteoria e pesquisa 9 Com base em alguns exemplos de meta-análise de pesquisa, e no materialismo histórico-dialético, aponta a necessidade de se avançar em princípios teóricos que possam ser considerados efetivamente como método para a área de modo a que possa se apresentar como um todo orgânico tanto na investigação quanto na docência. O segundo capítulo intitulado ANTINOMIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A BUSCA DE INTEGRAÇÃO ENTRE O CONHECIMENTO PEDAGÓGICO-DIDÁTICO E O CONHECIMENTO DISCIPLINAR foi escrito por José Carlos Libâneo discutindo o tema face aos embates em relação ao campo disciplinar e investigativo da Didática. Identificando-a como mediação da unidade ensino-aprendizagem na relação com um saber em situações pedagógicas contextualizadas, aponta derivações para a investigação e a docência dessa disciplina. Lenilda Rêgo Albuquerque de Faria apresenta, em seguida, o estudo denominado AS ORIENTAÇÕES EDUCATIVAS CONTRA HEGEMÔNICAS EM FACE DOS QUESTIONAMENTOS PÓS MODERNOS. E A DIDÁTICA COM ISSO? Trata-se de um estudo teórico com bibliografia e entrevistas a quatro estudiosos da Didática. Fundamentada no materialismo histórico-dialético, define como categorias as pedagogias contra-hegemônicas, pós-modernidade, crítica, práxis, pedagogia e didática, concluindo que a didática crítica não está se metamorfoseandoempós-moderna,embora haja presença desse ideário. E afirma que a função da didática consiste na produção de conhecimento que contribua para a efetiva função social da escola e o desenvolvimento da consciência pedagógica do professor. No capítulo 4, O PROTAGONISMO DA DIDÁTICA NOS CURSOS DE LICENCIATURA: A DIDÁTICA COMO CAMPO DISCIPLINAR, Selma Garrido Pimenta, a partir de recentes experiências de ensiná-la em cursos de licenciatura, situa sua importância na formação humana e política dos futuros professores, apontando o paradoxo entre a expressiva produção de conhecimentos na área e a tendência em alguns cursos e em políticas de estados de excluir a didática dos currículos. Considerando que ela possui estatuto e objetos próprios, afirma sua finalidade de fundamentar os processos de ensino e aprendizagem compreendidos como práxis de inclusão social e de emancipação humana, e evidencia seu potencial ................................................................................ 10 DIDÁTICAteoria e pesquisa para provocar as rupturas nos pré-conceitos de que os estudantes são portadores quando chegam aos cursos de licenciatura. Considerando a Didática e as Práticas de Ensino como disciplinas articuladoras de questões e problemas diretamente relacionados ao ensino na realidade educativa, Maria Regina Guarnieri, no capítulo 5, PERMANÊNCIASENOVOSDESAFIOSDAFORMAÇÃOINICIAL: CONTRIBUIÇÕES DA DIDÁTICA E PRÁTICAS DE ENSINO NA PREPARAÇÃO DE PROFESSORES, mostra os efeitos perniciosos do distanciamento entre as instituições formadoras (escolas de educação básica e ensino superior) e da ausência de integração entre as disciplinas dos cursos de licenciatura; também evidencia os efeitos perniciosos de políticas governamentais na formação de professores. No texto do capítulo 6, A DIDÁTICA E A DOCÊNCIA EM CONTEXTO, Umberto de Andrade Pinto analisa a prática docente em três dimensões: a dimensão do contexto institucional; do contexto da unidade escolar e a dimensão subjetiva do professor como pessoa e como profissional. E defende que a formação do professor deve ser compreendida no imbricado dessas dimensões. Para isso, afirma a importância da didática crítica construída nos últimos anos, que supera a visão prescritiva da área. Analisando as aproximações entre o campo de estudos da didática com o da formação deprofessores conclui que este último deve romper com a tradicional análise restrita à sala de aula, ou à subjetividade do profissional em si mesmo. É necessário considerar a subjetividade do profissional mergulhada nos contextos específicos da escola, das instituições e da sociedade mais ampla. Maria Isabel de Almeida, com o trabalho FUNDAMENTOS PEDAGÓGICOS E DIDÁTICOS DA PRÁTICA DOCENTE UNIVERSITÁRIA E O LÓCUS PRIVILEGIADO PARA O SEU DESENVOLVIMENTO, encerra esta Parte I tratando da formação pedagógica do docente do ensino superior. Considerando que essa é uma área emergente, pois desse docente não se exige formação específica para ensinar, a autora traz contribuições que apontam para que não sejam repetidos os equívocos arraigados nas concepções tradicionais e tecnicistas que marcam a história da didática. Os argumentos que traz mostram que os docentes do ensino superior precisam se apropriar dos fundamentos teóricos e metodológicos do campo pedagógico e didático, para viabilizar um ensino capaz ................................................................................ DIDÁTICAteoriaepesquisa 11 de responder às transformações sociais decorrentes da globalização e às ocorridas na própria universidade. E propõe que um projeto formativo seja assumido como responsabilidade institucional e não de cada professor individualmente. Na segunda parte, reunimos os sete textos oriundos de pesquisas de camposobreadisciplinade didáticaemcursosdediversas licenciaturas, incluindo ade pedagogia, aformaçãode professores daeducação básica e do ensino superior. E, ainda, um texto sobre o projeto pedagógico enquanto conhecimento necessário à formação de professores. A pesquisa realizada por Pura Lúcia Oliver Martins e Joana Paulin Romanowski, apresentada no capítulo 8, DIDÁTICA, PRÁTICAS DE ENSINO E EDUCAÇÃO BÁSICA NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA, tem por base os cursos de Licenciatura de três universidades de grande porte, com vistas a evidenciar as relações entre Didática e Práticas de Ensino. A análise dos resultados mostra que essas relações assumem diferentes orientações conforme três eixos organizativos: eixo da pesquisa; eixo interdisciplinar; o próprio campo disciplinar. No conjunto, essas disciplinas raramente se articulam com a escola básica. Para ampliar esse distanciamento aponta como desafios ultrapassar o eixo epistemológico da teoria como guia da ação predominante nos cursos de licenciatura e trabalhar com a concepção da teoria como expressão da prática. O capítulo 9, O ENSINO DE DIDÁTICA EM CURSOS DE LICENCIATURA NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR FORMADOR, seus autores – Giseli Barreto da Cruz e Luis Paulo da Cruz Borges – apresentam resultados da pesquisa realizada com 40 professores de Didática de 03 universidades do Estado do Rio de Janeiro procurando verificar a relaçãocoma escola básica e os dilemas na formação de professores no que se refere ao ensinar. Buscando a concepção didática e a compreensão que os formadores apresentam sobre o campo didático e na prática didática, concluem que os formadores que assumem ensino nos cursos de licenciaturas: não têm a Didática como objeto de pesquisa; suas concepções de Didática são várias; aqueles que já possuem experiência/estudo naárea apresentam melhorescondiçõesparamobilizarossaberesdadocêncianaformação dos estudantes no que se refere ao como e ao para quê ensinar. ................................................................................ 12 DIDÁTICAteoriaepesquisa DESLOCAMENTOS ENUNCIATIVOS E ELABORAÇÃO CONCEITUAL DE LICENCIANDOS DURANTE A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES é a contribuição de Teo Bueno de Abreu e Débora Galante Pinheiro discutindo os processos de apropriação e desenvolvimento conceitual de licenciandos de Ciências Biológicas da UFRJ/campus de Macaé. Os resultados mostram que os processos de apropriação do conceito de didática são heterogêneos e seguem diferentes percursosenunciativos;noprocessohouveumaumentodacomplexidade na elaboração dos significados, e forte influência da vivência no contexto escolar para a formulação dos enunciados dos licenciados. O capítulo 11 traz a pesquisa realizada por Ligia Paula Couto sobre A PEDAGOGIAUNIVERSITÁRIANASPROPOSTASINOVADORAS DE UNIVERSIDADES BRASILEIRAS: O CASO DA UFPR LITORAL, na qual é colocada a questão: às políticas de ampliação de vagas nas universidades públicas (realizadas no início do século XXI) corresponde a criação de políticas de formação pedagógica dos docentes? Discute e problematiza a polissemia do conceito de inovação, destaca a importância das questões pedagógicas e didáticas para uma re-configuração da relação entre ensino e pesquisa com vistas a uma formação de qualidade nos cursos de graduação. O próximo capítulo traz a pesquisa de Lidenora de Araujo Cunha – O PROFESSOR DE DIDÁTICA E SUAS APRENDIZAGENS DOCENTES: UM ESTUDO FOCALIZADO NAS NARRATIVAS. Preocupada em investigar as aprendizagens docentes dos professores de Didática dos cursos de Pedagogia ao longo de suas trajetórias profissionais, registrada em seus memoriais, mostra, em seus resultados, que a prática pedagógica se constitui como fundamental para suas aprendizagens na medida em que infundiu, em suas histórias, o conhecimento da realidade das instituições escolares, ora por eles valorizado em suas atividades de formadores nos cursos de Pedagogia. FORMAÇÃO DOCENTE: A DISCIPLINA DIDÁTICA NO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA é o texto apresentado por Gabriela Clotilde dos Santos e Helenice Maia, trazendo resultados de uma pesquisa também realizada em um curso de Pedagogia tendo por base as ementas das disciplinas Didática e Didáticas Específicas, pós as DCNs desses cursos. Na revisão teórica empreendida conclui que ................................................................................ DIDÁTICAteoriaepesquisa 13 a disciplina Didática ora se volta para instrumentalizar os professores, ora para desenvolvimento de conhecimentos filosófico-pedagógicos. Apresentam, ainda, como resultados, a constatação de que, apesar de voltado à formação inicial docente, as disciplinas de Didática e de Didáticas Específicas nessa licenciatura não estabelecem interrelação entre prática instrumental e conteúdosdas disciplinas teóricas;também predominam no curso as disciplinas das teorias políticas, sociológicas e psicológicas, com evidente desequilíbrio na relação teoria e prática. Fabrícia Vellasquez Paiva e Ingrid Ribeiro de Araújo assinam o capítulo denominado A DIDÁTICA NA DIDÁTICA: UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA UFRRJ apresentando resultados de uma pesquisa preocupada em conhecer como Licenciaturas implantadas recentemente na Universidade pensam a formação plena de seus alunos, levando em conta as transformações nos perfis dos ingressantes na área de educação, motivadas por diversos fatores estruturais e conjunturais. Apontam aspectos positivos na formação de professores em turmas que reúnem licenciandos de várias áreas – matemática, ciências sociais – com estratégias metodológicas reflexivas na disciplina de Didática. O capítulo 15 fecha a segunda parte e a coletânea com um tema diferente: PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: UMA EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA. Nele, Daniele Coriolano da Silva, Isabel Magda Said Pierre Carneiro e Maria Marina Dias Cavalcante relatam pesquisa realizada em Fortaleza junto a professores de escola pública visando análise da construção de Projeto Político Pedagógico de escola. A análise de passagens do documento e excertos de entrevista relatados permitem, às autoras, apontar a relevância da didática em vários aspectos da vida institucional. Esses breves resumos caracterizadores dos capítulos, em seu conjunto, são demonstradores da relevância das discussões que continuam na área. Trazendo dados das realidades múltiplas do país, contribuem para continuidade do debate e da esperança da revisão dessas mesmas realidades quando criticadas,sobretudo em tempos de necessidades urgentes da formação de docentes e de tantas crianças e jovens que precisam se beneficiar da educação seja ela escolarizada ou em outros ambientes que também fazem uso de fundamentos que a área da Didática fornece. ¶ ................................................................................ 14 DIDÁTICAteoria e pesquisa ........................... PARTE UM ........................... 1. A DIDÁTICA, AS PRÁTICAS DE ENSINO E ALGUNS PRINCÍPIOS PARA A PESQUISA E A DOCÊNCIA Alda Junqueira Marin INTRODUÇÃO Formular princípios para a pesquisa e a docência nas áreas acima citadas tem a aparência de ousadia e, portanto, exige elucidação inicial de que não há pretensão de exaurir o assunto, mas de utilizar alguns dados com a intenção de traçar paralelos entre dois momentos dessas situações de modo aexplicitar argumentose reiterar alguns princípios já veiculadospara apresentar,ao final, algumas considerações. Emsendoumaproposição, pretende antes de tudo, ser uma oportunidade para o debate sobre sua pertinência. Esse cuidado implica perceber os limites para as análises sobre os pontos aqui focalizados, mesmo porque a proposição consiste em reflexão, na evocação de algo com parcelas do já sabido para olhar novamente, considerando que se fala sobre o que as pessoas fizeram ou farão da área, portanto, estamos falando de nós mesmos. A esfera central aqui focalizada – o ensino particularmente na educação escolar – há tempos vem sendo admitida, discursivamente, por muitos de nós, com a concepção de prática social, concepção que amplio à esfera da pesquisa, ou seja, o estudo, a reflexão, a investigação sobre o ensino nas suas diversas áreas e âmbitos, caracterizadocomo plural e multifacetado. Se assim é, não se pode deixar de reiterar que se tornem objeto de análise de diferentes disciplinas (MARIN, 1985), com abordagens teóricas de tipo plural e com múltiplos focos, sujeitas às interferências da vida ................................................................................ DIDÁTICA 17 teoria e pesquisa social a serem detectadas com perspectiva crítica. Dentre tantas possibilidades, o que aqui se focaliza é o interesse da Didática e das Práticas de Ensino tanto nas questões de ensino propriamente dito quanto naquelas de pesquisas sobre ele buscando estabelecer relações entre ambas as práticas. Assim pensando, parte do questionamento norteador deste texto refere-se a algumas características da vida social e das que se encontravam presentes nas pesquisas realizadas sobre temas da área, sobre a docência nos cursos de formação de professores e sobre algumas condições da educação escolar na época em que a Didática começou a ser questionada no início da década de 1970. Na sequência, outro conjunto de considerações é apresentado sobre o momento mais próximo – década de 2000 – estabelecendo as mesmas relações, porém já em certas condições sociais diversas também no que se refere às condições da docência, à formação de professores e à pesquisa em nossa área em face da realidade escolar vivenciada pela população. O que mudou em relação ao período anterior? Esses pontos analisados constituem argumentos para identificar que aspectos podem ser retomados para pensarmos sobre a área como um todo, ou, dizendo de modo mais direto: como podemos atuar, seja na investigação, seja na docência, ao formar novos professores que irão atuar junto aos estudantes de variadas idades e estratos sociais que temos hoje em diversas instâncias da educação escolar. Para tanto a opção é a de reafirmar o materialismo dialético como perspectiva crítica e criativa, por princípio, naquilo que exige de mente aberta (mas não vazia) diante de aspectos didáticos do ensino reexaminando seu foco, assim como a intrínseca relação entre sujeitos e deles em relação ao objeto (conhecimento) com que se trabalha, considerando a indissociável relação, mas não direta ou linear, entre teoria e práxis. InIcIando as crítIcas O período inicial deste texto abrange os anos de 1960 e 1970, sempre referidos pelos analistas da área de Didática como aquele em que ................................................................................ 18 DIDÁTICAteoriaepesquisa estão presentes as características da atuação da área na direção do tecnicismo. Sua inserção neste texto deve-se ao fato de que estamos, hoje, com uma nova geração de professores e pesquisadores que só ouviram(?) falar desse início, sem saber muito bem do que se trata e muitos estão incorrendo nos mesmos problemas sem o saber. Desde logo é importante apontar que os dados relativos à docência estão estreitamente vinculados às pesquisas, posto que, por meio das quais obtêm-se informações do acontecido no interior dos cursos de formação de professores. Entretantohá pesquisas focalizadas também abrangendo aspectos que se relacionam à sala de aula, porém não necessariamente foram feitas em salas regulares de educação escolar. Essas duas esferas – docência e pesquisa – sofreram as injunções da influência da época. Desde os anos finais da década de 1960 e durante a década de 1970, na vida social, política e econômica enfatiza-se a técnica, a eficiência, a organização racional tendo a fragmentação, a operacionalidade e a neutralidade como parceiras. O estado militar da época, com os conflitos causados, e podemos apontar também as suas reverberações sobre parte das áreas acadêmicas, propiciavam e incentivavam o florescimento geral dessas características, com uma perspectiva conceptual de manutenção do mundo dominante (GERMANO, 1992; VEIGA, 1989). Foi nesse período que analistas da área da Didática iniciaram a crítica contrapondo-se a esse estado de coisas desde o I Encontro Nacional de Professores de Didática, realizado no ano de 1972. Nesse encontro foram focalizados vários aspectos desde sua concepção, seus conteúdos, limites e relações com outras áreas de conhecimento e as dificuldades de se organizar com autonomia destacando-se a necessidade de pesquisas. Em outros eventos da década de 1980 essa análise continuou focalizando seu objeto de estudo e outras questões relativas a esse foco apontando questões de linguagem, de uso de conhecimentos de outras áreas com passagens mecânicas presentes em síntese elaborada por Veiga (1989). Caracterizada como Pedagogia Tecnicista, a concepção do professor é a de um técnico com toda a busca da racionalidade, da organização e da eficiência que constitui essa perspectiva. O ensino da Didática foi, então, investigado e analisado em alguns pontos do país por meio ................................................................................ DIDÁTICAteoriaepesquisa 19 de programas dos cursos de formação de professores. André (1988) relata os dados da pesquisa realizada no estado do Rio de Janeiro, resultante do 1º Seminário “A didática em questão”, realizado em 1982, apontando diferenças percentuais nos itens próprios dessa documentação, quais sejam, conteúdos, objetivos, metodologia, avaliação e bibliografia. Constata que há “predominância da dimensão técnica nas bibliografias analisadas” (p. 22), pois, em sua maioria refletem abordagem comportamental-tecnológica e com grande dispersão das obras indicadas (p.23). Quanto aos conteúdos e objetivos também se encontra uma dominância instrumental, muitos programas sem referência a áreas específicas e desvinculadas de questões relativas a fins educacionais ou teorias de suporte. Apenas seis (dos 48) programas analisados por André (1988) apresentaram conjunto diferenciado de informações, mais voltados à superação dessa perspectiva instrumental. Nessa minoria há uma preocupação emtratardemododiferenteasquestõesdaárea.Umsubgrupoprocura instrumentalizar e ao mesmo tempo contextualizar, sem articulações; outro explicita maior integração entre essas duas dimensões e apenas um consegue abandonar a instrumentalização. Em outro estudo realizado no estadode São Paulo, abrangendo o período de 1961 a 1976, foram analisados 69 programas de disciplinas de Didática em uma instituição (MARIN, 1982). O relatório do estudo é longo, com quantificação e análise dos objetivos, conteúdos, procedimentos, bibliografias, professores responsáveis e diversificados cursos a que se destinavam as disciplinas. Cada um desses componentes dos programas, após mapeamento e análises, foi classificado de acordo com suas características. Algumas conclusões apresentadas podem ser sintetizadas apontando que os objetivos da Didática,aolongodosanos,forampredominantementeinstrumentais, denotando pequena preocupação com a situação brasileira; presença de três grandes linhas de atuação com predomínio da linha derivada da psicologia genética; impossibilidade de detectar com clareza como a didática se inseria no quadro pedagógico, embora houvesse temas que tratassem do assunto. De modo geral é bem similar ao estudo relatado sobre o ensino no Rio de Janeiro, porém chama a atenção a existência de temas que surgem posteriormente com a crítica ao caráter técnicoda disciplina,exemplificadopor:conceitode educação; educador e realidade brasileira; fundamentos epistemológicos dos procedimentos; Manifesto dos Pioneiros da Educação; o aluno ................................................................................ 20 DIDÁTICAteoriaepesquisa enquanto pesquisador; ciência e ensino; relação entre objetivos e ensino entre outros (MARIN, 1982). Embora o foco de investigação de programas tenha sido sempre referido como fundamental para compreensão do tecnicismo na área – o que de fato é certo para compreensão da formação dos professores –na esfera da pesquisa outro conjunto permite verificar características similares de técnica, neutralidade, eficiência. No início da década de 1970, com um dos pioneiros estudos sobre a pesquisa educacional brasileira, Gouveia (1971) apontou o reconhecimento da importância da pesquisa pelo governo federal quando se decidiu, em 1938, criar o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), destinado a realizar pesquisas sobre “os problemas de ensino nos seus diferentes aspectos” (p.1). Considerado um marco na pesquisa em educação, ao fazer retrospectiva, a autora aponta, desde essas etapas pregressas, os focos de investigação classificando-os em períodos conforme seus fundamentos psicopedagógicos (no início), sociológicos ( no segundo) com a criação de seis Centros de Pesquisas sediados no Distrito Federal (Rio de Janeiro), São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife, todos vinculados ao INEP, desde 1956, e fundamentos econômicos no terceiro período, inclusive na época em que a autora realizou mapeamento e analisou as pesquisas iniciadas ou realizadas entre o ano de 1965 e 1970. Desse estudo destaco alguns pontos relativos ao conteúdo que vem sendo tratado inicialmente neste texto focalizando, brevemente, questões que a autora traz extraindo dados apenas relativos aos temas pertinentes à área da Didática e Práticas de Ensino, embora na análise do texto como um todo a autora reporte-se a outras áreas temáticas acadêmicas de então. Quanto aos temas, os poucos estudos sobre métodos de ensino e recursos didáticos são menos frequentes que em outros temas, agravados pelas abordagens metodológicas exploratórias ou descritivas, simples levantamentos de dados, com pouca densidade teórica de base. Uma síntese retrospectiva dos estudos dessas temáticas permitiu verificar que, 16 das 19 pesquisas relatadas referem-se a questões técnicas: seis tratam de recursos audiovisuais/uso de TV; 11 estudos sobre recursos taiscomo técnicas/ textos/atitudes/métodos/programas. Os estudos abordam temas que podemos considerar como de didática geral e outros das didáticas específicas, pois focalizam o ensino de biologia, química, física, ................................................................................ DIDÁTICAteoriaepesquisa 21 gramática, inglês, matemática, artes industriais, questões gerais sobre técnica de aconselhamento psicológico. Verifica-se a congruência das interferências técnicas quando se compara a pesquisa sobre ensino e seu potencial aproveitamento para formar professores para as diferentes áreas dos currículos escolares. As características técnicas podem ser percebidas também nos títulos das pesquisas – eficiência do BSCS, ensino programado, tele-audiência da TVU, leitura acelerada, situação dos recursos audiovisuais, experiência de televisão instrucional – além de vários outros estudos das áreas de aprendizagem e desenvolvimento psicológico que se dedicaram a temas com encaminhamentos técnicos similares (GOUVEIA, 1971, p. 37-39). No ano de 1976, Gouveia apresentou novo levantamento retomando a temática a partir de 1970, nessa segunda etapa utilizando outras fontes, tais como sumários de pesquisas, periódicos e informações obtidas junto a pesquisadores. Detecta alguns avanços em outras áreas que não a educação, mas também aponta decréscimos sensíveis na área dos estudos mais voltados para temas técnicos. A análise de material oriundo de resumos pareceu a ela que o quadro não estava, de fato, muito alterado quando comparado ao mapeamento anterior. Nesse período, Melo (1981) traz números eloquentes sobre a repetência e evasão nas séries iniciais da escolarização segundo o Anuário Estatístico do IBGE, de 1977. Entre 1942-1953 a cada 1.000 alunos matriculados na 1ª série apenas 404 iam para a 2ª série. Entre 1961 e 1972, de cada 1.000 alunos apenas 446 iam para a segunda série. A autora aponta que o percentual para a série inicial do ginásio ampliou-se muito de um período para outro. Porém enorme contingente permanecia à margem da escola. Esses dados exemplificam que as características buscadas de eficiência, organização racional e operacionalidade também têm estreitas relações com a situação escolar brasileira, pois várias ações políticas ocorreram na busca de alteração do quadro educacional de modo a permitir avanços no rumo traçado pelos governos da época, com a perspectiva de que seriam obtidas melhorias na educação do país mediante tais fundamentos. Foi contra esse estado de coisas que transcorreram várias ações e toda ................................................................................ 22 DIDÁTICAteoriaepesquisa movimentaçãode diversos segmentosnas duasdécadas passadas,com características próprias das expectativas políticas, sociais, econômicas e culturais vividas. A década de 1980 e 1990 caracterizam-se, na área de Didática e em outras, por novas denúncias sobre essas realidades, mas, sobretudo, pelos anúncios de proposições resultantes de densas reflexões sobre escola pública, ensino, professores e sua formação na tentativa de busca da didática fundamental proposta como agenda da área, esta uma das metas para um país que buscava se reorganizar com a perspectiva de profundas alterações1. No entanto, esse é o período, também, em que se verifica o acirramento dos princípios neoliberais, das novas necessidades do capitalismo que enfatiza o ensino básico e técnico para formar um novo trabalhador, outra escola e outro tipo de professor, nova didática mais operacional (FREITAS, 1999), características bem diferentes das propostas pelo movimento de renovação iniciado em 1982.2 Entretanto, depois de 30 anos cabe novo questionamento. E agora, quais são as características? No próximo item alguns novos dados permitem algumas respostas para essa compreensão. os estudos recentes – novas crítIcas Neste item estão, novamente, alguns dados sintéticos de pesquisa de duasesferas:sobre formaçãode professoresesobre situaçõesdoensino fundamental, considerando que estes são focos centrais da atuação da área didática e das práticas de ensino na formação pedagógica e da formação da população estudantil. Em relação aos estudos que tiveram por tema a análise de cursos de formação inicial de professores, foram selecionadosalguns 1 Trata-se de produção ampla de pesquisadores que não seria possível inventariar neste espaço sem cometer injustiças por ausência de alguns, mas que podem ser identificados pelos interessados na busca de bibliografia da área nessas décadas. 2 Discussão interessante sobre esse embate está presente no trabalho de doutorado de Faria (2011) em que a autora recupera as orientações educativas contra-hegemônicas dessas décadas e os rebatimentos neoliberais e pós-modernos sobre a didática (Ver capítulo 3 nesta coletânea) ................................................................................ DIDÁTICA 23 teoria e pesquisa exemplares, que embora já tenhamos citado de modo mais extenso em outro texto (MARIN, PENNA e RODRIGUES, 2012) valem ser retomados de modo sintético, aqui, sejam os realizados em locais mais definidos, sejam no âmbito geral do país. Nos âmbitos locais de estudos encontramos as pesquisas de Libâneo (2008, 2010 e 2011) em Goiás; Romanowski e Martins (2010) no Paraná; Sguarezi (2011) no Mato Grosso; Franco e Guarnieri (2008), em São Paulo; Damis et al. (2010) em Minas Gerais; Doll (2008) no Rio Grande do Sul e, ainda, Fernandes e Fernandes (2008) e Mendes et al. (2010) que analisaram o ensino da Didática e Metodologias de Ensino. Essas pesquisas nos permitem apontar a precariedade como dado geral de tal formação especificada nos seguintes pontos: desaparecimento da disciplina Didática em muitas instituições com a manutenção das metodologias específicas; substituição dos conteúdos específicos por outros gerais sobre educação; com temas e abordagens da Filosofia, das Ciências Sociais e da Psicologia; manutençãoda didática instrumental demodosuperficial e comfrágil fundamentação, sem apresentar as características de crítica propostas na décadade1980; distanciamentodo objeto de estudo, desvinculação entre conteúdos e metodologias como se os alunos, professores em formação, já dominassem os conteúdos a serem ensinados; quando trabalham com fundamentação teórica não conseguem estabelecer relações com a prática ocasionandopouca significação para os futuros professores. Essa síntese é corroboradaporestudoemâmbitonacionalcoordenado por Gatti e Barreto (2009) ao analisarem o currículo e as ementas dos cursos de formação.O estudo destaca que apenas 3,4% das disciplinas ofertadas no curso de Pedagogia referem-se à Didática Geral. No que se refereàslicenciaturas em LínguaPortuguesa,MatemáticaeCiências Biológicas, não constatam um núcleo compartilhado de disciplinas da área de formação para a docência, sendo heterogêneo o conjunto de conteúdos trabalhados nas disciplinas que mais frequentemente aparecem (Didática, Metodologias e Práticas de Ensino). É reduzido o número de disciplinas teóricas como a Didática, evidenciando o frágil preparo para o exercício docente. Esses dados regionais, e do país, levam a ponderar que a produção do conhecimento sobre a atual formação dos professores, resguardadas ................................................................................ 24 DIDÁTICAteoriaepesquisa as diferenças entre as pesquisas, permite reflexão comparativa com as do período inicial. Temos dados divulgados de muitos lugares específicos e do país de modo mais abrangente. Para além da abrangência e da divulgação, penso que elas não estão no mesmo registro, ou seja, há uma distância substantiva nas características centrais quando são comparados os dados relativos à pesquisa sobre a Didática como disciplina escolar do início deste texto e o momento recente a começar pela diminuição e/ou desaparecimento da própria disciplina em muitas instituições. Verifica-se que os temas componentes dos conteúdos são diferentes e aponta-se profundidade insuficiente denotando a perda da identidade temática, ou seja, a perda do objeto, mas, também a manutenção das condições de baixos relacionamentos entre teoria e prática, apesar de tantos trabalhos amplamente divulgados no período. Há que se destacar as condições de trabalho de muitas instituições brasileiras de ensino superior em que os professores não têm condições de pesquisa, são responsáveis por diversificadas disciplinas com carga horária alta, turmas com muitos alunos, muitas vezes sem formação mais profunda na área pedagógica, conforme também já verificamos em outras pesquisas (MARIN e GIOVANNI, 2007, 2008). As pesquisas, quando realizadas sobre o ensino em diferentes âmbitos e nas diversas áreas de conhecimento, se assemelham às anteriores em alguns aspectos principalmente por continuarem trazendo reflexões e dados preocupantes de realidade escolar. Alguns exemplares de pesquisa nos servem, aqui, para argumentar na direção de que as desarticulações precisam ser superadas de modo a que de fato possam contribuir para compor acúmulo de conhecimento e tentar as alterações necessárias. Foramselecionadosquatroestudosrealizadosemescolasfundamentais de São Paulo. Dois deles ocorreram no primeiro segmento (ciclo I) e dois no segundo segmento (ciclo II), focalizando o início e o final desses segmentos. No primeiro estudo Molinari (2010) analisa a atuação de uma professora alfabetizadora que possuía proposta oficial para a rede pública estadual fornecendo orientação detalhada, denominada de construtivismo. Ela seguiu a referida proposta no que tange aos conteúdos, mas sua atuação é analisada pelas contradições, pois mantém traços da cultura escolar detectadas nas práticas de homogeneização, constante controle das crianças e ritmo forte no ................................................................................ DIDÁTICAteoriaepesquisa 25 desenvolvimento das atividades. Com isso interditava aprendizagens das crianças quanto à oralidade e escrita em diversas produções no interior da sala de aula.No estudode final de ciclo, Dias (2008) analisa asaçõesde professorasemaulasde reforçopara criançasquechegaram àquarta série semsaber ler.Buscou interpretar os dados das atividades segundo os conceitos de reconhecer e compreender, antes e depois das aulas de reforço. Tendo acompanhado as ações para obter dados por diferentes procedimentos, verificou que após um ano de aulas as crianças continuaram evidenciando dificuldades conseguindo apenas reproduzir letras e palavras a partir da memorização de letras iniciais e finais, sem compreensão, mas foram aprovadas para continuar os estudos. O estudo realizado por Mello (2011) sobre a docência no primeiro ano do segundo segmento do ensino fundamental (ciclo II) focalizou o ensino de História. Verificou que as manifestações dos professores são superficiais sobre seu trabalho, seja quanto aos objetivos do ensino, seja em seus procedimentos demonstrando a oferta de um ensino empobrecido. Analisou tais dados na relação com a formação cultural e profissional dos mesmos e com dados do desempenho dos alunos em Língua Portuguesa em provas de avaliação externa. Identificou que, nessas provas, os alunos tiveram resultados classificados como abaixo do básico, ou seja, sem a menor condição de cumprir as tarefas relatadas pelos professores como sendo as que davam base para o trabalho de salas de aula: leitura de textos e de imagens com compreensão para a realização de pesquisas, debates, interpretação de textos entre outros. Essa situação de precariedade se repete no estudo feito por Lara (2008) de um modo ainda mais perverso no que se refere às condições de alunado que termina seu ensino fundamental. Com os dados coletados em escola, a autora analisa características de alunos de 8ª séries em diferentes aspectos e com diversos tipos de informações detectando o contínuo processo de atribuição de conceitos atribuindo rótulos, desde a passagem da 4ª para a 5ª série. Tal caracterização, de turmas com alunos “bons”, “médios” ou “ruins” e a atuação dos professores permitiu detectar a hierarquização do alunado, os modos pelos quais os procedimentos internosdasaulasagravamoumantêmosmecanismosclassificatórios,descrevendo e analisando os graus de diferenciação no ensino dos diferentes conteúdos em cada turma. A única exceção no conjunto dos agentes da escola foi um professor que havia chegado há pouco e ................................................................................ 26 DIDÁTICAteoriaepesquisa tratava de modo equilibrado todas as turmas, sendo que a 8ªC, neste caso a turma dos “fracos”, tinha desempenho similar ao das outras, consideradas médias e fortes. Em dois dos livros publicados com trabalhos do XV ENDIPE, realizado em Belo Horizonte (DALBEN et al.,2010), pesquisadores, das diferentes áreas de Práticas de Ensino, apresentaram reflexões e dados de pesquisa que permitem amplo panorama do seu ensino nos cursos de formação de professores e sobre o ensino nas escolas os quais apresentam as especificidades de suas disciplinas mas, também, se não corroboram todos os pontos apresentados para a Didática, reforçam muitos deles, o que impõe considerar e apontar dificuldades gerais na área em que estamos. No mais recente levantamento de dados de revisão de pesquisas feitas e relatadas noGTde Didática,noanode2011, verificou-se a dispersão de temas (26 áreas temáticas em 147 trabalhos), de procedimentos e referenciais bastante diversos no que se refere à realidade escolar. Alguns problemas detectados nas análises: muitos trabalhos não apresentam questões de pesquisa; têm parte muito longa sobre os referenciais e outra diminuta no que se refere aos dados empíricos; apresentam pouca articulação entre teoria e informações empíricas, não operando com os conceitos (MARIN et al., 2011).Esses aspectos, entre muitos outros, foram retomados, aqui, devido à análise de que há falhas centrais no processo de produção do conhecimento sobre nossos focos em muitos trabalhos. Ainda que quantitativamente a pesquisa tenha avançado muito pela disseminação de cursos de pós-graduação no país, a situação não se alterou substantivamente na direção de permitir a compreensão do que está acontecendo, quais as relações detectadas, quais as razões e determinações dos fatos no âmbito das escolas. O abandono dos aspectos técnicos do ensino sem conseguir chegar ao seu redimensionamento, a manutenção da fragmentação avolumada no conjunto das pesquisas ao considerar que esse volume investigativo é muito maior hoje, o encanto pelos novos temas técnicos emergentes travestidos de atualizados, sobretudo os das novas competências e tecnologias no ambiente escolar e na formação docente, a desqualificação geral e aprofundada na formação da imensa maioria dos estudantes, principalmente porque o ensino, generalizadamente, ................................................................................ DIDÁTICA 27 teoria e pesquisa não tem se preocupado com a aprendizagem, pois, embora sejam coisas distintas, estão interligadas (TORRES,1992), revelam que a movimentação das duas décadas não cumpriu a contento o desejo de muitos de alterar o quadro vigente nas esferas aqui abordadas. Essas ponderações levam ao encaminhamento do raciocínio necessário para apontar a necessidade de princípios a serem retomados de modo a não termos apenas um amontoado de estudos que não demonstrem acúmulo de conhecimento e uma docência que não se altere de modo substantivo, principalmente diante da insatisfação dos estudantes que se formam como professores e das necessidades dos estudantes que continuamente têm chegado às escolas e saído de todos os níveis sem receber o conhecimento e a formação que lhes são devidos por direito. É hora de atentar à vIrada da área Nos últimos anos temos percebido que a área de Didática e Práticas de Ensino está se caracterizando por uma virada em relação à situação de alguns anos anteriores. Temos vivido alterações nos eventos, sobretudo nos GTs da ANPED, pois há vários grupos que têm se dedicado a questões de ensino, além do de Didática. Estamos percebendo que tem havido um afluxo de novos pesquisadores interessados nos temas da área geral e das específicas de cada componente curricular muito detectado no crescimento espantoso dos ENDIPEs. A situação atual reverte o movimento de migração de pesquisadores, detectado anteriormente, quer tenha sido pelo apelo a outras temáticas de pesquisa mais prementes e emergentes, quer pelo desprestígio detectado nas instituições em relação a essa área, quer pelo distanciamento entre a área de pesquisa e a da formação do professor. Mas essa virada ocorre em uma situação na qual as reflexões dos colegas, com os dados apontados no item anterior, demonstram, ainda que parcialmente, enormes desencontros no interior da área de pesquisa e também na relação entre a pesquisa e o ensino das disciplinas nos cursos de formação, que consequentemente levam a desencontros em relação ao que se faz no interior das escolas. ................................................................................ 28 DIDÁTICAteoriaepesquisa Essa situação permite novo questionamento relativo a questões epistemológicas – um dos focos de nosso debate na área e desta mesa em particular – oportunizando a possibilidade de pensarmos conjuntamente sobre a área como um todo. Neste item exploro algumas ideias que retomam contribuições, mas que procuro articular de modo diverso ao aceitar o princípio básico de que o conhecimento é produto social, cumulativo,emque se impõe destacar as diferenças e as possibilidades de mudanças. Trata-se deste momento que vivemos, que considero especial, para engajamento dos novos pesquisadores em perspectiva mais orgânica de investigação e de ação docente como apresentado a seguir. Comecemos por considerar que a produção, a distribuição, a troca e o consumo da produção material não são possíveis de serem entendidos uns sem os outros (CARDOSO, 1999). Trata-se da produção material, mas é possível pensar que a produção cultural pode seguir os mesmos processos, pois a cultura como um ramo da produção, está no conjunto da produção da sociedade, que segue princípios similares. Se na sociedade regida por princípios capitalistas a produção é social, coletiva, a apropriação de seus produtos é privada, individual e competitiva. Se pensarmos no que foi dito nos demais itens, verifica-se que houve avanços, sim, mas não são avanços coletivos, são principalmente individuais, ainda que ao lado uns dos outros. Essa cadeia, da produção ao consumo, necessita do coletivo para ser compreendida e não ser fragmentada. Penso que parte da situação vivida nos últimos trinta anos deve-se à fragmentação dessa cadeia impedindo o acesso e principalmente a troca necessária entre as partes interessadas: pesquisadores entre si, pesquisadores e professores formadores de professores, além de professores e crianças, adolescentes, jovens e adultos (inclusive futuros professores). Nesse sentido três rápidos pontos são apresentados aqui como princípios a partir do contraponto epistemológico dialético crítico de base materialista em face da visão reprodutiva do conhecimento: a necessidade da mente aberta (mas não vazia), a relação entre sujeito e objeto e a relação indissociável entre teoria e práxis. O primeiro ponto supõe uma condição que visa a aquisição constante de novos conhecimentos e elaboração sobre eles, portanto, tanto ................................................................................ DIDÁTICAteoriaepesquisa 29 para pesquisadores quanto para professores e alunos, a disposição para o estudo e à reflexão, aspectos formativos de base, colaborando para possibilidades de também evitar a rigidez e proporcionando a obtenção de crescente consciência sobre as relações concretas de existência, sobretudo entre ensino e todo o arcabouço das redes educacionais e da vida social. Seguindo na exposição, considero que há importância decisiva de explicitação da relação entre sujeito e objeto tanto para a esfera da pesquisa quanto da docência. Para tanto, impõe-se ter clareza da situação de ensinoem que temos alunos, professores e um certo conhecimento presente. Uma epistemologia reprodutiva, não crítica, supõe relações funcionais unidirecionais em cada dois desses elementos, ou seja, não se estabelecem diálogos, mas, sim, perspectiva de imposição e aceitação, baseada em uma visão que podemos considerar funcionalista. Essa conceituação pode e deve ser considerada para o ensino, seja no âmbito do ensino da Didática como de qualquer outro componente curricular, em qualquer âmbito, mas ela é verdadeira também para a pesquisa na direção apresentada para ambos em que analiso a partir das considerações de Adorno (1995a). Trata-se da relação entre sujeito e objeto. Numa perspectiva não dialética há versões que vêem essa relação dando toda a primazia ao objeto ou, inversamente, ressaltando quase que exclusivamente a primazia do sujeito. Aceito as considerações que permitem romper com tal unidirecionamento, ou seja, a relação é bidirecional, pois o sujeito é objeto ao mesmo tempo e o objeto é ao mesmo tempo sujeito posto que quando focalizamos nossos objetos somos alterados também por ele, visto que ele também passa a ser sujeito alterando nossas condições. Portanto, se a distinção entre sujeito e objeto é verdadeira, a separação cindida entre eles é aparente, é falsa, pois ambos “encontram-se mediados reciprocamente:o objeto, mediante o sujeito, e, maisainda e de outro modo, o sujeito mediante o objeto. A separação torna-se ideologia” (ADORNO, 1995a, p. 183). Impõe-se pensar nesta relação tanto para pesquisadores e seus focos de estudo quanto para professores e alunos no que tange ao objeto conhecimento, o escolar neste caso. Além disso, há de se pensar que a relação dialética na docência, nesse esquema, está posta entre professores e alunos considerando a exigência de ambos dialogarem com a mediação do conhecimento escolar em questão nas suas aulas. ................................................................................ 30 DIDÁTICAteoria e pesquisa O terceiro ponto refere-se à relação indissociável entre teoria e práxis, de certo modo decorrente das considerações anteriores, pois, segundo Adorno “o problema da práxis está entrelaçado com o do conhecimento” (1995b, p.204). O autor considera que a práxis só se impermeabiliza contra o conhecimento e a teoria ao perder o contato com o objeto pelas condições sociais objetivas (pensemos, aqui, na atuação dos professores em suas escolas). Trata se, então, de pseudo-atividade. “Não há uma senda contínua que conduza da práxis à teoria” (p. 227), mas “nem a práxis transcorre independentemente da teoria, nem esta é independente daquela” (p.227). Após várias análises, o autor aponta que teoria e práxis estão em relação de polaridade entre si, ou seja, a práxis está contida na teorização geral sendo, ao mesmo tempo, “a fonte de onde a teoria extrai suas forças, mas não é recomendada por esta”, pois “nenhuma teoria crítica pode ser desenvolvida nos aspectos particulares sem sobre estimar o particular; mas sem o particular ela seria nula” (p. 229). Pensemos no significado de tais princípios para a situação de investigação e ação na área do ensino, pois ninguém age sem pensar, (condição diferenciadora dos animais), nem pensa sem estar ligado a alguma ação social, à práxis. Reciprocamente também na atividade da pesquisa, em que as exigências da reflexão e da teoria estão postas desdeo início, e não apenasno final, e quea práxis da pesquisacontém a teoria por princípio. Para encerrar este terceiro ponto ainda resta uma reflexão a ser feita ao foco dessa área em que estamos. Há que se retomar o ensino. Mas, se o ensino é práxis que pode ser estudada por qualquer área acadêmica, conforme dito anteriormente, resta algo a ponderar. Assim, ao reafirmar sua inserção no interior da Pedagogia como ciência da educação, conforme argumenta Pimenta (1997), há algum tempo tenho defendido que o foco do ensino que nos cabe é o relativo às respostas ao “como” dessa práxis, articulado às respostas das demais questões das áreas que compõem a Pedagogia: “o que”, “para que” e “por que”. Para tanto, há que se recuperar esse objeto de estudo, mas de forma invertida quando comparada aos modos anteriormente considerados em que a Didática foi descrita, em que foi, e continua sendo, a de ser meramente técnica, de ser objeto de aplicação de conhecimentos gerados em outras áreas. ................................................................................ DIDÁTICAteoriaepesquisa 31 Pautando-me em um texto apresentado por Sass (2001) em reunião anual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED), em que aborda a relação entre a Psicologia e a educação, o autor retoma Wallon3 para relembrar a “educação como um campo específico de investigações antes que um campo de aplicação de teorias, por vezes, elaboradas sob condições artificiais dos laboratórios”(p. 2). Após várias análises realizadas, Sass traz uma ponderação que considero totalmente apropriada às questões que estamos discutindo na Didática. Diz ele: [...] a produção de conhecimentos novos está na dependência de mediá-los a partir de uma teoria crítica da sociedade, bem como está na dependência da investigação científica rigorosa realizada no campo específico a que se destina; esse campo é aquele da educação escolar, então, especialmente, a psicologia da educação, do escolar e a psicologia social podem orientar seus estudos a partir de problemas reais e relevantes da educação, de sorte a evitar a imposição de problemas reais internos ao campo psicológico como problemas artificiais da educação (SASS, 2001, p. 6). Nadamaisclaroparanósdoquepensarquenoscabeterdiscernimento, a partir de todos os aspectos apresentados, de que inverter a mão de direção, na pesquisa e no ensino, significa tomar os reais problemas da práxis (PIMENTA, 1997), mas especificadamente aqui relacionados ao “como ensinar” na vida real, indo às áreas acadêmicas, na medida do necessário, buscar as teorias que necessitarmos para o exercício dessa reflexão crítica e criativa aqui defendida caminhando na direção de criarmos as nossas próprias teorias. consIderações fInaIs Diante do que ficou ponderado nos itens deste texto, pode-se dizer que as distâncias entre a pesquisa e a docência detectadas na área podem ser aparentes, pois, em muitas dessas situações operou-se 3 A obra citada é Wallon,H. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975. ................................................................................ 32 DIDÁTICAteoria e pesquisa com o mesmo paradigma. Quero dizer, com isso, que boa parte do que ocorreu esteve orientado por uma epistemologia pouco crítica e nada dialética, em que as relações ocorreram de modo reprodutivo e funcional, sem compreensão ampliada das possibilidades de reais mediações e reféns das condições objetivas que interditam as relações entre teoria e práxis, seja na docência, seja na investigação. O que aqui se propõe são ideias iniciais para termos método, ou seja, interligações claras e definidas entre teoria e práxis, mediação dialética e crítica com nossos alunos, com nossos colegas professores, pesquisadores e com o conhecimento a ser obtido na investigação ou ser focalizado nadocência realcom as possibilidades de relações entre a sala de aula e as redes de ensino situadas nos seus ambientes. ¶ REFERÊNCIAS ADORNO,T. W. Sobre sujeito e objeto. In: ADORNO,T. W. Palavras e sinais. Petrópolis: Vozes, 1995a, p. 181-201. ADORNO, T. W. Notas marginais sobre teoria e práxis. In: ADORNO, T. W. Palavras e sinais. 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ANTINOMIASNAFORMAÇÃO DE PROFESSORES E A BUSCA DE INTEGRAÇÃO ENTRE O CONHECIMENTO PEDAGÓGICO DIDÁTICO EO CONHECIMENTO DISCIPLINAR José Carlos Libâneo INTRODUÇÃO O propósito deste texto é apresentar embates e discutir perspectivas sobre o campo disciplinar, investigativo e profissional da didática e das didáticas específicas. Tem como premissa que a especificidade epistemológica dessas disciplinas é o estudo da atividade de ensino-aprendizagem na relação com um saber, em situações pedagógicas contextualizadas, visando o desenvolvimento humano dos alunos. Os processos de mediação didática têm como suporte a unidade entre o aprender e o ensinar, numa relação necessariamente mútua,em que o aluno é orientado em sua atividade autônoma por adultos e colegas visando a apropriação dos produtos da cultura, da ciência, da arte, de modo geral, da experiência humana social e historicamente acumulada. A didática articula a lógica dos saberes a ensinar (dimensão epistemológica), a lógica dos modos de aprender (dimensão psico-pedagógica) e a lógica das relações entre práticas socioculturais e ensino (dimensão sociocultural e institucional), por onde se requer sua dependência da epistemologia das disciplinas, da relação conteúdos/métodos/metodologias de ensino, ................................................................................ DIDÁTICAteoriaepesquisa 39 dos processos de aprendizagem e desenvolvimento, das interfaces com as práticas socioculturais. São discutidos, inicialmente, alguns embates sobre o campo teórico investigativo da didática tanto de natureza político-social quanto epistemológico. Em seguida, são apontadas antigas e persistentes antinomiasnaformaçãopara adocênciaa partir das quais é defendido um posicionamento sobre os conceitos centrais da didática. Por fim, são apresentadas derivações desse posicionamento para o campo investigativo e profissional indicando perspectivas de superação das antinomias. 1. os embates socIopolítIcos e teórIcos no campo da dIdátIca A despeito da persistência de resistências de alguns setores do campo da educação em reconhecer a didática em seu status científico, essa disciplina está no centro da formação profissional dos professores. Cabe-lhe formular teórica e praticamente os saberes profissionais a serem mobilizados para a ação profissional do professor, por isso pode ser chamada de ciência profissional do professor. A produção intelectual tem sido profícua abrangendo questões teóricas e epistemológicas, questões do exercício docente, didática das disciplinas, as práticas de ensino, a articulação entre a didática e a pesquisa no âmbito cultural, a relação teoria e prática na formação inicial e continuada, o estágio profissional (por ex., OLIVEIRA (1992, 1997, 2011), CANDAU 2009, 2011a, 2011b, 2011c), PIMENTA (1997, 2010), LIBÂNEO (2008, 2010a, 2010b, 2011a), VEIGA, (1999a, 1999b, 2010, 2011), BEHRENS (2006), ANDRÉ (1995, 1997), MASETTO (2003), ANASTASIOU E ALVES, 2006, FRANCO, 2010). Além disso, cabe ressaltar que as disciplinas de didática, didáticas específicas e de metodologias de ensino estão presentes praticamente em todos os cursos de licenciatura do país, o que justifica a manutenção dos esforços no sentido de atualizar seus conteúdos disciplinares em interface com outros campos de conhecimento e o incentivo à pesquisa de práticas de ensino cujos resultados devem servir à formação inicial e continuada de professores. ................................................................................ 40 DIDÁTICAteoriaepesquisa No entanto, o campo teórico e investigativo da didática há tempos sofre percalços vindos de várias direções, umas externas outras externas. Algumas hipóteses explicativas chamam a atenção para dois pontos. Em primeiro lugar, a existência de um dissenso ou dispersão entre educadores, legisladores, políticos, técnicos do MEC e Secretarias de educação, pesquisadores, em relação aos objetivos e funções da escola pública. Entendendo que se trata de uma questão real, é certo que esse dissenso se projeta no planejamento de ações voltadas para a organização do sistema escolar, nos currículos das escolas e da formação profissional de professores, na organização e funcionamento das escolas. Em segundo lugar, ligado ao ponto anterior, o enfraquecimento do campo disciplinar e investigativo da pedagogia e da didática no campo mais amplo da educação (LIBÂNEO, 2010, 2011). A falta de consensos ou de posições pactuadas no campo da educação em relação a objetivos políticos, pedagógicos e organizacionais da escola pode ser explicada, ao menos, por duas tendências que têm influenciado significativamente a definição e atuação das políticas educacionais e das políticas para a escola. Uma delas, a internacionalização das políticas educacionais e sua incidência nas políticas educacionais do país; a outra, o predomínio das análises externas sobre as internas em relação a diagnósticos e propostas de intervenção nos sistemas de ensino. Quanto à primeira tendência, a partir de estudos bastante consistentes (DE TOMMASI, WARDE e HADDAD, 1966; FRIGOTTO e CIAVATTA, 2003; SHIROMA, GARCIA, CAMPOS, 2011; AKKARI, 2011; EVANGELISTA, 2013; SILVA e CUNHA, 2014) observa-se a influência crescente de organismos transnacionais nas políticas educacionais para os países emergentes e pobres, incidindo nos campos da pedagogia, da didática, do currículo e da organização escolar, afetando significativamente as escolas e salas de aula (TORRES, 2001, LIBÂNEO, 2010, 2012, 2014). Documentos originados no Banco Mundial e outras organizações exercem pressão na organização da organização das políticas públicas para a escola em favor de restringir seu papel ao acolhimento e à integração social dos alunos, levando ao esvaziamento de suas funções em relação ao conhecimento e à aprendizagem (LIBÂNEO, 2014). ................................................................................ DIDÁTICAteoriaepesquisa 41 É sabido que o Banco Mundial é uma instituição econômica supranacional cujo papel no cenário econômico é atrelar metas educacionais a metas econômicas visando equilibração da econômica mundial em função da globalização dos mercados, redução da ignorância e da pobreza por meio de uma escola voltada ao atendimento das necessidades “mínimas” de aprendizagem visando empregabilidade e inserção dos indivíduos mundo da informação e do consumo. A escola proposta é a que busca atender a necessidades, ritmos, interesses dos alunos (individualização das aprendizagens), por meio de “kit” de sobrevivência: conteúdos mínimos numa escola organizada para o acolhimento social e integração social. Na verdade, expressando uma orientação aparentemente humanista, esses documentos definem uma orientação colonialista e pragmática da educação para os países pobres. É indiscutível a relevância social e humana de políticas de atendimento à diferença e às diversidades sociais e culturais dos alunos, incluindo as práticas interculturais nas escolas. No entanto, não se pode ignorar que o discurso em torno da diversidade, do respeito a valores culturais, do acolhimento e integração social, tal como aparece nos documentos internacionais e nacionais para orientação de políticas educacionais, tende a uma prática visando o apaziguamento de conflitos e harmonização das relações sociais para os países emergentes e pobres. Como escrevem Shiroma, Garcia e Campos, tais alterações na função social da escola decorrentes da adesão a políticas internacionais deslocam os princípios que regem o campo do conhecimento para os da sociabilidade em que a inclusão social dos sujeitos pela educação “tem como finalidade manter os sujeitos incluídos socialmente, servindo de estratégia social contra o esgarçamento do tecido social, uma vez que a passagem pelos bancos escolares (...) não guarda nenhuma relação com possibilidades de mobilidade social, mas é apresentada como uma forma de inclusão social” (2011, p.245). As políticas educacionais no Brasil pautadas por essa orientação acabam por trazer consequências nocivas para a qualidade de ensino: o realce a um currículo de experiências, basicamente de práticas de integração social, esvaziando o papel dos conhecimentos e da formação das capacidades intelectuais dos alunos, ou seja, uma escola focada mais nas necessidades individuais do aluno do que no ................................................................................ 42 DIDÁTICAteoria e pesquisa conhecimento e na aprendizagem. Trata-se, assim, de um currículo criado muito mais para resolver problemas sociais ou econômicos do que