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PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA Nelson Mattioli Leite Flávio Faloppa Organizadores P965 Propedêutica ortopédica e traumatológica [recurso eletrônico] / Organizadores, Nelson Mattioli Leite, Flávio Faloppa. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2013. Editado também como livro impresso em 2013. ISBN 978-85-65852-47-0 1. Ortopedia – Propedêutica. 2. Traumatologia – Propedêutica. I. Leite, Nelson Mattioli. II. Faloppa, Flávio. CDU 617.3 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052 2013 Versão impressa desta obra: 2013 © Grupo A Educação S.A., 2013 Gerente editorial: Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição: Editora: Dieimi Deitos Assistente editorial: Adriana Lehmann Haubert Capa: Maurício Pamplona Ilustrador: Ricardo Correa Preparação do original: Alessandra B. Flach Leitura final: Bruna Correia de Souza Projeto gráfico e editoração: TIPOS – design editorial e fotografia Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 – Porto Alegre, RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo de Soares, 10.735 – Pavilhão 5 Cond. Espace Center – Vila Anastácio 05095-035 – São Paulo – SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL AUTORES NELSON MATTIOLI LEITE – Médico ortopedista e traumatologista. Especialista em Cirurgia da Mão e em Ortopedia e Traumatologia pela Associação Médica Brasileira (AMB). Mestre e Doutor em Medicina pelo Programa de Pós-graduação da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/EPM). FLÁVIO FALOPPA – Médico ortopedista e traumatologista. Professor titular do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP/EPM. Pesquisador do CNPQ. Presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT). Mestre e Doutor em Ortopedia e Cirurgia Plástica Reparadora pelo Programa de Pós-graduação da UNIFESP/EPM. ANDRE YUI AIHARA – Médico radiologista. Diretor técnico do Instituto de Pesquisa e Ensino em Medicina Diagnóstica e Terapêutica (IPmed). Coordenador do Grupo de Estudos de Radiologia Musculoesquelética (GERME), da Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (SPR). Preceptor do Setor de Musculoesquelético da UNIFESP e médico radiologista da DASA. Mestre em Diagnóstico por Imagem pela UNIFESP. ANTONIO ALTENOR BESSA DE QUEIROZ – Médico ortope- dista e traumatologista. Especialista em Ortopedia e Cirurgia do Joelho e Artroscopia pela UNIFESP. Mestre em Ortope- dia e Cirurgia do Joelho e Artroscopia pela UNIFESP. Dou- torando em Ortopedia e Cirurgia do Joelho e Artroscopia pela UNIFESP. ANTONIO J. L. FERRARI – Médico reumatologista. Médico assistente de Reumatologia na UNIFESP. Doutor em Medi- cina. ARTUR DA ROCHA CORREA FERNANDES – Médico radiolo- gista. Professor associado do Departamento de Diagnóstico por Imagem da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Radiolo- gia Clínica pela UNIFESP/EPM. BENY SCHMIDT – Professor adjunto do Departamento de Anatomia Patológica da UNIFESP/EPM. Chefe do Laborató- rio de Doenças Neuromusculares da UNIFESP/EPM. Doutor ACARY SOUZA BULLE OLIVEIRA – Médico neurologista. Professor filiado da UNIFESP/EPM. Professor de Pós-gradua- ção da UNIFESP. Responsável pelo Setor de Investigação em Doenças Neuromusculares da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Medicina pela UNIFESP/EPM. Pós-doutor pela Columbia University, Nova Iorque, EUA. AKIRA ISHIDA – Médico ortopedista e traumatologista. Professor titular do Departamento de Ortopedia e Trauma- tologia da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP/EPM. ALBERTO DE CASTRO POCHINI – Médico ortopedista e traumatologista. Chefe do Centro de Traumato-ortopedia do Esporte (CETE) da UNIFESP. Membro da Sociedade Brasi- leira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo (SBCOC) e da Socieda- de Brasileira de Cirurgia do Joelho (SBCJ). Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP. ALEXANDRE F. DE LOURENÇO – Médico ortopedista e trau- matologista. Médico assistente da disciplina de Ortopedia Pediátrica da UNIFESP/EPM. Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia Pediátrica (SBOP). ANDRÉ ROSENFELD – Médico radiologista. Médico colabo- rador do Departamento de Diagnóstico por Imagem da UNIFESP. Médico radiologista musculoesquelético do CURA e da DASA. AUTORESvi em Anatomie Pathologique Neuropathologiqe pela Univer- sity Aix-Marseille III (Droit, Econ. et Sciences). Pós-doutor pela Columbia University. CAMILA P. PURYSKO – Médica radiologista. Membro titular do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Ima- gem (CBR). Especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem pela Medimagem/Real e Benemérita Sociedade Por- tuguesa de Beneficência, Hospital São Joaquim, SP. CARLOS HENRIQUE FERNANDES – Médico ortopedista e cirurgião da mão. Chefe do Grupo de Cirurgia da Mão da UNIFESP. Mestre e Doutor pela UNIFESP. CRISTIANE S. ZONER – Médica radiologista. Fellowship em Musculoskeletal Radiology na Universidade da Califórnia, San Diego. Especialista em Radiologia Musculoesquelética pela UNIFESP. DANILO MASIERO – Médico ortopedista e traumatologista e ortopedista pediátrico. Professor livre docente em Ortope- dia e Traumatologia da UNIFESP. Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP. DENISE TOKECHI AMARAL – Médica radiologista do Hospital Sírio Libanês, São Paulo. Mestre em Medicina: Radiologia Clínica pela UNIFESP. EDGARD DOS SANTOS PEREIRA JUNIOR – Médico assistente do Grupo de Joelho da UNIFESP. Ex-research fellow da Uni- versidade de Pittsburg. Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP. Mestre em Medicina pela UNIFESP. EDMILSON TAKEHIRO TAKATA – Médico ortopedista e traumatologista. Chefe do Grupo de Patologias do Quadril Adulto da UNIFESP/EPM. Mestre em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP. EDUARDO F. CARRERA – Médico ortopedista e traumato- logista. Presidente da Sociedade Latinoamericana de Ombro e Cotovelo. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia do Ombro e Cotovelo (SBOT, 2010). Especialista em Cirurgia do Ombro e Cotovelo. Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela Universidade de São Paulo (USP). EDUARDO BARROS PUERTAS – Médico ortopedista e trau- matologista. Professor associado livre docente da UNIFESP/ EPM. Chefe do Grupo de Coluna do Departamento de Orto- pedia e Traumatologia da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor pela EPM. EIFFEL TSUYOSHI DOBASHI – Médico ortopedista e trau- matologista. Professor adjunto do Departamento de Orto- pedia e Traumatologia da UNIFESP/EPM. Chefe de clínica da disciplina de Ortopedia Pediátrica da UNIFESP. Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP/EPM. ELOY DE ÁVILA FERNANDES – Médico radiologista. Especia- lista em Diagnóstico por Imagem pelo MEC e pelo CBR. Médico colaborador do Departamento de Diagnóstico por Imagem da EPM. Doutor em Ciências pelo Departamento de Diagnóstico por Imagem da UNIFESP/EPM. FÁBIO AUGUSTO CAPORRINO – Médico ortopedista e trau- matologista. Médico assistente da disciplina de Cirurgia da Mão e Membro Superior e da Traumatologia do Esporte da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Ortopedia e Trau- matologia pela UNIFESP. Doutor em Medicina pela UNIFESP/ EPM. FABIO PACHECO FERREIRA – Médico ortopedista e trau- matologista. Especialista em Ortopedia e Traumatologia pe- la UNIFESP. Especialista em Cirurgia do Joelho pela UNIFESP. Mestre em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP. FERNANDO BALDY DOS REIS – Médico ortopedista e trau- matologista. Professor livre docente e chefe da disciplina de Traumatologia do Departamento de Ortopediada UNIFESP/EPM. Mestre em Ortopedia pela UNIFESP. FLAVIA AIKO SAKAMOTO – Médico radiologista. Especialista em Diagnóstico por Imagem do Sistema Musculoesquelé- tico pela UNIFESP/EPM. FLÁVIO JOSÉ BALLERINI – Médico ortopedista e trauma- tologista. Especialista em Medicina e Cirurgia do Pé e Torno- zelo pela UNIFESP. FREDERICO SANTOS – Médico radiologista. Membro titular do CBR. Especialista em Radiologia e Diagnóstico por Ima- gem pela Medimagem. GERALDO SÉRGIO DE MELLO GRANATA JÚNIOR – Médico ortopedista e traumatologista. Médico assistente do Grupo do Joelho do Departamento de Ortopedia da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Ciências pelo Departamento de Ortope- dia e Traumatologia da UNIFESP/EPM. GILBERTO MASTROCOLA MANZANO – Médico neurofisio- logista clínico. Chefe do Setor de Pós-graduação e Pesquisa em Neurofisiologia Clínica da UNIFESP/EPM. Doutor em Neurologia pela UNIFESP. AUTORES vii HELIO JORGE ALVACHIAN FERNANDES – Médico ortope- dista e traumatologista. Professor afiliado da disciplina de Traumatologia do Departamento de Ortopedia e Traumato- logia da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP. HENRIQUE F. R. PEREIRA – Médico ortopedista e trauma- tologista. Médico assistente do Grupo de Cirurgia do Ombro e Cotovelo da UNIFESP/EPM. Especialista em Cirurgia do Ombro e Cotovelo pela UNIFESP/EPM. HENRIQUE SODRÉ – Médico ortopedista e traumatologista. Professor livre docente do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP. Especialista em Ortopedia Pediátrica e Cirurgia do Pé pela UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP. JADER J. DA SILVA – Médico radiologista. Especialista em Radiologia Musculoesquelética pelo Centre Hospitalier Ré- gional Universitaire (CHRU) de Lille, França, e pela UNIFESP/ EPM. Coordenador da Equipe de Radiologia Musculoesque- lética do Hospital do Coração (HCOR) de São Paulo. JEFFERSON BRAGA DA SILVA – Médico. Livre docente em Cirurgia da Mão da UNIFESP. Pesquisador na área de Produ- tividade em Pesquisa, nível 2, CNPq. Especialista em Cirurgia da Mão. Mestre em Neurociências pela Pontifícia Universida- de Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutor em Cirur- gia da Mão pela UNIFESP. JOÃO ANTONIO MACIEL NOBREGA – Médico neurologista. Livre docente pela UNIFESP. Especialista em Neurofisiologia Clínica. Doutor em Medicina pela UNIFESP. JOÃO BAPTISTA GOMES DOS SANTOS – Médico. Professor adjunto e chefe da disciplina de Cirurgia da Mão e Membro Superior do Departamento de Ortopedia da UNIFESP/EPM. Especialista em Ortopedia e Traumatologia e em Cirurgia da Mão. Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP/EPM. JOÃO CARLOS BELLOTI – Médico ortopedista e cirurgião da mão. Professor adjunto do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP/EPM. Professor orientador do Programa de Pós-graduação em Cirurgia Translacional da UNIFESP. Doutor em Ciências pela UNIFESP. JORGE MITSUO MIZUSAKI – Coordenador do Curso de Espe- cialização em Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé da disciplina de Ortopedia do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da EPM. Chefe do Grupo de Medicina e Cirur- gia do Pé e Tornozelo da disciplina de Ortopedia do Departa- mento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Ciências pela UNIFESP/EPM. JOSÉ ANTONIO PINTO – Médico ortopedista pediátrico. Mes- tre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP. LUIS RENATO NAKACHIMA – Médico assistente da disciplina de Cirurgia da Mão e Membro Superior do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP. LUIZ A. MESTRINER – Médico ortopedista e traumatologista. Professor associado do Departamento de Ortopedia e Trau- matologia da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP/EPM. MARCEL JUN S. TAMAOKI – Médico ortopedista e trauma- tologista do Setor de Ombro e Cotovelo da UNIFESP/EPM. Doutor em Ciências pela UNIFESP. MARCELO HIDE MATSUMOTO – Médico ortopedista e cirur- gião do ombro e cotovelo. Membro do Grupo de Ombro e Cotovelo da UNIFESP. Mestre e Doutor em Ortopedia e Trau- matologia pela UNIFESP. MARCELO G. JANNINI – Médico radiologista. Médico colabo- rador do Departamento de Diagnóstico por Imagem (DDI) da UNIFESP. Especialista em Músculo Esquelético. MARCELO R. DE ABREU – Médico radiologista. Membro titular da International Skeletal Society. Pós-graduação em Ressonância Magnética pela Universidade da Califórnia. Mes- tre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). MARCELO SCHMIDT NAVARRO – Médico ortopedista e trau- matologista. Chefe do Grupo de Traumatologia Esportiva da disciplina de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Especialista em Cirurgia do Joelho pela Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho (SBCJ) e em Traumatologia Esportiva pela Sociedade Brasileira de Artroscopia e Traumatologia do Esporte (SBRATE). Mestre em Ciências pela UNIFESP/EPM. Doutorando em Ciências pela FMABC. MARCELO SEIJI KUBOTA – Médico do Grupo do Joelho da UNIFESP/EPM. Mestre em Ciências pela UNIFESP. MARCUS V. M. LUZO – Médico ortopedista e traumatolo- gista. Professor afiliado do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP/EPM. Especialista em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Medicina pela UNIFESP/EPM. AUTORESviii MARIO CARNEIRO FILHO – Professor afiliado da UNIFESP. Mestre e Doutor em Ciências pela UNIFESP/EPM. Doutor do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP/EPM. MARIO LUIZ VIEIRA CASTIGLIONI – Médico nuclear. Chefe da Coordenadoria de Medicina Nuclear do DDI da UNIFESP. MATIKO YANAGUIZAWA – Médica radiologista do Centro de Diagnósticos Brasil (CDB). Especialista em Músculo Es- quelético pela UNIFESP. MILTON LUIZ MISZPUTEN – Médico radiologista. Especialista em Radiologia Musculoesquelética pela UNIFESP/EPM. MOISES COHEN – Médico ortopedista e traumatologista. Professor livre docente e chefe do Departamento de Ortope- dia e Traumatologia da UNIFESP/EPM. Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP/EPM. NICOLA ARCHETTI NETTO – Médico ortopedista e traumato- logista. Membro da SBOT. Chefe do Setor de Ombro e Coto- velo da disciplina de Cirurgia da Mão e Membro Superior do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da UNIFESP/ EPM. Mestre e Doutor em Ciências pela UNIFESP/EPM. PAULO KENJI HONMOTO – Médico ortopedista e traumato- logista. Mestre em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP. REYNALDO JESUS-GARCIA FILHO – Ortopedista oncologis- ta. Professor livre docente associado do Departamento de Ortopedia da UNIFESP/EPM. Chefe do Setor de Ortopedia Oncológica. Ex-presidente da International Society of Limb Salvage (ISOLS). Membro associado da Musculoskeletal Tumor Society (MSTS). Mestre e Doutor em Ortopedia pela UNIFESP. RENATA ROSA MARCHETTI – Médica nuclear. Médica cola- boradora da Coordenadoria de Medicina Nuclear do Depar- tamento de Diagnóstico por Imagem da UNIFESP. Especialis- ta em Medicina Nuclear pelo CBR. RICARDO BASILE – Médico ortopedista e traumatologista. Médico assistente do Grupo de Quadril Adulto da UNIFESP. Médico do Grupo de Patologias do Quadril Adulto da UNIFESP/EPM. Membro titular da SBOT. Membro titular da Sociedade Brasileira de Quadril (SBQ). Especialista em Ci- rurgia do Quadril pela UNIFESP. RICARDO DIZIOLI NAVARRO (falecido) – Médico ortopedista e traumatologista. Professor livre docente da UNIFESP/EPM. Chefe do Grupo de Cirurgia do Joelho e Artroscopia da UNIFESP/EPM. Mestre em Ortopedia e Cirurgia Plástica Re- paradora pela UNIFESP/EPM. Doutor em Ortopedia e Trau- matologia pela UNIFESP/EPM. RICARDO ZANUTO – Nutricionista esportivo. Especialista em Fisiologia do Exercício pelas Faculdades Integradas de Santo André (FEFISA). Especialista em Natação e Atividades Aquáticas pela UNIFMU. Mestre e Doutor em Fisiologia Humana pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP.ROBERTO DIAS B. PEREIRA – Fisioterapeuta. Especialista em Reabilitação Neurológica nas Doenças Neuromusculares pela UNIFESP. Mestre em Neurologia pela UNIFESP. Douto- rando em Neurologia pela UNIFESP. ROBINSON ESTEVES SANTOS PIRES – Médico traumato- logista. Professor assistente do Departamento do Aparelho Locomotor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Traumatologia Ortopédica pela UNIFESP. Mestre em Ciências Aplicadas ao Aparelho Loco- motor pela UNIFESP/EPM. SERGIO S. KUWAJIMA – Médico ortopedista e traumatolo- gista. Mestre e Doutor em Ortopedia e Traumatologia pela UNIFESP/EPM. SÔNIA DE AGUIAR VILELA MITRAUD – Médica radiologista. Médica assistente e coordenadora da Tomografia Computa- dorizada do Hospital São Paulo/UNIFESP. Especialista em Radiodiagnóstico por Imagem em Músculo Esquelético pela UNIFESP. Mestre e Doutora em Radiologia Clínica pela UNIFESP. VERA LÚCIA SZEJNFELD – Médica reumatologista. Profes- sora adjunta da disciplina de Reumatologia da UNIFESP/ EPM. Mestre e Doutora em Ciências da Saúde pela UNIFESP. VICTOR ALEXANDRE FERREIRA TARINI – Profissional de Educação Física. Professor do Centro Universitário Adven- tista de São Paulo. Professor colaborador do Departamento de Ortopedia e Traumatologia e colaborador do Setor de Investigações das Doenças Neuromusculares da UNIFESP/ EPM. Especialista em Fisiologia do Exercício pela UNIFESP/ EPM. Mestre em Fisiologia do Exercício pela UNIFESP/EPM. Doutor em Ciências da Saúde pela UNIFESP/EPM. APRESENTAÇÃO O tratamento adequado de qualquer lesão ou patologia depende do diagnóstico, e o diagnóstico correto deve ser sempre precedido de uma boa propedêutica. Percebida como uma lacuna em termos de fontes de referência, a realização de uma obra que contemplasse especificamente a propedêutica em Ortopedia e Traumatologia, há muito tempo, vinha sendo considerada e estimulada pelo nosso saudoso Prof. José Laredo Filho. Este livro, coordenado pelo Dr. Nelson Mattioli Leite e pelo Prof. Flávio Faloppa, foi realizado no âmbito do nosso Departamento de Ortopedia e Traumatologia e contou com a contribuição de experientes colegas, tanto da Ortopedia como das áreas de Reumatologia, Neurocirurgia e Diagnós- tico por Imagem da Escola Paulista de Medicina. O assunto é apresentado em 41 capítulos amplamente ilustrados que abordam as bases científicas de introdução ao estudo do sistema músculo-esquelético e dos nervos periféricos, bem como os aspectos de diagnóstico por ima- gem e as particularidades das patologias. Parabéns aos organizadores, autores e editores pela grande contribuição a todos que estudam e exercem a nossa especialidade. WALTER MANNA ALBERTONI Professor titular livre docente do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da disciplina de Cirurgia da Mão da UNIFESP/EPM. Este livro é destinado a estudantes interessados em aprender a arte do diagnóstico de patologias e traumas que envolvem a coluna, a pelve, os membros superiores e os membros inferiores. Para tanto, buscamos o auxílio primoroso de co- legas da Escola Paulista de Medicina. O conteúdo desta obra foi desenvolvido por especialistas em Neurocirurgia, Reumatologia, Diagnósticos por Imagem e Ortopedia. O que nos motivou a escrever um livro de propedêutica foi a ideia clássica aliada a esse vocábulo, ou seja, mostrar as bases, os alicerces, ao se iniciar o estudo de uma ciência. Queríamos um livro bem abrangente, no qual fosse possível encontrar respostas às dúvidas que surgem ao tomarmos contato com um assunto novo. Além de um texto didático e objetivo, procuramos enriquecer cada capítulo com fotos e desenhos coloridos, ilustrando o conteúdo de forma a facilitar o entendimento do leitor. Agradecemos ao Grupo A e a Ramilson Almeida – nosso agente literário –, que abraçaram a nossa causa. Aproveita- mos para enaltecer o carinho e o auxílio da secretária do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), Patrícia Teixeira. Queremos agradecer também a todos os autores que escreveram os capítulos do livro, e de modo especial ao Doutor Artur da Rocha Correa Fernandes, que nos ajudou na coordenação de temas de Diagnóstico por Imagem. NELSON MATTIOLI LEITE FLÁVIO FALOPPA PREFÁCIO SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ! ix Walter Manna Albertoni 1 PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO ! 1 Victor Alexandre Ferreira Tarini, Ricardo Zanuto, Beny Schmidt, Acary Souza Bulle Oliveira, Flávio Faloppa, Roberto Dias B. Pereira 2 PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM ! 16 Nelson Mattioli Leite, Marcelo R. de Abreu 3 PROPEDÊUTICA DO OSSO ! 39 João Carlos Belloti, Marcel Jun S. Tamaoki 4 PROPEDÊUTICA DOS NERVOS PERIFÉRICOS ! 46 Nelson Mattioli Leite, Flávio Faloppa, Jefferson Braga da Silva 5 ELETRONEUROMIOGRAFIA: BASES E APLICAÇÕES ! 63 João Antonio Maciel Nobrega, Gilberto Mastrocola Manzano 6 PROPEDÊUTICA DO LÍQUIDO SINOVIAL ! 72 Antonio J. L. Ferrari 7 PROPEDÊUTICA DO OMBRO ! 82 Eduardo F. Carrera, Nicola Archetti Netto 8 PROPEDÊUTICA DO COTOVELO ! 93 Marcelo Hide Matsumoto, Henrique F. R. Pereira 9 PROPEDÊUTICA DA MÃO E DO PUNHO ! 102 Nelson Mattioli Leite, João Baptista Gomes dos Santos, Fábio Augusto Caporrino 10 PROPEDÊUTICA CLÍNICA DA MÃO E DO PUNHO ! 155 Fábio Augusto Caporrino, João Baptista Gomes dos Santos, Nelson Mattioli Leite 11 PRINCÍPIOS DE ARTROSCOPIA DO PUNHO ! 174 Carlos Henrique Fernandes, Luis Renato Nakachima 12 PROPEDÊUTICA DA COLUNA VERTEBRAL ! 179 Eduardo Barros Puertas 13 PROPEDÊUTICA DO QUADRIL E DA PELVE ! 187 Edmilson Takehiro Takata, Ricardo Basile 14 ANATOMIA E ANATOMOFISIOLOGIA DO JOELHO ! 203 Luiz A. Mestriner 15 PROPEDÊUTICA GERAL DO JOELHO ! 219 Antonio Altenor Bessa de Queiroz 16 PROPEDÊUTICA DA ARTICULAÇÃO FEMOROPATELAR ! 233 Ricardo Dizioli Navarro, Marcelo Schmidt Navarro 17 PROPEDÊUTICA DAS LESÕES LIGAMENTARES DO JOELHO ! 237 Edgard dos Santos Pereira Junior, Marcelo Seiji Kubota, Marcus V. M. Luzo 18 PROPEDÊUTICA DAS LESÕES MENISCAIS ! 245 Mario Carneiro Filho, Geraldo Sérgio de Mello Granata Júnior, Fabio Pacheco Ferreira 19 PROPEDÊUTICA DO PÉ ADULTO ! 248 Jorge Mitsuo Mizusaki, Flávio José Ballerini 20 PROPEDÊUTICA DA MARCHA ! 287 Eiffel Tsuyoshi Dobashi, Alexandre F. de Lourenço, José Antonio Pinto, Akira Ishida 21 PROPEDÊUTICA DAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES ! 293 Danilo Masiero, José Antonio Pinto, Paulo Kenji Honmoto 22 PROPEDÊUTICA NA PARALISIA CEREBRAL ! 304 José Antonio Pinto, Alexandre F. de Lourenço, Eiffel Tsuyoshi Dobashi, Danilo Masiero 23 PROPEDÊUTICA DA MIELOMENINGOCELE ! 324 Alexandre F. de Lourenço, José Antonio Pinto, Eiffel Tsuyoshi Dobashi 24 PROPEDÊUTICA DA ARTROGRIPOSE ! 330 Danilo Masiero, José Antonio Pinto, Alexandre F. de Lourenço 25 PROPEDÊUTICA DOS TUMORES ÓSSEOS E DOS SARCOMAS DE PARTES MOLES ! 339 Reynaldo Jesus-Garcia Filho 26 PROPEDÊUTICA DA SÍNDROME DO COMPARTIMENTO ! 352 Fernando Baldy dos Reis, Helio Jorge Alvachian Fernandes, Robinson Esteves Santos Pires 27 PROPEDÊUTICA DO POLITRAUMATIZADO ! 358 Fernando Baldy dos Reis, Helio Jorge Alvachian Fernandes, Robinson Esteves Santos Pires 28 LESÕES MUSCULARES ! 366 Alberto de Castro Pochini, Moises Cohen 29 PROPEDÊUTICA DO PÉ DA CRIANÇA ! 375 Henrique Sodré 30 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA DO QUADRIL PEDIÁTRICO ! 381 Akira Ishida, Sergio S. Kuwajima 31 DENSITOMETRIA ÓSSEA ! 386 Vera Lúcia Szejnfeld 32 MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM ! 391 Milton Luiz Miszputen 33 ULTRASSONOGRAFIA ! 398 Marcelo G. Jannini, Eloy De Ávila Fernandes 34 MEDICINA NUCLEAR ! 406 Mario Luiz Vieira Castiglioni, Renata Rosa Marchetti 35 PROPEDÊUTICA POR ESTUDO RADIOGRÁFICO DA COLUNA VERTEBRAL ! 417 Denise Tokechi Amaral, Camila P. Purysko, Frederico Santos 36 PROPEDÊUTICA POR IMAGEM DO OMBRO ! 443 Andre Yui Aihara 37 PROPEDÊUTICA POR IMAGEM DO COTOVELO ! 472 André Rosenfeld 38 PROPEDÊUTICA POR IMAGEM DO PUNHOE DA MÃO ! 486 Jader J. da Silva 39 PROPEDÊUTICA POR IMAGEM DO QUADRIL ! 504 Matiko Yanaguizawa, Sônia de Aguiar Vilela Mitraud, Artur da Rocha Correa Fernandes 40 PROPEDÊUTICA POR IMAGEM DO JOELHO ! 522 Cristiane S. Zoner, Sônia de Aguiar Vilela Mitraud, Artur da Rocha Correa Fernandes 41 PROPEDÊUTICA POR IMAGEM DO TORNOZELO E DO PÉ ! 542 Flavia Aiko Sakamoto, Sônia de Aguiar Vilela Mitraud, Artur da Rocha Correa Fernandes ÍNDICE ! 573 SUMÁRIOxiv ! MÚSCULO ESQUELÉTICO O músculo esquelético é o tecido mais abundante no corpo humano. Muito além de cumprir a função de dar movimen- to ao esqueleto e estabilizar as articulações, participa de outros processos relacionados ao metabolismo. Atua como um importante regulador dos níveis glicêmicos; cerca de um quarto de toda a glicose disponibilizada pela digestão dos carboidratos é captada pelos músculos esqueléticos com a finalidade de produzir energia. 1,2 Outro importante papel desempenhado pelos músculos diz respeito à hemodinâmica. O retorno venoso recebe grande contribuição por parte dos músculos ativos que “or- denham” os vasos venosos, facilitando o regresso do san- gue para o lado direito do coração. 3,4 A atividade dos mús- culos esqueléticos apresenta como coproduto do metabo- lismo energético o calor, que contribui constantemente para a manutenção da homeostase térmica. 5,6 Ao notar as várias funções que o músculo esquelético desempenha, é possível compreender que o mau funciona- mento de parte ou, ainda, de todo o músculo esquelético, representa prejuízos às funções motoras, com repercussões metabólicas, hemodinâmicas e térmicas potencialmente graves. O músculo esquelético está sob controle do sistema nervoso somático (voluntário). Portanto, responde às diver- sas solicitações motoras, que também propiciam os estímu- los necessários para a manutenção e/ou o aprimoramento de sua capacidade – o movimento. O exercício é o meio pelo qual os músculos são estimula- dos. A falta dessa atividade (hipocinesia ou sedentarismo) é a principal causa de doenças do aparelho locomotor, 7 bem como de doenças metabólicas 8,9 e vasculares. 10 Como forma de prevenir o surgimento de tais doenças, é fundamental que se promova a prática de exercícios físicos e que essa prática seja supervisionada por profissional com- petente. 11 A prescrição do exercício deverá ser precedida de uma avaliação adequada. A força e a resistência muscular são capacidades do músculo esquelético que devem ser contempladas por testes que levem em consideração carac- terísticas individuais. EMBRIOGÊNESE DO MÚSCULO ESQUELÉTICO Para uma melhor compreensão do funcionamento do mús- culo esquelético, é fundamental compreender sua origem. A seguir, revisaremos o seu desenvolvimento embrionário. A partir da terceira semana de desenvolvimento embrio- nário (gastrulação), observa-se o início da formação das três camadas germinativas: endoderma, mesoderma e ec- toderma. Do endoderma surgirão os sistemas respiratório e digestivo, enquanto que, do ectoderma, surgirão o encé- falo, a medula espinal e a epiderme. É do mesoderma que surgirão, entre outras estruturas, os músculos esqueléticos. O tecido muscular esquelético tem origem no mesên- quima, um tecido embrionário derivado do mesoderma. Com a formação do tubo neural que ocorre no fim do primeiro mês de gestação, duas massas de tecido derivadas do mesoderma paraxial chamadas de somitos irão evoluir juntamente com o tubo neural. Dos somitos também sur- gem os miótomos (Figura 1.1), um agregado de células de onde surgirão todos os músculos do tronco. 12 Os miótomos se dividem em duas porções: dorsal e ventral, dando origem, respectivamente, aos músculos ere- tores da coluna, aos músculos abdominais e ao tórax. Já os PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO ! Victor Alexandre Ferreira Tarini ! Ricardo Zanuto ! Beny Schmidt ! Acary Souza Bulle Oliveira ! Flávio Faloppa ! Roberto Dias B. Pereira1 CAPÍTULO 1 ! PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO2 músculos dos membros são de natureza epitelial; suas célu- las são provenientes da porção ventral do dermomiótomo. Após a transformação do epitélio mesenquimal, as células migram para o membro. 12 Com a formação do tubo neural, os miótomos indivi- dualizam-se e suas células se alongam, dando origem aos mioblastos (Figura 1.2). Mioblasto é o termo designado às células miogênicas por apresentarem bem definidas sua morfologia. Nesse es- tado, as células apresentam capacidade de se tornarem terminalmente diferenciadas em resposta à privação de fatores de crescimento. O termo miossatélite ou célula-satélite, é frequentemen- te usado quando se descreve o mioblasto em estado quiescente que reside entre a lâmina basal e o sarcolema. A partir desse nível de desenvolvimento, pode-se observar a expressão gênica de pelo menos um dos quatro fatores de crescimento miogênico (Myo D, miogenina, myf-5 e mrf-4). O termo miócito é empregado para designar células terminalmente diferenciadas. No entanto, nesse estágio, as células musculares ainda são “mononucleadas”. Outra característica desse estágio de desenvolvimento é a “imu- nopositividade” observada em uma série de proteínas, co- mo, por exemplo, a miosina de cadeia pesada. No estágio maturacional seguinte, a célula se torna multinucleada (Fi- gura 1.3). Nessa etapa de desenvolvimento, a célula recebe a designação de miotubo. No miotubo maduro, é possível observar a presença de lâmina basal e estrias transversais em suas miofibrilas. Para caracterizar o estágio terminal de desenvolvimento celular, emprega-se a expressão fibra muscular. 13 TIPOS DE FIBRAS MUSCULARES As respostas motoras variam consideravelmente de acordo com as solicitações que a vida nos impõe. Por vezes, precisa- mos alternar esforços moderados e duradouros com solicita- ções vigorosas que, geralmente, têm sua duração compro- metida pela fadiga. Comportamentos tão diferentes se justi- ficam pela existência de diferentes tipos de fibras muscula- res. " FIGURA 1.1 (A) Corte transversal de um embrião de 4 semanas. (B) Corte frontal mostrando a condensação das células do esclerótomo. PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 3 As fibras musculares se diferem, em especial, pela cor e pela velocidade de contração. Fibras brancas são as de con- tração rápida, com metabolismo energético predominante- mente glicolítico (tipo IIb). Fibras vermelhas podem também apresentar velocidade de contração rápida, com metabolis- mo energético misto entre oxidativo e glicolítico (tipo IIa), ou velocidade de contração lenta, com metabolismo ener- gético predominantemente oxidativo (tipo I). A cor vermelha se deve à presença de uma proteína responsável pelo con- finamento do O 2 no interior da célula, a mioglobina, além das enzimas que participam do metabolismo oxidativo. 14 A velocidade de contração muscular se deve à atividade da enzima miosina ATPase. 15 Histoquimicamente, é possível identificar os três tipos. A miosina ATPase reage com as soluções em diferentes valores de pH, o que possibilita a distinção dos tipos de fibras musculares (Figura 1.4). # FIGURA 1.2 Embrião com cerca de 41 dias mostrando os miótomos. # FIGURA 1.3 Construção do miotubo e a relação fun- cional dos fatores de crescimento miogênico (MRFs): myo D e myf-5 determinam a linhagem miogênica; miogenina e myf-4: diferenciação e manutenção do estado diferen- ciado de acordo com sua expressão. CAPÍTULO 1 ! PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO4 Hoje, já se sabe que o número de isoformas dessa enzi- ma não se resume a três, e sim sete subtipos (I, Ic, IIc, IIac, IIa, IIab, IIb). Contudo, observam-se com maior frequência os subtipos I, IIc, IIa e IIb. 16 As fibras musculares possuem alta capacidade de adap- tação a solicitações mecânicas como o exercício. Mesmo não sendo possível notar qualquer alteração morfofuncional pelo método histoquímico, a eletroforese em gel possibilita constatar as alterações na expressão gênicadas proteínas miofibrilares a partir de apenas duas semanas de treinamen- to com pesos, especificamente na expressão das isoformas da miosina de cadeia pesada (MHC) 17 (Figura 1.5). MACRO, MICRO E ULTRAESTRUTURA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO O músculo esquelético apresenta macroscopicamente for- mas que variam de acordo com a função (Figura 1.6). O ser humano possui cerca de 640 músculos, e o nome dado à musculatura varia de acordo com alguns critérios, como a forma (trapézio), o número de cabeças (bíceps), a função (abdutor longo do polegar), a localização (tibial anterior) ou a união de dois ou mais desses critérios (pronador qua- drado) (Figura 1.6). O músculo esquelético é constituído por um arranjo ordenado de camadas de tecido conjuntivo e células con- tráteis, que se inserem, pelas extremidades, aos ossos, para dar movimento ao esqueleto. Contornando o ventre muscu- lar, uma camada mais externa de tecido conjuntivo chamada de epimísio envolve um conjunto de fascículos (Figura 1.7). Os fascículos, por sua vez, reúnem em seu interior um agregado de células musculares graças à presença de outra camada de tecido conjuntivo chamada de perimísio (Figura " FIGURA 1.4 Lâmina em que foi utilizada a técnica histo- química ATPase pH 4,65. " FIGURA 1.5 Lâminas histológicas. (A) Imuno-histoquímica de músculo de rato – fibras escuras apresentam imunopo- sitividade para miosina de cadeia pesada lenta. (B) Imuno- fluorescência de músculo de rato – fibras fluorescentes apre- sentam imunopositividade para miosina de cadeia pesada (MHC). A B 1.8). As células musculares normalmente chamadas de fi- bras musculares são envolvidas individualmente por uma camada de tecido conjuntivo, o endomísio (Figura 1.9). A união dessas camadas de tecidos conjuntivos ocorre nas extremidades dos músculos, dando origem aos tendões, que se fixam aos ossos pelo periósteo. Fibras de colágeno tipo I permeiam o osso cortical e providenciam uma inserção muito forte do tendão (fibras de Sharpey) (Figura 1.10). A fibra muscular é a célula que constitui o músculo. Possui formato cilíndrico alongado, além de ser multinuclea- da. Seus núcleos estão dispostos na periferia da fibra madu- ra. O que limita sua área é a presença de uma fina membra- na (sarcolema) que agrega todas as estruturas citoplasmá- ticas (sarcoplasma). Outra membrana recobre o sarcolema, chamada de lâmina basal. As células-satélites, responsáveis pela regeneração das fibras musculares, habitam os espaços entre a lâmina basal e o sarcolema quando se encontram em estado quiescente. PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 5 # FIGURA 1.7 Corte transversal de um músculo. A seta aponta a sua cobertura externa – o epimísio. # FIGURA 1.8 Corte transversal de um músculo em que está salientado um fascículo muscular com a sua cober- tura – o perimísio. " FIGURA 1.6 As diferentes formas anatômicas do músculo esquelético. CAPÍTULO 1 ! PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO6 A fibra muscular possui em seu interior alongadas estru- turas proteicas chamadas de miofibrilas. Esses agregados proteicos medem cerca de 1 a 2 µm de espessura. Cada fibra muscular pode conter desde centenas até milhares de miofibrilas. As miofibrilas são formadas pela deposição ordenada de miofilamentos de proteínas. As mais abundan- tes são: miosina (cerca de 1.500 filamentos por miofibrila) e actina (cerca de 3.000 filamentos por miofibrila), além de outras como tropomiosina e troponina. Em cortes longitudinais, é possível observar a presença de estrias, características das miofibrilas. Essas estrias se devem à forma como estão dispostos os miofilamentos de actina, e miosina. Possíveis de serem observadas em micros- cópio de luz já no pequeno aumento, as estrias são forma- das a partir de faixas claras e escuras. A faixa clara, caracteri- zada pela presença dos filamentos de actina é a faixa I, e a faixa escura, onde estão depositados os filamentos de mio- sina, é a faixa A. Quando a luz polarizada passa através da faixa I (Isotrópica), desloca-se com a mesma velocidade em todas as direções. Por ser muito mais densa, o mesmo não ocorre quando a luz polarizada passa através da faixa A (anisotrópica) (Figura 1.11). A sobreposição dos miofilamentos proteicos dará ori- gem a blocos estruturais chamados de sarcômeros, que se repetem ao longo das miofibrilas, unidades funcionais res- " FIGURA 1.9 Fascículo muscular cortado transversalvente em que está salientada uma fibra muscular, composta de uma célula muscular com núcleos excêntricos e envolvida pelo endomísio. Observa-se a situação relativa do perimísio envolvendo o fascículo e do endomísio envolvendo a fibra muscular. # FIGURA 1.10 Desenho es- quemático de um músculo em que estão salientados os tendões inseridos nos ossos. PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 7 ponsáveis pelo ciclo alongamento-encurtamento da fibra muscular (Figura 1.12). O sarcômero é a unidade funcional da fibra muscular. Compreende o intervalo entre duas linhas Z, agrega em seu interior o conjunto de miofilamentos que interagem entre si para produzir a contração muscular. O diâmetro das fibras musculares pode variar entre 10 e 100 micra (µm), de acordo com o músculo examinado. Essas variações podem existir ainda dentro de um mesmo músculo. Durante o crescimento, é possível observar um aumento gradual no diâmetro das fibras musculares. No entanto, estímulos produzidos por solicitações musculares intensas (como exercícios resistidos) podem produzir au- mentos ainda maiores do diâmetro das fibras musculares. Tal fenômeno é denominado hipertrofia. A hipertrofia é definida como o aumento no tamanho da célula, em decor- rência do aumento no volume e/ou no número dos consti- tuintes intracelulares. A relação entre o comprimento da fibra muscular e o comprimento do músculo também apresenta grande va- riabilidade. Essa condição deve-se ao fato de que as fibras musculares apresentam sua disposição de acordo com a forma (ângulo de penação) do músculo (Figura 1.6). Nenhu- ma fibra muscular percorre todo o comprimento do múscu- lo. As fibras musculares apresentam um comprimento médio de 68 mm, podendo atingir 111 mm. UNIDADE MOTORA A unidade motora (UM) é formada a partir de ramos termi- nais axonais oriundos de motoneurônios. Esses ramos termi- nais formam botões que se ligam intimamente com as fibras musculares, estabelecendo a comunicação entre o sistema nervoso e o músculo. A UM pode ser definida como o motoneurônio e as fibras musculares por ele inervadas. Pode variar quanto ao número de fibras por neurônio, de acordo com a função desempenhada. Por exemplo, a musculatura extrínseca do olho apresenta UMs com 2 a 4 fibras musculares, enquanto o músculo quadríceps possui UMs com até 400 fibras mus- culares. A junção neuromuscular é comumente chamada de pla- ca motora e é o ponto de conexão entre o neurônio e a fibra muscular. O botão terminal aloja em seu interior uma grande quantidade de vesículas sinápticas contendo o neu- rotransmissor acetilcolina (Ach). " FIGURA 1.11 Imagem de microscopia óptica de músculo esquelético em corte longitudinal. Aumento de 125 ×. # FIGURA 1.12 Imagem de microscopia eletrô- nica do sarcômero. Aumento de 30.000 ×, com diagrama ilustrando as estruturas. CAPÍTULO 1 ! PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO8 MECANISMOS DE EXCITAÇÃO, ACOPLAMENTO E CONTRAÇÃO Com a chegada do estímulo pelo axônio terminal, canais de Ca ++ presentes nessas terminações se abrem, permitindo o influxo do Ca ++ para o interior do botão. Isso provoca a precipitação e a ruptura das vesículas sinápticas, liberando o neurotransmissor acetilcolina (Ach) na fenda sináptica. Nesse local, o Ach se liga ao seu receptor, provocando a abertura de canais iônicos e o influxo de sódio (Na + ), des- polarizando a membrana da fibra muscular. Tal fenômeno é denominado excitação. O estímulo se propaga por toda a membrana, descendo então por túbulos presentes transversalmenteao longo da fibra muscular. Esses túbulos “T” conduzem o potencial de ação para o interior das células, onde se encontram dispos- tas paralelamente as cisternas terminais do retículo sarco- plasmático. O retículo sarcoplasmático armazena em seu interior grande quantidade de íons Ca ++ , que são prontamente liberados pelos canais de rianodina mediante a despolari- zação. A liberação ocorre quando o estímulo que desce pelo túbulo T atinge o sensor de voltagem di-hidropiridina. Este, por sua vez, deforma e libera a passagem do Ca ++ pelos canais de rianodina (Figura 1.13). Uma vez liberado, o Ca ++ se ligará à subunidade “C” da proteína troponina. Esta, por sua vez, sofre uma mudan- ça conformacional tracionando o filamento de tropomio- sina, o que expõe o sítio de ligação no filamento de actina. Nesse momento, uma molécula de ATP é hidrolisada na cabeça de miosina, reação esta catalisada pela enzima miosina ATPase. A energia liberada durante o processo pos- sibilita a ligação da cabeça de miosina no sítio de ligação do filamento de actina, o que recebe o nome de acopla- mento. Por fim, ocorre o deslizamento dos miofilamentos de actina sobre os de miosina, completando o ciclo. A esta fase dá-se o nome de contração. O relaxamento ocorre mediante a ligação e a hidrólise de outra molécula de ATP na cabeça de miosina, permitindo, assim, o retorno dos miofilamentos ao estado de repouso à medida que os íons Ca ++ são recaptados para o interior do retículo sarcoplas- mático por meio da bomba de Ca ++ ATP dependente. PROPRIOCEPÇÃO: FUSOS MUSCULARES Os fusos musculares monitoram o comprimento do múscu- lo, fornecendo informação sensorial acerca das variações mecânicas (estiramento) sofridas pelas fibras musculares. Por meio de uma resposta reflexa, desencadeiam uma contra- ção muscular mais vigorosa, reduzindo, assim, a distensão. O fuso muscular é revestido por uma bainha de tecido conjuntivo. Basicamente, o fuso é constituído por dois tipos especializados de fibras musculares, denominadas fibras intrafusais. A fibra nuclear do tipo “bolsa” apresenta um volume maior, por concentrar numerosos núcleos em sua porção central. A fibra nuclear em “cadeia” apresenta um volume menor, devido à disposição dos núcleos ao longo do seu comprimento (Figura 1.14). " FIGURA 1.13 Desenho que representa o potencial de repouso no lado esquerdo, em que o sensor de voltagem di-hidropi- ridina mantém fechado o canal de rianodina, impedindo a saída do Ca ++ do retículo sarcoplasmático. No lado direito, está representado o potencial de ação em que a despolarização da membrana atinge o sensor de voltagem di-hidropiridina, que sofre uma mudança conformacional, permitindo a abertura do canal de rianodina e a saída do Ca ++ do retículo sarcoplas- mático. PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 9 " FIGURA 1.14 Diagrama dos proprioceptores musculares. α: motoneurônio alfa inerva fibras musculares extrafusais; γ: motoneurônio gama inerva fibras musculares intrafusais; Ia: nervo anuloespiralado envia ao SNC as alterações no comprimento do músculo; Ib: inerva os órgãos tendinosos de Golgi e informa o SNC de alterações na tensão sofrida pelo músculo. Propriocepção: órgãos tendinosos de Golgi Os órgãos tendinosos de Golgi (OTGs) monitoram a tensão gerada pela contração muscular. Estão localizados nas extre- midades das fibras musculares, mais precisamente na jun- ção miotendínea. Basicamente, cada OTG pode se conectar com até 25 fibras musculares. Quando estimulados por um aumento excessivo na tensão, enviam seus sinais para o sistema nervoso central (SNC), produzindo uma resposta inibitória sobre os músculos com os quais se relacionam. Esse mecanismo protetor evita possíveis danos produzidos por sobrecargas musculares. 18 DOENÇAS NEUROMUSCULARES As doenças neuromusculares representam um grande gru- po de afecções que comprometem o bom funcionamento da unidade motora, ou seja, o corpo celular do neurônio motor inferior, o seu prolongamento axonal, a junção neu- romuscular (placa motora) ou o músculo esquelético. 19 A melhor forma de classificação e diagnóstico das doenças neuromusculares consiste em seguir a rota anatômica do neurônio motor inferior, o que permite a identificação das principais doenças em cada sítio topográfico primário, etapa primordial para a adequada intervenção terapêutica. O diag- nóstico depende do histórico detalhado do comprometi- mento neurológico, de dados familiares e epidemiológicos, além de adequado exame físico. Quando ocorre o comprometimento do corpo celular do neurônio motor inferior, observa-se atrofia, atonia, arre- flexia, fraqueza e fasciculação. Já se o comprometimento for da fibra nervosa, observam-se alterações da motricidade e da sensibilidade, com redução dos reflexos e com compro- metimento autonômico. O acometimento da junção neuromuscular apresenta- -se com fadiga e flutuação da fraqueza, geralmente com piora ao longo do dia. As doenças musculares manifestam- -se na maioria das vezes com fraqueza muscular de predomí- nio proximal e alteração no padrão da marcha, o que costu- ma resultar em quedas e dificuldade para levantar (levantar miopático). Os exames mais adequados para o diagnóstico etioló- gico e topográfico são a dosagem sérica da enzima creatino- quinase (CK), o eletroneuromiograma (ENMG), a biópsia muscular com o estudo histoquímico e a biópsia de nervo, este último procedimento reservado a situações especiais para a confirmação do diagnóstico. As doenças musculares podem ser classificadas dentre cinco grupos: distrofias, síndromes miotônicas, miopatias CAPÍTULO 1 ! PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO10 congênitas, miopatias metabólicas e miopatias hereditárias (Figura 1.15). Neuropatia motora Atrofia muscular espinal (AME) é um distúrbio autonômico recessivo que afeta os neurônios motores. Ela é causada por mutações no gene da sobrevivência do neurônio motor (SMN1). A AME pode ser classificada em quatro tipos, de acordo com a idade e o grau de manifestação clínica: • Tipo I (Werdnig Hoffman): aguda desde o nascimen- to, é doença grave, com óbito antes do primeiro ano de idade; • Tipo II (intermediária): manifesta-se antes dos 18 meses, e a marcha é impossibilitada; • Tipo III (Kugelberg Welander): manifesta-se após os 18 meses, e a marcha existe, ainda que com difi- culdade; • Tipo IV: quadro mais brando, manifesta-se na ida- de adulta. Os diferentes tipos estão relacionados com o grau de comprometimento do gene SMN1 e da expressão do gene SMN2. Quanto maior o número de cópias do gene SMN2, melhor é o prognóstico. A poliomielite é uma doença infecciosa causada pelo vírus da pólio, felizmente erradicada na América desde 1994, caracterizada por atrofia e fraqueza muscular e assi- metria. A síndrome pós-poliomielite é um dos efeitos tardios da poliomielite. Trata-se de um transtorno neurológico ca- racterizado por nova fraqueza muscular e/ou fadiga muscu- lar anormal em indivíduos que tiveram poliomielite aguda muitos anos antes. Em geral, manifesta-se entre a terceira e a quarta décadas de vida. A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença de- generativa do sistema nervoso central, progressiva e fatal. Caracteriza-se por perda dos neurônios motores. " FIGURA 1.15 Fluxograma das miopatias. PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 11 Neuropatia As doenças dos nervos periféricos estão relacionadas com o comprometimento dos seus constituintes. Podem ser clas- sificadas em neuropatias axonais ou desmielinizantes. Mononeuropatia caracteriza o comprometimento de um único nervo. Mononeuropatia múltipla indica o com- prometimento de vários nervos, em tempos diferentes, sob forma assimétrica. Polineuropatia indica comprometimento de vários nervos de forma assimétrica. As causas das neuropatias são várias: hereditária, meta- bólica, tóxica, medicamentosa, compressiva, inflamatória ou infecciosa. Neuropatia hereditária sensitivo motora (Charcot-Marie--Tooth, CMT) é a forma mais comum de neuropatia here- ditária, afetando 1 em 2.500 indivíduos, tendo sido identifi- cados mais de 40 genes envolvidos. A heterogeneidade genética extensa explica a grande variedade fenotípica. Os tipos mais comuns são CMT14 (duplicação do gene PMP22), CMT1x, CMT1b e CMT24. O quadro clínico clássico é representado por tetraparesia distal e atrofia muscular, pés cavos e hálux em martelo. Neuropatia hereditária sensível à pressão (HNPP, do in- glês hereditary neuropathy with lability to pressure palsies) é de herança autossômica dominante (HAD) relacionada com a deleção de 1,5 mb no gene PMP22, é caracterizada por neuropatia relacionada à compressão de nervos peri- féricos. Síndrome de Guillain-Barré é uma polirradiculoneuro- patia imunomediada de instalação aguda, clinicamente ca- racterizada por infecção das vias aéreas ou diarreia prece- dendo em dias um quadro de tetraparesia flácida e arrefle- xia, de caráter ascendente. O exame do líquido cerebrospinal demonstra aumento de proteínas e o exame eletroneuro- miográfico revela alterações na condução elétrica, demons- trando comprometimento desmielinizante. A doença é mo- nofásica, com recuperação progressiva em semanas. Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PIDIC) é uma neuropatia imunomediada. Manifes- ta-se com comprometimento motor e sensitivo, simétrico, cujo tratamento está relacionado com o uso de corticoide, imunossupressores, plasmaférese e imunoglobulina huma- na endovenosa. Doença da junção neuromuscular Miastenia grave imune adquirida é uma doença imunome- diada, com comprometimento dos receptores pós-sinápti- cos de acetilcolina. Seu quadro clínico é caracterizado por envolvimento ocular (ptose palpebral e diplopia) e bulbar (disfagia e disfonia), bem como fadigabilidade e flutuações nos sinais e sintomas. Distrofias As distrofias musculares são de natureza genética, com he- rança bem definida, de caráter evolutivo e incurável. O acon- selhamento genético é primordial para a prevenção do sur- gimento de novos casos em uma mesma família. As distrofias musculares de Duchenne (DMD) e Becker (DMB) são as formas mais frequentes, ocorrendo um caso em cada 3.500 meninos nascidos vivos. Dois terços dos filhos afeta- dos são de mães portadoras do gene que leva a manifesta- ção da doença. A herança genética é de caráter recessivo ligado ao cromossomo X (Xp21), sendo que seu produto gênico – a proteína distrofina – é ausente na DMD e abaixo do padrão de normalidade na DMB. Alterações no padrão da marcha (marcha anserina), aumento da lordose lombar e inclinação da pelve são obser- vados. A fraqueza muscular de predomínio proximal mais evidente, a princípio, na cintura pélvica provoca o apareci- mento do sinal de Gowers, em que, para levantar-se, a criança parece galgar a si mesma na tentativa de compensar a fraqueza dos músculos extensores das coxas (Figura 1.16). Uma característica marcante é a pseudo-hipertrofia das panturilhas e dos deltoides. Tal característica se deve à gra- dual substituição do tecido muscular por tecido conjuntivo gorduroso, decorrente da deterioração em larga escala das fibras musculares. A distrofia de cintura-membros (DCM) recebeu essa denominação originalmente para incluir pacientes com fra- queza muscular das cinturas com envolvimento predomi- nantemente da musculatura proximal dos membros. Mais recentemente, tem-se verificado que tal condição representa diferentes afecções com herança autossômica e variados loci gênicos. As formas como se manifestam podem variar desde o surgimento precoce com rápida evolução até o surgimento tardio acompanhado de evolução lenta. A CK está sempre elevada e a biópsia muscular revela o padrão de distrofia com variação do calibre das fibras musculares. A presença de fibras hipertróficas com segmentação em seu interior é frequente. Com técnicas de biologia molecular já é possível identificar os diferentes tipos de DCM relaciona- dos com as proteínas associadas a distrofia e com as sarco- glicanas. A distrofia face-escapuloumeral (DFEU), de herança autossômica dominante, é caracterizada pelo comprometi- mento dos músculos da face, da cintura escapular e do bíceps braquial. Apresenta-se como doença rara com inci- dência estimada em 0,4/100.000. Na forma clássica, inicia com fraqueza na face e na cintura escapular, apresentando maior comprometimento nos músculos periescapulares e bíceps braquial. Por conta do comprometimento periescapular, observa-se a escápula alada bilateral. Os casos com comprometimento mais grave CAPÍTULO 1 ! PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO12 dessa musculatura podem ser tratados com artrodese cirúr- gica escapulotorácica. A fraqueza dos músculos da face inicia-se de forma insidiosa, havendo dificuldade para suc- ção ou assobio. A distrofia muscular oculofaríngea apresenta como prin- cipal característica a oftalmoplergia externa crônica progres- siva associada a disfonia e disfagia. De natureza autossô- mica dominante, tem seu início a partir da quinta década de vida. Apresenta um quadro de ptose palpebral bilateral associado a um comprometimento da musculatura inervada pelo nervo trigêmeo e pelos pares bulbares. A distrofia muscular congênita (DMC) é caracterizada por hipotonia neonatal e atraso no desenvolvimento motor, associado a contraturas articulares progressivas. Em geral, o quadro clínico se estabiliza. Porém, alguns pacientes apre- sentam piora progressiva. O maior comprometimento está associado às contraturas. Miotonias As miotonias são caracterizadas pela dificuldade em produ- zir o relaxamento após um estado de contração muscular, sendo acentuada especialmente nos dias mais frios. A mio- tonia congênita apresenta duas formas de herança, autos- sômica recessiva (HAR) e autossômica dominante (HAD, doença de Thomsen). Pode-se observar a presença de mio- tonia nas mãos. A forma mais comum é de HAD (doença de Thomsen), causada no cromossomo 7, região 7q35, caracterizada clinicamente por miotonia, presente, em geral, desde o nascimento, manifestando-se por demora em relaxar a musculatura da face e abertura dos olhos após o choro, além de hipertrofia muscular. A distrofia miotônica representa um distúrbio caracte- rizado por herança autossômica dominante, manifestando- -se com fraqueza muscular, miotonia (dificuldade de relaxa- mento muscular) e comprometimento multissistêmico (ca- tarata, calvície, bloqueio de condução cardíaca, hipogona- dismo e déficit cognitivo). Distrofia miotônica tipo 1 (DM-1), conhecida também como distrofia miotônica de Steinert, é a forma mais co- mum de distrofia muscular do adulto. É o resultado da expansão de nucleotídeo repetitivo (ctg) no gene DMPK (cromossomo 19q13.3). A distrofia miotônica tipo 2 (DM-2) é causada por expan- são do (cctg) do íntron 1 do gene ZNF9. A avaliação clínica sequencial e o exame de imagem mostram que o masseter e os músculos proximais e distais dos membros são significantemente afetados e há piora no decorrer da idade, o que demonstra curso progressivo da enfermidade. Na DM-2, há mais comprometimento pro- ximal quando comparada à DM-1. O comprometimento clínico está intimamente relaciona- do com o número de repetições dos nucleotídeos. Quanto maior a expansão, mais exuberante é o quadro clínico. Deve- -se chamar a atenção para bloqueio cardíaco e episódios de morte súbita. Miopatias congênitas As miopatias congênitas formam um grupo de doenças caracterizadas por apresentarem em comum hipotonia neo- natal, atraso no desenvolvimento motor, ainda que não progressivo, demonstrando, inclusive, melhora com o passar do tempo. Entre elas, ganha destaque a miopatia central core, por estar associada a hipertermia maligna. A hipertermia maligna é uma síndrome de origem fármaco-genética que classicamente se manifesta quando seu portador é submetido a potentes anestésicos inalatórios alogenados (halotano, isoflurano, etc.)e/ou bloqueadores neuromusculares despolarizantes (succinilcolina). 21,22 A alte- ração observada é uma descontrolada liberação de Ca 2+ " FIGURA 1.16 Representação do sinal de Gowers, extraído da publicação de William Richards Gowers, em 1886, de- monstrando como um paciente com distrofia muscular le- vanta-se, parecendo galgar a si mesmo na tentativa de com- pensar a fraqueza dos músculos extensores das coxas. Fonte: Gowers e Taylor. 20 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 13 do retículo sarcoplasmático para o interior do músculo esquelético, provocando um estado de hipermetabolismo. Esse fenômeno gera um consumo de grande quantidade de energia, com rápida e intensa elevação da temperatura. A rigidez muscular associada à falência dos estoques de ATP e a lesão mitocondrial pelo tamponamento do Ca 2+ levam a um dano estrutural da membrana da fibra muscular, provocando liberação de constituintes intracelulares (rab- domiólise), acidose e evolução rápida, muitas vezes para óbito. 23 As anormalidades celulares mais frequentes estão nos receptores de rianodina, que são canais de liberação de Ca 2+ presentes na membrana do retículo sarcoplasmá- tico. 23 Miopatias metabólicas São alterações do mecanismo de produção de energia das células em decorrência de defeitos enzimáticos. As glico- genoses são assim denominadas por apresentarem altera- ções do metabolismo da glicose com subsequente acúmulo de glicogênio no interior da fibra muscular. As lipidoses apresentam acúmulo de triglicérides no interior das fibras musculares. A mitocondriopatia é característica de uma grande varie- dade de síndromes clínicas que apresentam comprometi- mento da musculatura esquelética e do cérebro. Sua mani- festação clínica se dá pela evidência de contraturas muscula- res, intolerância ao exercício, cãibras, paresia da musculatu- ra proximal, paralisia progressiva da musculatura ocular ex- tríseca, entre outras. Miopatias adquiridas As miopatias inflamatórias compõem um subgrupo das miopatias adquiridas, tendo como quadro comum um pro- cesso inflamatório do músculo esquelético. De modo geral, a causa é conhecida (bactéria, fungo, protozoário, vírus). Nas miopatias inflamatórias autoimunes, incluem-se a po- limiosite (PM), que apresenta comprometimento da muscu- latura esquelética, a dermatomiosite, com comprometimen- to de pele e músculo esquelético, a miosite autoimune ne- crotizante e a miosite por corpo de inclusão. Pacientes com polimiosite ou dermatomiosite respondem com esteroides e vários medicamentos imunossupressores ou imunomo- duladores, como imunoglobulina humana endovenosa. DOENÇAS NEUROMUSCULARES E EXERCÍCIO As doenças neuromusculares (DNMs) não são frequentes, havendo uma maior prevalência na população idosa. A maioria delas é incurável, e os medicamentos prescritos são úteis para o alívio de certos sintomas associados. A orientação de reabilitação está presente em praticamente todas as consultas médicas. Entretanto, muitas dúvidas ain- da permanecem. A prática de exercícios físicos como coadjuvante no tra- tamento de doenças tem sido defendida pelos resultados positivos encontrados por pesquisas com as diversas popu- lações (p. ex. cardiopatas, diabéticos, osteopênicos, porta- dores de algum tipo de câncer, HIV, entre outros). 24-27 Não podemos esquecer que, nesses casos, o músculo esquelé- tico não é o principal tecido afetado pelo quadro. Diferentemente do que se observa em outras popula- ções, não há ainda estudos conclusivos acerca dos benefí- cios da prática de exercícios físicos em portadores de doen- ças neuromusculares. A forma heterogênea como cada doença neuromuscular se manifesta (diferentes níveis de comprometimento e gravidade do quadro), o número insu- ficiente de indivíduos por grupo e a impossibilidade do uso de grupo-controle com o mesmo tipo de doença são limitações metodológicas frequentemente encontradas nesses estudos. O que se observa é que, de modo geral, há uma resposta favorável à inclusão de algum tipo de exercício associado ao tratamento dessas doenças. O que ainda não se sabe é a “dose” certa. A inclusão de exercício físico no tratamento de doenças como DMD e ELA, que apresentam rápida evolução, deve ser analisado com cautela, uma vez que pode agravar o quadro. Verificou-se o efeito do exercício de endurance sobre parâmetros cardiorrespiratórios de pacientes com deficiên- cia da enzima miofosforilase (doença de McArdle). O exer- cício de endurance (3 a 5 vezes por semana, 60 a 70% do VO 2 máximo durante 30 a 40 minutos) aumentou o VO 2 máximo em 14%, a capacidade de trabalho em 36% e o débito cardíaco em 15%. Foram investigados efeitos do treinamento de força em pacientes com DMCM (diabetic cardiomyopathy) e DMB. Foram empregadas cargas entre 70 e 95% de uma repetição máxima (1 RM) durante um período de 12 semanas (3 ses- sões/semana). Os exercícios executados foram: extensões de joelho, flexões de cotovelo, dorsiflexões plantares e fle- xões/extensões de punho. Foi observada melhora significati- va da força nos flexores e nos extensores de punho e da resistência nos flexores do cotovelo. Os exercícios resistidos (treinamento de força) parecem ser mais indicados, uma vez que a maioria das doenças neuromusculares cursa com maior comprometimento das fibras do tipo II. No entanto, a intensidade moderada propi- ciada pelos exercícios de endurance parece oferecer menor risco de lesão. A eletroestimulação aplicada a pacientes com doenças neuromusculares tem sido objeto de estudo nos últimos anos. Os resultados são animadores. Em pacientes com CAPÍTULO 1 ! PROPEDÊUTICA DO MÚSCULO14 distrofia muscular de cintura-membros, a eletroestimulação ou estimulação galvânica pulsátil de alta voltagem (EGPAV) promoveu aumento de força superior ao aumento de força produzido pelo exercício resistido progressivo. Em portadores de distrofia face-escapuloumeral, foi ob- servado melhora significativa na força muscular, sem altera- ções significativas nos valores de creatinoquinase plasmá- tica. EXAME CLÍNICO Ao se descrever uma doença neuromuscular, o sinal mais evidente é a fraqueza muscular que ocorre de forma variada, podendo manifestar-se em todos os períodos de desenvolvi- mento do indivíduo. Hipotonia neonatal, atraso no desen- volvimento motor, alterações no padrão da marcha (marcha anserina), queixa de quedas, dificuldade de deglutir (disfa- gia) e/ou falar (disartria) e comprometimentos na visão (di- plopia) são diferentes formas de manifestação da fraqueza muscular. Cãibras e contraturas musculares são queixas co- muns. Já fasciculações estão relacionadas a doenças do neurônio motor. EXAME FÍSICO Inicia-se o exame físico pela inspeção dinâmica, observando o paciente sentado, em pé e deitado. Na inspeção estática, verifica-se o trofismo muscular. A observação de variações no padrão de normalidade, como redução do tamanho (atrofia) ou aumento do tamanho (hipertrofia), são caracte- rísticas que necessitam de um detalhamento descritivo quan- to a localização, extensão, intensidade e distribuição. Para determinar a consistência da musculatura ou a exis- tência de dor, a conduta mais adequada é a palpação. A dor está presente nas miopatias inflamatórias, enquanto a flacidez é indicativa de hipotonia. As contraturas manifes- tam-se com mais frequência nas miopatias metabólicas, como as glicogenoses, enquanto o aspecto de “borracha” é típico das distrofias musculares de DMD e DMB. A movimentação passiva auxilia na detecção de altera- ções do tônus muscular. Nesse procedimento, o avaliador realiza movimentos sucessivos em velocidade de alguns segmentos corporais do paciente. A amplitude de movi- mento é maior e a resistência produzida pelo reflexo do estiramento é menor no músculo hipotônico. Outro exame fundamental a ser realizado é a percus- são muscular. Para tanto, aplica-se um golpe seco e de intensidade moderada com um martelo dereflexos sobre o músculo examinado. Nos casos de miotonia, esse procedi- mento provoca uma depressão dos tecidos por vários se- gundos, devido a uma irritabilidade mecânica acima do normal decorrente de uma incapacidade de relaxamento muscular após uma contração. A força muscular deve ser avaliada em todos os segmen- tos corporais. O observador deverá aplicar uma resistência contra o segmento avaliado e comparar os resultados de ambos os lados. A avaliação da força muscular deve tomar por base a escala em graus (0-5) proposta pelo Medical Research Council of Great Britain (MRC) e divulgada por Kendall (Quadro 1.1). 28 QUADRO 1.1 ! AVALIAÇÃO DA FORÇA MUSCULAR PROPOSTA POR KENDALL Grau Características % de força em relação ao normal 0 Não existe contração muscular (sem movimento) 0 1 Existe contração muscular perceptível, sem haver movimento 0-10 2 O músculo é capaz de movimentar-se quando a gravidade é eliminada 11-25 3 O músculo é capaz de movimentar-se contra a gravidade, porém não contra a resistência 26-50 4 O músculo é capaz de movimentar-se contra algum grau de resistência 51-75 5 Força muscular normal 76-100 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 15 ! REFERÊNCIAS 1. Meyer C, Dostou J, Welle S, Gerich J. Role of human liver, kidney, and skeletal muscle in postprandial glucose homeostasis. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2002;282(2):E419-27. 2. Meyer C, Saar P, Soydan N, Eckhard M, Bretzel R, Gerich J, et al. A potential important role of skeletal muscle in human counterregulation of hypoglycemia. J Clin Endocrinol Metab. 2005;90(11):6244-50. 3. Tschakovsky M, Sheriff D. 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Marcelo R. de Abreu O tecido cartilagíneo é formado a partir de células mesen- quimais indiferenciadas multipotentes, do mesmo modo que as células que originam o tecido fibroso, o tecido ósseo, o tecido adiposo, o tecido muscular, as células endoteliais e as células mesoteliais. 1 Portanto, a especialidade médica orto- pedia e traumatologia atende principalmente lesões e pato- logias dos tecidos provenientes do mesênquima. 2 O mesên- quima se origina, em especial, do folheto embrionário inter- mediário, o mesoderma. 1-9 O tecido cartilagíneo é uma forma especializada de tecido conjuntivo de consistência rígida. 3 Outra forma de perceber esse encadeamento entre as diversas células e os seus tecidos é considerar que as células mesenquimais formam o fibroblasto, que é a célula proge- nitora, e este então vem a se diferenciar em colagenoblasto, condroblasto ou osteoblasto. 2 Essa maneira peculiar de de- nominar as células leva em consideração que todas estas três têm em comum a capacidade de produzir fibras. Ao haver a diferenciação, o colagenoblasto produz tecido fibro- so, o osteoblasto produz tecido osteoide e o condroblasto, tecido condroide. 2 Todas as três formas “blásticas” podem, em circunstâncias especiais, se transformar em quaisquer uma das outras duas. 2 Há discussões entre histologistas e histopatologistas sobre a possibilidade de haver transforma- ção de células em fases blásticas até mesmo em outros tipos de tecidos de origem mesenquimal, como gordura e músculo. 2 Em culturas de condrócitos submetidas a tensões, foi observada a desdiferenciação de condrócitos: ou seja, eles se tornaram células similares a fibroblastos e começaram a sintetizar colágeno do tipo I, em vez de colágeno tipo II, como era esperado da célulaoriginal, que era um condró- cito. 3 Os condrócitos se adaptam aos estímulos mecânicos alterando a matriz extracelular. 3 Observa-se no pericôndrio que as células são semelhantes aos fibroblastos; mesmo em sua parte mais profunda, quando já estão perto da car- tilagem, multiplicam-se por mitoses e formam condrócitos. 4 Neste capítulo, abordaremos aspectos gerais sobre a cartilagem, focando sua importância na formação do esqueleto, no crescimento e na capacidade de reparação. Também discorreremos sobre doenças que a alteram direta- mente (condromalacia da patela) ou indiretamente, com envolvimento do osso subcondral (osteonecroses, osteo- condrite dissecante). Manteremos a visão puramente pro- pedêutica: abordaremos conhecimentos de ciências básicas correlacionados à clínica e ao diagnóstico. ! TIPOS DE CARTILAGEM Conforme as necessidades funcionais do organismo, as car- tilagens se diferenciam em três tipos: hialina, elástica e fibro- sa. A cartilagem hialina é a mais comum, e sua matriz possui delicadas fibrilas, constituídas principalmente de colágeno tipo II. 1-7 A cartilagem elástica tem poucas fibrilas de colá- geno tipo II e é abundante em fibras elásticas. A cartilagem fibrosa apresenta preponderância de fibras de colágeno tipo II. 4 A cartilagem hialina é o tipo encontrado com mais fre- quência no corpo humano; ela tem a cor branco-azulada e translúcida quando vista em indivíduos jovens e gradativa- mente muda a cor para um tom amarelado. 4 Encontramos a cartilagem hialina na parede das fossas nasais, nos brôn- quios, na traqueia, na ponta ventral das costelas e na liga- ção delas com o esterno. Também está presente na super- fície das articulações com grande movimento, como, por exemplo, nas articulações de ossos longos. 2 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 17 A cartilagem fibrosa, ou fibrocartilagem, é encontrada na sínfise púbica, nos discos intervertebrais e em algumas inserções de tendões e ligamentos. Trata-se de um tecido que é a mistura de cartilagem com tecido fibroso. Ela tem textura densa entre a cartilagem hialina e o tecido fibroso. A cartilagem elástica é encontrada no pavilhão auditivo, na epiglote e na laringe. É parecida com a cartilagem hialina, mas tem como características físicas o fato de ser mais ma- leável e mais amarelada. Essa cor é consequência da maior quantidade de elastina. O pericôndrio é uma camada fibrosa, rica em colágeno tipo I, que recobre todas as cartilagens hialinas, exceto a cartilagem articular. Ele é a fonte de novos condrócitos e local onde penetram os vasos para nutrição e saem veias e linfáticos levando os refugos do metabolismo. Na camada superficial, é composto de um colágeno espesso (tipo I) e à medida que aprofundamos a visão, gradativamente, ele vai ficando mais rico de células similares a fibroblastos, as quais, ao se aproximarem da cartilagem hialina, proliferam formando condrócitos. 4 Seriam então estas células mais profundas do pericôndrio os condroblastos; e as mais su- perficiais, os fibroblastos. Se pensarmos que os processos funcionais dos tecidos e das próprias células são dinâmicos, podemos concluir que as observações histológicas de teci- dos fixados em uma lâmina somente nos darão uma ideia da distribuição celular e do provável comportamento delas nas diversas camadas naquele momento. Portanto, há mui- tos dados que demonstram a capacidade de transformação das células conforme a necessidade e que a origem vem de uma única célula. Assim, ela seria mais bem denominada fibroblasto, a mãe das células produtoras de fibras. 1 Todas as cartilagens são fundamentais. Contudo, para o estudo em ortopedia e traumatologia, a cartilagem hialina é a mais importante por sua localização nas articulações. Acresce-se a isso o fato de que o desenvolvimento ósseo é promovido pela ossificação endocondral ainda intraútero, e o crescimento longitudinal de ossos do esqueleto axial é feito por meio das cartilagens de crescimento, que também são cartilagens hialinas. Veremos adiante os detalhes de cartilagens intraútero que servem de molde para os futuros ossos, cartilagens de crescimento ou placas fisárias e carti- lagens das epífises. ! HISTOLOGIA AS CÉLULAS E A MATRIZ EXTRACELULAR Em uma visão genérica dos tecidos conjuntivos, observamos que a estrutura de todos eles é composta por células que produzem os componentes da matriz extracelular e com- põem uma rede de colágeno e de proteoaminoglicanos. 1 Essa estrutura é como uma rede tridimensional ou uma esponja com um gel entre as suas traves e muita água, onde as células ficam suspensas e contidas. A qualidade e a quantidade desses componentes variam conforme a região do corpo. O colágeno do tipo I é o mais abundante entre todos. Ele compõe a estrutura básica de ossos, tendões, meniscos, discos intervertebrais e ligamentos. O colágeno tipo I é en- contrado na cartilagem, na fase intraútero, e é removido gradativamente com o crescimento até a sexta semana após o nascimento. 5 O colágeno do tipo I da fase fetal é trocado por colágenos tipos II, VI, IX e XI. Na cartilagem, após a sexta semana de vida, há a predominância do colágeno tipo II (90%) (Tabela 2.1). 5 Nas culturas de condrócitos, quando ocorre desdiferenciação para fibroblastos, há a ten- dência de ocorrer a formação de colágeno tipo I, e a sua presença serve de controle de qualidade, como uma produ- ção indesejável para estudos de bioengenharia de cartila- gem. 5 A composição da matriz extracelular irá variar de tecido para tecido. Nos ossos, será formado tecido osteoide que permitirá a deposição de sais de cálcio e a organização em torno de vasos conforme as solicitações mecânicas; nos tendões, haverá a formação de fibras de colágeno tipo I em grande quantidade, que serão orientadas no sentido das forças musculares. O mesmo fenômeno ocorre com as cápsulas articulares e os ligamentos. Na cartilagem, encontramos: o colágeno tipo II, que formará a estrutura principal; o colágeno tipo VI, que é encontrado na matriz pericelular; o colágeno IX, que forma ligações covalentes com fibras de colágeno do tipo II, bem como as fibras de colágeno tipo XI, que formam as ligações cruzadas (crosslinks) e servem para reforçar mecanicamente a estrutura montada com os outros dois tipos de fibras (Figura 2.1). 3,5 A matriz extracelular da cartilagem é um gel espesso composto de água, colágeno na forma de fibras, além de fibrilas de colágeno em sua forma hidrossolúvel, ácido hia- lurônico, glicoproteínas e proteoaminoglicanos muito hi- dratados. A cartilagem tem seu peso seco composto de 40% de colágeno tipo II. 4 Há a matriz pericelular, que se encontra em torno dos condrócitos, e a matriz entre as fibras de colágeno, a cha- mada matriz interfibrilar. 6 Nas preparações histológicas, ob- serva-se a presença de lacunas em torno dos condrócitos, mas estas não passam de artefatos de técnica. Na verdade, não existem espaços livres – a membrana celular dos con- drócitos é contígua à matriz. Essa matriz pericelular, ou territorial, é rica em substância fundamental, enquanto, na matriz geral ou interterritorial, as fibrilas de colágeno são proeminentes. 6 Estudos com técnicas histoquímicas su- gerem que condroitina sulfato está presente em toda a matriz extracelular, mas é mais concentrada na matriz pe- CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM18 TABELA 2.1 ! TIPOS DE COLÁGENO Tipo Microscopia de luz Tamanho da molécula Tecidos representativos Principal função Colágenos que formam fibrilas I Espesso, altamente 300 nm Pele, tendão, osso, dentina Resistência à tensão birrefringente Periodicidade de 67 nm II Agregado frouxo de 300 nm Cartilagem, corpo vítreo Resistência à pressão fibrilas, birrefringente Periodicidade de 67 nm III Fino, fracamente Periodicidade de 67 nm Pele, músculos, vasos, Manutenção da birrefringente frequentemente associado estrutura de órgãos ao tipo I expansíveis V Frequentementese 390 nm Tecidos fetais, pele, osso, Participa na função do associa a fibras de Domínio N-terminal placenta tipo I colágeno tipo I globular XI Fibras pequenas 300 nm Cartilagem, corpo vítreo Participa na função do tipo II Colágenos associados a fibrilas IX Não visível; detectado por 200 nm Cartilagem, corpo vítreo Liga-se a imunocitoquímica glicosaminoglicanos; associado com tipo II XII Não visível; detectado por 300 nm Tendão embrionário e Interage com o tipo I imunocitoquímica Periodicidade de 67 nm pele XIV Não visível; detectado por Periodicidade de 67 nm Pele fetal e tendão imunocitoquímica Colágeno que forma fibrilas de ancoragem VII Não visível; detectado por 450 nm Interface Ancora a lâmina basal imunocitoquímica Domínios globulares epitelioconjuntivo da epiderme ao estroma subjacente Colágeno que forma rede IV Não visível; detectado por Rede bidimensional Todas as membranas Suporta estruturas imunocitoquímica basais delicadas, filtração Fonte: Adaptada de Junqueira e Carneiro. 1 ricelular, assim como o colágeno do tipo VI. 5,6 Contudo, o queratan sulfato tem concentração maior na matriz remota em relação aos condrócitos. 6 As células são alimentadas pela circulação de líquidos que vêm das artérias, que trazem íons, aminoácidos, glicose, entre outros elementos que são necessários à sobrevivência das células, e os líquidos levam os detritos expelidos por elas em direção a veias e linfáticos regionais. Este é conhe- cido como líquido extracelular (LEC). A interação com os vasos é válida para todos os tecidos, mas, na cartilagem, isso não ocorre, pois ela não tem vasos (artérias, veias ou linfáticos), nem terminações nervosas. 1-5 A parte celular da cartilagem é composta somente por condrócitos. A nutrição dessas células na cartilagem articular se faz pela difusão de PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 19 " FIGURA 2.1 Desenho ilustrativo da produção de colágeno por um condrócito, a partir de conceitos de diversos autores. Observe-se que, por motivo didático, não estão mantidas as proporções reais entre as estruturas. As figuras têm valor demonstrativo da sequência em que se forma o colágeno. Na parte superior da figura (A), observa-se a região intracelular desta produção, com o alinhamento de aminoácidos dentro do retículo endoplasmático rugoso (RER), em que se formam cadeias pró-alfa, que são heterômeros, por se apresentarem com radicais amina em uma ponta (N) e carboxila em outra (C) em propeptídeos que se prendem nas extremidades dessa cadeia. Esses heterômeros se entrelaçam em conjuntos de três cadeias trançadas, e a estrutura assim formada passa a ser denominada procolágeno. As moléculas de procolágeno são empacotadas em vesículas e enviadas para o aparelho de Golgi. A partir desta organela celular, são formadas vesículas de transporte, que seguem em direção à membrana celular, transportadas por moléculas (dineína e cinesina) na parte externa dos microtúbulos. Os microtúbulos fazem parte do citoesqueleto, originam-se no centríolo e vão prender-se à membrana celular. As vesículas cheias de procolágeno chegam à membrana celular, prendem-se a ela e se abrem para o espaço extracelular. A linha horizontal imaginária separa os fenômenos do espaço intracelular na parte de cima e do espaço extracelular na parte de baixo. Na parte inferior da figura (B), observam-se as moléculas de procolágeno no espaço extracelular em forma hidrosolúvel e em uma concepção artística, migrando para a parte anterior do desenho, para formarem cadeias maiores, no sentido longitudinal, pela ligação covalente das extremidades, o que leva à formação de fibras alongadas de colágeno. Por ligação covalente, no sentido lateral, unem-se os blocos de procolágeno para formar fibras de colágeno mais espessas. Essas fibras de colágeno da cartilagem juntam-se conforme a necessidade mecânica. Elas são predominantemente do tipo II, mas apresentam interligações com fibras de colágeno do tipo IX e colágeno do tipo XI. Fonte: Junqueira e Carneiro, 1,4 Hardmeier e colaboradores, 3 Responte e colaboradores. 5 Cadeia pró-alfa Procolágeno (protocolágeno) N C 8,6 nm Núcleo RER Golgi CADEIAS α PROCOLÁGENO (PROTOCOLÁGENO) Membrana celular Protocolágeno hidrossolúvel Ação de enzimas Ligações covalentes (formam fibrilas) FIBRILAS FIBRAS FEIXE DE FIBRAS DE COLÁGENO IX II XI N C N C N C N C C C Vesículas abertas para o meio extracelular N C A B CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM20 líquidos a partir do líquido sinovial. Os condrócitos são células que sobrevivem com baixos teores de oxigênio; logo, degradam a glicose principalmente pelo mecanismo anaeróbico, o que forma ácido lático como produto final. 4 O movimento articular favorece a movimentação de flui- dos no meio extracelular da cartilagem, mas as forças de compressão sobre a cartilagem também são fundamentais. A cartilagem tem o comportamento de uma esponja em um nível microscópico: quando submetida a compressão, a água é liberada para o espaço sinovial e, quando diminui a intensidade dessas forças, ela absorve água de volta a partir do líquido sinovial. 5,6 MICROESTRUTURA INTRA E EXTRACELULAR Para um melhor entendimento do texto que se segue, é fundamental lembrarmos aspectos da microestrutura das células e a formação dos diversos tipos de colágeno. O colágeno, de uma maneira geral, é formado por filamentos, que são expelidos pelas células para o meio extracelular, denominados procolágenos 3 ou protocolágenos. 1 No meio extracelular, enzimas agem sobre esses protocolágenos, libe- rando pontos da sua cadeia de aminoácidos para que se formem ligações covalentes. Desse modo, fora das células, as moléculas de protocolágeno (procolágeno) interagem e formam estruturas maiores (fibrilas de colágeno) e diversos tipos de colágeno, os quais se apresentam em formas varia- das relacionadas, conforme suas funções. As fibrilas de co- lágeno se juntam e formam a fibra de colágeno. Ao se agru- parem, as fibras formam os feixes de colágeno (Figura 2.1). No espaço intracelular, forma-se o protocolágeno a par- tir de três cadeias α de aminoácidos (duas α 1 e uma α 2 ). 1 As moléculas de protocolágeno são neutralizadas nas pon- tas por propeptídeos não trançados, para não se unirem dentro da célula. São os terminais propeptídicos N e C que determinam a característica físico-química de tornar hidros- solúveis as moléculas de protocolágeno. 3 O protocolágeno é formado no retículo endoplasmático e de lá é transportado ao complexo de Golgi. 1 O protoco- lágeno é composto das três cadeias α de aminoácidos enroladas da esquerda para a direita, e adquirem a forma de tranças. Os propeptídeos das extremidades apresentam radicais amina (N) em uma ponta e carboxila (C) lateral- mente, perto da outra extremidade da hélice. 3 No complexo de Golgi, as moléculas de procolágeno são “empacotadas” em vesículas e transportadas dentro delas para a membrana celular. Essas vesículas são condu- zidas por moléculas presas externamente nos microtúbulos (dineína e cinesina). Chegando à membrana celular, as ve- sículas são integradas a ela e se abrem para o meio extra- celular, liberando o procolágeno. 1 Enzimas específicas (pro- peptidases) atacam esses radicais. O radical N, ao ser remo- vido, permite a ligação longitudinal e a formação de fibras mais longas de colágeno. Os radicais N permitem que as fibrilas se associem lateralmente engrossando a fibra de colágeno que está formando. No espaço extracelular, a per- sistência dos radicais C permite que as fibrilas continuem hidrossolúveis e a persistência dos radicais N restringe seu crescimento lateral. 3 Portanto, a sequência de formação é: duas cadeias α 1 e uma α2; formam uma hélice denominada protocolágeno ou procolágeno; nas pontas da hélice, são adicionados pro- peptídios N e C; propeptidades removem os radicais C para crescimento longitudinal e N para crescimento lateral; for- mam-se as fibrilasde colágeno; a junção de fibrilas formam as fibras de colágeno; as fibras de colágeno formam os feixes de colágeno, que darão origem às estruturas macros- cópicas de sustentação (Figura 2.1). ! OSSIFICAÇÃO ENDOCONDRAL E CARTILAGENS DE CRESCIMENTO Quando estudamos a cartilagem, precisamos avaliar o fenô- meno biológico que forma o esqueleto pela ossificação que ocorre a partir de moldes de cartilagem (ossificação endo- condral), moldes estes que são formados na fase embrioná- ria. Em outras palavras, somente a clavícula e os ossos do crânio são formados pela ossificação membranosa. Todo o resto do esqueleto é montado pela ossificação endocondral, o que inclui os ossos da base craniana. A ossificação inicial da clavícula é membranosa, mas, em sua extremidade medial, forma-se uma epífise cartila- gínea que se articula com o esterno. Nessa extremidade da clavícula, desenvolve-se um núcleo de ossificação secun- dário e uma placa fisária, responsável pelo seu crescimento no eixo longitudinal. A clavícula é um dos primeiros ossos a se ossificar na fase embrionária, e sua placa de crescimen- to, junto à articulação esternoclavicular, é a última a fechar no sexo masculino. Para facilitar a compreensão sobre a formação do esque- leto, descreveremos o que ocorre na formação dos membros, mais especificamente nos membros superiores. Pretendemos analisar o processo de formação do esqueleto de modo superficial, focando a contribuição do tecido cartilagíneo. Durante o desenvolvimento fetal, 26 dias após a fertiliza- ção, formam-se quatro botões, dois mais cefálicos, que formarão os membros superiores, e dois mais caudais, que formarão os membros inferiores. Com esse tempo, o em- brião apresenta o comprimento de 4 mm. PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 21 Esses botões crescem lateralmente ao embrião e, de forma gradativa, formam-se as estruturas que os compõem. No caso dos membros superiores, o desenvolvimento se completa com 53 dias de gestação, quando já há a forma- ção completa e a separação dos dedos. O embrião tem 22 a 24 mm ao atingir 53 dias. 8,9 Nesse ponto, as articulações se formam pela condensação de condroblastos para formar densas placas entre os futuros ossos. 8 A cavitação define a articulação, mas o desenvolvimento total das juntas requer movimento para modelar o aspecto final da superfície arti- cular. Ao completar 8 semanas, o embrião já tem seus mem- bros completos, com todas as estruturas presentes. Obser- ve-se que as anomalias congênitas, na maioria das vezes, se instalam entre 4 e 8 semanas após a concepção. 9 Inicialmente, os botões que formam os membros são elevações no ectoderma, que é empurrado pelo mesoder- ma. O mesoderma se divide em: mesoderma da placa lateral do embrião, que forma ossos, cartilagens e tendões, e me- soderma somático, que forma músculos, nervos e vasos. 8,9 Estruturam-se no embrião modelos perfeitos dos futuros ossos, feitos de cartilagem e envoltos por pericôndrio. São blocos de células cartilagíneas que se formam a partir de células do mesênquima. Durante o desenvolvimento em- brionário, vasos penetram a parte central dos moldes car- tilagíneos de ossos longos e formam o núcleo de ossificação primário. Após algum tempo, novos vasos penetram as epífises e então surgem os núcleos de ossificação secundá- rios. A ossificação do núcleo primário é centrífuga e gra- dativamente forma a futura diáfise, enquanto os núcleos secundários formam os ossos das epífises. Entre a diáfise e a epífise ossificadas encontramos a cartilagem fisária, ou placa de crescimento. Na epífise, no final do crescimento, restará a cartilagem articular. Essa descrição didática simplista, com o desenvolvimen- to de três núcleos de ossificação, corresponde ao que ocorre no rádio, que aqui citamos como exemplo. Há epífises que têm a participação de outros núcleos secundários para sua formação ou para a construção de apófises. Em relação a esse último aspecto, no fêmur, surgirão núcleos secundários de aparecimento tardio, que formarão os trocanteres maior e menor. De maneira geral, há núcleos de ossificação que surgem na fase fetal, enquanto os secundários surgem na fase pós- natal. Nas radiografias, o aparecimento desses núcleos se- cundários em todo o esqueleto variará com a idade do indivíduo e serve de parâmetro para determinar a idade óssea de crianças em desenvolvimento. No caso do núcleo secundário de ossificação da epífise proximal do fêmur, a assimetria de aparecimento nos quadris nos leva a suspeitar de displasia do quadril no lado em que o núcleo não ossi- ficou. O pericôndrio da fase embrionária dá lugar ao pe- riósteo na parte diafisária, para formar tecido ósseo e au- mentar o diâmetro transverso dos ossos. Formadas as placas de crescimento nos extremos das diáfises, elas seguem produzindo cartilagem no eixo longitu- dinal e, com isso, se afastam. Os condrócitos das fises se multiplicam, formam colunas longitudinais e, com o tempo, degeneram e se calcificam. Portanto, encontramos nas fises condrócitos em diversas fases de desenvolvimento; perto da epífise, eles são menores e estão ainda em uma fase germinativa. Eles proliferam formando colunas de condró- citos em que os mais antigos começam a hipertrofiar. A proliferação longitudinal de condrócitos promove o afasta- mento das epífises. As células mais velhas sofrem hipertro- fia, degeneram e se calcificam. A partir da diáfise, há penetração de vasos em direção às epífises. Na ponta, levam células totipotentes, que forma- rão osteoclastos para remoção de tecidos degenerados e osteoblastos para a formação de osso no espaço criado pela proliferação dos condrócitos. Resumindo, podemos dividir a cartilagem de crescimen- to em camadas que são identificadas histologicamente, a partir da epífise, em: zona de cartilagem em repouso; zona proliferativa de cartilagem jovem; zona de cartilagem madu- ra; zona de cartilagem calcificada e zona de desenvolvimen- tos de trabéculas ósseas da metáfise (Figura 2.2). 10 As placas de crescimento também são chamadas de carti- lagem de conjugação. Outra forma de descrição das camadas das fises é a que encontramos dividindo as camadas em: (1) zona de repouso; (2) zona de cartilagem seriada ou de proli- feração; (3) zona de cartilagem hipertrófica; (4) zona de carti- lagem calcificada; (5) zona de ossificação (Figura 2.3). 11 Os osteoblastos formam em seu entorno colágeno, que se organiza em uma matriz osteoide, em que se depositam cristais de cálcio (hidroxiapatita). Os osteoblastos formam várias camadas em sua volta, que os prendem, e eles então se tornam osteócitos. Os vasos são a origem de tudo, e, em sua volta, forma-se uma rede de canais, que, quando estão em direção longitudinal, são denominados canais de Havers e, quando seguem em uma rede conjunta no sentido transverso, são denominados canais de Volkmann. Essa rede tridimensional forma o osso cortical das diáfises, que é extre- mamente resistente e leve, quando comparado a outros materiais criados pelo homem. Entre a placa de crescimento e o osso cortical que forma a diáfise, encontramos um osso que tem forma reticular semelhante a uma esponja (osso esponjoso), o qual adapta a transição entre a epífise, que é mais larga, e a diáfise. Esse local é denominado metáfise e corresponde à região de formação de tecido ósseo originado da ossificação en- docondral proveniente da placa de crescimento, conforme já descrevemos. CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM22 " FIGURA 2.2 Desenho do esqueleto de um recém-nascido, que demonstra a situação dos moldes de cartilagem das articulações (em azul) e a formação de núcleos de ossificação (em vermelho). Observa-se a presença de núcleos secundários de ossificação de ossos longos somente nas epífises distal do fêmur e proximal da tíbia. Há ossificação primária (central) dos ossos da bacia, das costelas e dos ossos curtos, exceto os do carpo; no pé, os núcleos secundáriosestão ausentes nas cunhas e no navicular. A formação dos ossos é de origem endocondral em todo o esqueleto, com exceção da formação dos ossos do crânio, da face e da clavícula, que se originam por ossificação membranosa. O desenho salienta que os ossos da base do crânio também são formados por ossificação endocondral. Durante a vida, novos núcleos de ossificação secundária vão sendo formados em diversas fases do crescimento e servem de controle para a idade óssea do indivíduo em formação. 1, osso piriforme; 2, patela. Base do crânio Clavícula Escápula Esterno Pelve 2 1 1 cm PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 23 Na metáfise, ocorre a absorção óssea por osteoclastos, que moldam o osso formado pela fise, que é mais largo, enquanto osteoblastos o transformam na forma cortical e tubular típica das diáfises. O osso das diáfises é espessado pela ação de osteoblastos do periósteo. Dessa forma, ocorre o crescimento longitudinal dos ossos longos e a sua remode- lação. Há constante adaptação desse tecido rígido às forças que agem sobre ele. Como é um tecido vivo de suporte, ocorrem solicitações que exigem mudanças. Presume-se que, a cada 10 anos, trocamos todo o tecido ósseo de nosso esqueleto. Durante o crescimento, as placas fisárias são estimuladas pelo hormônio do crescimento, para que produzam cartila- gem com aumento do número de células nas placas de crescimento, principalmente na camada de condrócitos hi- pertrofiados. O crescimento da cartilagem se faz com divi- sões mitóticas, e os novos condrócitos formados começam a produzir colágeno, proteoglicanos e glicoproteínas. Assim, há um aumento real do volume da cartilagem, muito mais pela deposição desses produtos no espaço extracelular do que propriamente pelo aumento do número de células. Contudo, logo após formar essa estrutura externa, o con- " FIGURA 2.3 Visão histológica da cartilagem de crescimento (fise) em um fragmento de tecido retirado da parte proximal de um úmero, em que já está presente o núcleo secundário da epífise proximal. No lado esquerdo da figura, observa-se em forma esquemática o local de onde foi retirado o espécime analisado histologicamente. No centro está a observação histológica com as diversas camadas da lâmina: na parte superior (em amarelo), o osso do núcleo secundário da epífise proximal; logo abaixo, a fise desenhada em azul e, na parte inferior, o osso metafisário formado a partir do crescimento do molde de cartilagem. No lado direito do desenho, há a descrição da divisão das diversas camadas da fise, que são caracterizadas conforme tamanho, forma, arranjo e estrutura histológica. As células da zona de repouso se multiplicam e formam a zona proliferativa. Ao se multiplicarem, empurram as células mais velhas e se afastam do centro do osso. A seguir, as células hipertrofiam (zona hipertrófica) e empurram as células mais velhas, que degeneram e se calcificam (zona calcificada). Permeiam essas colunas de células mortas brotos vasculares que levam macrófagos e células multipotentes, que se transfor- mam em osteoblastos para a formação de tecido osteoide, em que são depositados sais de hidroxiapatita, com a formação de osso esponjoso da metáfise óssea. O aumento do número de células em ambas as fises de um osso longo permite o afastamento das duas epífises, o que resulta em crescimento. Osso do núcleo secundário (epífise) Zona de repouso Zona profilerativa Zona hipertrófica Zona calcificada Osso metafisário CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM24 drócito fica preso e não há mais aumento de volume. O crescimento se fará por novas divisões celulares. Encontrare- mos fileiras de condrócitos separadas por fibras de coláge- no; são os grupos isógenos de condrócitos. 4 Estudos in vitro demonstraram que o hormônio do cres- cimento, produzido na pituitária, não age sozinho. Há a contribuição da somatomedina, que é produzida no fígado e que estimula a produção de proteoglicanos e de colágeno e a replicação de condrócitos. 7 Outros hormônios também agem sobre os condrócitos: insulina, tiroxina e testosterona. Eles tendem a causar hipertrofia dos condrócitos e espes- samento das fibras de colágeno. Os estrógenos reduzem a proliferaçao de condrócitos e diminuem a espessura das cartilagens de crescimento. 7,10 Há ação oposta, com freio do crescimento pelos hor- mônios sexuais, especialmente o estrógeno, pelo bloqueio da secreção do hormônio do crescimento. Quando ocorre a entrada da puberdade, há um estímulo geral e ocorre o estirão de crescimento. Nas meninas, após a menarca, há aumento de produção de estrógeno ovariano, que é um freio gradativo à produção do hormônio do crescimento; há menor estímulo às placas de crescimento e em um tempo relativamente pequeno ocorre o seu fechamento. Isso leva à parada desse desenvolvimento e à entrada na fase adulta do esqueleto. 7,10 Nos meninos, o processo de desenvolvimento é mais lento, o que leva a alterações corporais e estímulo às placas fisárias por mais tempo, resultando em indivíduos geralmen- te mais altos do que os do sexo oposto. Contudo, alguns meninos têm a entrada na puberdade de forma rápida, desenvolvem caracteres secundários masculinos em poucos meses e param de crescer. Todos esses fenômenos são regu- lados pelas características genéticas individuais e por inte- rações sutis entre os diversos hormônios. Na fase de desenvolvimento rápido, a fise fica microsco- picamente mais larga na parte de condrócitos hipertróficos e é mecanicamente mais frágil nesse local, o que possibilita a ocorrência de lesões traumáticas do tipo descolamento epifisário. Citamos como um exemplo frequente os desco- lamentos epifisários observados em traumas que envolvem a fise do rádio distal. Desequilíbrios hormonais (síndrome adiposo-genital de Frölich) provocam alterações similares de forma lenta nas fises dos quadris, com escorregamento gradual na camada de células hipertróficas e giro lateral da diáfise femoral, na patologia denominada epifisiólise do quadril. 10 ! A CARTILAGEM ARTICULAR Encontramos cartilagens articulares para suportar carga em áreas como no joelho e também em articulações que não recebem a carga direta, como no ombro. Nos membros inferiores, há a ação direta da gravidade associada às forças musculares necessárias para manter o equilíbrio. Nos mem- bros superiores, não temos as forças de compressão direta do peso do corpo, mas forças intensas antigravitacionais agem nos ombros quando nos movimentamos. Existem diferenças importantes na estrutura da cartilagem: há varia- ções entre as diversas articulações, na cartilagem de um lado do corpo em relação à do outro e até no mesmo tipo de articulação. Também há variações se considerarmos os pontos diversos em uma mesma articulação. Essas variações se apresentam tanto na espessura quanto no número de condrócitos das cartilagens articulares. 10-12 A cartilagem articular apresenta características físicas peculiares: tem resistência às forças que atuam sobre a articulação e absorve-as, pois apresenta elasticidade e ca- pacidade de retornar à forma anterior (resiliência). Esse as- pecto físico se deve à presença de grande quantidade de água e solutos dissolvidos nela, o que perfaz 60 a 80% do peso da cartilagem. Também contribui para essa caracterís- tica a organização estrutural do seu colágeno. A água é mantida ligada no entorno dos proteoaminoglicanos. Quando a cartilagem articular é submetida à ação de forças, o líquido intersticial faz a primeira resistência hidrostática e se distribui para outros pontos do tecido. Então, ocorre a deformação inicial. Quando a pressão tende ao zero, a resis- tência é executada pela estrutura de colágeno e pelos pro- teoglicanos. 13 A cartilagem não apresenta vasos (arteríolas, vênulas, linfáticos) ou nervos. 10-12 Ela se comporta como uma esponja resistente: quando comprimida, deforma-se com saída de líquido; cessada a ação dessas forças, retorna a suaforma original pela entrada de líquidos. Esse líquido se origina principalmente do líquido sinovial e traz nutrien- tes, hormônios e eletrólitos para o meio extracelular da cartilagem, de onde são absorvidos pelos condrócitos. O fluxo de líquidos, ao sair, leva os catabólitos. O fator movi- mento promove o bombeamento para dentro da cartila- gem, principalmente de proteínas. 12 As substâncias dissolvi- das na água (solutos) se movimentam por simples difusão, o que depende de sua concentração e também de como migram acompanhando a movimentação do líquido (sol- vente). A convecção dos fluidos carrega as moléculas de menor peso molecular (glicose, oxigênio, aminoácidos), in- dependentemente do movimento; mas à medida que o peso molecular aumenta (hormônios) há contribuição signi- ficativa do movimento articular. 12 Logo, a saúde da cartila- gem depende de movimentos articulares e de líquido sinovial com característica normal. 11-13 Um estudo com ressonância magnética realizado em voluntários avaliou o volume da cartilagem patelar, antes e após exercícios. Os pesquisadores observaram, em voluntá- rios, que a cartilagem patelar se deformou em 2,4 a 8,6%, PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 25 após eles realizarem 50 flexões do joelho. Esse resultado foi repetido após algumas semanas, com cem flexões do joelho. Na sequência das cem flexões, foi avaliada a recupe- ração do volume da cartilagem patelar após 90 minutos. Calcularam que o fluxo de fluidos voltando para a cartila- gem foi de 1,1 a 3,5 mm 3 por minuto. 14 A velocidade da recuperação foi maior nos indivíduos em que houve maior deformação (perda de volume após o exercício). 14 A forma como ocorre a nutrição da cartilagem articular, a partir do líquido sinovial, por embebição com a difusão de líquido com nutrientes, foi proposta em 1920, por Stran- geways, após observar que a cartilagem dos fragmentos articulares encontrados como corpos livres permanecia vital e com aspecto normal. 15 Naquela época, discutia-se como era nutrida a cartilagem, sendo cogitada até mesmo a pre- sença de microvasos linfáticos entremeados em seu tecido. Nos indivíduos adultos, a cartilagem articular é nutrida pelo líquido sinovial; entretanto, na fase de crescimento, há a contribuição adicional pela rota dos vasos que pene- tram pelo osso subcondral. Os seres em crescimento apre- sentam vasos em abundância nessa interface em que ocorre de forma mais intensa o fenômeno do crescimento. A partir desse local, os nutrientes se difundem por toda a cartilagem articular, como rota adicional de nutrientes à via da sino- vial. 16 Isso explica a gravidade de lesões isquêmicas da placa fisária. 16 Na fase madura, o osso subcondral é espesso e regular como se fosse um osso cortical, e os vasos que aí chegam não atravessam esse osso para interagir com a cartilagem. 16 A cartilagem articular é objeto de especial atenção de especialistas em ortopedia, traumatologia, reumatologia, geriatria, entre outras áreas. Ocorrem alterações da cartila- gem articular primária com o envelhecimento ou em distúr- bios da produção de colágeno, que levam à fibrilação da cartilagem, erosões em sua superfície e consequente dimi- nuição de sua espessura. É a osteoartrite degenerativa, ou osteoartrose. Traumas que rompam a superfície articular alteram a cartilagem e podem ser a causa de uma osteoar- trite pós-traumática. Essa degeneração articular ocorre quando há fendas ou degraus superiores a 2 mm na articu- lação. Por isso, há primazia de correção dessas alterações em traumas osteoarticulares. Os reumatismos implicam alte- rações na qualidade do líquido sinovial, e, como conse- quência, ocorrem danos na estrutura cartilagínea articular. Além disso, a formação de pannus (proliferação sinovial) causado pela sinovite altera a difusão do líquido sinovial, por sua interposição mecânica entre o líquido sinovial e a cartilagem. Alterações na difusão de líquidos no espaço extra- celular da cartilagem interferem na nutrição dos condrócitos. O metabolismo da cartilagem é lento e presume-se que, no indivíduo adulto saudável, haja troca de toda a estrutura da cartilagem a cada 300 dias. Os condrócitos sobrevivem em um meio pobre em oxigênio e se utilizam de mecanis- mos anaeróbicos para a produção de energia, resultando em aumento de ácido láctico entre seus catabólitos. A microestrutura da cartilagem tem uma disposição es- pecial das fibras de colágeno, que varia conforme a profun- didade. Há uma camada superficial, uma média e uma pro- funda (Figura 2.4). Na camada superficial, junto à superfície articular, há uma grande concentração de fibras de colágeno do tipo II, que estão situadas paralelamente à interlínea da articulação. O colágeno tipo X reforça a camada superficial bem junto à superfície articular. Suas fibras são observadas em estudos de imunoistoquímica como uma linha contínua rente à articulação. O tipo X de colágeno, nessa forma de estudo histológico, também é visto na junção da cartilagem com o osso subcondral. As células na camada superficial são menores e mais alongadas e com o maior eixo paralelo à superfície articular. São condrócitos que mantêm a qualida- de mecânica desse estrato, o qual tem a função de resistir ao atrito e às tensões horizontais que tendem a rompê-lo. Logo abaixo, encontra-se a camada média, que tem fibras de colágeno mais finas, dispostas em forma de arcos entremeados. Seguindo mais em direção ao osso subcon- dral está a camada profunda, que apresenta fibras de colá- geno mais espessas, com direção mais perpendicular à su- perfície articular. Essas fibras penetram a zona de cartilagem calcificada, junto ao osso subcondral. A maneira de o colágeno se organizar dá resistência à cartilagem articular e corresponde ao modelo descrito por Benninghoff, em 1925, segundo Responte e colaborado- res. 5 Apesar de essa descrição corresponder à forma prepon- derante do colágeno se organizar, não é a única: encontra- mos fibras de colágeno transversas distribuídas aleatoria- mente na parte profunda da cartilagem, enquanto a cama- da média apresenta-se de forma desordenada, com fibras que saltam umas sobre as outras, muito mais do que com um verdadeiro entrelaçamento. A camada superficial de- monstra a predominância de fibras paralelas à superfície articular. A distribuição das fibras de colágeno segue a ação das forças que agem sobre a cartilagem articular, mudando conforme a região e a articulação. É um assunto complexo que permanece sendo interesse em estudos de ciência bá- sica. 5 Podemos descrever, de modo sucinto, que há uma camada superficial muito resistente e rica em fibras paralela à superfície articular, fibras estas que são entremeadas para impedir que a cartilagem tenha sua estrutura aberta pelas forças; uma camada média com fibras distribuídas de forma aparentemente desordenada, que servem para absorver as forças de choque direto e de cisalhamento durante o uso normal da articulação; e uma camada profunda, que serve para ancorar o conjunto da cartilagem articular no osso subcondral. CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM26 Zona I – superficial Zona II – intermediária Zona III – profunda ou radial tide mark Zona IV – calcificada ZONAS E CÉLULASCAMADAS E FIBRAS DE COLÁGENO SUPERFICIAL MÉDIA PROFUNDA OSSO SUBCONDRAL A B 1 2 3 4 5 cc b b b cc cc !!! " FIGURA 2.4 Lâminas com imunopigmentação de cartilagens articulares. (A) Desenhos que mostram, no lado esquerdo, as camadas da cartilagem articular, o arranjo e as diferentes espessuras do colágeno. Na camada superficial, o colágeno tem suas fibras dispostas horizontalmente; na camada média, as fibras são finas e tomam a forma de arcos de colágeno entre- cruzados; na camada profunda, as fibras são grossas e dispostas paralelamente e prendem-se fortemente ao osso subcondral. No centro, há o desenho da forma, do arranjo e da distribuição dos condrócitos. Àdireita, encontra-se essa descrição celular destacada, e é possível ver que as células junto à superfície articular são menores e com o seu eixo maior paralelo à superfície articular (zona superficial ou zona I); na parte intermediária (zona II ou intermediária), as células são maiores e se multipli- cam formando agrupamentos em arranjos longitudinais, denominados “condrons”; logo abaixo no desenho, encontra-se a zona profunda (zona III). Junto ao osso subcondral está a zona IV (zona calcificada), entremeada por tecido osteoide. Entre a zona II e a zona IV, a “marca de maré” (tide mark), que corresponde a uma linha basófila ondulante que separa a zona profunda (zona III) da zona calcificada (zona IV). A zona calcificada apresenta uma cartilagem que emite extensões dentro do osso subcondral subjacente. (B) Microfotografias obtidas em trabalho sobre reparação da cartilagem articular, de auto- ria de Roberts e colaboradores (2003), 17 publicado como acesso livre (open access), em que mostra cortes histológicos de cartilagem normal. Esses cortes serviram de controle para o experimento realizado. Aqui, essas imagens servem para ilustrar a composição da cartilagem normal. Na foto 1, com a coloração com hematoxilina e eosina, fica bem evidente a linha de maré (tide mark) entre a cartilagem calcificada (zona IV) e a zona profunda (zona III). Nas outras imagens desse conjunto, a cartilagem foi submetida a métodos de imuno-histoquímica, para salientar os diversos tipos de colágeno que compõem a PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 27 # FIGURA 2.4 (continuação) cartilagem articular. Na foto 2, com a coloração para acentuar a presença do colágeno do tipo II, fica clara sua predominância em todas as zonas da cartilagem. Nessa imagem, a letra b corresponde a bone, o osso subcondral, junto ao qual há a menor quantidade do colágeno tipo II em uma fita de < 50 mm. O inverso foi observado no estudo do colágeno tipo I, conforme se vê nas microfotografias 3 e 4. O método imuno-histoquímico promoveu uma coloração que salienta a presença de colágeno tipo I junto à superfície articular (zona I) e na cartilagem calcificada (zona IV), assim como no osso subcondral. O colágeno tipo I reforça as zonas que são submetidas às forças maiores: cisalhamento na zona I e tração na zona IV. Na microfotografia 5, a avaliação imuno-histoquímica salientou o colágeno do tipo X, que tem presença restrita à zona de cartilagem calcificada (zona IV) e à linha de maré (tide mark). cc, cartilagem calcificada; b, bone (osso). Fonte: Roberts e colaboradores. 17 A matriz intersticial apresenta variações em seu conteú- do, conforme a sua localização relacionada à distância dos condrócitos, sendo dividida em pericelular, interterritorial e territorial. A região pericelular é rica em substâncias de comunica- ção entre as células, fibrilas recém-expelidas pela membrana celular e proteoaminoglicanos, que, mecanicamente, serve para amortecer as forças que agem sobre a cartilagem arti- cular. A parte interterritorial é a região mais distante do condrócito e apresenta fibras de colágeno desalinhadas. A região territorial é a que está junto à região pericelular e apresenta-se com fibras de colágeno orientadas e com diâ- metro maior. Apesar de observarmos claramente a divisão nessas regiões, há diferenças conforme a idade do indivíduo e a região em uma mesma articulação. 5 ! PATOLOGIA DA CARTILAGEM Ocorrem lesões das cartilagens articulares e fisárias quando houver isquemia da epífise (em traumas e nas denominadas “osteocondrites”), reumatismos, alterações hormonais, traumas articulares, infecções articulares, imobilizações ab- solutas por fixadores externos em uso prolongado, envelhe- cimento, alterações genéticas, entre outros fatores. Vamos apresentar algumas alterações patológicas a títu- lo de exemplo, como entendemos ser cabível em um capítu- lo de propedêutica. Aproveitamos para frisar que colocamos entre aspas o termo osteocondrite por ser duvidoso. Na cartilagem, não ocorre o que é entendido patologicamente como inflamação, pois ela não tem vasos; logo, não ocor- rem os fenômenos que caracterizam inflamações em teci- dos. 5-7,12 No entanto, vasos são encontrados penetrando a cartilagem em pequenas distâncias, enquanto o esqueleto está na fase de crescimento. Esses vasos são observados junto às fises e penetrando núcleos secundários de cresci- mento. Alterações nutricionais por alterações da qualidade do líquido sinovial e dificuldade de sua difusão por fatores mecânicos, como, por exemplo, na artrite reumatoide, po- dem ser percebidas pela presença de pannus (proliferação sinovial). LESÕES DA CARTILAGEM DE CRESCIMENTO A cartilagem da placa de crescimento pode ser lesada em traumas. Na sequência, referimos os tipos classificados por Salter e Harris. 18 São os descolamentos associados à fise, mas sem fraturas (Salter-Harris tipo I); as fraturas que envol- vem a metáfise e o traço lesional seguem pela fise e ocorre desvio (Salter-Harris tipo II); a fratura transepifisária, que segue descolando a fise (Salter-Harris tipo III); as fraturas que partem a epífise, atravessam transversalmente a placa de crescimento e invadem a metáfise, separando um bloco com os três componentes (Salter-Harris tipo IV); e as lesões por esmagamento da fise (Salter-Harris V), que são as mais graves e traiçoeiras. Nestas, ocorre esmagamento da placa de crescimento, com necrose de suas células cartilagíneas e em seguida, a fise fecha. Forma-se uma ponte óssea entre a metáfise e a epífise. O crescimento nesse local é bloquea- do, enquanto as outras placas continuam crescendo nor- malmente, e isso leva a uma deformidade no membro lesa- do. 18 Tais lesões podem ocorrer em quaisquer fises do esque- leto em crescimento, mas o principal exemplo é o rádio distal. Nele encontramos com frequência lesões traumáticas infantis, que envolvem a placa de crescimento. A placa fisária também pode ser lesada por alterações isquêmicas, após infecções ou traumas. 16 A consequência é uma deformidade da metáfise e da epífise. Temos como exemplo as fraturas do úmero distal, que envolvem a tróclea e, quando ocorre isquemia, têm necrose central. Desenvol- ve-se a deformidade do úmero distal em “rabo de peixe”, em que se observa desenvolvimento lateral e medial da epífise e uma depressão central. A isquemia destrói a parte central da fise, e a epífise também é afetada, pois, na fase inicial do crescimento, a nutrição da cartilagem articular que é feita pelo líquido sinovial tem importante contribuição CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM28 de vasos que penetram a fise pela metáfise. Também na fase de crescimento do esqueleto há vasos que penetram o núcleo de ossificação secundário da epífise, cujos ramos penetram a interface com a cartilagem articular. 16 LESÕES DA CARTILAGEM ARTICULAR A cartilagem articular é lesada na maioria das vezes em acidentes, que provocam traumas variados em sua superfí- cie. Ocorrem fraturas osteocondrais, em que um pedaço de cartilagem é destacado junto com um fragmento do osso subcondral. Esse fragmento fica solto dentro da articu- lação, como um corpo livre. As lesões osteocondrais ocor- rem com maior frequência nos joelhos, mas também pode- mos encontrá-las como traumas do cotovelo. Muitas lesões cartilagíneas ocorrem após acidentes, com a forma de fissuras na cartilagem de profundidades variadas e até mesmo afundamentos na própria cartilagem com o osso subcondral. Em associação com esses traumas articula- res, podem aparecer lesões da cartilagem após alguns me- ses, as quais são caracterizadas como osteoartrites pós- -traumáticas, ou seja, consequentes a um trauma. As lesões traumáticas diagnosticadas em fase tardia têm o compo- nente de destruição da estrutura tissular. Elas podem se confundir, no caso da patela, com a patologia denominada condromalacia da patela. Há, ainda, lesões com envolvimento osteocondral por necrose localizadana ausência de traumas e secundárias ao uso de corticosteroides e bisfosfonatos, como as que ocorrem no côndilo umeral. As osteonecroses também po- dem ser encontradas na articulação do quadril e nos joelhos. As necroses ósseas podem ocorrer em pacientes com ane- mia falciforme e doença de Gaucher. Contudo, há lesões que ocorrem nos joelhos, de origem desconhecida, como: osteonecrose espontânea, que parece estar ligada a obesidade e osteocondrite dissecante, que tudo indica ser causada por traumas de repetição. A osteo- condrite dissecante, quando ocorre no joelho, é observada com maior frequência na face lateral do côndilo medial (70%), enquanto a osteonecrose é encontrada na zona de carga dos côndilos femorais. Na osteonecrose, o osso es- ponjoso do côndilo femoral necrosa e a cartilagem afunda por falta de suporte; o fragmento osteocondral afunda em um osso desvitalizado. Por sua vez, a osteocondrite disse- cante caracteriza-se por uma necrose segmentar envolta por um tecido esponjoso bem vitalizado. Na fase tardia da vida, é frequente a presença de lesões cartilagíneas decorrentes de artrose. As lesões por artrose se devem a vários fatores: obesidade, associada ou não a osteoporose, distúrbios hormonais, desvios de eixo dos membros inferiores, alterações da forma das articulações, lesões da cartilagem por patologias prévias, colagenoses e, principalmente, envelhecimento. Regeneração da cartilagem articular A cartilagem articular, como vimos, não apresenta vasos (artéria, veias, linfáticos) e nervos, é nutrida por embebição pelo líquido sinovial e tem como células somente os con- drócitos. Quando há lesões de sua substância, sem atingir o osso subcondral, a capacidade de regeneração é mínima. Na avaliação de lesões traumáticas que atingem somente a cartilagem, observa-se o fenômeno em que os condrócitos se transformam em fibroblastos e começam a produzir co- lágeno do tipo I, em uma tentativa de fechar a fenda. Entre- tanto, a tentativa da natureza costuma ser inútil, e a tendên- cia é que a lesão evolua para uma osteoartrose. A fenda persiste e os movimentos tendem a agravar a lesão. Tal é o comportamento desse tecido especializado tanto em lesões traumáticas quanto em degenerativas; não há vasos para fazer a reparação. 19 O problema da artrose, quando se esta- belece, é grave, geralmente dolorosa e incapacitante. As pesquisas buscam formas de se estimular a regenera- ção de lesões da cartilagem de forma geral. Foi observado que é necessário haver ruptura do osso subcondral para que vasos e células da medula óssea sejam recrutados em uma reação habitual inflamatória de reparação tissular. 19 Várias observações e tentativas foram e estão sendo realiza- das na busca de recuperação da cartilagem. Contudo, em geral, o que é conseguido é a substituição da falha por uma fibrocartilagem. Buscam-se formas de estimular a pro- dução de condrócitos e a cicatrização com o uso de fatores de crescimento, associados ou não a outras técnicas. Muitos investigadores procuram estimular a cicatrização por meio de perfurações e abrasão, as denominadas microfraturas do osso subcondral. 19 Para que seja conseguida a reparação (alguma repara- ção), é fundamental que seja feita a penetração do osso subcondral, que a lesão seja pequena e tenha ocorrido em indivíduos jovens (abaixo de 40 anos). 19 Outras tentativas biológicas de estímulo à reparação atêm-se a colocar na área de lesão células cultivadas ou em pequenos tarugos de cartilagem e osso subcondral retirados da parte posterior do joelho, que é uma zona que não suporta carga. 19-21 Condromalacia Constitui uma alteração patológica que leva ao amolecimen- to da cartilagem em qualquer região. Contudo, ao longo do tempo, o termo foi cada vez mais direcionado para alte- rações da cartilagem em indivíduos jovens. As alterações degenerativas da cartilagem de pessoas mais velhas tem PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 29 características clínicas diferentes, mesmo que estejam loca- lizadas na articulação femoropatelar. A condromalacia da patela é uma patologia de origem desconhecida, que ocorre em jovens, cuja etiologia é muito discutida. Ela se apresenta, na fase inicial, na forma de uma “bolha” no meio da cartilagem (blister): há destruição da estrutura do colágeno na camada intermediária da carti- lagem e, por consequência, a camada superficial perde a aderência e a sustentação. A cartilagem articular afunda ao toque, mas preserva sua continuidade superficial em fases iniciais. Após algum tempo, a camada superficial co- meça a se fragmentar. Em termos patológicos, podemos dividi-la em condro- malacia fechada e aberta. 22 Em uma avaliação histopato- lógica de pacientes diagnosticados com condromalacia e submetidos a tratamento cirúrgico, a cartilagem lesionada pela doença (a parte aberta) e a cartilagem junto à lesão (ainda fechada) foram estudadas com microscopia conven- cional e eletrônica. Nos estudos de fragmentos de cartila- gem retirados da área de lesão aberta, ficam claras as lesões com fissuras perpendiculares à superfície articular. Nos frag- mentos retirados da margem da lesão, onde havia a forma ainda fechada, foram observados diversos aspectos: 22 • Na fase inicial, há aumento de líquido intersticial na camada intermediária da cartilagem articular e o consequente afastamento dos condrócitos, mas a camada superficial da cartilagem articular se en- contra íntegra; são observados pequenos desarran- jos esparsos das fibras de colágeno. • Em lesões observadas em fase mais avançada, mas com a camada superficial íntegra, foram encontra- das zonas de ruptura na estrutura do colágeno na camada intermediária da cartilagem articular. • Na análise de fragmentos da margem das lesões, foram encontradas fissuras parcialmente preenchi- das por fibrose e com a presença de fibrócitos. 22 Nessa patologia, a cartilagem articular, ao apresentar uma erosão da camada superficial, perde a proteção contra forças de cisalhamento. A consequência será a formação de fissuras paralelas, da superfície até o osso subcondral, que transformam a substância da cartilagem na zona de lesão em uma verdadeira escova. Com o passar do tempo, a cartilagem se solta aos pedaços dentro da articulação e forma-se uma úlcera, expondo o osso subcondral (Figura 2.5). Na mesma lesão, podemos encontrar alterações car- tilagíneas em fases diferentes de evolução da morbidade. As fases podem ser divididas, didaticamente, em: amoleci- mento; fasciculação; fibrilação; e erosão. Na Figura 2.6, podemos ver o algoritmo da destruição da cartilagem. Há uma classificação clínico-cirúrgica proposta por Ou- terbridge (1961), o qual graduou as lesões da condroma- láacia em quatro graus: no grau 1, enquadrou as lesões em que há amolecimento e edema da cartilagem; no grau 2, quando há fragmentação e fissuras em uma área com " FIGURA 2.5 Desenho representando as fases de lesão da cartilagem na condromalacia. Na parte superior, observa-se a estrutura de uma cartilagem normal, com a camada superficial com as fibras de colágeno paralelas à superfície articular, uma camada intermediária com fibras entrecruzadas e uma camada profunda com fibras de colágeno grossas e verticais, que prendem a cartilagem no osso subcondral. Abaixo estão colocados, em linha, desenhos que mostram a instalação de edema da cartilagem, que a torna insuflada e amolecida (amolecimento); segue-se outro desenho que mostra a separação das fibras de colágeno com ruptura interna, mas mantendo a superfície íntegra (fasciculação); na sequência, a camada superficial se rompe e ocorre a formação de fissuras (fibrilação) e, finalmente, a cartilagem é destruída e deixa exposto o osso subcondral. Normal Amolecimento Fasciculação Fibrilação Erosão CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM30 # FIGURA 2.6 Algoritmo que demonstra as causas de lesão que resultam em edema e destruição da cartilagem. diâmetro de 0,5 polegada(1,27 cm) ou menos; no grau 3, quando a área de lesão for maior do que 1,27 cm; no grau 4, são classificadas aquelas lesões que chegam até o osso subcondral. 23 No final do capítulo, há figuras apresentando lesões cartilagíneas cujas imagens foram cedidas pelo Prof. Luiz R. S. Marczyk. Osteocondrite dissecante A osteocondrite dissecante (OCD) é uma condição patológi- ca que pode acometer o joelho, o tornozelo e o quadril. Sua etiologia é desconhecida e ela pode se apresentar antes ou depois do fechamento das placas fisárias. Há uma forma juvenil que, na maioria das vezes, evolui bem com o trata- mento conservador, e uma forma do adulto, que é mais grave e cujo tratamento geralmente é cirúrgico. Em termos patológicos, observa-se que um fragmento da cartilagem e o osso subcondral são isolados do resto do osso adjacente, o que apresenta sinais de necrose. A parte cartilagínea conti- nua viva, pois se nutre por embebição. A forma mais descrita é a que ocorre nos joelhos. Na discussão das possíveis causas para esse tipo de lesão, encontramos sugestões etiológicas: trauma agudo, microtraumas de repetição, isquemia, ano- malias na ossificação e fatores genéticos. 24, 25 A OCD é a principal causa de corpos livres dentro da articulação do joelho, o que leva a bloqueios da articulação quando eles se interpõem entre o fêmur e a tíbia. Contudo, em geral, o fragmento permanece no local, há poucos sinto- mas e pode até permanecer silente. 26 Quando o paciente refere dor, há sinais discretos de sinovite, pode observar-se claudicação e queixas de instabilidade. As lesões são unilate- rais em 74% dos pacientes; os homens são afetados duas vezes mais do que as mulheres (homens 68%), e em 46% dos pacientes ocorre separação parcial ou total do fragmen- to. 26-28 Nas radiografias, observa-se uma zona de osso sub- condral com maior radiodensidade, em comparação com o osso de seu entorno. Essas imagens praticamente já defi- nem o diagnóstico. A presença de placas de crescimento abertas classifica-a como OCD juvenil; se a fise já estiver fechada, será uma OCD do adulto. 26-28 Na ressonância magnética, as lesões serão mais bem avaliadas para a identificação das lesões que são estáveis. Aquelas instáveis tendem a se soltar e tornarem-se corpos livres dentro da articulação, deixando um buraco na articu- lação, que levará à artrose da articulação envolvida. As le- sões estáveis na forma juvenil têm a chance de cura com método incruento em dois terços dos pacientes. 26 Muitas discussões e pesquisas tentam definir a melhor forma de se identificar quais pacientes apresentam uma forma estável de OCD e quais têm uma forma instável. 25 Estudos tentam saber quais as características dos pacientes que curarão com tratamento incruento, para saber quais terão um curso desfavorável e, portanto, deverão ser operados imediata- mente. 25, 26 A osteocondrite dissecante tem a característica clínica de localizar-se com maior frequência na parte lateral do côndilo medial do fêmur, junto ao sulco patelar. O diag- nóstico diferencial deve ser feito com a osteonecrose do joelho (ONJ). Na osteonecrose, o paciente costuma ser mais velho, enquanto o paciente na OCD é jovem e desportista, com início dos sintomas em torno dos 18 anos de idade. 28 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 31 Na OCD, há maior concentração de pacientes entre 10 e 20 anos de idade. Contudo, a faixa de idade dos pacientes variou entre 6 e 53 anos na avaliação de Aichroth. 25,26 A dificuldade de diagnóstico diferencial é maior em indivíduos mais velhos, mas um fator diferencial fundamen- tal ajusta o diagnóstico: na OCD, o osso que se encontra no entorno do fragmento necrótico é normal, enquanto, na ONJ, o fragmento fraturado afunda em um osso necró- tico. Osteonecrose A osteonecrose (ON) é mais frequente no quadril, seguida pela grande incidência no joelho. 29 Ocorre oclusão de vasos intraósseos da epífise acometida e esse osso desvitalizado fratura com o peso do corpo e tende a afundar na zona de carga. Abordaremos principalmente a patologia que acome- te os joelhos. Nas necroses ósseas do joelho, muitas vezes, o paciente se queixa de ter sentido um estalo no joelho seguido de dor. Trata-se de um episódio preciso, que marca claramente o início dos sintomas. 29-30 O joelho incha e a dor causa limitação de movimentos. A área de necrose pode variar em volume e localização, mas, em geral, atinge a zona de carga e afunda com o peso do paciente. Nessa doença, a cartilagem é lesada de modo indireto; ela afunda de modo irregular e adquire uma forma ondulada. A causa da osteonecrose pode ser identificada em pa- cientes alcoolistas e naqueles que utilizam corticosteroides em altas doses ou por períodos prolongados. O lúpus eri- tematoso, por si só, pode ser uma causa da necrose, e o risco aumenta quando seu tratamento envolve o uso de corticosteroides. 31 A osteonecrose ocorre, na maioria das vezes, em adultos com idade acima de 55 anos, mas pode ocorrer em indiví- duos jovens que utilizem cortisona. 31 Há alguns pacientes com sinais clínicos e radiográficos similares, porém não apresentam necrose óssea na avaliação histológica. Na reali- dade, o afundamento e a fratura do osso subcondral ocorre- ram devido a osteoporose associada a obesidade. Há um grupo de pacientes em que não se evidencia causa e, por- tanto, são caracterizados como portadores de osteonecrose idiopática ou espontânea. Aglietti e colaboradores 30 avaliaram histologicamente 52 joelhos acometidos clinicamente com osteonecrose idio- pática e confirmaram o diagnóstico histopatológico de ne- crose somente em 30 deles (58%). Os 22 (42%) joelhos restantes nao tiveram a confirmação histológica da pre- sença de necrose. 30 Mears e colaboradores avaliaram 22 joelhos que foram caracterizados clinicamente como com osteonecrose espontânea do joelho e encontraram sinais histológicos de necrose somente em um paciente. 32 Tais observações levaram os autores a considerar que esse nome consagrado e ligado a aspectos clínicos bem definidos apresenta falha por não ter recebido a devida atenção histopatológica. Consideraram que o termo é ina- dequado e sugeriram estudos que avaliem de forma mais precisa o efeito da osteoporose e de microfraturas por insu- ficiência do osso subcondral. Estudos com ressonância mag- nética e histopatológicos trazem novos dados e melhoram a compreensão sobre o assunto. 30,32 ! VISÃO GERAL SOBRE AS LESÕES CARTILAGÍNEAS Podemos resumir o tema sobre lesões de cartilagem dividin- do-as em focais e degenerativas. Tomaremos as lesões do joelho como exemplo. As lesões focais são aquelas em que os defeitos são bem localizados, sendo encontradas em traumas, na osteocondrite dissecante e nas osteonecroses. As lesões degenerativas são mais difusas e as encontramos nas instabilidades ligamentares, em lesões meniscais crôni- cas, nos defeitos de alinhamento dos membros e na os- teoartrose. 33 Curl e colaboradores 34 avaliaram os resultados de 31.516 artroscopias de joelhos e encontraram o relato de 63% de lesões condrais, o que corresponde a 2,7 lesões por joelho examinado. As lesões eram de toda a espessura da cartilagem em 20% dos pacientes afetados, sendo que 5% dessas lesões foram encontradas em pacientes com menos de 40 anos, dos quais 75% apresentavam lesões solitárias. 34 O trauma é a causa de lesões cartilagíneas de maior frequência. As luxações da patela causam fraturas osteo- condrais e são responsáveis por 40 a 50% das lesões que ocorrem nos côndilos femorais em indivíduos entre 20 e 40 anos. A osteocondrite dissecante ocorre 85% das vezes na face lateral do côndilo medial. A osteonecrose pode ser primária, por alterações vas- culares, ou secundária ao uso de fármacos, alcoolismo, lú- pus eritematoso e após artroscopias nas lesões meniscais. Há inúmeros trabalhos sobre a osteonecrose do joelho, porém, nos mais antigos, as avaliações eramsomente ra- diográficas. A ressonância magnética surgiu em trabalhos a partir da década de 1980, e estudos simultâneos com RM e análise histopatológica são mais recentes. Com o tem- po, os aspectos etiológicos deverão ser elucidados. 33, 34 LESÕES DA CARTILAGEM ARTICULAR – AVALIAÇÃO POR IMAGEM A ressonância magnética (RM) é o método de escolha para avaliação por imagem da cartilagem articular, devido a sua CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM32 resolução espacial elevada, aquisições multiplanares e à possibilidade de diferenciação dos tecidos com alto contras- te. Além disso, possui a grande vantagem de ser um método não invasivo. 35 A RM apresenta acurácia em torno de 80 a 85% na detecção de lesões de cartilagem no joelho, por exemplo. As lesões cartilagíneas da patela são diagnosticadas com mais facilidade do que as lesões dos côndilos femorais e da tróclea. A dificuldade aumenta nas pequenas fissuras na cartilagem, nas lesões nos planaltos tibiais e na ausência de derrame articular. 36 Sequências especiais de RM para avaliação da cartilagem Facilitaremos o entendimento analisando lesões cartilagí- neas do joelho. Contudo, lembramos que podem estar pre- sentes em outras articulações. Cada articulação tem suas peculiaridades, tanto técnicas, na realização de exames de imagem, quanto patológicas, mas, como o objetivo deste capítulo é a análise do tema cartilagem, a abordagem didá- tica centrará o assunto em lesões da cartilagem articular do joelho. Inúmeras são as sequências de ressonância magnética utilizadas na avaliação da cartilagem do joelho. O que im- porta, na verdade, é diferenciar a cartilagem articular da cortical óssea e do líquido intra-articular. Não é difícil fazer tal diferenciação, devido ao contraste entre essas duas estru- turas, conferido por composição química totalmente dife- rente. O difícil é diferenciar a cartilagem hialina do líquido intra-articular, pois ambas as substâncias apresentam alta concentração de água. Para isso, são necessárias sequências especiais com alta resolução. 37, 38 Utilizamos a sequência PD fast spin eco no plano sagital (matriz 256 × 512), sem supressão de gordura, e, nos planos coronal e axial (matriz de 256 × 256), com supressão de gordura (Figura 2.7). Alguns artefatos de RM dificultam a avaliação da cartila- gem: magic angle, truncation, chemical shift e volume parcial. Lesões focais da cartilagem As lesões focais da cartilagem hialina, na maioria das vezes, são traumáticas. Caracterizamos as lesões focais da cartila- gem hialina em lesões parciais e lesões completas. As lesões parciais não têm extensão até a cortical óssea, podem ser profundas ou superficiais. As lesões completas têm extensão até a cortical óssea e apresentam alteração de sinal no osso subcondral adjacente em 85% dos casos (osteíte reacional inflamatória). Na fase mais tardia, essa osteíte é substituída por esclerose – hipossinal em todas as sequências (Figuras 2.8 a 2.11). " FIGURA 2.7 Imagem de ressonância magnética da cartila- gem patelar – sequência axial DP com saturação de gordura e matriz de alta resolução (256 × 256) demonstrando o contraste entre a cartilagem da patela, a cortical óssea e o líquido articular. # FIGURA 2.8 Imagens de ressonância magnética – contusão direta da cartilagem articular com edema ósseo adjacente em criança de 10 anos durante jogo de futebol. (A) Sagital DP. (B) T2 com saturação.A B PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 33 # FIGURA 2.9 Imagens de ressonância magnética – lesão condral completa (com extensão até a cor- tical óssea) com osteíte reacional associada (flecha). (A) Sagital DP. (B) Sagital T2 com saturação. " FIGURA 2.10 Imagens de ressonância magnética – múltiplas lesões condrais completas (com extensão até a cortical óssea) com osteíte reacional adjacente em joelho com artrose. (A) Sagital em DP. (B) T2 com saturação. # FIGURA 2.11 Imagens de ressonância magnética – delaminação da cartilagem do côndilo femoral. Deslocamento da cartilagem do côndilo femoral lateral após ruptura do ligamento cruzado anterior (LCA) com edema ósseo no côndilo lateral e no as- pecto posterior do planalto tibial, lesão meniscal deslocada associada. (A) Sagital DP. (B) T2 com sa- turação. A B A B A B CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM34 A osteocondrite dissecante é uma lesão cartilagínea focal decorrente de traumatismo crônico, relativamente co- mum, que acomete adultos jovens e adolescentes. 39 Em geral, ocorre na face interna do côndilo femoral medial, mas também pode ocorrer no côndilo lateral e no fundo da tróclea. O grau de lesão varia desde leve alteração de sinal subcondral até deslocamento completo de fragmento osteocondral. Os exames de raio X somente permitem vi- sualizar lesões mais graves, enquanto na RM podemos ava- liar lesões mais iniciais. 40 A visibilização de linha de hiper- sinal ao redor do fragmento osteocondral é indicativo de instabilidade da lesão (Figuras 2.12 e 2.13). Lesões difusas da cartilagem As lesões difusas da cartilagem hialina são caracterizadas por redução difusa da espessura cartilagínea, parcial (sem extensão até a cortical óssea) ou completa (com extensão até a cortical óssea). As lesões difusas completas geralmente são acompanhadas de alterações subcondrais reacionais. 41 A osteoartrose é caracterizada por lesões difusas da car- tilagem hialina, geralmente com presença de osteíte rea- cional, esclerose, proliferações osteofitárias marginais, dege- neração e, no joelho, extrusão meniscal, presença de corpos livres intra-articulares e derrame articular com sinovite (Figu- ra 2.14 ). Condromalacia patelar A condromalacia patelar é uma alteração primária da carti- lagem patelar de etiologia incerta que causa dor e, na maioria das vezes, acomete indivíduos adolescentes e adul- tos jovens (até 40 anos). " FIGURA 2.12 Radiografia de incidência anteroposterior em paciente em fase de crescimento e portador de osteo- condrite dissecante. Depressão articular da porção interna do côndilo femoral medial. " FIGURA 2.13 Imagens de ressonância magnética – osteocondrite dissecante. Lesão osteocondral na porção interna do côndilo femoral medial, com linha de hipersinal circundando o fragmento e com degrau articular caracterizando lesão instável. (A) Coronal DP com saturação. (B) Sagital DP. (C) Axial DP com saturação. A B C A classificação da condromalacia patelar por RM baseia- -se na classificação cirúrgica 23 e apresenta acurácia aceitá- vel. 42, 43 A sensibilidade do método diminui nas alterações mais iniciais (graus 1 e 2). Utilizamos a sequência DP com saturação de gordura no plano axial, porém, em alguns casos, principalmente quando não há derrame articular, é útil a realização de uma artro-RM. Osteonecrose Em adultos, a osteonecrose pode acometer as epífises pro- ximal do úmero, distal do fêmur e proximal da tíbia e tam- bém os ossos do carpo (escafoide e semilunar) e do tarso (talo, navicular), entre outros ossos do corpo. 44 Ela pode ser observada na fase de crescimento afetando núcleos se- PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 35 cundários de crescimento, em apófises e epífises, e é agru- pada dentro das osteocondrites. Aqui abordaremos as os- teonecroses de forma genérica, mas com enfoque para as que ocorrem em adultos ou de forma secundária ao uso de glicocorticoides ou no curso de outras doenças, como leucemia em crianças e lúpus eritematoso em adultos. 44-46 O tema é abordado neste capítulo porque a quebra do suporte ósseo subcondral provoca alterações importantes na cartilagem articular. A osteonecrose, da mesma forma que as lesões cartilagíneas, encontra na ressonância magné- tica a principal arma diagnóstica nas fases iniciais da doença. Na suspeita clínica de osteonecrose do joelho ou do quadril em fase inicial, solicitaremos radiografias, e estas estarão com aspecto normal. Feita a RM, observaremos alterações de sinal que demonstrarãoedema ósseo e, conforme a fase em que se encontra a doença, já teremos imagens sugestivas de necrose óssea. Mont e colaboradores avaliaram 164 pacientes que apresentavam osteonecrose (ON) no exame histológico, confirmando o diagnóstico prévio da RM (100%). Quando compararam esses resultados com os diagnósticos feitos por cintilografia óssea, somente em 91 (56%) houve con- cidência diagnóstica. 44 As imagens de osteonecrose são observadas na RM co- mo lesões circunscritas, com aspecto geográfico caracterís- tico, com linha na periferia entre o osso necrótico e o osso sadio. Essa linha limítrofe é visível mesmo sem aplicar con- traste. 45 Material para contraste raramente é usado. A in- terface aparece como uma linha tênue que circunscreve e claramente demarca a zona de necrose. A linha tem os seguintes aspectos nas imagens obtidas por RM: (a) baixo sinal em T1-weighted (T1-W images) – e alta intensidade de sinal em T1 – STIR (Short T1 Invertion Recovery); (b) em imagens T2–weighted, duas linhas são visíveis, uma de baixo # FIGURA 2.14 Radiografias de osteoartrose com importante redução da amplitude dos espaços arti- culares nos compartimentos femorotibial medial e femoropatelar com osteofitos marginais associados e presença de corpos livres no recesso suprapatelar. (A) Raio X frontal. (B) Raio X perfil. “sinal” (externa) e outra de alto sinal (interna), que formam o sinal da linha dupla. 46 Na osteonecrose primária, descrita anteriormente, seja qual for o osso acometido, em geral aparece inicialmente nas imagens uma zona isquêmica serpentiginosa (hipossinal nas sequências de ressonância), mas, em muitos casos, é seguida de edema ósseo reacional e até colapso da superfí- cie articular em lesões mais extensas e próximas à cortical de uma zona de carga (comum na isquemia de cabeça femoral do quadril, por exemplo). As fraturas de insuficiência dos côndilos femorais (spontaneus osteonecrosis of the knee, SONK) e cabeça femoral (subchondral insuficiency fracture, SIF) estão asso- ciadas, no joelho, a insuficiência meniscal (rupturas radiais de raiz posterior e extrusão meniscal) ou a osteoporose, no caso do quadril. São chamadas comumente de osteone- crose espontânea. A SONK e a SIF, ao contrário da osteone- crose primária, iniciam com edema e, depois, evoluem para fratura subcondral e colapso, demonstrando, pela imagem, que são secundárias a uma lesão óssea por estresse em um osso frágil (fratura por estresse do tipo fadiga). Nos casos tardios de ambas as patologias (osteonecrose primária e fraturas de insuficiência), ocorre o colapso articular. Como o diagnóstico dessas patologias era feito com radiografias convencionais, eram detectadas somente em fases tardias, após o colapso articular. Pensava-se tratar da mesma patologia. Hoje, com a ressonância magnética, é possível diferenciar a osteonecrose primária (por isquemia, que causa linhas serpentiginosas) das fraturas de insuficiência (por estresse, que causam edema ósseo abundante e fratu- ras subcondrais paralelas à cortical de zonas de carga). 45,46 Encerramos o capítulo com ilustrações de lesões da car- tilagem observadas em casos clínicos, gentilmente cedidas pelo Prof. Luiz R. S. Marczyk (Figuras 2.15 a 2.18). A B CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM36 " FIGURA 2.15 Imagens da patela de pacientes com condromalacia em fase de amolecimento. (A) Aspecto de intraoperatório, em que foi observado que a cartilagem articular da patela estava amolecida. (B) A imagem de artroscopia mostra a cartilagem amolecida, formando uma “bolha”, e já começa a fragmentar-se. A B A B # FIGURA 2.16 Imagens da patela de pacientes com condromalacia em fase de fasciculação. (A) No número 1, observa-se a fotografia do intrao- peratório de um paciente com fasciculação da cartilagem da patela; no número 2, a imagem da artroscopia de um paciente com fasciculação da cartilagem; no número 3, o aspecto de um corte histológico de uma patela com fasciculação da cartilagem. (B) No número 1, pode ser visto o corte de uma patela com fasciculação; no número 2, a imagem de uma patela com fasciculação na artroscopia. 1 2 2 1 3 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 37 " FIGURA 2.17 Imagens da patela de pacientes com condromalacia em fase de fibrilação. (A) Imagem do intraoperatório em que se observa a cartilagem com fibrilação. (B) Imagem histológica da cartilagem com fibrilação. (C) Imagem observada em artroscopia em que foi detectada uma cartilagem em fibrilação. " FIGURA 2.18 Imagens da cartilagem de pacientes com condromalacia em fase de erosão. (A) Visão de intraoperatório em que fica evidente a lesão completa da cartilagem, com exposição do osso subcondral. (B) Visão do intraoperatório em que fica evidente a lesão completa da cartilagem, com fibrilação no centro e na periferia da cartilagem. (C) Corte histológico de cartilagem com erosão. (D) Imagem de artroscopia em que se observa erosão circundada por cartilagem com fibrilação. A B C A B C D CAPÍTULO 2 ! PROPEDÊUTICA DA CARTILAGEM38 ! REFERÊNCIAS 1. Junqueira LC, Carneiro J. Tecido conjuntivo. In: Histologia básica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. 2. Aegerter E, Kirkpatrik Jr JA. Section one: a general consideration of connective tissues. In: Orthopedic diseases. 4th ed. Philadelphia: Saunders; 1975. 3. Hardmeier R, Redl H, Marlovits S. Effects of mechanical loading on collagen propeptides processing in cartilage repair. J Tissue Eng Regen Med. 2010;4(1):1-11. 4. Junqueira LC, Carneiro J. Tecido cartilaginoso. In: Histologia básica. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. 5. Responte DJ, Natoli RM, Athanasiou KA. Collagens of articular cartilage: structure, function, and importance in tissue engineering. Crit Rev Biomed Eng. 2007;35(5):363-411. 6. Ghadially FN. Structure and function of articular cartilage. Clin Reum Dis. 1981;7(1):3-28. 7. Malemud CJ, Moskowitz RW. Physiology of articular cartilage. Clin Reum Dis. 1981;7(1):29-55. 8. 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MR imaging of osteonecrosis of the knee in children with acute lymphocytic leukemia. Pediatr Radiol. 2007;37(11):1140-6. PROPEDÊUTICA DO OSSO ! João Carlos Belloti ! Marcel Jun S. Tamaoki ! O ESQUELETO O esqueleto tem várias funções. Os ossos que o compõe dão suporte estrutural para o resto do corpo; permitem o movimento e a locomoção, provendo alavancas para os mús- culos; protegem órgãos e estruturas vitais; participam da manutenção da homeostase e do equilíbrio acidobásico, ser- vem como reservatório de fatores de crescimento e citoqui- nas, com envolvimento na hematopoese dentro do espaço medular. 1 Um adulto possui um total de 213 ossos, excluindo- -se os sesamoides. 2 O esqueleto apendicular tem 126 ossos, o axial 74 e são seis os ossículos auditivos. Os ossos são divididos em quatro categorias: longos (p. ex., clavícula, úme- ro, metacarpos e falanges), curtos (p. ex., ossos do carpo, tarso e sesamoides), chatos (p. ex., mandíbula, escápula e costelas) e irregulares (p. ex., vértebras, sacro, cóccix e hioide). O osso cortical é denso e sólido e envolve a medula óssea, que é composta de osso esponjoso. Em um huma- no adulto, o esqueleto é composto de 80% de osso cortical e 20% de osso esponjoso. 3 Diferentes ossos e locais do esqueleto têm diferentes porcentagens de osso esponjoso e cortical. A vértebra é composta de uma proporção de 25:75 de osso cortical para osso esponjoso. Essa taxa é de 50:50 na cabeça femoral e de 95:5 na diáfise do rádio. Ambos os ossos, cortical e esponjoso, são compostos de ósteons. No osso cortical, estes são denominados siste- mas harvesianos, que têm formato cilíndrico e paredes for- madas por lamelas concêntricas (Figura 3.1). O osso cortical tende a ser mais denso e sólido; sua porosidade costuma ser, normalmente, < 5%. Além disso, seu metabolismo é menor do que o do osso esponjoso. Em sua face externa, o osso cortical é recoberto pelo periósteo e, na superfície interna, pelo tecido endosteal. A atividade do periósteo é importante para o crescimento aposicional e para a consolidação da fratura. Em geral, a formação do osso excede a reabsorção na superfície pe- riosteal; então, os ossos normalmente aumentam o diâme- tro com a idade. Já a superfície endosteal tem uma alta atividade de remodelação, resultado de um maior strain biomecânico e exposição maior a citocinas provenientes do compartimento da medula óssea adjacente. Com isso, a reabsorção óssea é maior do que a formação e, normal- mente, o espaço medular aumenta com a idade. Nos ossos longos, o osso cortical denso forma a diáfise cilíndrica, que circunda uma cavidade medular contendo pouco ou nenhum osso esponjoso. Nas metáfises dos ossos longos, osso cortical adelgaça-se, e osso esponjoso preen- che a cavidade medular. Na maioria dos casos, os ossos curtos e planos possuem corticais mais delgadas que as diáfises dos ossos longos e contêm osso esponjoso. Os ossos esponjosos e corticais modificam suas estruturas em respos- ta a alterações persistentes na aplicação de carga, influên- cias hormonais e outros fatores. Apesar de os ossos cortical e esponjoso apresentarem a mesma composição, em virtude de diferenças na organi- zação e na densidade, têm propriedades mecânicas diferen- tes. Uma vez que a resistência à compressão do osso é proporcional ao quadrado da densidade, o osso cortical possui uma resistência maior do que a do osso esponjoso. Diferenças na organização e na orientação das matrizes dos ossos corticais e esponjosos também podem gerar dife- rença em suas propriedades mecânicas. 3 CAPÍTULO 3 ! PROPEDÊUTICA DO OSSO40 2 3 1 2 3 1 1 5 4 " FIGURA 3.1 Fotografias de estudo histológico de osso. Observa-se nas imagens (A) e (B) todos os ósteons (1), com suas lamelas especiais e os sistemas de lamelas intersticiais (3), são envoltos por lamelas circunferenciais externas e internas (4). Na imagem (B) observa-se uma lamela circunferencial externa (4). O espaço alongado representa um canal de Volkmann (canal transversal)(5), que também contém vasos e perfura os sistemas lamelares. Os sistemas lamelares individuais são separados por linhas cemetantes, que consistem em substância fundamental pobre em fi- bras e coram fortemente com eosina. Os canais de Havers têm um diâmetro de 20-30 µm e contêm um ou dois vasos capilares, vênulas pós-capilares e al- gumas arteríolas, todos inseridos em tecido conecti- vo frouxo. Nas imagens (A) e (B), os dois canais de Havers são vazios devido à técnica de preparação. Corte transversal (C) e corte longitudinal (D) pelo ós- teon com representação das lacunas ósseas e dos canalículos ósseos. Os canalículos ósseos não são re- conhecidos nas preparações histológicas de rotina. Trata-se de canalículos de 1-1,5 µm, sem matriz ex- tracelular, nos quais encontram-se numerosos prolon- gamentos ramificados e filópodes dos osteócitos. Os canalículos de lacunas ósseas vizinhas comunicam- -se entre si. O sistema dos canalículos serve para a troca de substâncias entre os osteócitos e o espaço extracelular. Os osteócitos são fusiformes e apresen- tam longos prolongamentos delgados, por meio dos quais se comunicam. Corante das imagens (A) e (B): hematoxilina-eosina. Corante das imagens (C) e (D): hemalume-tionina-ácido pícrico segundo Schmorl. A imagem (A) teve aumento de 120×; a (B), 10×; já as imagens (C) e (D) tiveram aumento de 400×. 1, ósteons; 2, canais de Havers; 3, lamela intersticial; 4, lamela circunferencial externa; 5, canal de Volkmann. Fonte: Kühnel. 4 COMPOSIÇÃO Células São divididas em quatro tipos, de acordo com a morfologia, as funções e as características individuais. Células indiferenciadas ou osteoprogenitoras. São pe- quenas células com um só núcleo, poucas organelas e de forma irregular. Permanecem em um estado indiferenciado até que sejam estimuladas a proliferar ou a diferenciar-se em osteoblastos. Habitualmente, as células indiferenciadas se localizam nos canais ósseos, no endósteo e no periósteo, embora as que podem se diferenciar em osteoblastos tam- bém existam em outros tecidos além dos ossos. Osteoblastos. Têm formato cuboide com um só núcleo, normalmente de posição excêntrica, com grande volume de organelas de síntese – retículo endoplasmático e mem- branas de Golgi. Localizam-se nas superfícies ósseas, onde, quando estimulados, formam uma nova matriz orgânica óssea e participam do controle da mineralização da matriz. 5 Quando ativos, assumem um formato arredondado, oval ou poliédrico, e uma camada de tecido osteoide novo sepa- ra essas células da matriz mineralizada. Seus processos ci- toplasmáticos estendem-se ao longo do osteoide, indo até os osteócitos com a matriz mineralizada. Quando envolvi- dos na síntese de matriz nova, os osteoblastos podem seguir dois cursos possíveis: podem diminuir sua atividade de sínte- se e permanecer na superfície do osso com uma forma A B C D PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 41 # FIGURA 3.2 (A) A fotomicrografia aumentada em 255× mostra um osso humano em desenvolvimento. As principais características estruturais identificáveis são as espículas ósseas (1) e várias espículas cartilaginosas calcificadas (2). As espículas ósseas são prontamente identificadas pelos osteócitos (3) no interior de sua matriz. Vários osteoblastos (4) estão presentes em um dos lados da espícula óssea, indicando crescimento do osso. O outro lado é essencialmente livre de atividade osteoblástica. Grande parte da superfície das espículas cartilaginosas exibe produção óssea. A área azul clara, que representa a cartilagem calcificada, está circundada em muitos pontos por uma camada de osso (5) (azul escuro). As células em aposição a este tecido ósseo são os osteoblastos (6). Também é relevante notar que, em vários locais, vê-se um único osteócito (7) dentro da matriz óssea bastante escassa. Conforme o crescimento da espícula continua, outros osteoblastos serão incorporados à matriz óssea por eles produzida. (B) A fotomicrografia é a parte (1) da imagem (A), aumentada 535×. Um lado da espícula óssea encontra-se revestido por numerosos osteoblastos (8), indicando uma superfície de crescimento. Do mesmo lado, observam-se numerosas células alongadas, associadas ao desenvolvimento do periósteo (9). Mais distante vê-se um tecido conectivo denso (10) bem desenvolvido. A vascularização do osso em desenvolvimento é evidenciada por um capilar sanguíneo (11). Fonte: Ross e colaboradores. 10 6 5 2 7 6 1 5 7 3 4 10 9 8 11 9 11 A B mais achatada de célula de revestimento da superfície ós- sea, ou podem rodear-se de uma camada envoltória de matriz, transformando-se em osteócitos (Figura 3.2). Osteócitos. Contribuem com mais de 90% das células do esqueleto maduro. Associados com as células periosteais e endosteais, os osteócitos revestem as superfícies da matriz óssea. Seus longos processos citoplasmáticos estendem-se desde seus corpos ovalados ou lenticulados até conectar outros osteócitos na matriz óssea, ou os processos celulares dos osteoblastos, formando uma rede de células que se estende desde as superfícies do osso até toda a matriz óssea. As membranas celulares dos osteócitos e seus processos celulares revestem mais de 90% da área da superfície total da matriz óssea madura. Essa estrutura permite o acesso a praticamente toda a área da superfície da matriz minerali- zada, e pode ser fundamental na troca de minerais (mediada por células) que ocorre entre os líquidos presentes no osso e no sangue. Em particular, podem ajudar a manter a com- posição desses líquidos e o equilíbrio dos minerais no orga- nismo. 6 Osteoclastos. São grandes células irregulares e multinu- cleadas, realizam reabsorção óssea e são as únicas células com essa capacidade. Localizam-se adjacentes à matriz óssea no endósteo, no periósteo e na superfície óssea do sistema de Havers (Figura 3.3). Os osteoclastos podem des- locar-se de um local de reabsorção óssea para outro, ao CAPÍTULO 3 ! PROPEDÊUTICA DO OSSO42 osso e proporciona sua resistência tênsil; o componente mineral dá ao osso resistência a compressão. Se o osso for processado de modo a retirar a parte mineral, continua com a mesma forma e tem grande flexibilidade, como um tendão ou ligamento. Em contraste, se realizarmos a remoção da parte da matriz orgânica, o osso torna-se quebradiço. O osteoide é uma camada de matriz orgânica não mi- neralizada, produto dos osteoblastos durante o crescimento e a remodelação do osso. Em geral, é mineralizado rapida- mente. Assim, o osso normal possui pouca quantidade de osteoide. A não mineralização da matriz óssea durante o cresci- mento ou durante o metabolismo normal em indivíduos esqueleticamente maduros produzirá osso mais frágil, pois o osteoide não possui a rigidez da matriz óssea mineraliza- da. Indivíduos com problemas de mineralização podem ser acometidos com deformidades esqueléticas ou fraturas. Em crianças, o raquitismo é um exemplo de problema de mi- neralização que predispõe o paciente a deformidades ós- seas. Em adultos, a doença clínica associada a esse problema é a osteomalacia. Matriz orgânica. Tem predomínio de colágeno do tipo I (90%), os outros 10% são compostos por proteínas não colagenosas, pequenos proteoglicanos, pequenas quan- contrário dos osteócitos. São derivados de células precurso- ras mononucleares da linhagem monócito-macrófago 7 e, por isso, têm muitas características semelhantes aos ma- crófagos, como a presença de um grande número de lisos- somos, os quais contêm enzimas envolvidas no processo de reabsorção. 8 Além disso, dividem determinantes antigê- nicos comuns. 9 Após o término de suas funções, podem dividir-se novamente em células mononucleadas. O osteo- clasto tem um complexo pregueamento da membrana ci- toplasmática no local onde esta se situa contra a matriz óssea e nos locais de reabsorção. Essa borda franzida parece desempenhar um papel fundamental na reabsorção óssea, possivelmente por aumentara área de superfície da célula em relação ao osso. No osso esponjoso, os osteoclastos criam uma depressão característica, conhecida como lacuna de Howship. No osso cortical, vários osteoclastos ficam no ápice dos cones osteonais de corte que remodelam o osso cortical denso. Matriz óssea. Composta de macromoléculas orgânicas, minerais inorgânicos e líquido da matriz. O componente da matriz inorgânica contribui com cerca de 70% do peso ósseo in natura, embora possa contribuir com até 80%. As macromoléculas orgânicas contribuem com cerca de 20% e a água, com 8 a 10%. A matriz orgânica dá forma ao " FIGURA 3.3 Esta fotomicrografia é originária do mesmo frag- mento da Figura 3.2(A) e mostra vários osteoclastos (12) remo- vendo osso das espículas. As espículas apresentam uma região central de cartilagem calcificada (13) circundada por matriz óssea. O osteoclasto delimitado pelo retângulo é exibido em aumento maior no canto superior direito. O osteoclasto removeu a matriz óssea, formando uma depressão rasa de reabsorção também conhecida como lacuna de Howship. A borda preguea- da (14) dos osteoclastos aparece como uma faixa de luz adjacen- te à matriz óssea da lacuna de Howship. A borda pregueada consiste em numerosas invaginações da membrana plasmática, que produzem dobramentos do citoplasma livres de organelas, adjacentes à membrana. Observa-se também o grande número de núcleos (15) nos osteoclastos. Fonte: Ross e colaboradores. 10 13 12 13 14 12 15 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 43 tidades de colágeno tipo V e, possivelmente, outros co- lágenos. É muito semelhante à matriz dos tecidos fibrosos densos, como tendão, ligamento, anel fibroso e menisco. As diáfises e metáfises dos ossos longos possuem três ori- gens para sua irrigação: artérias nutrientes, penetrantes epi- sárias e metafisárias e periosteais. Qualquer alteração na matriz orgânica pode enfraquecer o osso. Um exemplo que podemos citar é a osteogênese imperfeita, que apresenta distúrbio de síntese, secreção, ou montagem do componente colagenoso da matriz orgânica óssea, que aumenta a fragilidade óssea. Matriz inorgânica. Contém cerca de 99% do cálcio presen- te no corpo, 80% do fosfato e grandes porções de sódio, magnésio e carbonato. A matriz inorgânica aumenta tanto a rigidez quanto a resistência do osso, além de servir como reservatório para os minerais necessários para a função normal de outros tecidos e sistemas do organismo. Durante a maturação do osso, a matriz inorgânica transforma-se em hidroxiapatita cristalina, embora também possam estar presentes sódio, magnésio, citrato e fluoreto. Uma vez que o grau de mineralização aumenta com a maturação, as propriedades materiais também mudam, tornando o osso mais rígido. 11 Isso ajuda a explicar por que os ossos de crianças e adultos podem variar em seus padrões de fratu- ra. Quando submetido a uma carga excessiva, o osso adul- to normal tende a se quebrar, em vez de deformar-se per- manentemente. Ao contrário, o osso da criança pode arquear-se ou empenar e não sofrer fratura. A densidade mineral óssea tem relação direta com a re- sistência mecânica. A diminuição da densidade está asso- ciada a risco de fratura nos pacientes com osteoporose. 12-14 IRRIGAÇÃO As artérias nutrícias avançam pela cortical da diáfise e ra- mificam-se proximal e distalmente, formando o sistema ar- terial medular que irriga a diáfise. Os ramos proximais e distais das artérias nutrientes unem-se a muitos ramos delgados das artérias periosteais e metafisárias que contribuem para o sistema vascular medular. Normalmente, o sistema vascular medular irriga a maior parte do osso revestido por periósteo. Assim, a direção principal do fluxo sanguíneo pela cortical é centrífuga. Nas inserções musculares ou inserções de mem- brana interóssea, vasos periosteais ou de locais de inserção irrigam o terço externo da cortical óssea (Figura 3.4). Em crianças, antes do fechamento fisário, vasos medula- res raramente cruzam a placa de crescimento, e as epífises dependem de vasos epifisários penetrantes para irrigação sanguínea. Após seu fechamento, formam-se anastomoses interósseas entre as artérias epifisárias penetrantes e as arté- rias medulares, mas essas anastomoses raramente fornecem sangue suficiente para sustentar as células ósseas epifisárias sem a contribuição dos vasos epifisários. Então, mesmo após a oclusão da fise, a irrigação sanguínea de muitas epífises é vulnerável à interrupção. Um exemplo é a cabeça femoral, em que uma luxação do quadril ou lesão dos vasos epifisários penetrantes pode causar necrose e colapso. Periósteo. É um tecido fibroso, membranoso, delgado e resistente que reveste a superfície externa do osso, exceto nas superfícies da cartilagem articular, na inserção de ten- dões, ligamentos, cápsula articular e membranas interós- seas. É formado por duas camadas, uma externa, fibrosa, constituída de uma matriz de tecido fibroso denso e de células parecidas com fibroblastos, e uma interna, mais celular e vascular. O periósteo é espesso e vascular em crian- ças e forma rapidamente osso novo. Com o passar do tem- po, torna-se mais delgado e menos vascularizado, e sua capacidade de formar osso diminui. As células da camada mais profunda ficam achatadas e quiescentes, mas conti- nuam a formar osso novo, que aumenta o diâmetro do osso, e ainda preservam o potencial de formar osso em resposta a alguma lesão. Sua irrigação sanguínea é composta por um plexo de pequenos vasos na camada externa fibrosa. Esses vasos sanguíneos anastomosam com vasos do músculo supraja- cente. Também há ramos na superfície do periósteo que penetram a camada fibrosa e contribuem para o sistema vascular da camada mais profunda do periósteo e para os vasos sanguíneos que penetram no osso para unir-se ao sistema vascular medular. CRESCIMENTO ÓSSEO Após a sétima semana de gestação, tem início a formação do tecido ósseo. Ele surge a partir das membranas mesen- quimatosas nos ossos chatos ou da cartilagem nos ossos longos. FORMAÇÃO INTRAMEMBRANOSA O osso chato é formado a partir de um molde de membrana mesenquimatosa ou tecido conjuntivo. O processo de for- mação inicia-se com a ossificação de um ou mais pontos centrais da membrana. Esses centros contêm osteoblastos, que depositam uma rede de trabéculas ósseas que se alas- tram rapidamente em todas as direções. A periferia mese- quimal diferencia-se no periósteo; em sua parede interna, diferencia-se em osteoblastos. Estes depositam placas de osso compacto (lamelas). As trabéculas dispõem-se princi- palmente ao longo das linhas de maior tensão. CAPÍTULO 3 ! PROPEDÊUTICA DO OSSO44 FORMAÇÃO ENDOCONDRAL Um molde cartilaginoso da estrutura precede a substituição por tecido ósseo. Duas ossificações ocorrem de forma simul- tânea, uma central ou endocondral e uma periférica, em- baixo do periósteo, também chamada de periosteal ou pe- ricondral. No centro precursor cartilagíneo, as células cres- cem e se dispõem radialmente, e a matriz, ao mesmo tem- po, mineraliza-se. O pericôndrio invade os vasos sanguíneos e traz osteoblastos, que depositam osso novo, substituindo a cartilagem. As fises formam-se nas extremidades de cada osso longo e produzem osso endocondral durante todo o crescimento do esqueleto. A ossificação periosteal aumenta a espessura da estrutura óssea. A fise pode ser dividida em quatro camadas: • Zona germinativa ou de repouso. Imediata- mente adjacente à epífise, possui células irregular- mente dispersas. Essa camada germinativa supre o desenvolvimento das células de cartilagem com o objetivo de aumentar a espessura da placa de cres- cimento. A taxa de matriz extracelular/volume celu- lar é alta e as células estão em um estado relativa- mente quiescente. Se lesada essa camada, há uma parada do crescimento. • Zona proliferativa. Local onde o crescimento ós- seo é iniciado, com o crescimento das células da cartilagem. Oscondrócitos achatam-se e dividem- -se. No lado da metáfise, as células cartilagíneas começam a alinhar-se em colunas bem definidas, a Fêmur Veia emissária Medula óssea Cortical óssea Vasos sinusoides Arteríolas radias que se tornam parte da circulação da cortical óssea Artéria nutrícia Capilares do osso cortical drenam para os vasos sanguíneos " FIGURA 3.4 Ilustração demonstrativa da irrigação óssea. PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 45 atividade mitótica está na base dessa coluna. A di- visão celular ocorre em uma pequena área, de duas ou três células de espessura, e todo o crescimento ósseo em comprimento depende dessa área. • Zona hipertrófica ou de maturação. Não há cres- cimento nessa camada, ou seja, a divisão celular e os condrócitos começam a diferenciar para o está- gio final. A camada de condrócitos torna-se larga e tem vacuolização, levando à morte celular. Ocorre ampliação das colunas de células cartilagíneas que se estendem em direção à metáfise pela divisão celular que ocorre na base, e as células próximas à metáfise sofrem alterações que levam a sua des- truição. Há um aumento significativo na atividade da enzima fosfatase alcalina, que aumenta a con- centração de íons fosfato, necessários no processo de calcificação. Na hipofosfatasia, há ausência de fosfatae alcalina, que leva a uma mineralização de- ficiente da matriz e consequente alargamento da placa de crescimento. Esse é o ponto mais fraco da placa epifisária (as fraturas fisárias em geral ocor- rem nessa zona). Outra doença em que essa cama- da está aumentada é no raquitismo por acúmulo de células, por insuficiência na calcificação. • Zona de calcificação. É onde a morte dos con- drócitos ocorre. Estes preparam a matriz para a cal- cificação e servem como modelo para a formação óssea pelos osteoblastos. A calcificação da matriz é necessária para a invasão de células cartilagíneas pelos vasos sanguíneos da metáfise e posterior destruição destas, que deixam espaços que são preenchidos por canais vasculares e células estromais da medula óssea. ! REFERÊNCIAS 1. Taichman RS. Blood and bone: two tissues whose fates are intertwined to create the hematopoietic stem-cell niche. Blood. 2005;105(7):2631-9. 2. Standring S. Musculoskeletal system. In: Standring S, editor. Gray’s anatomy. 39th ed. New York: Elsevier; 2004. 3. Eriksen EF, Axelrod DW, Melsen F. Bone histomorphometry. New York: Raven; 1994. 4. Kühnel W. Histologia: texto e atlas. 12. ed. Porto Alegre: Artmed; 2010. 5. Gehron Robey P. The biochemistry of bone. Endocrinol Metab Clin North Am. 1989;18(4):858-902. 6. Walsh S, Dodds RA, James IE, Bradbeer JN, Gowen M. Monoclonal antibodies with selective reactivity against osteoblasts and osteocytes in human bone. J Bone Miner Res. 1994;9(11):1687-96. 7. Boyle WJ, Simonet WS, Lacey DL. Osteoclast differentiation and activation. Nature. 2003;423(6937):337-42. 8. Baron R. Molecular mechanisms of bone resorption by the osteoclast. Anat Rec. 1989;224(2):317-24. 9. James IE, Walsh S, Dodds RA, Gowen M. Production and characterization of osteoclast-selective monoclonal antibodies that distinguish between multinucleated cells derived from different human tissues. J Histochem Cytochem. 1991;39(7):905-14. 10. Ross MH, Pawlina W, Barnash TA. Atlas de histologia descritiva. Porto Ale- gre: Artmed; 2012. 11. Hornby SB, Evans GP, Hornby SL, Pataki A, Glatt M, Green JR. 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Além disso, o leitor deve co- nhecer a distribuição dos nervos periféricos, os músculos por eles inervados e as respectivas regiões cutâneas. A avalia- ção clínica é fundamental ao diagnóstico. Descreveremos neste capítulo aspectos que julgamos importantes para a análise de lesões traumáticas de nervos periféricos. Contu- do, esse estudo propedêutico sem dúvida ajudará na com- preensão e no diagnóstico de lesões nervosas de outras origens etiológicas. Discorreremos neste capítulo sobre as mudanças que ocorrem nos nervos após o trauma em nível microscópico e as alterações secundárias no cérebro. Finalizaremos com a tradução, na íntegra, do importante artigo de Tinel, o qual, em 1915, descreveu os aspectos clínicos e o sinal que leva seu nome. Suas observações e interpretações são per- feitas e ainda atuais. 1 ! ANATOMIA, HISTOLOGIA E HISTOPATOLOGIA DOS NERVOS PERIFÉRICOS VISÃO GERAL Os nervos periféricos são compostos de milhares de axônios, que são prolongamentos de células nervosas localizadas na medula espinal para axônios motores. No gânglio sensi- tivo, encontram-se as células nervosas sensitivas. Os axônios motores se originam de corpos celulares de neurônios localizados no corno anterior da medula espinal. Eles se estendem pelas raízes nervosas anteriores da medula espinal. Os axônios sensitivos se originam de corpos celula- res localizados nos gânglios sensitivos, que estão localizados junto aos buracos de conjugação das vértebras. Esses axô- nios vêm da periferia, conduzindo estímulos nervosos até o corpo celular no gânglio sensitivo, onde o corpo celular emite, então, axônios que levam os estímulos para a medula espinal por meio das raízes posteriores desta. Em uma análi- se simplificada, consideramos que esse estímulo sensitivo sobe ao cérebro pelas vias sensitivas na medula espinal e lá no córtice cerebral será interpretado como calor, pressão, dor, frio, etc. A distribuição do estímulo é mais complexa, porém, para a análise dos nervos periféricos, essa descrição simplificada é suficiente. Do corpo neuronal do gânglio sensitivo também saem axônios que se conectam aos neurônios motores no corno anterior da medula, e essa junção é responsável pelo arco reflexo simples. O conjunto formado pelo corpo celular e pelo axônio é denominado fibra nervosa. Os axônios dos nervos periféricos são a continuidade de corpos celulares e contêm cerca de 90% do seu citoplasma. Sua quantidade depende de seu comprimento. Por exemplo, um neurônio motor na medula espinal que inerva um pequeno músculo no pé pode ter comprimento de 10 mil vezes o diâmetro do corpo celular do neurônio. 2 Quando ocorre lesão em nervos periféricos, o corpo celular sofre com a perda, e, em uma primeira fase, luta contra sua morte. Estima-se que entre 40 e 50% das células de um nervo seccionado morrerão. 3 O risco de morte celular será maior quando houver maior perda de citoplasma. As- sim, lesões proximais são mais graves do que as mais distais. Caso a célula sobreviva, terá o trabalho de refazer o cito- plasma perdido. A regeneração do axônio processa-se na 4 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 47 parte proximal à lesão axonal, porém depende de fenôme- nos que ocorrem no segmento distal a ela. Há influência da parte distal do axônio seccionado sobre o processo re- generativo que ocorre no corpo celular. Substâncias produ- zidas na periferia atrairão os brotos axonais, que tenderão a passar para a parte distal do nervo, desde que haja contato entre as duas porções do nervo. 3-7 Esse contato pode ser direto, comoo que conseguimos em uma sutura, ou indire- to, com a utilização de tubos. 4,5 Quando são utilizados tu- bos para a reparação nervosa, há isolamento dos dois cotos do nervo, o que impede a interposição de outros tecidos regionais ou de cicatriz e providenciam um meio de transmis- são para as substâncias que atraem os brotos axonais. 4-6 Entretanto, os desafios para a tentativa de reconstituição tissular não param por aí. Os axônios, além de atravessarem a zona de lesão, deverão atingir o alvo distal correto. Axô- nios sensitivos necessitam encontrar terminações sensitivas, enquanto que aqueles que são motores devem atingir dis- talmente placas motoras e tecido muscular. Os axônios que errarem o trajeto serão perdidos. 4-6 Por fim, os axônios rege- nerados, ao chegarem no lugar certo na periferia, devem encontrar tecidos ainda viáveis. O tecido muscular que fica sem inervação por 12 a 18 meses degenera e se transforma em tecido fibrogorduroso. 3-5 O conhecimento da biologia celular e molecular dos neurônios, a compreensão dos fenô- menos que ocorrem nos axônios lesados e o tempo de sua ocorrência são fundamentais para os cirurgiões que tratam lesões traumáticas de nervos periféricos, pois permitem uma avaliação mais perfeita e a escolha das melhores indicações. Essa explicação rápida pode ser detalhada, aprofundando- -se os conhecimentos histológicos e histopatológicos. VISÃO ESPECÍFICA A partir dos corpos neuronais saem os axônios, que são prolongamentos do corpo celular e atingem a parte perifé- rica; será uma placa motora quando for um neurônio motor ou uma terminação sensitiva, se for um neurônio sensitivo. O conjunto formado pelo corpo celular e o axônio, como já vimos, é denominado fibra nervosa. 5 As fibras nervosas são mielinizadas ou não mielinizadas. A proporção estimada é de quatro fibras não mielinizadas para uma mielinizada. 4 Os neurônios mielinizados estão envolvidos por várias célu- las de Schwann (Figura 4.1). Em uma forma sequencial, as células de Schuwann co- brem todo o comprimento axonal, porém ficam espaços livres na cobertura do axônio entre elas. Nesses locais, há uma parte da membrana celular do axônio descoberta; é o chamado nódulo de Ranvier, ponto excitável da membra- na celular do axônio. As células de Schwann enrolam-se em torno dos axônios, como um “rocambole”, e formam várias camadas duplas de membrana celular, cujo conjunto é denominado bainha de mielina, que tem função de isolan- te elétrico. A membrana celular dos axônios fica exposta aos estímulos elétricos somente nas partes descobertas, que são encontradas nos nódulos de Ranvier. A forma histológica descrita apresenta-se com um nódu- lo de Ranvier a cada 1 mm de comprimento axonal, que expõe 1 micrômetro (mícron) da membrana celular excitável da fibra nervosa. 7,8 Quando ocorre um estímulo nervoso, a membrana celular se despolariza, o que se dá de forma saltatória de um nódulo de Ranvier para o seguinte. Os axô- nios mielinizados, graças a essa característica, têm a velo- cidade de transmissão mais rápida, quando comparados aos axônios não mielinizados. As velocidades de condução elétri- ca de fibras nervosas não mielinizadas são de 2,0 a 2,5 m/s, enquanto, nas mielinizadas, variam de 3 a 150 m/s. 3 Os axô- nios do tipo não mielinizado passam em grupos por células de Schwann e por elas são envolvidos de modo simples. 7 É nos axônios, como vimos, que se encontra a maior parte do citoplasma do neurônio. Há uma quantidade ínfi- ma de citoplasma no corpo celular. Essa diferença será maior quanto mais longo for o axônio. Os axônios são pontes entre o corpo celular e as terminações nervosas que são mantidas pelo corpo celular. É no corpo celular que são produzidas as substâncias neurotransmissoras, como a ace- tilcolinesterase e as moléculas para a manutenção da estru- tura axonal. O transporte dessas macromoléculas produzi- das no corpo celular dos neurônios é feito por outras molé- culas transportadoras presas em microfilamentos e micro- túbulos, aqui denominados neurotúbulos. 7-11 Os neurotú- bulos são parte do citoesqueleto, e a sua forma cilíndrica lhes confere resistência. Eles servem como via de condução para os diversos materiais a serem transportados. Existem moléculas especializadas que se ligam, de um lado, ao produto a ser transportado e, de outro, à parede externa do neurotúbulo, por onde deslizam. Essas moléculas especializadas em transporte são denominadas quinesi- nas. 2,9 Por meio de ligações alternadas com o microtúbulo, vão deslizando gradativamente. As quinesinas são duas: a quinesina e a dineína. A quinesina transporta macromoléculas, mitocôndrias, filamentos de actina, entre outras, que foram produzidas no corpo celular, as quais são levadas no sentido ante- rógrado, ou seja, do corpo celular para a periferia do axô- nio. A dineína faz o caminho inverso. 2,10 A energia consu- mida nesse transporte é fornecida pela ATP (adenosina tri- fosfato), depois de sua hidrólise por ATPases presentes nas cabeças das proteínas motoras que fazem parte dessas ma- cromoléculas. A distância em que a quinesina se move foi calculada em aproximadamente 8 nm (nanômetros) para cada ATP hidrolisada. 10 Há, portanto, um fiuxo axoplásmico que atinge a perife- ria do nervo (fiuxo anterógrado) e entrega os neurotransmis- CAPÍTULO 4 ! PROPEDÊUTICA DOS NERVOS PERIFÉRICOS48 sores na placa motora, entre outras substâncias e organelas. O transporte axonal pode incluir toda uma organela, como mitocôndrias. 2 Também são transportados lipoproteínas para a manutenção da membrana celular e constituintes do citoesqueleto, tais como fragmentos de microtúbulos e microfilamentos. Existe um fluxo inverso (fluxo retrógrado) que transporta para o corpo celular substâncias a serem recicladas. Esse fluxo também transporta, a partir das células da periferia, fatores neurotróficos, principalmente os formados nas célu- las de Schwann. Há um mecanismo complexo de retroação que mantém a célula estimulada e impede que ocorra a sua apoptose pré-programada. 2 A membrana celular, logo após ser despolarizada, rapi- damente se repolariza por mecanismos de controle iônico, que garantem a diferença de potencial entre os meios intra e extracelulares. 7,8,12 Esses mecanismos metabólicos conso- mem muita energia; portanto, são altamente dependentes da circulação arterial dos nervos. As artérias providenciam a entrega de glicose e oxigênio para as mitocôndrias. Encon- tramos as mitocôndrias em grande quantidade em todo o trajeto axonal. 7,12 Os neurônios, quando estão em situação normal, em termos relativos de quantidade, produzem grande quantidade de substâncias neurotransmissoras e pequena de moléculas de reparação celular. Os neurônios desempenham suas funções com alto nível de eficiência quando há perfeita homeostasia. 3-5 ! ORGANIZAÇÃO INTERNA DOS NERVOS Na visão anatômica de um corte transverso de um nervo, observamos, em seu interior, que as fibras nervosas mieli- nizadas e as não mielinizadas se organizam em fascículos. Dentro de cada fascículo, há tecido de colágeno que envolve e une as diversas fibras nervosas, e forma o endoneuro. 4 O " FIGURA 4.1 Representação da relação das células de Schwann, em amarelo, e o axônio em lilás. No desenho 1, há duas células de Schwann enroladas em um axônio, dei- xando um espaço entre elas, que corresponde ao nódulo de Ranvier (NR). No desenho 2, tem-se a visão de um corte transverso de um axônio em que se observa a célula de Schwann enrolada nele. Sua membrana forma camadas du- plas consecutivas, para dar origem à bainha de mielina. O desenho 3 apresenta o aspecto tridimensional de um corte do axônio de uma fibra nervosa seccionada longitudinal- mente. As letras NR e a flecha mostram o nódulo de Ranvier. Neste desenho, veem-se as mitocôndrias dentro do axônio e nas células de Schwann. O desenho 4 corresponde à ponta do desenho 3. Nos desenhos3 e 4, vemos as mitocôndrias dentro do axônio. A membrana basal foi representada na cor verde e é encontrada envolvendo as células de Schwann e invadindo o espaço intranodal. Recobre a fibra nervosa uma camada de colágeno mais espesso, que é denomina- da epineuro. E, endoneuro; MB, membrana basal; BM, bainha de mielina; NCS, nú- cleo da célula de Schwann; MC, mitocôndria. 1 2 NR 3 3E MB BM NCS MC 4 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 49 endoneuro forma um tubo que protege cada fibra nervosa, individualmente. Ele é constituído de uma camada fina de colágeno, em que a elastina está ausente e há poucos fi- broblastos. O endoneuro se encontra em torno da membra- na basal que envolve a estrutura da fibra nervosa, que é formada pelo axônio e suas células de Schwann. Dessa for- ma, o endoneuro forma uma estrutura em torno das fibras nervosas e de suas bainhas de mielina (Figura 4.2). 5 O conjunto de fibras nervosas cercadas por endoneuro agrupa-se e forma o fascículo. Os fascículos são envolvidos por tecido conjuntivo firme, que forma uma membrana denominada perineuro. O perineuro é composto de várias camadas de colágeno e tem resistência tênsil. 5,13 O espaço contido pelo perineuro é denominado espaço endoneural. 5 Os fascículos, também denominados funículos, são ro- deados de tecido fibroso frouxo, que é denominado epi- neuro. 14 O epineuro tem uma parte que rodeia os fascículos e é denominado epineuro interno. O conjunto dos fascículos e esse tecido fibroso interno são contidos por uma membra- na mais espessa chamada epineuro externo. 5 Na Figura 4.2, o leitor poderá visualizar a sequência das estruturas que formam os nervos periféricos. A função do tecido fibroso, em todos os níveis do nervo, é protegê-lo contra deformações mecânicas. O epineuro protege os fascículos, acolchoando-os durante o movimen- to da extremidade e isolando-os de traumas externos. 13 Sua quantidade e espessura são variáveis, sendo mais abundante perto das articulações. Devemos lembrar que os nervos são estruturas móveis, que deslizam durante o movimento das articulações. Quando um nervo é submeti- do a uma tração progressiva, inicialmente há estiramento do epineuro (externo e interno), que resiste, enquanto o perineuro retifica suas ondulações fisiológicas. 5 Na sequência de aumento da tensão, o perineuro é tra- cionado e, perto de seu limite elástico, rompem-se o en- doneuro e as fibras nervosas dentro dos fascículos. Conti- # FIGURA 4.2 Imagem de um nervo periférico mostrando sua estrutura interna, sem manter a proporção real. No lado esquerdo da figura, vê-se o nervo coberto por uma capa, denominada epineuro externo (EE); dentro do nervo, estão os fascículos (ou funículos), aqui representados de forma esparsa e rodeados pelo epineuro interno (EI); os fascículos, por sua vez, são englobados por uma membrana denominada perineuro (P). O perineuro delimita o espaço endoneural, por onde passam as fibras nervosas. Vasos cruzam o perineuro para nutrir as fibras nervosas. Está representada uma fibra nervosa saindo de dentro do fascículo e que, no lado direito, foi aumentada. Na imagem da direita, observa-se a fibra nervosa envolvida pelo endoneuro (E), que, a seguir, foi removido deixando visível a membrana basal (MB). A membrana basal também é denominada lâmina basal e é matriz extracelular que preenche o espaço entre o endoneuro e a membrana das células de Schwann. As células de Schwann se enrolam no axônio e formam a bainha de mielina (BM). Por transparência, observa-se o axônio, que está desenhado na extremidade da estrutura da fibra nervosa (A). EE EI P E MB BM A CAPÍTULO 4 ! PROPEDÊUTICA DOS NERVOS PERIFÉRICOS50 nuando a ação das forças de estiramento, então o perineuro cede. As lesões intraneurais não ocorrem somente no local de ruptura da estrutura nervosa. No nervo submetido à tração, ocorrem lesões intrafasciculares em níveis diferentes e com distribuição irregular. 14 A mobilidade dos nervos é passiva. Eles deslizam durante o movimento das articulações. As aderências de nervos causadas por cicatrizes cirúrgicas, ferimentos por arma de fogo, infecções, ou outros eventos, prendem os nervos e são causa de dor e disestesias. Os nervos deslizam em rela- ção às estruturas vizinhas e apresentam elasticidade interna com o tensionamento nos movimentos extremos. Citamos, por exemplo, a flexoextensão do cotovelo, em que os nervos mediano e ulnar movem-se respectivamente, 7,3 e 9,8 mm. Quando se adicionam os movimentos do punho, esse des- lizamento atinge 15,5 mm no nervo mediano e 14,8 mm no nervo ulnar. 5 ! CIRCULAÇÃO DOS TRONCOS NERVOSOS Os nervos recebem a circulação a partir de vasos que correm junto a eles e penetram neles por um tecido frouxo denomi- nado mesoneuro, que se adapta aos movimentos fisiológi- cos do nervo. 5 A circulação interna dos nervos é muito rica e permite que os nervos sejam mobilizados cirurgicamente por grandes distâncias, sem haver isquemia nas fibras nervo- sas (Figura 4.3). 12 Os vasos que entram no epineuro se apresentam de forma frouxa e se alongam quando há tração do tronco nervoso. Por sua vez, os ramos vasculares que penetram no perineuro o fazem obliquamente e passam pelas diversas camadas do colágeno perineural. Quando ocorre aumento da pressão no espaço endoneural, após um trauma ou is- quemia, essa forma anatômica de passagem dos vasos leva à oclusão das vênulas. A situação se agrava e entra em um ciclo vicioso, por ocorrer uma minissíndrome compartimen- tal (Figura 4.4). O aumento da pressão intraendoneural, com o tempo, ocluirá a arteríola. Resumindo, há edema no espaço endo- neural, que comprime a vênula que entra obliquamente no perineuro, há ingurgitamento por falta de retorno veno- so, que leva à oclusão arterial, e, com a sua oclusão, se instala a isquemia. 14,15 A isquemia leva à falência dos meca- nismos metabólicos, cai a produção de adenosina trifosfato (ATP) nas mitocôndrias e nos axônios e há a consequente falha das bombas de sódio-potássio da membrana axonal. Persistindo a alteração pós-isquêmica, há aumento da pres- são intraneural, pela retenção de sódio e água intra-axonal. A consequência desse processo deletério será a necrose dos axônios e das células de Schwann que estão dentro do tubo perineural. Temos como agravante o fato de não haver vasos linfáticos no espaço endoneural. 2,5 ! LESÕES NERVOSAS – DEGENERAÇÃO WALLERIANA Os nervos, em geral, podem sofrer lesões com sua secção, por compressão aguda em traumas na região em que se encontram ou de forma crônica, em neuropatias compres- # FIGURA 4.3 Imagens de um isquiático de rato em que a artéria aorta foi injetada com sulfato de bário adicionado de nanquim, com a finalidade de preencher somente a árvore arterial. As imagens foram obtidas por meio de microscópio cirúrgico. Percebem-se estrias transversas em todo o trajeto do nervo, que correspondem a dobras no colágeno de um nervo relaxado. Essas dobras se desfazem quando o nervo é alongado nos movimentos normais. (A) O nervo isquiático é visto em menor aumento, sendo colocada uma fita milimetrada para referência. A seta branca mostra o local de entrada de uma artéria pelo epineuro. (B) O mesmo local de entrada é visto com maior aumento do microscópio, também apontado por uma seta branca. Por transparência, observam-se pequenas artérias sob o epineuro externo. A B PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 51 sivas. Eles podem ser estirados e arrancados da medula espinal como o que observamos em lesões de plexo braquial. As lesões nervosas podem ser contusas, entre ou- tras causas, por tração, produzidas por agentes cortantes, associadas a queimaduras elétricas, por isquemia, em decor- rência de o nervo afetado estar localizado dentro de um compartimento muscular em que ocorra uma síndrome do compartimento, por lesões extensas dos nervos em queima- duras térmicas e por ondas de choque. Esta última forma de lesãoé observada em ferimentos de arma de fogo em que o trajeto do projetil passa junto a um nervo. Em todas as formas de traumas, pode ocorrer a secção de axônios. Contudo, para que tenhamos uma melhor ima- gem, pensemos no corte de um nervo por um vidro. Quais fenômenos se manifestam? A partir da análise dos fenôme- nos que ocorrem em um único axônio, é possível entender o que ocorre em um nervo seccionado como um todo. Em lesões de neurônios com secção axonal, estabelece-se a degeneração walleriana, cujo mecanismo devemos apreciar e entender, por ser importante à compreensão das classifica- ções e das indicações de tratamento. Diante de uma lesão, há mudanças na biologia celular neuronal. Devemos lembrar que a reparação de uma lesão de um nervo periférico é um fenômeno mais biológico do que mecânico. 3 O resultado depende menos da sutura desse nervo lesado do que da biologia dos neurônios. O estudo e a compreensão do que ocorre com neurônios normais e as suas transformações causadas em traumatismos são fun- damentais para o tratamento. 2-6 Quando há a secção de um nervo periférico, ocorrem alterações nos axônios, que são denominadas degeneração walleriana. O corte do axônio provoca a perda de mais de 90% do citoplasma. 3,7 A célula reage a essa grave lesão mudando a forma de produção de substâncias; passa de uma situação produtora de neurotransmissores para o modo produtor de materiais próprios para a reparação celular. 2-7 O corpo celular edemacia e aumenta de tamanho, o núcleo torna-se excêntrico, e o retículo endoplasmático diminui sua quantidade. Durante esse processo, a parte do axônio proximal à lesão fecha-se no primeiro nódulo de Ranvier, evitando maior perda de citoplasma. Muitas células neurais não resistem ao dano provocado e morrem. Esse número fica em torno de 40%, porém é maior nas lesões mais pro- ximais, pois a perda citoplasmática é maior. A secção deixa o axônio distal à lesão, sem receber as substâncias produzi- das no corpo celular. Na sequência, há degeneração de toda a sua estrutura; por sua vez, os corpos celulares deixam de receber os importantes fatores de crescimento neuronal e tendem a morrer. 2,3 A degeneração walleriana é um fenômeno biológico que ocorre quando há secção de axônios. Após a secção de um axônio, a célula nervosa não morre (corpo celular), ela busca sua recuperação, aumenta a produção de mate- riais para refazer as microfibrilas e os microtúbulos. A seguir, forma uma ponta exploradora (cone de crescimento), que começa a crescer. Vinte e quatro horas depois da lesão, já se inicia esse processo, que vai se intensificando depois de alguns dias, com o recrutamento de neurônios sobreviven- tes ao trauma. Nesse mesmo tempo, a parte do axônio distal à lesão começa a ser fagocitada; as células de Schwann desprendem-se de sua membrana, que estava enrolada em volta dos restos de membrana axonal, mudam " FIGURA 4.4 Imagens de uma veia e de uma artéria atra- vessando o perineuro (PERI) de forma inclinada, em torno de 45°, fator que determina a formação de uma “minissín- drome do compartimento”, no rastro de neuropatias com- pressivas agudas. No lado esquerdo da figura, está repre- sentada uma veia, que, com o aumento da pressão no es- paço endoneural, é comprimida em seu trajeto por meio das fibras de colágeno do perineuro e fica engurgitada. Há aumento da pressão no espaço endoneural. No lado direi- to da figura, está representado o colabamento arterial que ocorre na sequência do processo, o que leva a agravamento da isquemia das milhares fibras nervosas que transitam dentro do tubo perineural, representadas como linhas para- lelas amarelas. Veia Artéria PERI CAPÍTULO 4 ! PROPEDÊUTICA DOS NERVOS PERIFÉRICOS52 sua função e passam a auxiliar na fagocitose das sobras de mielina deixada para trás. As células de Schwann intensifi- cam em mais de 100 vezes a produção de fatores de cresci- mento neuronal (nerve growth factor, NGF). As pontas de reparação dos axônios são atraídas quimicamente por es- sas substâncias e buscam a parte distal do nervo seccionado. Os brotos neuronais desses cones de crescimento são for- mados por moléculas de actina e se movimentam seguin- do as substâncias que os estimulam. 2-7 Entretanto, essa migração só ocorre se houver a sutura do nervo lesado aproximando as extremidades, evitando a interposição de outros tecidos. Outra forma de evitar inter- posição é isolar os cotos com segmentos de veia ou tubos sintéticos. Quando são empregados tubos de silicone para fazer o “afrontamento” dos cotos nervosos, forma-se uma câmara de reparação por onde circulam as substâncias químicas de atração axonal, que agem sobre a ponta do neurônio em regeneração. 2-7 ! O DESALINHAMENTO AXONAL – QUIMIOTROPISMO E ESPECIFICIDADE Na fase de regeneração, a parte distal do nervo é fagocitada. A maior parte da mielina é retirada por macrófagos e células de Schwann, e, no final, sobram as membranas basais. As células de Schwann se multiplicam e começam a se dispor em colunas (bandas de Büngner). 4 Os axônios, por sua vez, seguem distalmente atraídos por fenômenos de quimio- tropismo por moléculas contidas na membrana basal (fi- bronectina e laminina) e, aderindo-se a ela, a tomam como guia de contato para a evolução axonal. 4-7 Além disso, as colunas de células de Schwann atraem e guiam os cones de crescimento. Normalmente, essa ponta reparadora do axônio forma vários brotos, semelhante à raiz de uma plan- ta. Esses brotos se espalham e buscam a parte distal do nervo. Porém, pode acontecer que, em um brotamento bífido de um neurônio motor, um broto segue em direção a uma terminação sensitiva, enquanto o outro vai em dire- ção a uma placa motora. Quando ocorre o erro, esse broto axonal é “amputado”, enquanto aquele que acertou cresce, aumenta seu diâmetro e será seguido por outros similares. 4,5 Tal fenômeno é denominado especificidade. Há uma inteli- gência química, que busca a restauração funcional. As células musculares desnervadas liberam substâncias que atraem brotos nervosos motores, tanto de neurônios originais quanto de neurônios normais da vizinhança. Aque- las células musculares que não recebem inervação fatalmen- te degenerarão, transformando-se em tecido fibrogordu- roso, e a placa motora sumirá. Quanto às terminações sensi- tivas, o destino será similar: se não ocorrer reinervação, elas serão absorvidas. 2-7 ! A REGENERAÇÃO E A PLASTICIDADE CEREBRAL Apesar de haver o quimiotropismo e o fenômeno da espe- cificidade favorecendo a regeneração, nas lesões nervosas mais proximais, os neurônios motores atingem músculos antagonistas àqueles originalmente inervados. Isso é bem observado em paralisias obstétricas, em que a reinervação espontânea geralmente resulta em músculos tróficos, mas com funções cruzadas, consequentes à inervação simultâ- nea de antagonistas. Neurônios sensitivos de um tipo e de uma dada área irão inervar outro tipo de terminação nervosa, em área dife- rente da original. Em indivíduos mais velhos, há o agrava- mento da situação, em parte por perda de capacidade re- generativa, mas principalmente pela incapacidade de adap- tação ao novo padrão cerebral de reinervação. Quando ocorre a reinervação das terminações sensitivas, a distribui- ção dos axônios regenerados atinge a periferia de maneira desordenada. O cérebro recebe as informações fora da or- dem a que estava acostumado, ele terá que se adaptar e “enxergar” pelo tato a informação que lhe chega, coadu- nando essa observação com a do sentido da visão do aspec- to físico do objeto. O treinamento melhorará essa distorção com o tempo. Quanto mais jovem for o paciente, maior será sua plasticidade cerebral. 6,10-14,16 Muitas vezes, o resultado insatisfatório de uma repara- ção nervosa está ligado ao lado cerebral; a reorganização funcional que ocorre em uma lesão nervosa, de fato, consti- tui-se o problema-chave. 10 As crianças pequenas têmum cérebro receptivo e plástico; sua rede neural pode ser re- programada facilmente pelo uso simultâneo de vários senti- dos, e, assim, a capacidade de identificar itens e texturas baseados no tato ativo pode facilmente ser remontada. 10 Programas de reabilitação foram propostos visando a me- lhorar a qualidade dos resultados funcionais. Eles procuram estimular simultaneamente outros sentidos do paciente co- mo forma auxiliar de reabilitação. 6,10-14,16 Lundborg e Rosén 12 utilizaram, na mão operada, uma luva em cujas pontas dos dedos havia pequenos microfo- nes. Dessa forma, quando passava a mão em objetos com texturas diferentes, o paciente ouvia o som do tato nas diferentes superfícies. 12-14 O sentido do tato e a audição têm em comum o fato de serem baseados em sentir vibra- ções. Nesse método, o paciente “ouve o que a mão sente”. 14 O método proposto tem o propósito de alimentar a cortical somatossensorial com uma corrente de estímulo sensorial alternativa e, assim, manter o mapa cortical da mão no cérebro, para facilitar a recuperação. 14 Lundborg 16 citou estudos recentes com ressonância magnética funcional em que observou que as informações táteis não atingem so- mente o córtex auditivo, mas também o córtex somatos- PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 53 sensorial, devido à capacidade multimodal do cérebro. Além disso, a observação visual da estimulação tátil ativa o córtex somatossensorial. 16 Em resultados clínicos preliminares, com desenho aleatório, foi observada melhora da discriminação tátil nos pacientes com lesão do nervo mediano tratados de 6 a 12 meses com o método, quando comparados ao grupo-controle. 13,14 Lundborg 16 indica também estimular simultaneamente o olfato, por exemplo, pelo ato de descas- car laranjas com a mão lesada. Outro estímulo simultâneo é o do paladar. Segurar alimentos e sentir seu gosto provo- ca um estímulo adicional. Portanto, o estímulo sensorial não deve ser somente visual: é importante o uso simultâneo da visão, do olfato, do paladar e da audição. 16 Esses aspectos da reabilitação, pelo que indicavam os resultados preliminares, são fatores importantes para que possa haver melhora dos resultados funcionais. Rosén e Lundborg (2007) 14 apresentaram um estudo multicêntrico randomizado em que foram comparados os resultados fun- cionais da reabilitação convencional proposta por Dellon 9 com as de estímulo sensorial auditivo. Encontraram diferen- ça significativa para melhor nos resultados de recuperação da sensibilidade, após um ano da cirurgia, no grupo que foi reabilitado com método de estímulo sensorial auditivo. Abre-se, com essa forma de reabilitação, um novo caminho para a busca de melhores resultados. ! CLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES NERVOSAS Lesões traumáticas de nervos periféricos podem se apresen- tar de modos variados. Citamos alguns exemplos de formas anatomopatológicas, correlacionando-as aos agentes etio- lógicos lesionais: a) lesões de um nervo com secções parciais ou totais, quando o agente vulnerante é do tipo cortante; b) nervo com fibrose interna sem perder a continuidade, com algum aumento de diâmetro e uma área de estreita- mento, quando ocorre sua compressão; c) nervo com fi- brose interna e externa, quando há ferimento por arma de fogo; d) nervo afinado, quando há um trauma direto contra o plano ósseo, que provoca seu esmagamento; e) bloco de fibrose intra e extraneural, quando ocorrem lesões por es- tiramento; f) cordão fibrótico ou mesmo imerso em um bloco de fibrose, com desaparecimento de um segmento do nervo, em queimaduras elétricas ou em contraturas is- quêmias do membro. 14 Podemos esperar aspectos clínicos diversos, tanto na apresentação clínica inicial, quanto em sua evolução. As classificações de lesões nervosas procuraram separá- -las por sua forma clínica 17 e, com o aumento do conheci- mento, por suas alterações histológicas. Foram classifica- das de forma didática, tentando presumir o tipo de lesão axonal. 18,19 Tem grande importância a anamnese, que forne- cerá os dados sobre a maneira como ocorreu o trauma, para que então possamos refletir sobre o tipo anatomopa- tológico de lesão. Supõe-se o tipo de lesão que o paciente porta pelo tipo de agente vulnerante e pela forma como ocorreu o trauma, sempre associando esses dados com os do exame físico. Exceto na lesão por secção completa do nervo, que é definitiva e com o mesmo tipo de lesão axonal em todo o nervo, o que encontramos nas classificações das lesões de nervos periféricos, com análise sobre o que acontece sobre os axônios, são descrições didáticas. Na verdade, diferentes tipos de lesões axonais podem coexistir dentro de um mes- mo nervo lesado, e a expressão clínica dependerá do com- portamento da maioria dos axônios. Seddon descreveu uma classificação clínica das lesões nervosas, em que as dividiu em três categorias: neurapraxia, axonotmese e neurotmese (Figura 4.5). 17,18,20,21 Na neura- praxia, a lesão é funcional. A estrutura dos axônios está preservada, mas, por alterações circulatórias ou metabólicas, eles não funcionam. Nesse tipo de lesão, não há degenera- ção walleriana. Assim sendo, logo que o problema que causou a alteração desse nervo seja resolvido, ele volta a funcionar. Uma característica importante nas neurapraxias é que o retorno funcional não depende do nível de lesão, seja mais proximal ou distal. Na axonotmese, há lesão do axônio, mas a membrana basal da fibra nervosa permanece intacta e serve de conduto para a regeneração, que será certeira. Os axônios com esse tipo de lesão apresentarão degeneração walleriana, porém, ao começarem a regenerar, seguirão até o local e o tipo de órgão terminal original. Na neurotmese encontramos a secção de todos os axô- nios do nervo lesado, situação muito mais grave. Haverá degeneração walleriana, e a regeneração dependerá de uma série de fatores biológicos para que haja a recuperação, que sempre é parcial. Trocas dos tipos de axônios ocorrem e atingem o lado distal do nervo, mas encontram um órgão final errado em sua extremidade, ou o axônio é motor e atinge uma termi- nação sensitiva, ou é sensitivo e atinge uma placa motora. Além disso, ocorrem trocas de um neurônio motor que originalmente era de um músculo e passa a funcionar em outro, ou o axônio era sensitivo de uma região e passa a suprir outra. 4-7 O mapa cerebral original desse nervo, após a regeneração, fica completamente alterado, e o paciente terá que se adaptar à nova situação. Será necessário rea- prender a forma de uso e reinterpretar os impulsos que chegam ao cérebro. Isso equivale, por exemplo, à situação em que um cubo que víamos todos os dias fosse cortado em vários pedaços; se esses segmentos fossem colados de volta de forma aleatória, o cérebro teria que se acostumar CAPÍTULO 4 ! PROPEDÊUTICA DOS NERVOS PERIFÉRICOS54 com esse novo objeto e necessitaria da interação de ou- tros sentidos para saber que isso que ele vê e sente é um cubo. 2-6,12-17 Seddon considerou que o termo neurotmese, também deve ser usado em situações em que as lesões nervosas levem a desorganização total de sua estrutura em um seg- mento do nervo. 18 Sunderland 19,22 adaptou a classificação de Seddon 17,18 e acrescentou duas formas de lesão axonal, associadas a variações no grau de envolvimento do peri- neuro e do epineuro; nominou os diversos tipos em graus de lesões. As lesões grau 1 correspondem à neurapraxia da classificação de Seddon, e as de grau 2 enquadram-se nas lesões do tipo axonotmese de Seddon. Os três graus restan- tes correspondem às lesões estruturais do axônio com dano de forma gradativa às camadas circundantes. No grau 3, enquadram-se as lesões do axônio e do endoneuro; seria uma axonotmese que perde o endoneuro. Nas lesões grau 4, há lesão adicional do perineuro, e o grau 5 corresponde à neurotmese de Seddon, ao finalizar com a secção do epineuro. Sunderland, após apresentartal classificação em seu livro-texto, chamou a atenção para a possibilidade de le- sões parciais e lesões do tipo misto. 19 Observou que muitas fibras nervosas podem escapar e não ser envolvidas na lesão, enquanto outras apresentam danos estruturais variáveis. Seguiu em suas considerações afirmando que a natureza do dano periférico, o curso da recuperação e o resultado final dependem do grau de envolvimento particular das fibras e do tipo de lesão ocorrido em cada uma. Nas situa- ções raras de envolvimento variável das fibras nervosas, con- siderou mais apropriado a classificação como lesões mis- tas, em que todas as fibras estão afetadas, mas em graus variados. Seria um sexto grau de lesão, que Sunderland descreveu, mas não denominou assim. Mackinson consi- derou necessária a inclusão dessa forma de lesão e propôs a inclusão de um sexto grau. 23 # FIGURA 4.5 Classificação das lesões de nervos periféricos em que se correlacionam as lesões das fibras nervosas conforme a classificação de Sunderland com aquela, mais antiga e conhecida, que é a classificação de Seddon. No texto, há explicação detalhada dessa correlação. A neurapraxia corresponde à lesão de grau 1, em que há desarranjo funcional localizado, porém sem lesão axonal. A axonotmese corresponde à lesão de grau 2, em que ocorre lesão do axônio, mas o endoneuro permanece íntegro. Há degeneração walleriana, mas o cone de crescimento axonal regenera seguindo a membrana basal e o endoneuro íntegros; a recuperação desse tipo de lesão axonal tende a ser total. Contudo, em lesões mais proximais, pode ocorrer morte do neurônio. A neurotmese corresponde ao grau 5 de Sunderland, ou seja, é a lesão com secção total de todas as estruturas do nervo. Sunderland descreveu o grau 3 de lesão de fibras nervosas, em que há secção total do axônio, da membrana basal e do endoneuro, porém com o perineuro íntegro. Nesse tipo de lesão, há chance de recuperação parcial de axônios dentro do tubo perineural, mas será de forma desordenada. No grau 4, a única estrutura íntegra do nervo lesado é o epineuro, e a consequência é o desenvolvimento de um neuroma em continuidade. As lesões dos graus 1 a 3 podem coexistir em um mesmo nervo lesado. CLASSIFICAÇÃO DE LESÕES NERVOSAS NEURAPRAXIA AXONOTMESE NEUROTMESE S E D D O N S U N D E R L A N D EPINEURO PERINEURO AXÔNIO ENDONEURO NEUROMA EM CONTINUIDADE PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 55 ! GRAUS DE LESÃO E A CORRELAÇÃO CLÍNICA Imaginemos, para efeitos didáticos, que houvesse em todo o nervo somente um tipo de lesão axonal. Logo, o comporta- mento do nervo seria igual ao comportamento de um único neurônio com trauma em seu axônio. Entretanto, na prática, podemos encontrar fibras nervosas com lesões variadas e, durante a regeneração, podem se formar neuromas no meio de fibras que se recuperaram (neuromas em continuidade). Nas lesões de grau 1 (neurapraxia), há interrupção da condução nervosa no local da lesão. A continuidade axonal está preservada; há contato entre o corpo celular e o órgão final. Inicialmente, a alteração é funcional, por alteração circulatória ou metabólica, mas, com o passar do tempo, pode haver um estreitamento axonal e desmielinização loca- lizada. Não ocorre degeneração walleriana e, uma vez que a causa de bloqueio da condução tenha sido removida, há recuperação total. Encontramos esse tipo de lesão nas com- pressões nervosas. É o que acontece, por exemplo, na sín- drome do túnel do carpo: a compressão do nervo media- no no túnel do carpo age de maneira insidiosa, altera a mielina dos axônios no local de compressão, a velocidade de condução nervosa diminui e, com o tempo, há parada da condução nervosa. 24 Quando o nervo mediano é des- comprimido cirurgicamente, ele se recupera de forma gra- dativa. A bainha de mielina desarranjada pela compressão é substituída pelas células de Schwann, a homeostasia local é reestabelecida, e o nervo volta a funcionar. Pelo fato de não haver degeneração walleriana, o tempo de retorno da função nervosa é similar em uma lesão grau 1 tanto mais proximal quanto mais distal. Na clínica, observamos esse aspecto em descompressões de neuropatias compressivas de instalação recente. Citemos como exemplo uma síndro- me do túnel do carpo em um trauma fechado que se apre- sente com quadro exuberante (dor e hipoestesia acentua- das). Quando descomprimimos o nervo, 24 a 48 horas após a cirurgia, observamos a função retornar como por um milagre. A descompressão permitiu o retorno da circulação ao normal, as alterações metabólicas causadas pela isque- mia reverteram, e o axônio, como não apresentava lesão estrutural, voltou a funcionar normalmente. Nas lesões de grau 2 (axonotmese), o quadro muda, pois há lesão axonal e, como consequência, degeneração walleriana. No grau 1, como vimos, o local de lesão não importava; entretanto, no grau 2, a diferença entre uma lesão mais proximal e uma mais distal passa a ter importân- cia. A presença de uma lesão axonal mais alta significa maior quantidade de citoplasma a ser reposto pelo neurô- nio, o que equivale a dizer que necessitará de muito mais tempo para recuperar. O tempo de regeneração dependerá da distância a ser percorrida pelos brotos axonais, que cres- cem em torno de 1 mm por dia. Considerando essa velocida- de, poderemos presumir o tempo que os axônios levarão até atingir a ponta do nervo, chegando a uma placa motora ou a uma terminação sensitiva. Contudo, nesse nervo ferido, hipoteticamente, só com lesões axonais grau 2, teremos certeza de que os axônios encontrarão a via certa, demar- cada pelo endoneuro íntegro. Todos os axônios que se recu- perarem chegarão aos seus destinos. Porém, em lesões ner- vosas mais proximais, haverá morte de parte dos axônios e degeneração dos órgãos terminais. No caso de axônios sen- sitivos, mesmo que haja demora, haverá regeneração de suas terminações. Ocorrerá diminuição da concentração de terminações nervosas pela morte celular, mas a sensibili- dade retornará. A situação muda no tocante às lesões de axônios motores, pois, se o axônio em seu trajeto à periferia a uma velocidade aproximada de 1 mm ao dia chegar ao músculo entre 12 a 18 meses, não encontrará mais a placa motora, e os miócitos terão se transformado em tecido fibrogorduroso. Nas lesões de grau 3, teremos, além da degeneração walleriana do grau anterior, a desorganização da estrutura interna do fascículo nervoso, com secção de milhares de axônios dentro do espaço intrafascicular e perda da organi- zação endoneural. Esse espaço também é denominado es- paço endoneural. Preferimos denominá-lo intraperineural, ou intrafascicular, para evitar confusão com espaço endo- neural, o qual pode induzir à visualização do espaço conti- do pelo endoneuro, que, como já vimos, é onde está o axônio coberto pela bainha de mielina e a membrana basal. Nas lesões de grau 3 de Sunderland, os perineuros ficam intactos e o arranjo interfascicular se mantém. Esse tipo de lesão ocorre em traumas por tração ou por alterações is- quêmicas secundárias às compressões. Uma lesão de grau 3 é encontrada em vários segmentos do mesmo nervo. Teremos, assim, um acréscimo de gravidade; os efeitos retró- grados da lesão de grau 3 são mais graves do que naquelas de grau 2, principalmente em lesões mais proximais do nervo. Um trauma mais grave exige maior volume de massa citoplasmática para regeneração, o que aumenta o tempo de início da progressão axonal. Além disso, será formada fibrose no espaço intraperineural, que bloqueará a progres- são de alguns brotos axonais, desviará outros para caminhos errados e, com o amadurecimento da cicatriz, haverá com- pressão de axônios que por ventura tenham passado pela zona de lesão. A reinervação terá como resultado final uma forma deficiente e com troca significante do padrão cerebral original. Sunderland salientou que nervos afetados com uma lesão de grau 3 podem apresentar-se em uma visãoexterna e ao exame local com pequena evidência da grave desorganização interna dos funículos. 22 As lesões de grau 4 são muito graves; sobra íntegro somente o epineuro. A continuidade do nervo é mantida CAPÍTULO 4 ! PROPEDÊUTICA DOS NERVOS PERIFÉRICOS56 com uma ponte de tecido fibroso. Forma-se, inevitavelmen- te, um neuroma recoberto pelo epineuro e pouquíssimos axônios atingem o segmento distal. Trata-se de uma lesão em que a melhor conduta será a ressecção da parte alterada do nervo, seguindo-se de reparação da falha nervosa, possi- velmente com enxertos de nervo. Entretanto, essas lesões provocam um comprometimento retrógrado muito intenso, que leva a necrose de muitos neurônios. As lesões de grau 5 (neurotmese) correspondem a uma secção completa do nervo, com perda de sua continuidade. Nesse tipo de lesão, há tendência à retração dos cotos em poucos dias, fato que aumenta a tensão na linha de sutura na ocasião da reparação. Quanto mais rápida for realizada a reparação, menor será a tensão na linha de sutura e me- lhores serão as chances para o nervo em sua regeneração, pelo menos sob o ponto de vista mecânico. Entretanto, serão os aspectos biológicos que determinarão a qualidade do resultado final. ! A DUPLA LESÃO AXONAL A síndrome da dupla lesão axonal (double crush syndrome) é definida como a compressão em dois lugares diferentes da mesma fibra nervosa. 24-26 Um nervo pode estar com- primido distalmente e, ao mesmo tempo, ocorre uma com- pressão proximal em seu trajeto, nas ramificações no plexo que o formam ou até mesmo na raiz nervosa. Por exemplo, o nervo mediano pode estar comprimido no túnel do carpo e, ao mesmo tempo, em sua passagem pelo músculo pro- nador redondo. Também pode apresentar-se como uma compressão do nervo ulnar no punho em sua passagem pelo canal de Guyon e, simultaneamente, pode ocorrer compressão de uma das raízes que o formam, por uma hérnia de disco ou um osteófito no buraco de conjugação. Os dois pontos de compressão têm seus efeitos somados. 24 A compressão proximal altera o fluxo axonal anterógrado e altera o transporte das substâncias neurotransmissoras, de elementos de manutenção do citoesqueleto e da membrana axoplásmica. A compressão distal desse mes- mo nervo altera o fluxo retrógrado que traz para o corpo celular os importantes fatores químicos que estimulam e mantêm a célula viva (nerve growth factors, NGF). 24-26 As- sim, por duas vias, a célula será levada a sofrimento e, na sequência, à morte. ! ASPECTOS CLÍNICOS DAS LESÕES NERVOSAS PERIFÉRICAS É um importante pré-requisito o conhecimento de sinais clínicos e da fisiopatologia de lesões nervosas. O exame muscular minucioso do membro afetado e o mapeamento da sensibilidade serão importantes para fazer o diagnóstico na fase aguda. Sua repetição semanal e a pesquisa do sinal de Tinel 1 apontarão o grau de recuperação nervosa. Esse sinal é importante na avaliação; o médico percute o trajeto do nervo, no sentido distal para proximal, e anota em qual local o paciente começa a referir choques. Toma-se uma eminência óssea como ponto de referência e, a cada retor- no do paciente, anota-se o local da sensação de choque. O sinal de Tinel corresponde a axônios com alteração de sua capa de mielina ou em situação de recuperação. 27 A ponta do axônio progride distalmente em torno de 1 mm por dia e, à medida que ela avança, vai sendo mielinizada pelas células de Schwann, que giram em torno do axônio, for- mando camadas com sua membrana celular, a dita bainha de mielina. Essa bainha é um isolante elétrico, responsável pelo desaparecimento da sensação de choque, típica do sinal de Tinel. A reinervação avança distalmente sob a forma de uma fronte axônica ainda desprovida de mielina, levando consigo a sensação de choque à percussão. No caso de nervos sensitivos, observa-se que o paciente refere uma sensação muito desconfortável de choque nas polpas digi- tais quando a frente de axônios chega lá; isso é um sinal excelente, pois o choque irá diminuir gradativamente, en- quanto a sensibilidade da região vai retornando. São as terminações nervosas sensitivas que estão sendo refeitas aos poucos com a chegada dos axônios nas polpas digitais. Com isso, ocorre a mudança de choque desagradável para o benéfico retorno de sensibilidade. O sinal de Tinel é sim- ples de ser pesquisado e tem valor em um estudo sequen- cial. As anotações demonstrarão se há progresso ou não. 27 Quando o choque fica parado com o passar das semanas, enquanto há permanência de áreas de anestesia distais à lesão, temos fortes indícios de haver lesão grave que ne- cessita de intervenção cirúrgica. Entretanto, cabe lembrar que, por um período de duas semanas, os axônios lesados ficam em compasso de espera, recuperando suas lesões axonais, preparando-se para progredir distalmente, recu- perando o citoplasma perdido na degeneração walleriana. Assim, após 12 a 15 dias, começa a progressão do sinal de Tinel. 1,27 ! INCIDÊNCIA DE LESÕES NERVOSAS ASSOCIADA A MECANISMOS E TIPOS DE LESÃO A análise do mecanismo e do tipo de agente vulnerante tem importância na conduta de uma lesão nervosa, determi- nando o prognóstico e a expectativa de recuperação. Pode- -se presumir o tipo de lesão nervosa que será encontrada conforme o agente vulnerante, com base em estudos esta- PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 57 tísticos. Sempre que há discussão sobre lesões nervosas, os trabalhos de Seddon 28,29 são citados. Devido à importância destes e à atualidade no que diz respeito ao nervo radial, citaremos suas observações. Esse cirurgião inglês dedicou-se ao tratamento de lesões nervosas em um grupo para tratamento e estudos de lesões nervosas em pacientes feridos durante a II Guerra Mundial. Analisou 836 lesões nervosas dos nervos mediano e ulnar, deixando de lado as do nervo isquiático e do nervo radial, devido a menor incidência. Buscava relacionar o tipo de lesão encontrada em explorações cirúrgicas, o agente vul- nerante e o ferimento. Observou que, em 385 ferimentos incisos, 5,8% não apresentavam lesões macroscópicas à inspeção cirúrgica, enquanto 94,2% tinham lesões visíveis (83,6% totais e 10,6% parciais). Salientou que, nesse grupo de lesões, a maioria fora causada por vidro (79,7%). Os ferimentos lacerantes foram 62; em oito (12,6%) não encontrou lesões detectáveis, porém, em 87,1%, havia le- são nervosa (74,2% totais e 12,9% parciais). Tratou 379 ferimentos causados por arma de fogo e não encontrou lesões em 114 (30%), entre os 70% restantes, 196 (51,8%) apresentavam secção nervosa, enquanto, em 69 (18,2%), a lesão era parcial. Nos 379 ferimentos causados por arma de fogo, 30% apresentaram-se sem lesões macroscópicas, enquanto 70% estavam lesados, sendo 196 (51,8%) seccionados totalmente e 69 (18,2%) parcialmente. Concluiu-se que, quando um objeto afiado provoca uma lesão cortante e há envolvimento de um nervo, a possibilida- de de secção é tão alta que a indicação de exploração cirúr- gica é necessária. Nos ferimentos lacerantes, também deve ser indicada a exploração cirúrgica, porém após a cicatriza- ção inicial dos ferimentos. Para os ferimentos por arma de fogo, chama a atenção para a desproporção de lacerações de partes moles, muitas vezes com a função nervosa intacta. Porém, devido à alta incidência de secções e lacerações, Seddon considerou importante a exploração cirúrgica, mui- tas vezes com ressecções dos tecidos afetados, pois há no rastro de uma lesão por arma de fogo grande fibrose intra- neural, causada pela onda de choque característica desse tipo de ferimento. A lesão dos tecidos é proporcional à velocidade dos projéteis; assim, a destruição é maior em ferimentos provocados por armas de guerra. A tração também é um mecanismo de lesão nervosa. O nervo é muito resistente à tração e, quando lesado por esse mecanismo, ocorre destruição prévia de tecidos moles e ligamentares vizinhos. Nesse grupo, encontramosa para- lisia do plexo braquial como melhor exemplo. A lesão do nervo axilar acompanhando uma luxação de ombro e a lesão do nervo fibular comum em lesões ligamentares late- rais do joelho também estão nesse grupo. Às lesões nervosas causadas por fraturas e luxações, Seddon 28 dedicou especial atenção. A seguir, traduziremos o seu primeiro parágrafo. Este tópico já foi motivo de mais publicações que de fato merece. Há recorrência do tema: devem os nervos ou o nervo ser explorados rotineiramente junto com a fixação interna de fraturas, ou deveria a exploração ser limitada àqueles casos que não tenham recuperação espontânea dentro de um período de tempo esperado? Os intervencionistas são de três tipos: aqueles com expe- riência limitada, que não conhecem o que ocorre na maioria dos casos; aqueles que, apesar de reconhecer que a lesão nervosa costuma ocorrer em continuidade, têm pelo menos uma fé mística nas virtudes da neuro- lise; e aqueles aficcionados pelo tratamento interno das fraturas, que consideram a presença da lesão nervosa motivo de reforço ao seu desejo de realizar a osteossín- tese. Na sequência, Seddon demonstrou os fatos concretos de sua estatística; em 211 lesões nervosas do membro supe- rior acompanhando danos ao esqueleto, 91% recuperaram espontaneamente. Observou, ainda, que sua estatística de certa forma era viciada, pois, como cirurgião de nervos pe- riféricos, lhes foram encaminhados os pacientes com lesões nervosas que não estavam recuperando; logo, concluiu que a taxa de recuperação deve ser maior se forem englobados todos os pacientes com paralisia. Seddon 28, 29 referiu, em seu texto, que o Dr. Jorg Böhler cedeu-lhe dados de serviços de Linz, Salzburgo e Viena acerca de fraturas do úmero. Informou-lhe que, em 765 fraturas umerais, foram observadas 57 paralisias do nervo radial, o que corresponde a 7,4%. Destas 57 paralisias, 47 tiveram recuperação espontânea (82,4%). Concluiu que as lesões nervosas causadas por fraturas são relativamente be- nignas. Contudo, obviamente, isso não quer dizer que in- tervenções cirúrgicas nunca devam ser indicadas; é preciso olhar para os sinais que ocorrem na minoria dos pacientes e que são indicadores de que alguma coisa está mal e, a seguir, providenciar o tratamento cirúrgico ainda em tempo hábil. Omer 30,31 observou que lesões nervosas associadas às luxações têm menor chance de recuperação espontânea do que aquelas associadas às fraturas. Também as fraturas expostas têm menor recuperação do que as fraturas fecha- das. 29 Analisando esses trabalhos, podemos concluir que as lesões nervosas que ocorrem junto com fraturas fechadas tendem à recuperação espontânea. Contudo, quando são CAPÍTULO 4 ! PROPEDÊUTICA DOS NERVOS PERIFÉRICOS58 encontradas com luxações e fraturas expostas, são mais graves e o tratamento cirúrgico com a exploração do nervo afetado é o mais indicado. ! REGENERAÇÃO NERVOSA – ASPECTOS CLÍNICOS O SINAL DE TINEL Compreender os fenômenos que envolvem os nervos perifé- ricos traumatizados e, principalmente, interpretar seus sinais clínicos é fundamental. Alterações de sensibilidade e mo- tricidade em geral são mais fáceis de pesquisar e interpretar. Entretanto, os cirurgiões que resolvam tratar de lesões ner- vosas traumáticas de nervos periféricos necessitam entender a sutileza do significado da sensação de choque referida pelos pacientes. A pesquisa da sensação de choque deve ser observada e interpretada dentro do quadro clínico que envolve o paciente traumatizado. Temos que saber qual a diferença entre uma sensação de choque fixa e uma que progride. Essa pesquisa tem valor quando realizada de for- ma sequencial e comparativa, em vários retornos do pacien- te. A experiência individual no tratamento de muitas lesões nervosas periféricas nos levou a compreender a importância e a capacidade de observação de Tinel. 1 A descrição das diferenças entre as variações de sensações de choque em nervos traumatizados foi publicada em 1915 por Tinel, e a sua leitura continua atual; portanto, aqui a reapresentamos. O SINAL DO “FORMIGAMENTO” NAS LESÕES DOS NERVOS PERIFÉRICOS Por J. Tinel La Presse Médicale, quinta-feira, 7 de outubro de 1915. Dissemos que muitas vezes é difícil fazer um diagnóstico preciso em lesões dos nervos periféricos. Há secção do nervo, compressão, laceração ou irritação? O nervo está ou não em vias de regeneração? O neuroma percebido à palpação é permeável ou não aos axônios? A sutura de um nervo foi ou não bem-sucedida? Tantos problemas que se colocam ao clínico a cada dia, cuja importância é capital do ponto de vista do prognóstico e do tratamento. Nós pensamos que o estudo sistemático do formigamento provocado pela pressão do nervo pode aportar uma ajuda preciosa na solução desses problemas. *** A pressão de um tronco nervoso lesado produz, em seguida, a impressão de formigamento, referido pelo indiví- duo na periferia do nervo e localizado por ele em um território cutâneo bem preciso. O que importa é diferenciar esse formigamento da dor, que, às vezes, igualmente é provocada pela pressão sobre um nervo traumatizado. A dor é um sinal de irritação neurítica; o formigamento é um sinal de regeneração; ou mais exatamente o formigamento traduz a presença de axônios jovens, em vias de regeneração. A dor de irritação neurítica é quase sempre localizada, percebida no ponto em que se exerce a pressão sobre o nervo. Nos casos onde ela irradia sobre todo o trajeto do nervo, a dor é maior no ponto comprimido. A dor coexiste sempre próximo à pressão das massas musculares e, muitas vezes, os músculos são mais dolorosos do que o nervo. O formigamento de regeneração não é doloroso; é uma sensação vagamente desagradável que os pacientes com- param habitualmente àquela de eletricidade. Ele é percebido no ponto comprimido e um pouco mais sentido no território cutâneo correspondente. Os músculos vizinhos do nervo que “formiga” não são dolorosos. Esses dois tipos de fenômenos provocados pela pressão do nervo, a dor e o formigamento, são fáceis de diferen- ciar em praticamente todos os casos. Eles coexistem raramente sobre o mesmo nervo, ou, mais exatamente, eles coexistem mais raramente sobre um mesmo ponto do nervo em questão, porque veremos que eles poderão se suceder sobre um mesmo tronco nervoso. !! PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 59 Esses dois sinais diferentes provocados pela pressão do nervo são superponíveis aos sintomas sensitivos que a exploração da pele revela. A irritação neurítica é acompanhada, muitas vezes, com efeito, de uma hiperestesia dolorosa cutânea. A regeneração do nervo se traduz pela parestesia, uma sensação de formigamento, associada à hipoestesia provocada pelo toque, à picada e, sobretudo, pelo roçar leve da pele. Em todos os casos, os sintomas provocados pela pressão do nervo, a dor que traduz a irritação de axônios ou o formigamento que demonstra sua regeneração são muito mais fáceis de distinguir um do outro. Eles também são muito mais constantes, muito mais precoces. Fornecem as informações mais precisas e mais importantes. *** O estudo sistemático do formigamento provocado pela pressão do nervo permite muitas vezes: constatar se a interrupção do nervo é completa ou incompleta; determinar o local exato da lesão; descobrir de maneira precoce a regeneração dos axônios e seguir a sua evolução e importância. Vejamos exemplos de diferentes casos: 1 o Nas secções nervosas completas, constatamos, no trajeto do tronco nervoso, uma zona muito clara onde a pressão determina formigamento no território cutâneo do nervo. Essa zona de formigamento é pequena, não passa de 2 a 3 centímetros. É permanente e estática. Persiste inalterada por semanas ou meses. Ela ocorre somente sobre o trajeto nervoso e não a observamos, nem acima nem abaixo da lesão, nem em outro ponto onde a pressão possa provocar formigamento. Essa zona indica que, nesse ponto preciso, os axônios estão bruscamenteinterrompidos, desenvolvem regene- ração local e estão impedidos de transpor o obstáculo ou recuperar o segmento periférico. Eles se apresentam em um neuroma mais ou menos volumoso. 2 o Nas interrupções completas do nervo ou por uma compressão muito intensa, as mesmas características são reencontradas, mas a zona de formigamento é mais longa; ela pode encontrar-se 6, 8, 10 cm ou mais no trajeto do nervo. Por exemplo, nas compressões frequentes do nervo radial por fratura do úmero, podemos, na pesquisa do formigamento provocado, seguir todo o trajeto do nervo preso no calo ósseo; saberemos se o nervo está preso em todo o comprimento do calo ósseo ou se o nervo encontra-se interrompido na parte superior ou inferior da fratura. Observa-se que, em um calo ósseo, a simples pressão do nervo dificilmente determina o formigamento. Em todo caso, se a zona de formigamento permanece fixa e não transpõe os limites inferiores do aprisionamen- to ósseo e assim permanece por semanas, sem que possamos encontrar abaixo da lesão o sinal de formigamento provocado do nervo, isso significa que a compressão causou constrição muito intensa e os axônios estão interrom- pidos e não conseguem transpassá-la. 3 o Podemos, em certos casos, encontrar, em um mesmo nervo, dois locais diferentes de formigamento provocado, correspondente a duas lesões superpostas. Por exemplo, vimos dois pacientes com paralisia radial, causada por ferimento por arma de fogo na parte superior do braço. Existia uma primeira zona de formigamento sobre o nervo radial, ao nível da saída da bala, na face posterior do braço, e mais uma segunda zona, mais estendida, sobre a face lateral do membro, ao nível de um calo ósseo exuberante; essas duas zonas encontravam-se fixas e limitadas, sem qualquer sinal de formigamento provocado abaixo do calo ósseo. Na intervenção cirúrgica, observou-se que o nervo encontrava-se parcialmente destruído pela passagem da bala e que fibras nervosas que escaparam dessa destruição foram comprimidas mais abaixo pelo calo fraturário. Outro exemplo: um homem teve paralisia do isquiático por ferimento de arma de fogo na parte média da coxa e apresentava formigamento duplo: a pressão do nervo ao nível do ferimento determinou um formigamento na planta do pé, melhor dizendo, no território do isquiático poplíteo interno, mas, em outra parte, a pressão do nervo abaixo da lesão mostrou, em uma superfície bastante estendida, que progressivamente chegou ao cavo poplíteo, seguindo-se em uma zona de formigamento localizada sobre os dedos do pé, no território do nervo isquiático poplíteo externo (nervo fibular). Existia, nesse caso, em uma parte, uma interrupção completa da região interna do isquiático, com formigamento fixo; e em outra parte, uma interrupção incompleta da região externa do nervo, com !! CAPÍTULO 4 ! PROPEDÊUTICA DOS NERVOS PERIFÉRICOS60 progressão dos axônios regenerados, que caminhavam na direção da fossa poplítea a partir da zona provocativa inicial de formigamento. 4 o Com efeito, as interrupções incompletas do nervo, ou, mais exatamente, as lesões que permitem a passagem dos axônios regenerados, caracterizam-se pela extensão progressiva da zona de formigamento provocado. Vemos, por consequência, o formigamento aparecer abaixo da lesão e progressivamente dirigir-se à periferia, no trajeto nervoso. Um nervo que formiga abaixo da lesão é um nervo que regenera, parcial ou totalmente. A cada semana, podemos seguir a progressão dos axônios, podemos observar a rapidez da restauração do nervo, podemos, sobretudo, julgar sua importância, pela intensidade do formigamento provocado e estendido no território cutâneo ou onde ele se manifesta. É o mesmo para as suturas nervosas, em que, pela constante progressão da zona de formigamento, é possível julgar rapidamente o sucesso, maior ou menor, da intervenção cirúrgica. À medida que a zona de formigamento se estende e se acentua em direção à periferia, ela diminui e termina desaparecendo completamente da região traumatizada. Ela se desloca excentricamente, sempre conservando uma extensão considerável. É sempre necessário explorar o nervo em todo seu trajeto. Examinamos um homem portador de uma paralisia completa do isquiático. O ferimento na parte superior da coxa ocorrera há cinco meses, com paralisia total. Encon- tramos sobre o isquiático, ao nível e abaixo da lesão, uma zona de formigamento provocado, e questionamos se aquela ausência não era um mau prognóstico. Mas, ao contrário, o formigamento se recuperava muito abaixo, nos ramos do nervo, ao nível do cavo poplíteo e na parte média da perna. Como consequência, tratava-se de um nervo em vias de restauração bastante avançada. Constatamos rapidamente uma restauração da contratilidade farádica naqueles fascículos musculares dos gêmeos, dos peroneiros e do tibial anterior. 5 o A mesma extensão progressiva da zona de formigamento se encontra nas interrupções incompletas com irritação neurítica. Parece que, às vezes, muito raramente, os fenômenos de irritação e de regeneração podem se associar no mesmo nervo. Entretanto, em geral, o sujeito acusa, nos neuríticos, a irradiação de um entorpecimento doloroso ou mesmo de prurido. Mas, na maior parte dos casos, o formigamento substitui a dor neurítica provocada por pressão do nervo; ele a expulsa de sua frente. À medida que desce a zona de formigamento, o tronco nervoso e os músculos da vizinhança deixam de ser dolorosos; trazemos como exemplo um isquiático que se tornou indolor, formiga à pressão da coxa, tornando os nervos e as massas musculares da perna dolorosos. *** É fácil dar-se conta, por esses exemplos, dos serviços que podem tornar o sinal do formigamento provocado. Diremos que a pesquisa sistemática desse sintoma não pode, de qualquer maneira, dispensar o exame minucioso dos achados motores, elétricos, sensitivos e tróficos. Será lamentável atribuir ao sinal do formigamento uma impor- tância exagerada, que pode faltar alguma vez, como se percebe em certas condições: 1 o O formigamento provocado pela pressão do nervo não parece curado antes da quarta ou mesmo sexta sema- na, a partir do traumatismo. Dizemos que toda lesão nervosa, secção ou compressão se traduz por uma primeira fase de degeneração: degeneração descendente walleriana, que se prolonga até a terminação ner- vosa; degeneração ascendente ou retrógrada, que não passa, em geral, algum segmento do nervo, mas que, mesmo muito limitada, inclui alterações muito profundas das células de origem do nervo. É somente depois dessa primeira fase degenerativa que se produz a fibrilação dos axônios do segmento central, seu brotamento e seu crescimento. Parece que, no homem, essa fase de regeneração não aparece antes de 3 a 4 semanas; ela é, de resto, mais ou menos precoce ou tardia conforme a idade, a vitalidade, o estado de saúde e as faculda- des regenerativas de cada indivíduo. É este período de neoformação dos axônios que parece corresponder à aparição do formigamento provocado. !! PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 61 ! REFERÊNCIAS 1. TineL J. Le signe du “Fourmilliement” dans les lésions des nerfs périphériques. 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J Hand Surg. 2003;28(Suppl 1):38-9. 2 o O formigamento desaparece desde que o nervo tenha se reposto à condição normal e que os axônios neoformados encontrem-se em estado adulto. É, em geral, por um período de 8 a 10 meses que parece cessar o formiga- mento; grandes variações se observam naturalmente entre os indivíduos, as lesões e o comprimento do nervo a regenerar. Constatamos que o formigamento desaparece de modo excêntrico e se espalha progres- sivamente em direção à periferia do nervo. 3 o Por fim, o formigamento pode faltar naqueles raros casos, fora dos limites de início ou fim que acabamos de expor. É nos casos que a lesão é muito leve e que ela não causou nenhuma destruição profunda das fibras nervosas; ou, ao contrário, porque o nervo não teve qualquer regeneração, como vemos às vezes em indiví- duos idosos, doentes ou com nutrição profundamente prejudicada. O formigamento provocado não constitui um sinal absolutamente constante, fixo e de interpretação fácil. Ele não pode dispensar de nenhum modo o exame minucioso e repetido do paciente. Ele não pode ter valor a não ser associado a todos os outros sintomas clínicos. Mas, com todas essas reservas, o formigamento nos parece como suscetível a esclarecer algumas vezes certos problemas de diagnóstico neurológico e de fornecer as indicações precisas para o prognóstico e o tratamento das lesões nervosas periféricas. Fonte: Tinel. 1 13. Rosén B, Lundborg G. Early use of artificial sensibility to improve sensory recovery after repair of the median and ulnar nerve. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2003;37(1):54-7. 14. Rosén B, Lundborg G. Enhanced sensory recovery after median nerve repair using cortical audio-tactile interaction. A randomised multicentre study. J Hand Surg Eur Vol. 2007;32(1):31-7. 15. Sunderland S. Anatomical and physiological features of peripheral nerve ?bres and nerve trunks. In: Nerve and nerve injuries. 2nd ed. London: Churchill Livingston; 1981. 16. Lundborg G. 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Gilberto Mastrocola Manzano A eletroneuromiografia tem como objetivo o estudo do sistema nervoso periférico e do sistema muscular. Dessa maneira, podemos avaliar a integridade funcional dos neu- rônios motores periféricos, dos neurônios sensitivos, das placas mioneurais e dos músculos. Alterações que compro- metam essas estruturas levam a alterações fisiológicas que são detectadas por meio do estudo eletrofisiológico. O exa- me eletroneuromiográfico atém-se ao diagnóstico topográ- fico da lesão, ao diagnóstico do grau de comprometimento da estrutura afetada e ao seu prognóstico. 1 Em uma avalia- ção eletrofisiológica, várias técnicas são utilizadas, mas há basicamente dois tipos de testes de rotina: um primeiro grupo em que repostas provocadas por estímulos externos são obtidas e analisadas (velocidades de condução nervosa, estudo dos reflexos e estudo das respostas tardias) e um segundo grupo de testes em que se analisa a atividade elétrica espontânea e/ou voluntária (eletromiografia propria- mente dita) registrada em um músculo. ! VELOCIDADE DE CONDUÇÃO NERVOSA Para a análise das medidas das velocidades de condução nervosa, devemos considerar a condução nas fibras mieli- nizadas e nas não mielinizadas. As fibras mielinizadas são as que têm a condução mais rápida (condução saltatória) e as fibras não mielinizadas são as de condução mais lenta (condução contínua). Mesmo no grupo das fibras mielíni- cas, algumas têm condução mais rápida e outras condução mais lenta, sendo que a velocidade de condução é direta- mente proporcional ao calibre dos nervos e às condições de mielinização de suas fibras. Nos estudos de rotina, avalia- mos as medidas de condução nas fibras mielínicas mais rápidas, embora existam técnicas que permitem a avaliação da condução em fibras mais lentas e que são utilizadas em casos especiais, quando necessário. As medidas das velocidades de condução variam em indivíduos normais de acordo com a idade do paciente, a temperatura corporal, o nervo e o segmentodo nervo avalia- do. Em crianças, que ainda não têm seu sistema nervoso com a mielinização completa, a condução é reduzida. Em torno dos 3 anos atinge seu pico e, nas últimas décadas de vida, há uma redução progressiva. Redução da temperatura do segmento avaliado também leva a uma redução propor- cional das medidas de condução. Alterações patológicas ocorrem quando há desmielinização das fibras, com con- sequente redução das medidas de condução por dificuldade de propagação do estímulo devido à quebra das bainhas de mielina. Este é um fato fundamental na interpretação do exame eletroneuromiográfico, ou seja, redução das medidas de condução traduz desmielinização. As técnicas de avaliação das medidas de condução ba- seiam-se no princípio de que um estímulo elétrico supramá- ximo aplicado a determinado ponto de um nervo gera um potencial que se propaga por suas fibras tanto no sentido centrípeto como centrífugo. Captando-se esse potencial ao atingir determinado ponto do nervo, distante do ponto de estímulo, podemos medir o tempo de condução entre os dois pontos e, assim, obter a velocidade dividindo-se a distância pelo tempo para percorrer essa distância. Para a avaliação das medidas de condução, normalmente utiliza- mos eletrodos de superfície, embora eletrodos de agulha também possam ser utilizados. Existem técnicas que permitem a avaliação da condução em fibras motoras e em fibras sensitivas, as quais descreve- remos brevemente. 2-6 5 ELETRONEUROMIOGRAFIA: BASES E APLICAÇÕES CAPÍTULO 5 ! ELETRONEUROMIOGRAFIA: BASES E APLICAÇÕES64 CONDUÇÃO SENSITIVA Um pulso elétrico supramáximo é aplicado sobre determina- do nervo, provocando a despolarização das fibras no ponto de estímulo. O potencial gerado propaga-se por suas fibras. Colocando-se um eletrodo de registro sobre certo ponto, o potencial é registrado ao atingir esse local. O aparelho nos fornece a latência desse potencial, que é o tempo decor- rido do momento da aplicação do pulso no ponto de estí- mulo até o momento do registro do potencial ao atingir o ponto de captação. Dividindo-se a distância entre esses dois pontos pela latência, obtém-se a velocidade de condu- ção nesse segmento de nervo. Além da velocidade de con- dução, analisamos também a amplitude do potencial regis- trado. 4 Como essa amplitude é a resultante da soma de potenciais gerados por cada fibra nervosa, quando há per- da axonal com consequente redução do número de fibras, teremos também redução da amplitude registrada. Os nervos facilmente acessíveis e mais utilizados no exame de rotina são os seguintes: mediano, ulnar, radial e sural, embora outros, como o cutâneo lateral da coxa, o fibular superficial, o plantar medial, o plantar lateral e o safeno interno também possam ser avaliados. CONDUÇÃO MOTORA Para a obtenção da medida da velocidade de condução motora em determinado nervo, estimulam-se as fibras desse nervo em um ponto específico (P1) e, colocando-se um eletrodo sobre um músculo inervado por esse nervo, regis- tra-se o potencial gerado (onda M), determinando-se, as- sim, a latência distal (L1) entre o ponto de estímulo e o de registro. Nesse caso, a latência obtida é o tempo para que o potencial percorra as fibras mais o tempo da transmissão através da placa mioneural e o tempo de condução pelas fibras musculares. Para se obter o tempo de condução ape- nas em fibras nervosas, estimula-se novamente o mesmo nervo em outro ponto mais proximal (P2) e obtém-se uma nova latência (L2). A diferença entre essas duas latências é o tempo de condução nas fibras mais rápidas desse nervo entre os dois pontos de estímulo (elimina-se, dessa maneira, o tempo da transmissão pela placa e pelas fibras muscula- res). Dividindo-se a distância entre os pontos por esse tem- po, obtém-se a condução motora no segmento (velocidade = distância/[L2-L1]). 4 Com o estímulo do nervo em vários pontos, podemos obter a velocidade em vários segmentos e, assim, determinar, por exemplo, uma possível alteração em um segmento específico (alteração focal), ou então observar que as medidas encontram-se alteradas global- mente, como ocorre em neuropatias desmielinizantes. Quando há comprometimento axonal, a amplitude da onda M pode encontrar-se reduzida pelo fato de ser gerada por um menor número de fibras musculares ativas em conse- quência da perda de axônios funcionais. Os nervos facilmente acessíveis na rotina diagnóstica são mediano, ulnar, radial, fibular e tibial posterior, embora existam técnicas para a avaliação de outros nervos em casos especiais (p. ex., condução do nervo femoral, isquiático, entre outros). RESPOSTAS TARDIAS Onda F A onda F é definida como uma resposta motora tardia resul- tante da ativação antidrômica de um único neurônio motor ou de um pequeno número deles após a estimulação elétri- ca de um nervo periférico. 1,3-7 Os principais parâmetros analisados no estudo das ondas F são: amplitude, duração, latências, cronodispersão e persistência. Deve-se conside- rar que, como existem motoneurônios com condução mais rápida e outros com condução mais lenta, haverá uma latência mínima que representa a condução nas fibras mais rápidas e uma latência máxima, que representa a condução nas fibras mais lentas. Com esses dados, pode-se determinar a latência média e a cronodispersão, que representa a dife- rença entre a latência mínima e a latência máxima. As la- tências têm íntima relação com a altura do indivíduo e o tamanho do segmento estudado. Para superar esse fato, pode-se transformar as latências em velocidades por meio da fórmula distância/[(Latência-1)/2]. Dessa maneira, serão obtidas a velocidade mínima, a máxima e a média. Persistên- cia é definida como o número de vezes que se obtêm ondas F após determinado número de estímulos, sendo, em geral, expressa em percentual. Alguns autores referem ser esse um parâmetro de grande importância para o diagnóstico de bloqueio proximal de condução. Em indivíduos normais, varia de nervo para nervo. Por exemplo, em membros supe- riores, varia de 60 a 100% no nervo mediano e de 70 a 100% no nervo ulnar. O estudo da persistência da onda F pode ser o primeiro ou o único parâmetro a alterar-se em algumas doenças, como a síndrome de Guillain-Barré . A vantagem do estudo das ondas F é a possibilidade de avaliar segmentos proximais de determinado nervo. A des- vantagem é que, como o segmento avaliado é extenso, lesões focais podem não ser detectadas. Reflexo H O reflexo H é um reflexo monossináptico cuja via aferente são as fibras sensitivas de determinado nervo e a via efe- rente, as fibras motoras. 3 Um nervo estimulado em certo ponto tem suas fibras despolarizadas, com uma resposta PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 65 M cuja latência é o tempo de condução do ponto de estí- mulo ao músculo. Contudo, as fibras sensitivas também despolarizadas geram um potencial que se propaga ao gânglio sensitivo e, via raiz posterior, faz sinapse com o neurônio motor ao nível de corno anterior de medula, o qual, despolarizado, gera um potencial que se propaga novamente ao músculo, onde mais uma vez despolariza suas fibras e um novo potencial é registrado, que é a onda H. A importância da onda H em relação à F está no fato de que, por meio da primeira, é possível a avaliação de raízes posteriores. Esse reflexo é particularmente útil, por exemplo, no diagnóstico de radiculopatias S1, nas quais pode encon- trar-se alterado, o que não ocorre em lesão ao nível de raiz L5 (estudo do reflexo H por estimulação do nervo tibial posterior ao nível de fossa poplítea). ! ELETROMIOGRAFIA A eletromiografia propriamente dita baseia-se no estudo funcional das unidades motoras. Como uma unidade mo- tora compreende um neurônio motor periférico e o conjun- to das fibras musculares por ele inervadas, sempre que o neurônio motor despolariza, o potencial gerado se propaga pelo seu axônio e todas as fibras musculares inervadas poresse neurônio se despolarizam, gerando potenciais, os quais são captados mediante eletrodos de agulha e analisados. 1-6 Para o estudo eletromiográfico, um eletrodo de agulha é inserido em um músculo e, a seguir, a atividade elétrica gerada próxima a esse eletrodo é analisada em três etapas. Na primeira etapa, durante o repouso muscular, o múscu- lo normal mostra silêncio elétrico, e não se registra poten- cial algum (a não ser eventualmente e, dependendo da posição do eletrodo, potenciais de placa). Nos casos em que há desnervação, observa-se a presença de potenciais patológicos, que são as fibrilações e as ondas positivas, geradas por fibras musculares desnervadas ou por parte de fibras fragmentadas que se despolarizam de forma es- pontânea. Pode-se também perceber a presença de fasci- culações, que são conjuntos de várias fibras de uma mesma unidade motora que disparam espontaneamente. Nessa fase, ainda podemos encontrar outras alterações, como descargas de alta frequência e descargas miotônicas. Na segunda etapa, pedimos ao paciente que realize uma contração leve, de maneira que ative algumas unidades motoras próximas ao eletrodo de registro. Dessa maneira, os potenciais gerados por algumas unidades motoras são visualizados isoladamente no osciloscópio e pode-se então analisar sua forma, amplitude e duração. Cada unidade motora disparando gera um potencial (que é a somatória de vários potenciais produzidos por várias fibras musculares pertencentes à mesma unidade motora), que é então anali- sado. No músculo normal, existem padrões de normalidade para a morfologia (número de fases), a duração e a ampli- tude. Quando ocorre um comprometimento de tipo neu- ropático, em que há degeneração axonal, parte das fibras musculares perdem sua inervação, e, em uma segunda fase, as unidades motoras sobreviventes reinervam essas fibras desnervadas. Como consequência, há maior concentração de fibras musculares pertencentes a uma unidade motora próximo ao eletrodo de captação, e o potencial registrado será a soma de um maior número de potenciais de fibras musculares, resultando em potenciais com duração e ampli- tude maiores do que no músculo normal. Se houver com- prometimento de tipo miopático, ocorre o contrário, cada unidade motora perde fibras musculares, e o potencial regis- trado será a resultante de um menor número de potenciais de fibras musculares e, portanto, duração e amplitude redu- zidas em relação ao normal. Em uma terceira etapa, o paciente é solicitado a realizar uma contração máxima, de maneira que um maior número de unidades motoras seja ativado, gerando vários poten- ciais, que se embricam formando um traçado de interferên- cia no osciloscópio. Nos casos de degeneração axonal com redução do número de unidades motoras, há um menor número de potenciais de ação, e o traçado de esforço mos- tra-se rarefeito e com amplitude aumentada. Nos casos em que há miopatia, o número de unidades motoras não se reduz; todavia, os potenciais registrados são de reduzi- da amplitude, e o que se observa são traçados cheios, porém de reduzida amplitude em relação ao normal. ! ALTERAÇÕES OBSERVADAS NAS PRINCIPAIS PATOLOGIAS Alguns aspectos devem ser considerados em função de al- gumas situações clínicas: 1) patologias que comprometem fibras finas (A delta e C), como a que ocorre em algumas polineuropatias, não são detectadas na avaliação eletrofi- siológica, apesar de apresentarem quadro clínico evidente; 2) na detecção de comprometimento de fibras grossas, as técnicas eletrofisiológicas são bastante sensíveis, porém sin- tomas intermitentes (sem ainda alterações estruturais nas fibras nervosas), podem não produzir alterações ao estudo eletroneuromiográfico. LESÕES DE CORPO CELULAR DE NEURÔNIOS MOTORES PERIFÉRICOS Nas lesões que comprometem o corpo celular de neurônios motores periféricos, o que se observa são sinais de desner- vação nos músculos do território comprometido, caracte- rizados por aumento da atividade de inserção, fibrilações, CAPÍTULO 5 ! ELETRONEUROMIOGRAFIA: BASES E APLICAÇÕES66 ondas positivas, fasciculações, descargas de alta frequência e potenciais de ação polifásicos, com duração e amplitudes aumentadas ao lado de rarefação dos traçados de esforço. Nas patologias localizadas (p. ex., lesões medulares compro- metendo neurônios motores periféricos), as alterações ocor- rem no território correspondente ao nível da lesão e, nas doenças degenerativas (p. ex., esclerose lateral amiotrófica), há um comprometimento difuso, em geral afetando múscu- los dos quatro membros e, às vezes, músculos inervados por pares cranianos. As medidas de condução motora e sensitiva mostram-se dentro dos limites da normalidade na maioria dos casos. 1-6 RADICULOPATIAS O estudo eletrofisiológico tem sido amplamente utilizado para a avaliação de pacientes com radiculopatia. 8 As técni- cas utilizadas com maior frequência são o estudo da con- dução nervosa, as respostas tardias e a eletroneuromio- grafia de agulha. Considerações anatômicas Para a interpretação dos achados eletrodiagnósticos em pacientes suspeitos de terem uma lesão radicular, algumas peculiaridades anatômicas necessitam ser consideradas: • Os axônios que compõem o ramo ventral originam- -se em células localizadas no corno anterior da medu- la, e os que constituem o ramo dorsal são compostos por células localizadas no gânglio sensitivo. Isso cria uma situação na qual lesões radiculares preservam os axônios distais ao gânglio sensitivo (que são os avaliados pelo estudo eletrofisiológico), enquanto os motores são afetados. • A coluna vertebral é formada por 33 vértebras, sen- do sete cervicais, 12 torácicas, cinco lombares, cinco sacrais e quatro coccígeas. Como há oito raízes cer- vicais e sete vértebras cervicais, as raízes cervicais se situam em relação à coluna vertebral superiormente ao corpo vertebral correspondente, com exceção da oitava, que sai inferiormente à sétima vértebra. Todas as outras raízes saem inferiormente ao corpo verte- bral correspondente. • O nível da medula espinal não corresponde ao nível da coluna vertebral, principalmente nas regiões lom- bar e sacral. • Os músculos em geral recebem inervação de mais de um nível radicular. Músculos inervados pelo mes- mo segmento medular recebem o nome de mióto- mo. Praticamente todos os músculos têm inervação de mais de um nível radicular, e há uma superposi- ção dessa inervação, sendo que o mesmo ocorre com os músculos paravertebrais. • Nervos periféricos são constituídos por axônios pro- venientes de mais de um nível radicular. Estes são pontos importantes a serem considerados quando se realiza um estudo eletrofisiológico. Por exemplo, desnervação em um músculo pode ocorrer em decorrência de lesão em diferentes níveis radiculares, lesão de uma raiz ventral (motora) é mais fácil de ser detectada do que de uma raiz dorsal (sensitiva). Estudo eletrofisiológico Condução sensitiva. Em geral, o estudo da condução sensitiva está normal, uma vez que a lesão se faz proximal- mente ao gânglio sensitivo, preservando a integridade do neurônio sensitivo periférico. Condução motora. A condução motora costuma estar normal. Dependendo da intensidade do comprometimento e da presença de degeneração axonal, o potencial de ação muscular composto pode, eventualmente, mostrar redução de amplitude. Reflexo H. O reflexo H é utilizado com frequência no estudo das radiculopatias. É geralmente utilizado para o diagnósti- co das radiculopatias lombossacrais, embora possa ser utili- zado no diagnóstico de comprometimento radicular C6 e C7 pelo registro das ondas H no músculo flexor radial do carpo. Em tese, há algumas vantagens no estudo das ondas H. Uma delas é que essa técnica permite a avaliação dos segmentos proximais dos axônios e outra é que, sendo um reflexo, pode-se avaliar a via aferente sensitiva e a eferente motora. Há também desvantagens, e uma delas é que nãoestá sempre presente em indivíduos normais, principalmen- te acima de 60 anos, assim como não é obtida com facilida- de em todos os nervos. A onda H pode estar normal em pacientes com lesão S1 confirmada se houver uma lesão axonal parcial e persistirem algumas fibras íntegras condu- zindo normalmente. No estudo do reflexo H, é analisada uma grande extensão do nervo periférico e, se houver um comprometimento focal, a alteração é diluída e o resultado final do estudo pode estar normal. Outro aspecto a ser considerado é que uma alteração isolada do reflexo H não é suficiente para caracterizar lesão radicular, pois a lesão pode estar em qualquer outro ponto do segmento envolvi- do na geração da resposta. Na prática clínica, o estudo do reflexo H é mais utilizado na avaliação da raiz S1. Onda F. Alguns aspectos devem ser considerados na utiliza- ção desta técnica para o diagnóstico das radiculopatias: PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 67 • Ondas F avaliam somente fibras motoras, fibras sen- sitivas não são envolvidas na geração dessas respos- tas. • No estudo das ondas F, determinado nervo é estimu- lado e as respostas registradas. Como geralmente os nervos são compostos por axônios originados por mais de um nível radicular, a lesão de apenas uma raiz pode não alterar os resultados obtidos. Outro aspecto é que, mesmo se houver alteração, não se pode determinar qual é a raiz comprometida. • Em casos de comprometimento focal, como a por- ção comprometida é muito pequena em relação ao segmento analisado, pode não ser detectada. Exame de agulha. A eletromiografia de agulha é o méto- do mais útil para a avaliação de pacientes com radiculopatia. O objetivo do estudo eletromiográfico de agulha é detectar alterações em músculos inervados por diferentes nervos, porém pelos mesmos miótomos. As alterações geralmente encontradas são: alterações da atividade de inserção, cujo aumento pode ser encontrado na distribuição do miótomo comprometido; atividade espontânea, já que fibrilações e ondas agudas positivas podem estar presentes em músculos do miótomo comprometido e em músculos paraverebrais. Em casos agudos, fibrilações ocorrem precocemente e po- dem ser as primeiras alterações observadas. Em geral, ocor- rem, a princípio, em músculos proximais e, depois, em mús- culos distais. Músculos paravertebrais podem mostrar fi- brilações precocemente, em torno do sexto ou sétimo dia e, em músculos distais, em torno da terceira semana ou mais tardiamente. Fasciculações são raras, mas podem ser encontradas em lesões radiculares. Nesses casos, um cuida- doso exame eletromiográfico se faz necessário para afastar outras patologias, como, por exemplo, doença dos neurô- nios motores; descargas complexas repetitivas podem estar presentes, principalmente em casos crônicos. As alterações dos potenciais de ação de unidades motoras encontradas com mais frequência nas radiculopatias são aumento do número de potenciais polifá))sicos com duração aumentada e, em casos crônicos, aumento de amplitude. Em casos agudos, quando há desnervação, potenciais polifásicos com duração aumentada e amplitude normal podem ocorrer. Em casos crônicos, esses potenciais dão lugar a potenciais com duração e amplitude aumentadas. Em relação ao recru- tamento de unidades motoras, sabe-se que unidades mo- toras isoladas disparam entre 5 e 10 Hz e, analisando o recrutamento de unidades motoras em indivíduos normais, com o aumento progressivo da contração muscular, uma nova unidade passa a ser recrutada a cada aumento de 5 Hz das unidades já disparando. Em lesões neuropáticas, há redução do número de unidades motoras e aumento da frequência de disparo das unidades sobreviventes. Essas alterações podem ocorrer precocemente em desnervação aguda. Em radiculopatias, pode ser a primeira alteração detectada. Ocorrem em uma distribuição de acordo com o miótomo comprometido. Tal metodologia pode ser extre- mamente útil na diferenciação entre lesão periférica e central. Alguns aspectos importantes necessitam ser discutidos com relação ao estudo eletrofisiológico de pacientes com radiculopatia: • O diagnóstico eletrofisiológico das radiculopatias é feito fundamentalmente baseado na presença de desnervação em músculos de determinado mióto- mo. Um aspecto a ser considerado é que a distribui- ção de um miótomo não é sempre a mesma em todos os indivíduos; há variações individuais, e um músculo em estudo pode não pertencer a uma distri- buição comum. Trata-se de um fato importante a ser considerado, pois a ausência de desnervação em um miótomo não exclui lesão de uma raiz de sua distribuição convencional. Outro aspecto é que, em virtude de um músculo receber inervação de mais do que um nível radicular, a lesão de apenas uma raiz pode não ter uma grande repercussão eletrofi- siológica. • A maior parte do estudo eletrofisiológico para a ava- liação radicular baseia-se na avaliação de fibras mo- toras. Como o neurônio motor periférico está locali- zado no corno anterior da medula, seus axônios estão sujeitos a lesão a nível radicular. Todavia, o neurônio sensitivo periférico está localizado no gân- glio sensitivo, e lesões radiculares ocorrem proxi- malmente, preservando a integridade dos neurônios sensitivos. Como consequência, o estudo das medi- das de condução sensitiva não se altera em lesões radiculares. • O estudo das ondas F é uma técnica que não traz grande contribuição para o estudo das radiculopa- tias, uma vez que testa apenas neurônios motores. Lesões que comprometem a raiz sensitiva não são detectadas por meio dessa técnica. Como no estudo das ondas F são estimulados axônios corresponden- tes a mais de um nível radicular, alterações mo- norradiculares também podem não ser detectadas. • O estudo do reflexo H pode ser útil no diagnóstico de radiculopatias, principalmente S1. Em lesões comprometendo outros níveis, pode não ser tão efi- caz, devido à dificuldade de obtenção desse reflexo em outros nervos que não o tibial. Deve-se também considerar que ondas H podem estar ausentes uni ou bilateralmente em indivíduos normais (em espe- cial após os 60 anos). CAPÍTULO 5 ! ELETRONEUROMIOGRAFIA: BASES E APLICAÇÕES68 • O estudo da musculatura paravertebral pode ajudar no diagnóstico entre uma lesão radicular e uma le- são mais distal, porém sinais de desnervação nesse músculo necessitam ser interpretados com cuidado, pois podem ocorrer em indivíduos normais assim co- mo naqueles submetidos previamente a uma lami- nectomia, devido à lesão produzida pelo ato cirúrgico. • Desnervação sugerindo lesão em determinado nível radicular não significa, necessariamente, que possa estar relacionada ao mesmo nível ósseo. • O estudo eletrofisiológico não permite o diagnóstico etiológico do comprometimento radicular. • O diagnóstico de lesão radicular em pacientes que tenham uma neuropatia ou uma lesão prévia de neurônios motores (p. ex., sequela de poliomielite anterior aguda) é difícil, pois as alterações podem se sobrepor. • É fundamental considerar-se o momento em que o exame foi realizado em relação ao início do quadro. Em casos agudos, a primeira alteração a ser observa- da no exame eletromiográfico pode ser fibrilações em músculos paravertebrais e, dependendo da pre- sença de bloqueio axonal, traçado de esforço rarefei- to e aumento da frequência de disparo das unidades motoras. Se ocorrer desnervação, potenciais polifá- sicos com duração aumentada podem estar presen- tes. Em casos crônicos, a única alteração pode ser a presença de potenciais de unidades motoras com duração e amplitude aumentadas na distribuição do miótomo da raiz comprometida. • O estudo eletrofisiológico pode ser falsamente nega- tivo, conforme seja realizado muito precocemente ou tardiamente, ou se afetar somente a raiz dorsal. Nas lesões radiculares localizadas, as medidas de condução não se alteram, e observam-se sinais de desnervação em músculos doterritório radicular comprometido, desde que a lesão comprometa a raiz anterior e cause degeneração axonal. Se não houver comprometimento axonal que leve a sinais de desnervação ou se o comprometimento for ape- nas de raiz posterior (sensitiva), não há repercussão eletromiográfica e o exame pode ser normal. O estu- do dos reflexos H pode ser útil nesses casos. LESÕES DE NERVOS PERIFÉRICOS Lesões agudas de nervos periféricos Nas lesões agudas de nervos periféricos, é fundamental considerarmos o momento em que o exame está sendo realizado, 1 pois alterações das medidas de condução se definem em torno do sétimo dia após a lesão, e sinais de desnervação nos casos em que há comprometimento axonal aparecem em torno do vigésimo primeiro dia após a lesão. Nas lesões agudas, é preciso considerar dois grupos, o pri- meiro em que há apenas neurapraxia, ou seja, há um blo- queio da condução sem comprometimento axonal, e o se- gundo grupo em que há uma axonotmese ou uma neurot- mese com lesão axonal. No primeiro grupo, a eletroneuro- miografia mostrará apenas sinais de bloqueio de condução e, no segundo, há alterações da condução, além de sinais de desnervação nos músculos comprometidos. Neurapraxia. As medidas das velocidades de condução não se alteram fora do segmento comprometido, porém, nesse segmento, há bloqueio de condução, ou seja, o estí- mulo não se propaga nas fibras bloqueadas e a estimulação acima do ponto de lesão não gera potencial muscular (blo- queio total) ou gera potencial de reduzida amplitude (blo- queio parcial) em relação ao potencial gerado com esti- mulação abaixo do ponto de lesão. Não se observam, no estudo eletromiográfico, sinais de desnervação, porém há ausência ou redução do número de potenciais de unidades motoras funcionantes. Axonotmese ou neurotmese. Há ausência de condução nervosa nas lesões totais, tanto com estimulação acima como abaixo do ponto de lesão. O estudo eletromiográfico, mostra sinais de desnervação, evidenciando comprometi- mento axonal, e ausência (lesão total) ou redução (lesão parcial) do número de potenciais de ação de unidades mo- toras funcionantes. Lesões crônicas de nervos periféricos Entre as lesões crônicas de nervos periféricos, destacamos as síndromes compressivas nas quais os achados observados são redução da velocidade de condução no segmento com- prometido e, nos casos mais acentuados, desnervação em músculos distais ao ponto de compressão. Síndrome do túnel do carpo. Uma das patologias mais frequentes é a compressão do nervo mediano a nível do túnel do carpo. Nos casos de um comprometimento discre- to, a alteração encontrada é a redução da medida de condu- ção sensitiva no segmento do nervo mediano pelo canal do carpo. Nos casos em que há um comprometimento mais acentuado, encontramos, além de alterações da condução sensitiva, um aumento da latência distal motora do nervo mediano. Por fim, nos casos ainda mais graves, também pode haver desnervação em músculos da região tenar. Entre as técnicas utilizadas para a detecção da compres- são do nervo mediano ao nível do canal do carpo, ressalta- mos a pesquisa da medida de condução no segmento pal- PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 69 ma-punho, cuja vantagem é que mede exatamente a con- dução no segmento comprometido, permitindo um diag- nóstico de alterações discretas, pois elimina a condução no segmento normal, o que evita a diluição da alteração focal pelo segmento normal, resultando em condução nor- mal mesmo havendo alteração focal. Também útil é a com- paração entre a condução no segmento quarto dedo-punho do nervo mediano com a do nervo ulnar. Uma diferença acima de 0,4 ms determina anormalidade. A mesma com- paração pode ser feita entre o primeiro dedo-punho e os nervos mediano e radial. Do ponto de vista eletroneuromio- gráfico, podemos classificar a síndrome do túnel do carpo quanto à gravidade em discreta (ocorre apenas a redução das medidas de condução sensitiva), moderada (ocorre redução das medidas de condução sensitiva e prolongamento da latência motora distal) e grave (ausência de condução sensitiva, latência motora distal prolongada e, eventualmente, sinais de desnervação em músculos da região tenar). 2 Síndrome do pronador. Ocorre devido à compressão do nervo mediano ao nível do antebraço. Como consequência, há redução das medidas de condução nervosa nesse nível. Nos casos mais graves, pode ocorrer desnervação em mús- culos distais ao ponto de compressão. Compressão do nervo ulnar em nível do canal de Guyon. É bem mais rara do que a síndrome do túnel do carpo. Caracteriza-se pela redução da medida de condução sensitiva e/ou motora do nervo ulnar ao nível do punho. Compressão do nervo ulnar ao nível do cotovelo. Há redução da medida de condução e/ou bloqueio de con- dução ao nível do cotovelo e, nos casos mais graves, des- nervação em músculos distais ao ponto de compressão. Compressão do nervo radial ao nível do úmero. Uma das causas mais frequentes é a compressão noturna. Há bloqueio de condução no ponto de compressão. Nos casos mais graves, pode ocorrer desnervação em músculos inervados pelo nervo radial. Compressão do nervo fibular ao nível da cabeça da fíbula. Há redução da medida de condução motora e/ou bloqueio de condução no ponto de lesão, além de sinais de desnervação nos músculos inervados pelo nervo fibular. Compressão do nervo tibial ao nível do tornozelo. Há redução ou ausência de condução sensitiva dos nervos plantar medial e lateral e pode ocorrer prolongamento da latência distal da condução motora do nervo tibial. É possível ocorrer desnervação em músculos intrínsecos do pé inervados pelo nervo tibial. Compressão do nervo cutâneo lateral da coxa (me- ralgia parestésica). Há redução ou ausência da condução do nervo cutâneo lateral da coxa. É um diagnóstico difícil do ponto de vista eletrofisiológio, pois a ausência de de- tecção da condução sensitiva do nervo cutâneo lateral da coxa pode ocorrer em indivíduos normais, sendo, portanto, um achado de difícil valorização clínica. LESÕES DE PLEXOS O estudo eletroneuromiográfico é de grande importância nas lesões de plexos, pois permite o diagnóstico topográfico das lesões, assim como o grau de comprometimento. Altera- ções das medidas de condução ao lado de desnervação em determinados grupos musculares permitem formar um ma- peamento da lesão. A eletroneuromiografia presta grande con- tribuição para o diagnóstico diferencial entre avulsão radicular (lesão pré-ganglionar) e lesão de plexo (lesão pós-ganglionar). Na avulsão radicular, há redução ou mesmo ausência de condução motora, com preservação das medidas de condução sensitiva, uma vez que a lesão é proximal ao gânglio sensitivo, preservando suas fibras. Há também des- nervação em músculos paravertebrais e em músculos iner- vados pelo território (miótomo) comprometido, pois a lesão se faz proximalmente ao ramo posterior. Na lesão ao nível do plexo (tronco, raiz ou cordão), há comprometimento tanto da condução sensitiva como motora, pois a lesão ocorre distalmente ao gânglio sensitivo, comprometendo tanto o neurônio motor periférico como sensitivo. Não ocorre desnervação em músculos paravertebrais. Esses são os quadros clássicos, porém, muitas vezes, a lesão é difusa, ocorrendo tanto avulsão radicular como comprometimento distal, o que leva a uma mescla dos achados aqui descritos. Também se deve considerar que a anatomia dos plexos é variável. Por exemplo, no plexo braquial, pode-se observar plexo pré ou pós-fixado. POLINEUROPATIAS PERIFÉRICAS O estudo eletrofisiológico é de grande valia para a avaliação das polineuropatias periféricas. 1-4,9 Devemos dividir as poli- neuropatias periféricas em dois grupos distintos, as axonais e as desmielinizantes. Nas polineuropatias axonais, as medi- das de condução estão dentro dos limites da normalidade, embora os potenciais dos nervos e as ondas M possam estar reduzidas, devidoa perda axonal. A eletromiografia de agulha mostra alterações de padrão neuropático. Nas polineuropatias desmielinizantes, há redução das medidas de condução, e a eletromiografia de agulha não mostra anormalidades ou, se houver degeneração axonal secundá- ria, sinais de desnervação podem estar presentes, embora menos evidentes do que na forma anterior. CAPÍTULO 5 ! ELETRONEUROMIOGRAFIA: BASES E APLICAÇÕES70 Neuropatias desmielinizantes Nas fibras mielínicas, em que a condução nervosa se faz de uma maneira saltatória, ao contrário das fibras amielínicas, em que a condução se faz de maneira contínua, processos em que há desmielinização provocam redução das medidas de condução nervosa, e o exame eletromiográfico não mostra sinais de desnervação, ou, se mostrar, por um com- prometimento axonal secundário, são alterações discretas. Para a classificação do ponto de vista eletrofisiológico de uma polineuropatia periférica como sendo desmielini- zante, o estudo eletrofisiológico deve satisfazer critérios * que relacionamos a seguir: 10 • velocidade de condução reduzida em dois ou mais nervos; • bloqueio de condução ou dispersão temporal anor- mal em dois ou mais nervos; • latência distal motora prolongada em dois ou mais nervos; • latência mínima prolongada ou ausência de onda F. Outro aspecto importante a ser considerado é o blo- queio de condução. 5 Os critérios para a caracterização de bloqueio de condução têm sido motivo de discussão na literatura. Uma classificação recente 11 separa os bloqueios de condução considerando-se a amplitude e a duração dos potenciais evocados em três categorias: definido, provável e possível. Neuropatias axonais Nesse grupo de pacientes, as medidas de condução nervosa são normais ou mostram discretas alterações, embora os potenciais evocados sensitivos e os potenciais de ação muscular compostos possam mostrar amplitudes reduzidas, devido ao comprometimento axonal e ao consequente menor número de fibras conduzindo e disparando. O es- tudo eletromiográfico mostra sinais importantes de desnervação em decorrência do comprometimento axonal, tais como fibrilações e ondas positivas ao repouso muscu- lar e potenciais de ação polifásicos de longa duração. Os traçados de esforço podem mostrar traçados rarefeitos, em vista do menor número de unidades motoras funcionantes. MIOPATIAS Nas miopatias, as medidas das velocidades de condução motora e sensitiva não se alteram, porém a eletromiografia mostra potenciais de ação de reduzida amplitude e duração, assim como traçados de esforço cheio (paradoxalmente, às vezes mesmo ao esforço leve). Atividades espontâneas tipo fibrilações e ondas positivas são raras nas miopatias em geral, porém costumam ser observadas com frequência nas polimiosites, principalmente naqueles casos em que o processo encontra-se em fase ativa. Alterações característi- cas são observadas na distrofia miotônica (doença de Steinert), em que há descargas miotônicas ao lado de poten- ciais de ação com características miopáticas. Nas miotonias congênitas (doença de Thomsen), encontramos descargas miotônicas, porém com potenciais de ação de unidades motoras normais. 1-6 DOENÇAS DA PLACA MIONEURAL Para a avaliação dessas patologias, além das técnicas usuais, é necessária a utilização de técnicas especiais para a avalia- ção de defeitos na transmissão neuromuscular. 1-6 Estudo eletrofisiológico Velocidade de condução sensitiva. As medidas das ve- locidades de condução sensitiva não se alteram nessas pato- logias, assim como as amplitudes dos potenciais sensitivos. Velocidade de condução motora. Alterações das medi- das de condução motora não são encontradas; todavia, nos casos em que há comprometimento acentuado, constatam--se potenciais de ação muscular compostos com reduzida amplitude. Eletromiografia. A eletromiografia de agulha geralmente não mostra alterações em pacientes com distúrbios da trans- missão neuromuscular. Em casos graves, com intenso com- prometimento da transmissão mioneural, pode-se encon- trar fibrilações e ondas positivas. Contudo, a manutenção de atividade voluntária pode mostrar variabilidade das am- plitudes dos potenciais de ação, pois, em indivíduos nor- mais, uma unidade motora, quando dispara, gera despola- rização em todas as fibras musculares que a compõem. Isso produz em determinado ponto sempre o mesmo potencial de ação, com a mesma amplitude e duração. Em casos de miastenia grave, com a manutenção do esforço, algumas fibras que compõem a unidade motora vão se bloqueando progressivamente. Como resultado, tem-se re- dução das amplitudes de um mesmo potencial de ação em disparos consecutivos. Estimulação repetitiva. É a técnica clássica para o estudo das patologias da placa mioneural. Consiste em aplicar sé- ries de estímulos à determinada frequência e avaliar as am-* Três ou mais destes critérios devem estar presentes. PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 71 plitudes dos potenciais de ação muscular compostos regis- trados em um músculo inervado pelo nervo estimulado. Com estimulação supramáxima, teoricamente, todas as fi- bras nervosas que compõem o nervo em estudo são estimu- ladas, despolarizando todas as fibras musculares por elas inervadas e gerando um potencial com a mesma amplitude a cada estímulo consecutivo, uma vez que esse potencial é produzido pela soma dos potenciais de um mesmo número de fibras musculares. Em patologias da placa mioneural, estímulos consecutivos geram potenciais com variação anor- mal de amplitudes ou aumento de amplitudes, como ocorre nos casos de síndrome de Eaton-Lambert, ou redução, co- mo acontece nos casos de miastenia. Técnica Determinado nervo é estimulado com salvas de estímulos supramáximos a uma frequência específica (em geral, 2 a 3 Hz), e os potenciais gerados em um músculo inervado por esse nervo são registrados com eletrodos de superfí- cie. As amplitudes e as áreas de cada potencial registrado (em geral, cinco potenciais) são medidas e comparadas com a amplitude e a área do potencial gerado pelo primeiro estímulo. O resultado é apresentado em percentuais. Inicialmente, é aplicada uma série de cinco estímulos e registradas as amplitudes dos potenciais obtidos. Realiza- -se esforço máximo por dois minutos e novo estímulo é aplicado imediatamente após o esforço e, a seguir, dois minutos após o esforço. Observa-se que, em indivíduos normais, as amplitudes variam menos de 10% nos poten- ciais registrados na série de cinco estímulos e não há varia- ção significativa nas séries obtidas antes e após o esforço. Já nos pacientes com miastenia grave, nota-se redução de amplitudes superior a 10% já na primeira série de estímulos. Na série imediatamente após o esforço, há uma facilitação, e o primeiro potencial mostra amplitude maior do que o da série pré-esforço, e a série realizada após dois minutos do esforço mostra redução de amplitude em relação à pri- meira série, o que indica potencialização da fadiga pós- esforço. Na síndrome de Eaton-Lambert, durante a estimulação à baixa frequência, podemos encontrar redução das ampli- tudes dos potenciais registrados, porém o potencial inicial, obtido já ao primeiro estímulo, mostra amplitude reduzida. Com estimulação à alta frequência (20 a 30 Hz), há um grande aumento das amplitudes dos potenciais registrados, ao contrário do que ocorre na miastenia grave. Um fator a ser ressaltado é que a estimulação repetitiva pode mostrar alterações quando realizada em um músculo e ser normal quando realizada em outro. Esse fato é impor- tante, pois, nos casos em que a estimulação é normal no primeiro músculo examinado, é de fundamental importân- cia o exame de outros músculos, principalmente proximais, para que se obtenha um índice maior de positividade e menos exames falso-negativos. ! REFERÊNCIAS 1. Gilchrist JM, Sachs GM. Electrodiagnostic studies in the management and prognosis of neuromuscular disorders. Muscle Nerve.2004;29(2):165-90. 2. Dumitru D, editor. Electrodiagnostic medicine. Philadelphia: Hanley and Belfus; 1995. 3. Fisher MA. AAEM Minimonograph #13: H reflexes and F waves: physiology and clinical indications. Muscle Nerve. 1992;15(11):1223-33. 4. American Association of Electrodiagnostic Medicine; Olney RK. Guidelines in electrodiagnostic medicine. Consensus criteria for the diagnosis of partial conduction block. Muscle Nerve Suppl. 1999;8:S225-9. 5. Kaji R. Physiology of conduction block in multifocal motor neuropathy and other demyelinating neuropathies. Muscle Nerve. 2003;27(3):285-96. 6. Kimura J. Electrodiagnosis in diseases of nerve and muscle: principles and practice. 3rd ed. New York: Oxford University; 2001. 7. Nobrega JAM, Manzano GM. Revisão relacionada à alguns aspectos técni- cos e fisiológicos das ondas F e análise dos dados obtidos em um grupo de indivíduos diabéticos. Arq Neuropsiquiatr. 2001;59(2-A):192-7. 8. Wilbourn AJ, Aminoff MJ. AAEM minimonograph 32: the electrodiagnostic examination in patients with radiculopathies. American Association of Electrodiagnostic Medicine. Muscle Nerve. 1998;21(12):1612-31. 9. Donofrio PD, Albers JW. AAEM minimonograph #34: polyneuropathy: classification by nerve conduction studies and electromyography. Muscle Nerve. 1990;13(10):889-903. 10. Asbury AK, Cornblath DR. Assessment of current diagnostic criteria for Guillain-Barré syndrome. Ann Neurol. 1990;27 Suppl:S21-4. 11. Sumner A. Consensus criteria for the diagnosis of partial conduction block and multifocal neuropathy. In: Kimura J, Kaji R. Physiology of ALS and related disorders. Amsterdam: Elsevier; 1997. CAPÍTULO 6 ! PROPEDÊUTICA DO LÍQUIDO SINOVIAL72 PROPEDÊUTICA DO LÍQUIDO SINOVIAL ! Antonio J. L. Ferrari A primeira descrição conhecida do líquido sinovial foi feita pelo médico suíço Paracelsus, que denominou o líquido articular de sinóvia por sua semelhança com a clara de ovo. A medicina desenvolveu técnicas laboratoriais, com o líquido sinovial, que fundamentam ou validam um diagnós- tico, interferindo na evolução e no prognóstico de doença. 1 Poucos exames são específicos para estabelecer um diagnós- tico. A maior parte agrega dados ou confirma suspeitas clínicas. O estudo do líquido sinovial constitui uma exceção, já que sua análise permite estabelecer diagnósticos de certe- za de artrite séptica e doenças por depósito de cristais (Qua- dro 6.1), visando à instituição de uma terapêutica precoce e eficaz, evitando-se potenciais sequelas. 1 Em toda enfermi- dade articular, o estudo do líquido sinovial deve ser conside- rado uma extensão da história clínica e do exame físico. Seguramente, pode-se dizer que a informação obtida pela análise do líquido sinovial é mais relevante do que qualquer combinação de exames laboratoriais e radiológi- cos, 2 fornecendo informações sobre a intensidade e a quali- dade do processo inflamatório. 3 O estudo do líquido sinovial pode ser executado median- te técnicas simples, como o exame de uma gota de líquido sinovial ao microscópio de luz comum e luz polarizada, ou por técnicas sofisticadas de cristalografia que permitem a identificação de cristais e partículas que induzem a artro- patias agudas ou crônicas. Da mesma forma, é possível reconhecer a existência de duas ou mais artropatias em um mesmo paciente. Como exemplo, pacientes com artrite reumatoide, anemia falciforme, lúpus eritematoso sistêmi- co, artropatia neurogênica ou artropatias por depósito de cristais podem manifestar artrite aguda sobreposta, devido a uma artrite séptica. 4 Artropatias microcristalinas mistas reconhecidas atualmente com maior frequência podem ser detectadas apenas pelo estudo do líquido sinovial. 5 A isso se soma sua capacidade de revelar achados característicos de valor no diagnóstico diferencial de artropatias incomuns, como, por exemplo, células LE no lúpus eritematoso sistê- mico, 5,6 eritrócitos em forma de foice em pacientes com anemia ou traço falciforme; 7 células de Reiter na síndrome de Reiter ou outras artrites reativas; 8 fragmentos de amiloide em artropatia amiloide; 9 partes de cartilagem pigmentadas com a cor ouro na ocronose; 10 fragmentos de medula óssea e gordura em fraturas subcondrais 11 e células tumorais. 12 O líquido sinovial informa sobre cartilagem articular danificada por meio de fragmentos de cartilagem vistos com frequência em diferentes enfermidades, como a os- teoartrose, a condromatose e artropatias neurogênicas, e, recentemente, sobre o aumento da concentração de glico- saminoglicanos, que tem sido investigado como um possível marcador de deteriorização de cartilagem. 13,14 Apesar do valor prático do estudo do líquido sinovial, seu emprego ainda é negligenciado por muitos médicos, incluindo clínicos, reumatologistas e ortopedistas. Ao contrá- rio do que se imagina, é um exame fácil de ser executado, incluindo a descrição da aparência do líquido, as colorações à luz do microscópio comum ou de luz polarizada, a cultura para microrganismos, a contagem total de células e o diferen- cial leucocitário. Outros testes têm valor limitado no diag- nóstico diferencial, incluindo-se viscosidade do líquido sino- vial, coagulo de mucina, glicose, lactato, concentração de proteínas, enzimas, componentes do complemento, fator reumatoide, anticorpos antinucleares e complexo imunes. 15-17 6 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 73 ! ANATOMIA E FISIOLOGIA As articulações diartrodiais ou sinoviais móveis são constituí- das de extremidades ósseas contíguas recobertas por uma estrutura hialina denominada cartilagem articular, separa- das por um espaço real, a cavidade articular, a qual contém uma interface líquida, o líquido sinovial, ou sinóvia. A cavi- dade articular está envolta, por sua vez, pela cápsula articu- lar. Esta tem uma fase externa, que entra em contato com os ligamentos e tendões, e uma interna, que está em conta- to com a membrana sinovial (Figura 6.1). ! LÍQUIDO SINOVIAL NORMAL O líquido sinovial é um ultrafiltrado do plasma que, em condições normais, cobre as superfícies de sinóvia e cartila- gem. É encontrado em pequena quantidade, até 3,5 mL, na articulação do joelho, o que dificulta sua análise. O nú- mero de leucócitos varia de 200 a 300 células, à custa de células mononucleares. Em condições patológicas, o volume aumenta, o que facilita sua punção e estudo. Quando sua produção está aumentada, ocorre derrame articular. ! ARTROCENTESE A punção articular do líquido sinovial deve ser feita com assepsia local, agulhas e seringas descartáveis, tornando- -se um procedimento seguro, reduzindo-se o risco de infec- ção. O exame é de grande valia para estabelecer o diagnós- tico ou quando se suspeita de um processo intercorrente que pode modificar a história natural da doença. Além de se diferenciar uma artrite inflamatória de outra não inflama- tória, pode-se utilizar como terapêutica – esvaziamento do derrame articular –, levando ao alívio da dor. Possibilita, também, a diminuição da ação destrutiva de enzimas sobre a cartilagem e o osso subcondral, possibilitando a recupera- ção da função de forma mais rápida, evitando-se atrofias, contraturas e instabilidade articular, que resultam na dis- tensão permanente da cápsula e ligamentos articulares. O Quadro 6.2 mostra as indicações de artrocentese. Qualquer articulação diartrodial, bolsa ou gânglio, pode ser puncionada. O joelho é a articulação de mais fácil acesso, seguido por ombro, cotovelo e tornozelo. O quadril é uma articulação de difícil abordagem, que requer um guia fluo- " FIGURA 6.1 Estruturas anatômicas do joelho (articulação diartrodial). QUADRO 6.1 ! POSSÍVEIS DIAGNÓSTICOS INFERIDOS DO ESTUDO DO LÍQUIDO SINOVIAL Artrites infecciosas Bacterianas (Staphylococcal, Gonococcal, tuberculosa e outras) Micoplasma Parasítica Treponêmica Viral (hepatite, rubéola, sarampo, imunodeficiência humana) Artrites induzidas por cristal GotaDoença por depósito de pirofosfato de cálcio Hidroxiapatita Cristais de lipídios líquidos Oxalose Cristais intra-articulares de corticosteroide (pós-infiltração) Colagenoses Lúpus eritematoso sistêmico Artrite reumatoide Escleroderma Polimiosite Vasculite CAPÍTULO 6 ! PROPEDÊUTICA DO LÍQUIDO SINOVIAL74 roscópico ou ultrassom. O ultrassom, em geral, é um bom exame para avaliar a presença de derrame articular. 1 As pequenas articulações das mãos e dos pés apresentam maior dificuldade; portanto, exigem destreza e experiên- cia. Tanto a artrocentese como a infiltração apresentam mínimo risco de infecção secundária ou outra complica- ção, o que constitui uma vantagem adicional. O Quadro 6.3 mostra as vantagens e as desvantagens da artrocentese. MATERIAL PARA A REALIZAÇÃO DA ARTROCENTESE • Seringas: sempre descartáveis. Deve-se empregar de 3 a 5 mL, pela facilidade de manipulação. Se o derrame for grande, utilizam-se seringas de maior capacidade. 1 • Agulhas: em geral, as de 40 × 12 são adequadas para a maior parte das punções. As agulhas de insulina são adequadas para punções de pequenas articulações, co- mo as das mãos. 1 • Os tubos para colocar as amostras devem ser de 4 a 6 mL. – 1 o tubo: com EDTA; 2 mL de líquido sinovial para a contagem celular e estudos citológicos. Ressalta-se que o anticoagulante ideal para o estudo citológico é o EDTA, 1 mg para cada mL de líquido sinovial. 1 – 2 o tubo: com heparina sódica, uma vez que este anticoagulante é mais recomendado para a investi- gação de cristais. Outros anticoagulantes, como a heparina com lítio, o oxalato de potássio e o EDTA, podem formar cristais que se comportam como arte- fatos, 1 sendo fagocitados pelos leucócitos. – 3 o tubo: sem anticoagulante, ainda para pesquisa de cristais, uma vez que esse exame vai ser executado de imediato. – 4 o tubo: (se houver volume de líquido sinovial sufi- ciente) sem anticoagulante, para realizar o Gram e a prova de coágulo de mucina. Se não houver ma- terial suficiente, o Gram deve ser feito com o mate- rial do primeiro tubo. – 5 o tubo: estéril, para culturas. – 6 o tubo: não necessariamente estéril, com oxalato de potássio ou fluoreto de heparina, para determi- nação da glicose no líquido sinovial. Nesse caso, uma amostra de sangue deve ser colhida para com- parar os resultados. 1 • Pipetas de Pasteur, lâminas e lamínulas: sempre descar- táveis. As pipetas de Pasteur são necessárias para recu- perar o líquido sinovial; não é recomendável lavá-las com detergentes e reutilizá-las, porque os detergentes produzem artefatos. Em relação às lâminas e lamínulas, devem ser cuidadosamente examinadas, para detectar algum artefato, então limpá-las ou descartá-las. As la- mínulas devem ser de 22 × 55 mm, pois menores per- mitem que o líquido ultrapasse o seu limite, o que favo- rece a contaminação acidental. • Sabão líquido, solução iodada, álcool isopropílico, gazes e algodão. • Microscópio de luz comum e luz polarizada e câmara de Newbauer. 1 ARTROCENTESE PROPRIAMENTE DITA Após a realização de assepsia, que pode ser feita com álcool, deve-se obter a história clínica, estabelecendo possíveis rea- ções alérgicas a lidocaína ou a outras substâncias. Se preferir QUADRO 6.2 ! INDICAÇÕES DE ARTROCENTESE Monoartrite aguda Suspeita de artrite infecciosa Suspeita de artrite por cristal Derrames articulares sem diagnóstico Hidroartrose QUADRO 6.3 ! VANTAGENS E DESVANTAGENS DA ARTROCENTESE Vantagens Baixo custo Facilidade de realização Rápido alívio da dor Estudo do líquido sinovial Evita emprego de terapêutica sistêmica Restabelece a função rapidamente Evita atrofia muscular Previne contraturas Desvantagens Dermatite no local da punção Bacteriemia Distúrbios da coagulação Infecção local Pouca colaboração do paciente (sobretudo crianças) PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 75 fazer anestesia, utilizar 1 ou 2 mL de lidocaína a 1 ou 2% e fazer um botão; seguir, com outra agulha de maior calibre, aprofundar-se a punção para proceder a anestesia de estru- turas internas. Prefere-se, muitas vezes, uma punção rápida, porém precisa, sem a necessidade de uso anestésico. Uma vez puncionada a articulação, a agulha deve vencer a resis- tência da cápsula, para alcançar a cavidade articular, o que pode produzir alguma dor e, em seguida, entra-se na cavi- dade articular, onde já não se sente nenhuma contrapres- são. Finalizada a artrocentese, retira-se a agulha e, com gaze e álcool, faz-se pressão por certo tempo no local da retirada da agulha. As articulações podem ter um ou mais acessos. É reco- mendável dar preferência àquele que apresenta menor dis- tância até a cavidade articular. O líquido sinovial extraído deve ser imediatamente encaminhado ao laboratório, pois o atraso nesse processo pode produzir alterações, com distorção dos resultados. Após a realização da infiltração local, recomenda-se ao paciente descanso de articulação pelas próximas 24 horas. Cerca de 5% dos que receberam infiltração por corticoste- roide podem apresentar aumento da dor nas seis horas se- guintes, por apresentar artrite pelo corticosteroide, que dura, em média, 2 a 3 dias, necessitando nova artrocentese para retirada do líquido e alívio dos sintomas. Nesse caso, a con- tagem de leucócitos pode chegar a 50 mil células por mm. 3 O Quadro 6.4 mostra os efeitos secundários da infiltra- ção local por corticosteroides sintéticos, e o Quadro 6.5 mostra os principais corticosteroides sintéticos de uso na prática clínica. ! EXAME MACROSCÓPICO DO LÍQUIDO SINOVIAL A análise do líquido sinovial inicia-se pelas características macroscópicas do líquido, que consiste primordialmente nas características físicas, como volume, transparência, cor, viscosidade e coágulo de mucina. O Quadro 6.6 resume essas características. Volume. Deve ser determinada a quantidade de líquido sinovial extraído de uma articulação. Essa quantidade ex- pressa a magnitude do processo articular. Isso não exclui a menor importância de um pequeno volume de líquido sinovial retirado de uma grande articulação. Muitas vezes existe dificuldade de retirada do líquido sinovial, por for- mação de bolsas, presença de filamentos de fibrina ou, ainda, acesso difícil pela via escolhida. Cor e transparência. O líquido sinovial normal é incolor e transparente. A coloração do líquido sinovial inflamatório varia de amarelo claro (palha) a amarelo intenso (ouro). A cor é determinada por uma contagem celular elevada; po- rém, no líquido pouco inflamatório, parece ser o resultado da ruptura dos eritrócitos, com a subsequente degradação QUADRO 6.5 ! PRINCIPAIS CORTICOSTEROIDES SINTÉTICOS EMPREGADOS PARA INFILTRAÇÃO Cristal Forma Tamanho (µµµµµm) Birrefringência Elongação Tebutato de prednisolona Pleomórfica < 8 Intensa Positiva Acetato de metilprednisolona Pleomórfica < 5 Intensa Positiva Triancinolona acetonida Pleomórfica < 5 Intensa Triancinolona hexacetonida Pontual e regular 15-60 Intensa Negativa Betametasona Pontual 10-20 Intensa Negativa QUADRO 6.4 ! EFEITOS SECUNDÁRIOS DA INFILTRAÇÃO LOCAL POR CORTICOSTEROIDE SINTÉTICO Exacerbação da dor com ou sem sinais inflamatórios locais ou em 24 a 48 horas (artrite por cristais de corticosteroides) Artrite séptica Lesão da cartilagem Necrose avascular Ruptura de tendões Atrofia de pele e/ou subcutâneo Hipopigmentação local CAPÍTULO 6 ! PROPEDÊUTICA DO LÍQUIDO SINOVIAL76 em hemoglobina e bilirrubina. O líquido séptico apresenta- -se com a cor esverdeada e/ou amarronzada, sendo devida ao grande número de células e à opacidade pela presença de outras partículas. Os líquidos purulentos apresentam uma contagem celular superior a 50 células/mm 3 , podendo chegar a 100.000/300.000 células/mm 3 . O líquido não inflamatório também é transparente. A menor transparência do líquido inflamatório não está rela- cionada com a quantidade de leucócitos, mas com a presen- ça de cristais,fibrina, corpos riciformes, amiloide ou lipídios. O líquido pouco inflamatório pode ser ligeiramente trans- lúcido, isto é, quando permite ler a letra impressa através do tubo, porém com menos nitidez do que o transparente; já o moderadamente translúcido e o líquido opaco (artrite séptica) não permite ler a letra impressa. 1 Viscosidade. O líquido sinovial normal é extremamente viscoso, devido a sua grande concentração de ácido hialurô- nico. Este último é degradado nas enfermidades inflamató- rias, diminuindo a viscosidade do líquido inflamatório. O líquido sinovial normal forma filamentos de 3 a 5 cm de comprimento a partir de uma pipeta (Figura 6.2), já o líqui- do inflamatório não chega a formar filamentos desse tama- nho, quebrando-se antes, mostrando a diminuição da visco- sidade. 1 Formação de coágulo. O líquido sinovial normal não se coagula, devido à ausência de substâncias pró-coagulantes (fibrinogênico, protrombina, fatores V e VII, tromboplastina tissular e antitrombina). Em enfermidades inflamatórias, o líquido sinovial pode se coagular por aumento da permea- bilidade, permitindo passagem das substâncias pró-coa- gulantes. Devido a isso, o líquido sinovial puncionado deverá ser colocado em um tubo com heparina sódica. 1 Coágulo de mucina. Devido à pouca informação que pode agregar, essa prova é de pouca utilidade prática. Mos- tra o grau de polimerização do ácido hialurônico no líquido sinovial, classificando o coágulo em firme, regular ou friável. Tecnicamente, agrega-se 1 mL de líquido sinovial e 4 mL de ácido acético a 2%, colocados em tubo de ensaio; aguar- da-se por três minutos e agita-se repetidamente. Quando a concentração de ácido hialurônico é normal, forma-se uma massa sólida compacta que se precipita ao fundo; esse coágulo é firme; no caso de regular ou friável, quando se agita o tubo, ele se fragmentará, tornando-se friável. Em geral, os líquidos inflamatórios formam um coágulo de mucina bem friável. ! EXAME MICROSCÓPICO DO LÍQUIDO SINOVIAL O exame microscópico deve ser executado à luz do miscro- cópio comum e da luz polarizada. EXAME A FRESCO E CONTAGEM CELULAR O exame a fresco deve ser realizado, de preferência, logo após a punção articular. Se isso não for possível, conserva- -se o tubo com anticoagulante, sendo o EDTA (etileno-dia- mino-tetra-acetato) o mais recomendado. O exame é feito a partir de uma ou duas gotas sobre uma lâmina coberta por uma lamínula, ou, se necessitar de uma contagem mais exata, emprega-se a câmara de Newbauer (Figura 6.3). A seguir, submete-se ao microscópio de luz comum para a " FIGURA 6.2 Viscosidade do líquido sinovial com formação de um filamento de 3 a 5 cm a partir da pipeta. QUADRO 6.6 ! CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DO LÍQUIDO SINOVIAL Volume Transparência Cor Viscosidade Coágulo de mucina PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 77 TABELA 6.1 ! CLASSIFICAÇÃO DO LÍQUIDO SINOVIAL Líquido sinovial Normal Não inflamatório Inflamatório Séptico Volume (mL) < 3,5 > 3,5 > 3,5 > 3,5 Cor Incolor Amarelo palha Amarelo palha/ouro Verde Aspecto Transparente Translúcido Translúcido Opaco Coágulo de mucina Firme Firme Friável Friável Contagem de leucócitos/mm 3 200-300 300-10.000 10.000-50.000 > 50.000 PMN (%) < 25 < 25 Até 95 95-100 Cultura Negativa Negativa Negativa Positiva PMN, polimorfonucleares. Fonte: Ferrari. 18 ! FIGURA 6.3 Câmara de Newbauer empregada para a contagem celular. contagem de leucócitos. Se houver presença de eritrócitos, faz-se a contagem destes também, assim como procura-se identificar células com características particulares e frag- mentos; posteriormente, coram-se as lâminas, proceden- do-se a contagem de células diferenciais. De acordo com a contagem celular, o líquido sinovial é classificado em não inflamatório, inflamatório e séptico (Ta- bela 6.1). CONTAGEM DIFERENCIAL A contagem diferencial é importante para diferenciar uma artropatia não inflamatória de uma inflamatória, com sensi- bilidade de 75% e especificidade de 92%. 1 As colorações mais empregadas são as de Wright e Giemsa, mas outras técnicas também são empregadas, como azul da Prússia, azul de toluidina, hematoxilina de Meyer e de Papanicolau. O líquido sinovial normal contém, predominantemente, células mononucleares, particularmente sinoviócitos e monócitos. Segundo alguns autores, os polimorfonucleares (PMNs) não chegam a 25% no líquido sinovial, mas seu número aumenta em processos inflamatórios, em especial nos agu- dos. Os PMNs são células que contêm um núcleo com cro- matina compacta segmentado em 2 a 5 lóbulos, interliga- dos por pontes cromáticas (Figura 6.4). Também estão pre- sentes em processos bacterianos e em enfermidades infla- matórias como artrite reumatoide. 1 Os eosinófilos se encontram no líquido sinovial normal, raramente representam mais de 1% das células. São inden- tificáveis com facilidade pela presença de grânulos grandes. Os mononucleares predominam no líquido sinovial nor- mal, em particular os sinoviócitos e os monócitos. Estes últimos são observados em artrites não inflamatórias ou de etiologia viral. CRISTAIS A presença de cristais deve ser sempre observada ao micros- cópio de luz polarizada, apesar de, muitas vezes, um CAPÍTULO 6 " PROPEDÊUTICA DO LÍQUIDO SINOVIAL78 observador experiente poder observá-los ao microscópio de luz comum. A identificação dos cristais deve levar em consideração a sua forma, tamanho e propriedades físicas, como birrefringência e elongação vistas ao microscópio de luz polarizada. A cuidadosa procura pela identificação dos cristais no líquido sinovial é extremamente importante, pelo fato de os cristais induzirem a artropatias que entram no diagnósti- co diferencial das enfermidades articulares agudas e crôni- cas. Diferentes tipos de cristais podem causar quadros clíni- cos similares (Quadro 6.7). A identificação do cristal específico se impõe para o correto diagnóstico e subsequente tratamento. 19 Esse processo geralmente se inicia com uma gota de líquido sinovial sob o microscópio de luz comum e/ou luz polarizada. Tal procedimento não só permite caracterizar os cristais pela morfologia, pelo tamanho e pelas proprieda- des físicas dos cristais, como pela birrefringência e pela elongação, como permite estimar o número de partículas. Esse exame preliminar pode ser complementado por técni- cas mais sofisticadas, como microscópio eletrônico de transmissão (MET), microscópio eletrônico de varredura (MEV), análise elemental pelo microprobe, espectroscopia por infravermelho, bioquímica, digestão enzimática e difração por raios X ou por elétrons, permitindo uma pre- cisa identificação dos cristais. 19 A Figura 6.5 esquematiza as diferentes técnicas empregadas na identificação dos cris- tais. 19 IDENTIFICAÇÃO DO CRISTAL Ragócitos, células do lúpus eritematoso e células de Reiter Apesar de anteriormente essas células terem sido considera- das específicas de certas enfermidades, hoje possuem pouco valor diagnóstico. # FIGURA 6.4 Líquido sinovial com polimorfonucleares (núcleo segmentado em 2 a 5 lóbulos) corado pelo Wright × 100. QUADRO 6.7 ! DOENÇAS ASSOCIADAS AOS CRISTAIS Cristais Doenças associadas Monourato de sódio Assintomático Artrite aguda Artrite crônica Artropatia destrutiva Pirosfato de cálcio Assintomático Artrite aguda/bursite Artrite crônica Artrite destrutiva Material semelhante Assintomático à apatita Artrite aguda, periartrite e bursite Artrite crônica Artropatia destrutiva (Síndrome de Milwaukee) Cristais de oxalato Assintomático de cálcio Artrite aguda Artrite subaguda Artrite destrutiva Cristais de colesterol Geralmente assintomático Pequeno grau de inflamação Cristais de lipídeos – Artrite aguda líquidos Cristais sintéticos de Artrite transitória corticoesteroide Fonte: Ferrari. 19 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 79 ! FIGURA 6.5 Diferentes técnicas empregadas na identificação dos cristais. Fonte: Ferrari.19 TABELA 6.2 ! IDENTIFICAÇÃO DE RAGÓCITOS EM DIFERENTES ENFERMIDADES INFLAMATÓRIAS Enfermidades Presença de ragócitos (%) Osteoartrose 6 Artrite reumatoide 46 Artrite reumatoide juvenil 78 Artrite psoriásica 55 Gota 8 Doença por depósito de 53 pirofosfato de cálcio Fonte: Park e Schumacher. 20 Ragócitos. São células com inclusões citoplásticas, também conhecidas como células RA (rheumatorial arthritis cells). Seu significado clínico é duvidoso e podem estar presentes em diferentes artropatias inflamatórias. A Tabela 6.2 mostra os achados de um estudo de Park e Schumacher. 20 Células do lúpus eritematoso. São polimorfonucleares que fagocitam grande quantidade de material homogêneo, aumentando seu tamanho e empurrando o núcleo do neu- trófilo para a periferia. É raramente observado no líquido sinovial e pode ser encontrado em outras enfermidades diferentes do lúpus eritematoso sistêmico; portanto, seu valor diagnóstico é limitado. Ainda pode ser observado em líquido sinovial após repetidas infiltrações intra-articulares com corticosteroides. 21 Células de Reiter. São macrófagos que fagocitam polimor- fonuclerares, chegando alguns a fagocitar 3 a 5 PMNs. Podem ser vistos na fase aguda da síndrome de Reiter em cerca de 2%, não sendo característicos dessa enfermidade. São comuns na artrite reumatoide, na artrite reumatoide juvenil e nas espondiloartropatias soronegativas. 22 CAPÍTULO 6 " PROPEDÊUTICA DO LÍQUIDO SINOVIAL80 ! ARTRITES INFECCIOSAS – ARTRITE SÉPTICA A artrite infecciosa é considerada uma situação de urgência, em razão de possível gravidade. Quando não tratada de forma precoce e adequada, pode acarretar alta morbidade e até mesmo mortalidade. A Tabela 6.3 mostra os microrganismos que mais fre- quentemente causam artrites sépticas, 18 e o Quadro 6.8 mostra os microrganismos causadores de artrite séptica por faixa etária. 18 O estudo do líquido sinovial é o meio diagnóstico mais indicado na suspeita de artrite séptica. O líquido deve ser enviado para coloração do Gram, cultura, contagem de leucócitos (global e diferencial) e dosagem de glicose. A coloração do Gram se mostra positiva em cerca de 75% dos pacientes com infecção por cocos gram-positivos. A coloração do Gram é menos sensível em casos de infecção gonocócica. A taxa de glicose no líquido sinovial normal deve ser igual ou superior a 50% do nível sérico. Não diminui em infecção gonocócica, mas pode diminuir na artrite reu- TABELA 6.3 ! MICRORGANISMOS QUE MAIS FREQUENTEMENTE CAUSAM ARTRITES SÉPTICAS Adultos Crianças (%) (%) Neisseria gonorrhoeae 50 5 Staphylococcus aureus 34 45 Streptococcus pyogenes 10 25 Streptococcus viridans Streptococcus pneumoniae Bacilos gram-negativos * 5 15 Haemophilus influenzae 1 10 * Séries recentes reportam maior incidência de artrites por microrganis- mos gram-negativos; Pseudomonas,Candida, E. coli, Proteus, Serratia, Klebsiella. Fonte: Ferrari. 18 QUADRO 6.8 ! MICRORGANISMOS CAUSADORES DE ARTRITE SÉPTICA POR FAIXA ETÁRIA Infantes e neonatos Staphylococcus aureus (> 80%) Haemophilus influenzae (em paciente sem vacinação) Streptococcus B – hemolítico Bacilos entéricos gram-negativos Maiores de 6 meses Staphylococcus aureus Haemophilus influenzae Streptococcus pneumoniae Streptococcus A e B Adultos Neisseria gonorrhoeae Staphylococcus aureus Fonte: Ferrari. 18 matoide. O ácido lático pode elevar-se nas artrites infeccio- sas não gonocócicas. As determinações de glicose e ácido lático são de pouco valor. 18 A contagem de leucócitos nas infecções bacterianas geralmente é maior do que 50.000/mm 3 , com predomínio de polimorfonucleares, geralmente maior do que 95%. En- tretanto, contagem alta também pode ser encontrada na artrite reumatoide, na artrite reumatoide juvenil, na gota e na síndrome de Reiter (ver Tabela 6.1). O meio de cultura mais comumente utilizado é o ágar- -sangue. Quando se suspeita de infecção por gonococos, recomenda-se o meio de cultura de Thayer Martin ou o ágar-chocolate. O gonococo é um germe frágil, e seu cresci- mento pode ser inibido se a placa estiver fria ou o meio de cultura desidratado (Quadro 6.9). 18 Quando as culturas são negativas, o uso da reação em cadeia de polimerase (PCR) pode ser de grande utilidade para a identificação bacteriana. Essa técnica tem uma es- pecificidade de 96,4% e uma sensibilidade de 78,6%, com falso-positivos de 3,6%. 18 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 81 ! 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Os exames complementares disponíveis têm a cada dia tentado substituir a necessidade de uma avaliação precisa do pacien- te. Isso se deve mais ao despreparo do médico, que se sente inseguro para elaborar uma hipótese diagnóstica e depois confirmá-la com os exames auxiliares disponíveis. Em geral, o médico se sente seguro e satisfeito somente com o laudo desses exames. É sabido que os exames com- plementares, mesmo quando bem indicados, apresentam índices de erro, dependendo de sua especificidade. Portan- to, o melhor caminho para o diagnóstico correto ainda é um bom conhecimento da “clínica” do paciente, em que a propedêutica exerce um papel muito importante, auxiliado, se necessário, pelos exames complementares. ! EXAME DO OMBRO O ombro é uma articulação que executa movimentos em todos os planos em relação ao corpo. Para que isso ocorra, não se pode esquecer de que participam dos movimentos do ombro três articulações: esternoclavicular, acromiocla- vicular e glenoumeral, além do deslizamento que ocorre entre a escápula e o tórax, e o manguito rotador e o acrô- mio. Esses mecanismos de deslizamento podem ser conside- rados como “pseudoarticulações”. Portanto, em uma avalia- ção do ombro, todas essas estruturas devem ser pesquisa- das, pois elas participam de todos os movimentos. Além das patologias consideradas intrínsecas ao ombro, existem outras patologias que podem aparecer com sinto- mas referidos ao ombro. A dor costuma ser a queixa mais comum. Entre as patologias com sintomas referidos no om- bro, as lesões cervicais são as mais comuns. Portanto, é pru- dente iniciar-se o exame do ombro pela coluna cervical, quan- do necessário, afastando, assim, possíveis lesões de origem cervical com queixas referidas ao ombro (Figura 7.1). O exame do ombro deve ser sempre feito de forma simétrica e comparativa, ou seja, é preciso verificar os dois lados. Existe diferença funcional da articulação do ombro de um paciente para outro, quando consideramos a idade e as características físicas de cada um. O examinador deve sistematizar o exame para que ele possa ser reprodutível em uma eventual reavaliação e com- parado com as informações obtidas em exames anteriores ou, ainda, quando feito por outro examinador. INSPEÇÃO O paciente deve ser observado desde o momento em que entra na sala de exames. A atitude do braço ou do ombro pode sugerir alguma alteração importante, podendo ser funcional (como consequência da dor ou não) ou anatô- mica. O exame deve ser feito com os ombros livres de roupa. É interessante observar a forma como o paciente retira suas vestes para se obter informação de possíveis limitações decorrentes dessa atividade. O ombro deve ser observado quanto a sua posição em relação ao tórax. Os contornos ósseos e as articulações cor- 7 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 83 respondentes devem ser simétricas e sem deformidades. A pele e a musculatura que dão o formato característico ao ombro não devem apresentar deformidade ou hipotrofia. Durante a inspeção, procura-se por cicatrizes na pele que possam sugerir ferimentos ou cirurgias anteriores; de- formidades ósseas ou articulares; e alterações do trofismo muscular; ou, ainda, qualquer alteração que modifique o aspecto característico dos ombros em relação ao tórax (Figu- ras 7.2 a 7.4). PALPAÇÃO Após a observação da articulação do ombro quanto a possí- veis deformidades, passamos a palpar todas as estruturas que se apresentam em sua superfície: pontos referidos de dor, musculatura, superfícies ósseas e articulações. Em geral, a dor não corresponde a um ponto bem determinado, mas sim a uma região que caracteriza determinada lesão. A musculatura que envolve superficialmente o ombro é de fácil avaliação, em particular o tendão do cabo longo do músculo bíceps braquial na corredeira bicipital do úmero. A superfície anterior da clavícula é facilmente palpada na região anterior do ombro, bem como o contorno do acrô- mio na face lateral, a espinha da escápula na região posteri- or e o processo coracoide na região anterior do ombro. To- das essas estruturas encontram-se próximas da pele, podendo ser palpadas sem muita dificuldade, bem como as articula- ções esternoclavicular e acromioclavicular (Figura 7.5). MOBILIDADE Os movimentos do ombro devem ser sempre examinados de forma comparativa com o lado contralateral. Além disso, " FIGURA 7.1 Exame iniciando-se pela avaliação da coluna cervical. " FIGURA 7.2 A cicatriz no ombro pode ser discreta, mas sugerir muita informação, principalmente se estiver relacio- nada às vias de acesso cirúrgico. " FIGURA 7.3 Hipotrofia do músculo infraespinal, sugerindo uma lesão do manguito rotador, ou compressão do nervo supraescapular. CAPÍTULO 7 ! PROPEDÊUTICA DO OMBRO84 " FIGURA 7.5 Palpação do ombro durante o exame físico. o exame deve verificar a mobilidade passiva e ativa, pois ambas podem estar alteradas, ou mesmo uma em relação à outra (Figura 7.6). Apesar de o ombro ser capaz de exercer movimentos em todos os planos, durante o exame, costuma-se avaliar os movimentos de elevação do braço no plano da escápula e no plano coronal e os movimentos rotacionais. Os movi- mentos de elevação associados aos de rotação são comple- xos e difíceis de serem reproduzidos de forma sistematizada, para que possam ser comparados em uma possível reava- liação. A sequência do exame deve ser sistematizada para que o examinador possa, sempre que necessário, reproduzi- -lo em eventual reavaliação. No Setor de Ombro da Disciplina de Cirurgia da Mão e Membro Superior do Departamento de Ortopedia e Trau- matologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP/ EPM), os exames ativo e passivo são feitos um como com- plementação do outro e ao mesmo tempo. O paciente é solicitado a fazer determinado movimento de forma ativa e depois o mesmo movimento é complementado de forma passiva pelo examinador, para observar eventual diferença. Dessa forma, todos os movimentos são observados e imedia- tamente relacionados, permitindo uma melhor comparação. O exame pode ser feito com o paciente em pé ou senta- do. A sugestão para a sequência do exame é: " FIGURA 7.4 Lesão com sinais de trauma na face lateral do ombro. (A) Escoriação na face lateral do braço. (B) Deformidade da articulação acromioclavicular, caracterizando uma luxação acromioclavicular. " FIGURA 7.6 Exame comparativo da rotação lateral dos ombros direito e esquerdo. BA PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 85 • Rotação lateral. Com o braço junto ao tórax e o cotovelo fletido em 90°, a rotação pode variar de 0 a 90°. O movimento é feito de forma ativa e com- plementado passivamente pelo examinador e, en- tão, os valores correspondentes são anotados (Fi- gura 7.7). • Rotação medial. Para se avaliar esse movimento, utilizam-se estruturas anatômicas no quadril e na coluna vertebral como referência para a rotação do ombro. É solicitado ao paciente que posicione o polegar na região dorsal o mais cranial possível. O movimento varia desde a região do trocanter no quadril até a primeira vértebra torácica (T1) (Figura 7.8). • Abdução. Com o cotovelo estendido e o braço em rotação lateral, o paciente é solicitado a elevar o braço no plano coronal até acima da cabeça, referin- do, ou não, dor durante o trajeto. Caso o paciente não consiga abduzir ativamente o ombro até o final do movimento, o examinador ajuda passivamente, quando for possível. A dor que aparece entre 60 e 120° está, em geral, relacionada à região subacro- mial (manguito rotador) e os graus domovimento são chamados de “arco doloroso”, e de 120 a 180° à articulação acromioclavicular. O movimento varia de 0 a 180° (Figura 7.9). • Elevação. O examinador se posiciona atrás do pa- ciente e solicita que o braço estendido seja elevado no mesmo plano da escápula. Além de avaliar o movimento de elevação do braço, observa o ritmo escapulotorácico, que deve ser harmônico e simétri- co. Caso o paciente não consiga elevar o braço até acima da cabeça, o examinador poderá fazê-lo passi- vamente, se houver condições. O movimento varia de 0 a 180°. O paciente poderá elevar os dois om- bros até 180°, mas com um ritmo escapulotorácico alterado. A assimetria do movimento escapular con- figura de forma inespecífica alguma alteração articu- lar (Figura 7.10). • Rotação lateral e medial em abdução de 90°. A avaliação pode também ser feita com o paciente " FIGURA 7.7 Exame comparativo da rotação lateral. " FIGURA 7.8 Exame da rotação medial, tomando-se como referência a situação anatômica da coluna vertebral. CAPÍTULO 7 ! PROPEDÊUTICA DO OMBRO86 em decúbito ventral. Com o ombro abduzido em 90° e o cotovelo fletido em 90°, o paciente é solicita- do a girar a mão até acima da cabeça. O exame pode ser complementado pelo examinador passivamente, quando necessário. O movimento varia de -90 (rota- ção medial) a 120° de rotação lateral. Essa avaliação não é feita de rotina, mas somente nos casos em que houver interesse em avaliar esse movimento es- pecífico. Contudo, é uma forma de avaliar os movi- mentos rotacionais sem depender de eventuais alte- rações das articulações do cotovelo e do punho. TESTE MUSCULAR A avaliação muscular é feita durante os movimentos de rotação lateral e medial, abdução e elevação do braço, com- parando com o lado contralateral. Após a avaliação da mo- bilidade, pede-se para o paciente repetir o movimento de rotação lateral e medial, que será resistido pelo examinador. Da mesma forma, o examinador solicita ao paciente que repita o movimento de abdução, e depois o de elevação, quando possível. Ao atingir 90°, aproximadamente, o exa- minador imprime uma resistência ao movimento, avaliando, assim, a função muscular (Figura 7.11). " FIGURA 7.9 Abdução ativa do ombro, que varia de 0 a 180°. # FIGURA 7.10 Observação do ritmo escapuloto- rácico durante o exame comparativo da elevação do braço no plano da escápula. PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 87 A força muscular pode ser graduada de 0 a 5 graus, sendo que 0 caracteriza nenhuma contração muscular e 5 uma contração com força normal. TESTES ESPECÍFICOS A avaliação do ombro consiste também de testes específicos relacionados a determinadas patologias. Esses testes, quan- do aplicados de forma adequada, ajudam na determinação do diagnóstico. Instabilidade Teste do sulco. Existem pacientes que apresentam frou- xidão ligamentar, aliada ou não a mobilidade aumentada da articulação. Tal característica pode gerar um aumento do movimento de translação da cabeça do úmero em rela- ção à glenoide, que poderá ser considerado normal ou pa- tológico, dependendo do paciente. Esse teste deve ser feito sempre de forma comparativa com o lado contralateral. Poderá ser considerado normal ou patológico, dependen- do da queixa do paciente e da sensibilidade do examina- dor. O teste pode ser aplicado com o paciente sentado ou deitado. Com a musculatura relaxada e com o braço próxi- mo ao tronco, este é tracionado em sentido caudal, quando se deve notar um aumento do espaço entre a cabeça do úmero e o acrômio, formando um sulco na face lateral do ombro correspondente à região referida. O sulco decorre de uma translação da cabeça umeral que pode significar uma tendência a instabilidade com desvio inferior (Figuras 7.12 e 7.13). # FIGURA 7.11 Avaliação da rotação contra a re- sistência do examinador. (A) Rotação lateral. (B) Ro- tação medial. " FIGURA 7.12 Teste do sulco aplicado a uma paciente com frouxidão ligamentar. " FIGURA 7.13 Hiperextensão do polegar, caracterizando a frouxidão ligamentar. BA CAPÍTULO 7 ! PROPEDÊUTICA DO OMBRO88 " FIGURA 7.14 Teste da apreensão para instabilidade ante- rior do ombro. dade de deslocar a articulação glenoumeral. Esses movi- mentos devem causar desconforto ou dor para o paciente. O mesmo movimento deve ser realizado pelo examinador, porém a pressão é aplicada ao braço do paciente, enquanto é feita a rotação lateral. Agora deve ser feita em sentido oposto, ou seja, de anterior para posterior na região anterior do braço. Com essa nova manobra, o paciente não deverá referir desconforto (Figura 7.15). Teste para instabilidade posterior (teste de Fukuda). O exame pode ser realizado com o paciente sentado ou em pé. É feita uma adução em rotação medial do ombro a ser examinado, com o braço elevado a aproximadamente 90°. O braço deve ser comprimido em direção posterior, enquanto o examinador apoia a escápula com uma das mãos. A intenção é observar uma subluxação posterior da cabeça do úmero em relação à escápula (Figura 7.16). Região subacromial e manguito rotador Teste do impacto (teste de Neer). Faz-se um movimento passivo de abdução do braço, no plano da escápula, de 0 a 180°, se o paciente suportar. Com uma das mãos, o exami- nador estabiliza a escápula. Durante esse movimento, pode ocorrer o “impacto” do tubérculo maior contra o arco co- racoacromial e o paciente referir dor aguda. Teste da elevação do cotovelo (teste de Yocum). O paciente deve colocar a mão sobre o ombro oposto ao que está sendo examinado e exercer uma força para elevar o cotovelo, que sofrerá uma resistência contra a elevação pelo examinador. O movimento pode gerar impacto do tubérculo maior contra o arco coracoacromial e produzir dor, o que sugere compressão do manguito rotador (Figura 7.17). " FIGURA 7.15 Teste da recolocação. (A) Desestabilização da articulação, gerando desconforto ou dor articular. (B) Estabili- zação da articulação, anulando o desconforto do movimento. Teste da apreensão. O teste pode ser aplicado com o paciente sentado ou em pé. Consiste em reproduzir uma posição em que o braço poderá luxar com maior facilidade. Com o ombro em abdução e rotação lateral, o examinador pressiona com o polegar a cabeça do úmero no sentido de produzir um deslocamento anterior do úmero. Nesse mo- mento, o paciente deverá demonstrar insegurança e até desconforto, impedindo a progressão do movimento, o que caracteriza sinal da apreensão positivo (Figura 7.14). Teste da recolocação. O paciente deve estar em decúbito dorsal, com o ombro a ser examinado no limite da borda da maca. O ombro deve estar abduzido em 90° e o cotovelo fletido em 90°. O examinador faz uma rotação lateral do braço enquanto, ao mesmo tempo, faz uma pressão em sentido anterior na região posterior do braço, com a finali- BA PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 89 " FIGURA 7.16 Teste para instabilidade posterior (teste de Fukuda). pode sofrer resistência pela mão do examinador para avaliar a força muscular (teste de Gerber). É importante diferenciar se o movimento está sendo feito pelo músculo tríceps bra- quial, quando ocorre a extensão do cotovelo. Esse movi- mento com o cotovelo invalida o teste. Uma alternativa para pesquisar o músculo subescapular é o examinador posicionar a mão do paciente na situação descrita anteriormente, porém já afastada do corpo. A ine- ficiência do músculo faz com que o paciente não consiga manter esta posição da mão, e ela vai de encontro à região dorsal. Este é conhecido como lift off test (Figura 7.19). Pode-se também avaliar o músculo subescapular, posi- cionando-se a mão do paciente no abdome e pedindo para que ele pressione a mão contra o abdome, enquanto o examinador mantém o cotovelo no plano coronal (teste de Napoleão). Se o paciente não for capaz de manter essa posição do cotovelo enquanto pressiona o abdome e o cotovelo mover-se em direção ao corpo, o músculo subes- capularé ineficiente (Figura 7.20). Teste do infraespinal (teste de Patte; teste da “cance- la”). O paciente com o braço junto ao corpo e o cotovelo fletido em 90° faz um movimento de rotação lateral que deverá ser sentido pela mão do examinador que impõe uma resistência contra o movimento (Figura 7.21). O mes- mo movimento de rotação lateral poderá ser feito com o ombro abduzido em 90° e sentido pelo examinador, que impõe uma resistência contra o movimento (teste de Patte). A incapacidade de executar a rotação lateral significa insu- ficiência do músculo infraespinal e do redondo menor (Fi- gura 7.22). Outra forma de se testar o músculo subescapular é po- sicionar o braço do paciente em rotação lateral, com o cotovelo junto ao corpo, e pedir para que mantenha a " FIGURA 7.17 Teste de Yocum para pesquisar o “impacto” do manguito rotador contra o arco coracoacromial. " FIGURA 7.18 Teste de Jobe para testar o músculo supraes- pinal. Teste de Jobe. O teste deve ser feito com o paciente em pé. O ombro deve ser elevado a 90° no plano da escápula e em rotação medial. O examinador deve exercer uma força para baixo aplicada ao braço do paciente, que deverá ser resistida pelo paciente. A dor ou a incapacidade de manter o braço elevado caracteriza o teste positivo (Figura 7.18). Teste do subescapular (teste de Gerber, lift off test e teste da pressão abdominal). O teste deve ser feito com o paciente em pé, com a mão deste colocada ao nível da quinta vértebra lombar (L5) e, de forma ativa, o paciente afasta o dorso da mão da região lombar. Esse movimento CAPÍTULO 7 ! PROPEDÊUTICA DO OMBRO90 posição de rotação lateral. Se o músculo subescapular for insuficiente, o braço irá rodar medialmente, em direção ao abdome, à semelhança do movimento de uma cancela (tes- te da “cancela”) (Figura 7.23). Teste do bíceps (teste de Speed). O paciente deve elevar o braço em supinação e no plano da escápula, com o coto- velo estendido, enquanto o examinador exerce resistência contra a elevação do braço. Quando houver dor na região do sulco intertubercular do úmero, pode significar altera- ções no cabo longo do bíceps braquial (Figura 7.24). # FIGURA 7.19 Teste do subescapular (teste de Gerber e lift off test). A partir da mão posicionada na região lombar (A), o paciente deve afastá-la, e o examinador pode oferecer uma leve resistência (B). " FIGURA 7.20 Teste da pressão abdominal (teste de Na- poleão) para o músculo subescapular. O paciente pressiona o abdome com a palma da mão e o examinador mantém o cotovelo no plano coronal; quando o paciente não consegue manter o cotovelo no plano coronal enquanto pressiona o abdome, significa que o músculo subescapular é ineficiente. " FIGURA 7.22 Teste de Patte avalia a função do subesca- pular por meio da rotação lateral do braço com o ombro abduzido a 90°. " FIGURA 7.21 Teste do infraespinal avalia a função mus- cular por meio do movimento de rotação lateral com o braço junto ao corpo. BA PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 91 Teste da flexão em adução forçada. O paciente deve elevar o braço até aproximadamente 90° e aduzi-lo. Nesse momento, o examinador deve forçar gentilmente a adução do braço. Caso haja dor, em geral está relacionada à articu- lação acromioclavicular (Figura 7.25). Teste de O’Brien. Pede-se ao paciente que eleve o braço em rotação medial e pronação do antebraço (com o polegar em direção ao solo) até aproximadamente 90°. Após uma adução de cerca de 20°, o examinador deve aplicar uma força em direção vertical e para baixo, que deverá ser resisti- da pelo paciente. Em um segundo tempo, esse mesmo movimento deverá ser feito pelo paciente e pelo examina- dor, porém com o braço em rotação lateral e o antebraço em supinação. O teste será considerado positivo quando o # FIGURA 7.23 Teste da “cancela” avalia o infraes- pinal. (A) O braço junto ao corpo é rodado externa- mente pelo examinador. (B) Quando o infraespinal é ineficiente, o paciente não consegue manter o braço em rotação lateral, e a mão gira, rodando o braço medialmente. " FIGURA 7.24 Teste do bíceps para se detectar alterações no tendão do cabo longo do músculo bíceps braquial. " FIGURA 7.25 Teste da adução forçada para pesquisar a articulação acromioclavicular. BA desconforto ou o estalido sentido na primeira fase do exame for aliviado no segundo tempo da manobra. O teste positivo sugere lesão do complexo bíceps-labral superior (superior labral anterior to posterior, SLAP). Quando houver persistên- cia da dor nos dois momentos do exame, pode-se suspeitar de lesão na articulação acromioclavicular (Figura 7.26). A sistematização do exame físico e a aplicação adequada dos testes específicos para o ombro aumenta a chance do acerto diagnóstico. Como consequência, os exames comple- mentares poderão realmente auxiliar no diagnóstico de certe- za, sem que haja desperdício na solicitação desses exames. A execução correta do exame físico e a aplicação dos testes específicos demandam alguma experiência e tempo, o que caracteriza a curva de aprendizagem necessária para a interpretação das informações. CAPÍTULO 7 ! PROPEDÊUTICA DO OMBRO92 " FIGURA 7.26 Teste para avaliar lesões do complexo bíceps-labral superior, na inserção anterior e posterior da glenoide (superior labral anterior to posterior, SLAP). Quando o paciente, em um segundo momento, (A) faz força para elevar o braço em supinação, contra a resistência do examinador, e sente melhora do desconforto (B) em relação à elevação com o braço em pronação, o teste pode ser considerado positivo para a lesão bíceps-labral superior. ! LEITURAS RECOMENDADAS Andrade RP. Semiologia do ombro. In: Pardini AG. Clínica ortopédica: atualiza- ção em cirurgia do ombro. Rio de Janeiro: Medsi; 2000. Barros Filho TEP, Lech OLC, organizadores. Exame físico em ortopedia. São Pau- lo: Sarvier; 2001. Bayle I, Kessel L, editors. Shoulder surgery. 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Henrique F. R. Pereira O cotovelo é uma articulação complexa que participa do sistema de alavancas do membro superior, que posicionam a mão para atividades de precisão e força. Necessita de estabilidade e mobilidade para permitir as atividades diárias, profissionais e recreacionais. A perda de sua função pode pôr em risco a independência de um indivíduo. Patologias que acometem o cotovelo alteram sua função e devem ser corretamente diagnosticadas, para um tratamento objetivo visando a um resultado sem sequelas. A propedêutica do cotovelo, com a história e o exame físico bem feitos, propor- cionam, na maior parte dos casos, o diagnóstico correto. Para se examinar o cotovelo em busca de alterações, como em qualquer estrutura do corpo, deve-se conhecer muito bem o normal, o que torna imprescindível um bom conhecimento prévio de sua anatomia. Neste capítulo, enfocamos de forma clara o exame físico do cotovelo, abor- dando os testes específicos para as principais patologias. Devem ser contemplados os seguintes tópicos:• História • Inspeção estática • Palpação • Inspeção dinâmica – Ausculta – Goniometria – Testes de força muscular • Exame neurológico: sensibilidade e reflexos • Testes específicos ! HISTÓRIA As características pessoais, como idade, sexo, mão domi- nante, trabalho, prática desportiva e tempo da queixa, de- vem ser abordadas. Entre as queixas possíveis, a dor é a principal causa de procura ao médico pelos pacientes com problemas na articulação do cotovelo. 1 As características dessa dor devem ser abordadas focando sua causa, localiza- ção, tipo (queimação, pontada, ao toque, latejante), exten- são, irradiação, intensidade (0 = sem dor e 10 = dor insu- portável), fatores de melhora e piora, frequência, duração e fenômenos acompanhantes (dormência, perda de sensibi- lidade). Rigidez, falta de estabilidade, ressaltos e crepitações também são queixas frequentes. Deve-se questionar o esta- do geral do paciente e pesquisar possível relação com doen- ças sistêmicas, quadros infecciosos e radiculopatias, trau- mas pregressos e cirurgias. Por fim, é preciso investigar o ombro e o punho, que são complementares à função do cotovelo, bem como as patologias cervicais que podem gerar dor irradiada para a região do cotovelo. ! INSPEÇÃO ESTÁTICA Observam-se as condições da pele. Abaulamentos, eritema, petéquias, cicatrizes, equimoses, pilificação, áreas de hi- potrofia muscular, deformidades e regiões de hipo ou hi- 8 CAPÍTULO 8 ! PROPEDÊUTICA DO COTOVELO94 percromia podem estar presentes e fornecer dados impor- tantes para se fechar um diagnóstico. A mão e os dedos também devem ser examinados. Alterações como atenua- ção das impressões digitais e atrofia de musculatura intrínse- ca da mão podem significar comprometimento de nervos periféricos no cotovelo. É fundamental dar visibilidade à relação entre os epi- côndilos e o olécrano. Com o cotovelo em 90°, em uma visão posterior, essas estruturas formam um triângulo isósceles de base proximal, e, em extensão, estão alinhadas (Figura 8.1). A presença de fratura, sequela de fraturas e luxação pode alterar esse triângulo. Em extensão, os mes- mos parâmetros formam uma linha reta (Figura 8.2). ! PALPAÇÃO As estruturas devem ser palpadas à procura de dor no local ou outras alterações. As estruturas ósseas (cabeça radial, olécrano e sua fossa, epicôndilos e colunas umerais) são facilmente avaliadas. As partes moles também devem ser apreciadas. O nervo ulnar, entre o epicôndilo medial e o olécrano, deve ser palpado em flexão e extensão, pois pode apresentar espessamento, hipermobilidade e/ou luxação an- terior. Músculos tríceps braquial, bíceps braquial, massa flexopronadora e a supinoextensora do antebraço e suas inserções ósseas são examinados relaxados e em contração. A fossa antecubital, delimitada lateralmente pelo músculo braquiorradial, medialmente pelo músculo pronador redon- " FIGURA 8.1 Epicôndilos lateral e medial e ponta do olé- crano formando triângulo isósceles com o cotovelo em 90°. " FIGURA 8.2 Epicôndilos lateral e medial e ponta do olé- crano formando uma linha reta com o cotovelo em extensão. do e proximalmente pelo bíceps, e seu conteúdo, a artéria braquial e nervo mediano, devem ser palpados. 2 O exami- nador deve observar as características das alterações en- contradas, como consistência, volume e presença de dor. ! INSPEÇÃO DINÂMICA Restrições de movimento e ressaltos (como ocorre no snapping tríceps 3,4 e na luxação do nervo ulnar) são acha- dos nessa etapa do exame. AUSCULTA A crepitação pode ser audível e palpável durante o movi- mento. Sua presença pode indicar fraturas, processos dege- nerativos e instabilidades. GONIOMETRIA O movimento do cotovelo é a flexão e a extensão. Participa também da pronação e da supinação do antebraço. Esses movimentos devem ser observados, medidos e comparados com os do membro contralateral. Para a flexão e a extensão normal, segundo a American Academy of Orthopaedic Surgeons (AAOS), o cotovelo deve ser examinado de perfil. Por convenção, o cotovelo retificado representa 0°. Se ele estender mais do que isso (evidencian- PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 95 do uma elasticidade ligamentar aumentada), mensura-se tal ocorrência em graus negativos. A flexão normal chega a 146°. 5 O arco funcional considerado para as atividades diárias é de 30 a 130°. A pronação e a supinação devem ser medidas com o paciente à frente do examinador, com os cotovelos em 90° e os braços com rotação neutra e encostados no tórax. Os punhos e os dedos devem estar em posição neutra. Assim se evitam movimentos compensatórios com articulações. A pronação tem como padrão 0 a 75°, com arco funcional de 0 a 50°. A supinação tem padrão de 0 a 85°, com arco funcional de 0 a 50° (Figura 8.3). 6 A medida do ângulo de carga pode ser aferida nesse momento. Ele deve ser simétrico. É medido o ângulo entre uma linha média do braço com uma do antebraço. Com os cotovelos em extensão total, os antebraços supinados, os braços encostados no tórax e os ombros em rotação neutra, eles devem ter uma angulação em valgo de aproxi- madamente 10° para homens e de 2 a 3° a mais para mulhe- res (Figura 8.4). 7 Alguns autores acreditam que essa diferen- ça ocorra pela extensão aumentada do cotovelo das mulhe- res, decorrente de maior elasticidade ligamentar. Há uma considerável variação conforme raça, idade e constituição física dos indivíduos. 8 " FIGURA 8.3 Arco de movimento no cotovelo. (A) Flexão. (B) Extensão. (C) Supinação. (D) Pronação. " FIGURA 8.4 Valgismo fisiológico do cotovelo. A B C D CAPÍTULO 8 ! PROPEDÊUTICA DO COTOVELO96 TESTES DE FORÇA MUSCULAR Cada grupo muscular deve ser testado separadamente, com o cotovelo em 90° (Figura 8.5) e comparado com o lado contralateral. Utiliza-se a graduação a seguir: 0 – sem atividade muscular 1 – contração sem movimento 2 – movimenta, mas não vence a gravidade 3 – vence a gravidade 4 – vence a gravidade e exerce pequena resistência 5 – força normal ! EXAME NEUROLÓGICO: SENSIBILIDADE E REFLEXOS Todos os dermátomos presentes no membro superior, de C5 a T1, devem ser testados (Figura 8.6), assim como as regiões específicas dos nervos mediano, ulnar, radial, musculocutâ- neo 9,10 e cutâneo medial do antebraço. 11 Parestesias, hipo ou hiperestesias podem ser sinais de compressão nervosa. Os reflexos bicipital (C5), estilorradial (C6), tricipital (C7) e cubitopronador (C8) devem ser testados. 2 ! TESTES ESPECÍFICOS Para fins didáticos, esta seção foi dividida de acordo com a patologia pesquisada. Os testes descritos visam a sobrecar- regar as estruturas sob suspeita de alteração e, assim, evi- denciar dor no local ou insuficiências. EPICONDILITE MEDIAL • Flexão do punho contra resistência com cotovelo em 90°. • Extensão passiva de punho e dedos com cotovelo em extensão. " FIGURA 8.5 Teste de força contra a resistência do examinador no cotovelo. (A) Flexão. (B) Extensão. (C) Supinação. (D) Pronação. A B C D PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 97 O paciente sentirá dor no epicôndilo medial nessas ma- nobras se houver processo inflamatório ou lesão na região. Testes para o nervo ulnar e o complexo ligamentar medial devem, obrigatoriamente, complementar o exame. INSUFICIÊNCIA DO COMPLEXO LIGAMENTAR MEDIAL Estresse em valgo. Deve ser feito com o cotovelo em 30° de flexão para eliminar o bloqueio ósseo do olécrano com sua fossa no úmero. 12-14 O braço deve estar em rotação lateral máxima para que, ao forçar o valgo, a rotação não simule uma instabilidade medial com o antebraço supinado. Sugerimos realizar a manobra com o antebraço pronado também, pois, nessa posição, há uma migração proximal do rádio e o apoio de sua cabeça no capítulo umeral, o que previne um falso-positivo na presença de lesão do liga- " FIGURA 8.6 Dermátomos sensitivos no membro superior. (A) Anterior. (B) Posterior. " FIGURA 8.7 Teste para complexo ligamentar medialrealizado com flexão de 30° em supinação (A) e em pronação (B) do antebraço. mento colateral ulnar lateral, 15 pelo risco da subluxação póstero-lateral do cotovelo (Figura 8.7). Comparar a estabi- lidade com o membro contralateral. EPICONDILITE LATERAL • Cozen: com cotovelo a 90° de flexão e antebraço em pronação, o paciente faz extensão ativa do punho con- tra a resistência a partir de flexão máxima (Figura 8.8). • Mills: o paciente posiciona-se com a mão fechada, o punho em flexão e o cotovelo em extensão; o examinador deve resistir ao movimento de exten- são de punho e dedos (Figura 8.9). 16 • Gardner ou teste da cadeira: o paciente com o an- tebraço em pronação, o punho em flexão palmar e o cotovelo em extensão levanta cadeira. 17 • Extensão de punho e dedos contra resistência. 18 A B A B CAPÍTULO 8 ! PROPEDÊUTICA DO COTOVELO98 Esses testes são considerados positivos quando causa- rem dor no epicôndilo lateral. LIGAMENTO COLATERAL ULNAR LATERAL Pivot shift de O’Driscoll. Essa manobra deve ser realizada com o paciente deitado em decúbito dorsal, com o úmero em rotação externa e elevação. Aplica-se valgo partindo da extensão até a flexão do cotovelo, com compressão axial e supinação do antebraço (Figura 8.10). Com aproximada- mente 40°, ocorre um ressalto e uma proeminência poste- rior, que corresponde à subluxação da cabeça radial, a qual reduz continuando a flexão. No paciente acordado, é difícil a realização do exame, e pode ser considerado positivo na presença da apreensão do paciente com a manobra ou dor. O ideal é realizar a manobra sob anestesia geral ou bloqueio de plexo. 13,15 " FIGURA 8.8 Teste de Cozen. " FIGURA 8.9 Teste de Mills. LIGAMENTO COLATERAL RADIAL Estresse em varo deve ser feito com o cotovelo em 30° de flexão, para eliminar o bloqueio ósseo do olécrano com sua fossa no úmero, e o antebraço em pronação total. O braço deve estar em rotação medial máxima, para que, ao forçar o varo, a rotação não simule uma instabilidade (Figura 8.11). Testa-se, dessa maneira, a integridade do ligamento colateral radial. Comparar a estabilidade com o lado con- tralateral. NEUROPATIAS As queixas relacionadas a nervos podem ter sua origem em locais que predispõem à compressão dessas estruturas. " FIGURA 8.10 Manobra do pivot shift: úmero em rotação externa e elevação, antebraço em supinação. Aplica-se força em valgo e compressão axial. Observa-se subluxação poste- rior da cabeça radial ou apreensão. " FIGURA 8.11 Manobra de estresse em varo com flexão de 30° do cotovelo e antebraço em pronação e rotação medial do braço. Verifica a integridade do ligamento cola- teral radial. PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 99 Cada manobra descrita a seguir visa a tensionar a estrutura compressora e provocar o sintoma na topografia anatômica pesquisada. Nervo ulnar • Pesquisar Tinel no túnel cubital ou no trajeto do nervo (testar desde a arcada de Struthers). • Flexão contra resistência em desvio ulnar do punho tensiona a arcada de Osbourne, entre as cabeças umeral e ulnar do músculo flexor ulnar do carpo, por onde entra o nervo ao final do túnel cubital. • Flexão máxima do cotovelo com o punho em ex- tensão. Essa manobra tensiona a aponeurose poste- rior do tríceps e o ligamento epicôndilo-olecranea- no, comprimindo, assim, o túnel cubital. 6 Tal posição causa também alongamento no nervo ulnar de até 4,7 mm 5 e o tensiona no assoalho da fossa cubital, que é formado pela porção posterior do ligamento colateral medial (Figura 8.12). 12 Nessas manobras em geral, o paciente refere parestesia ou choque no território desse nervo. Nervo mediano • Tinel também pode ser pesquisado em toda a ex- tensão do mediano. • Compressão pela aponeurose do músculo bíceps braquial (ABB): é pesquisada pela flexão contra a " FIGURA 8.12 Manobra da flexão máxima do cotovelo com o punho em extensão para avaliação de compressão do nervo ulnar no túnel cubital. resistência, em supinação, o que tensiona a ABB e pode comprimir o nervo mediano nessa região. 1 • Compressão entre as cabeças do músculo pronador redondo: faz-se a pronação contra a resistência com o cotovelo em extensão. Deve ser realizada com o úmero distal do paciente estabilizado com uma das mãos. Aplica-se uma força de resistência contra a pronação com a outra mão, o que tensiona as duas cabeças do pronador redondo, comprimindo o ner- vo mediano nessa localização (ver Figura 8.9). 1 • Compressão na aponeurose dos músculos flexores superficiais dos dedos: a flexão da interfalangeana proximal do dedo médio tensiona essa estrutura e comprime o nervo mediano (Figura 8.13). 1 Lembrar que a compressão do nervo mediano no nível do cotovelo causa formigamento em seu território na palma da mão e nos dedos, porque o ramo que inerva essa região sai, em geral, antes do túnel do carpo, enquanto a síndrome do túnel do carpo gera o formigamento apenas nos dedos. Nervo interósseo anterior • Teste de Kiloh-Nevin: visa a formar um círculo com o contato do polegar com o dedo indicador. Para tanto, o paciente deve fletir a interfalangeana do polegar e a articulação interfalângica distal do dedo indicador, movimentos realizados, respectivamente, pelos músculos flexor longo do polegar e flexor lon- go do dedo indicador, inervados pelo interósseo an- terior. 19,20 Na alteração funcional desse nervo, o paciente é incapaz de formar o círculo (Figura 8.14). " FIGURA 8.13 A flexão da articulação interfalângica pro- ximal do terceiro dedo, contra a resistência do examinador, exacerba os sintomas do nervo mediano comprimido na aponeurose dos flexores. CAPÍTULO 8 ! PROPEDÊUTICA DO COTOVELO100 • Pronação do antebraço com o cotovelo fletido a 90°: isso elimina a ação da cabeça umeral do pro- nador redondo, causando diminuição da força de pronação, pois o pronador quadrado é inervado pelo interósseo anterior. 19,20 Fazer comparativo com o lado contralateral. Nas lesões exclusivas do interósseo anterior, só há sintomas motores. Nervo radial • Compressão do nervo interósseo posterior (síndrome do interósseo posterior): ocorre na arcada de Frohse, que é a borda fibrosa do músculo supinador do antebraço. Pesquisa-se realizando uma supinação contra a resistência do antebraço. A dor na massa muscular lateral pode ser sinal indicativo de com- pressão. • Dor à extensão do terceiro quirodáctilo com cotovelo em extensão 1 total e punho em posição neutra: a técnica é usada para diferenciar compressão do interósseo posterior da epicondilite lateral. Há pre- sença de dor na compressão do nervo (Figura 8.15). • Sinal da queda dos dedos: pode ocorrer impossibi- lidade da extensão dos dedos, dependendo do grau de acometimento da compressão nervosa. 1 • Dor na região anterior do antebraço proximal à flexão total passiva do cotovelo com antebraço em supinação e punho em posição neutra: sugere com- pressão na aponeurose anterior do rádio como pon- to de compressão nervosa. ! REFERÊNCIAS 1. Morrey BF, editor. The elbow and its disorders. 4th ed. Rochester: WB Saunders; 2004. 2. Hoppenfeld S. Propedêutica ortopédica coluna e extremidades. São Paulo: Atheneu; 1993. 3. Dreyfuss U, Kessler I. Snapping elbow due to dislocation of the medial head of the triceps. A report of two cases. J Bone Joint Surg Br. 1978;60(1):56-7. 4. Spinner RJ, An KN, Kim KJ, Goldner RD, O’Driscoll SW. Medial or lateral dislocation (snapping) of a portion of the distal triceps: a biomechanical, anatomic explanation. J Shoulder Elbow Surg. 2001;10(6):561-7. 5. Altchek DW, Andrews JR. The athletes elbow: surgery and rehabilitation. New York: Lippincott Williams and Wilkins; 2001. 6. Morrey BF, Askew LJ, Chao EY. A biomechanical study of normal functional elbow motion. J Bone Joint Surg Am. 1981;63(6):872-7. 7. Beals RK. The normal carrying angle of the elbow. A radiographic study of 422 patients. Clin Orthop Relat Res. 1976;(119):194-6. 8. Atkinson WB, Elftman H. 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Surgical treatment of partial distal biceps tendon ruptures through a single posterior incision. J Shoulder Elbow Surg. 2003;12(5):456-61. Klonz A, Loitz D, Wöhler P, Reilmann H. Rupture of the distal biceps brachii tendon: isokinetic power analysis and complications after anatomic reinsertion compared with fixation to the brachialis muscle. J Shoulder Elbow Surg. 2003;12(6):607-11. Smith L. Deformity following supracondylar fractures of the humerus. J Bone Joint Surg Am. 1960;42-A:235-52. Vardakas DG, Musgrave DS, Varitimidis SE, Goebel F, Sotereanos DG. Partial rupture of the distal biceps tendon. J Shoulder Elbow Surg. 2001;10(4):377-9. CAPÍTULO 9 ! PROPEDÊUTICA DA MÃO E DO PUNHO102 PROPEDÊUTICA DA MÃO E DO PUNHO ! Nelson Mattioli Leite ! João Baptista Gomes dos Santos ! Fábio Augusto Caporrino A palavra propedêutica significa ensinamentos introdutórios a uma disciplina, ciência preliminar, introdução. Na medici- na, adquiriu um sentido de sinônimo de semiologia. Preten- demos, neste capítulo, abordar aspectos propedêuticos no sentido de estabelecer bases para a compreensão da ciên- cia ortopédica e traumatológica, com enfoque no mem- bro superior, aprofundando o assunto na mão e no punho. Consideraremos a semiologia como parte da propedêutica. A semiologia é a ciência que ensina os meios e os modos de se examinar um paciente como forma de estudar seus sinais e sintomas. 1-3 Neste capítulo, abordaremos, inicialmente, aspectos propedêuticos e, a seguir, os tópicos semiológicos das prin- cipais afecções que envolvem a mão e o punho. A separação do punho e da mão neste capítulo é puramente didática; não podemos esquecer que o correto é analisar o membro superior como um todo, em uma visão de um conjunto funcional. Têm grande importância os movimentos de pro- nossupinação do antebraço e os das articulações do ombro e do cotovelo no posicionamento espacial da mão. Des- crever separadamente as funções das regiões do membro superior se deve somente a recurso de análise. As referên- cias, neste capítulo, estão associadas, de forma intrínseca, à importância do ombro e do cotovelo, pois o membro superior como um todo está a serviço da mão, para posicio- ná-la espacialmente no local desejado, de forma que ela cumpra suas funções táteis, de preensão e manipulação dos objetos, assim como na interação do indivíduo com outros seres e com o ambiente. A mão é composta pelo carpo, pelo metacarpo e pelos dedos, conforme a terminologia anatômica atual. Contudo, consideramos como punho, sob o ponto de vista cirúrgico e prático, aquela região que engloba o rádio distal, as arti- culações radioulnar distal, radiocárpica e ulnocárpica e todo o carpo. Encontramos livros que versam sobre a região anatômica entre o antebraço e a mão que a tratam como punho (wrist), o que ajuda a manter a confusão entre o prático e o que é nômina anatômica. 4-8 Enfocaremos, no presente capítulo, os principais sinais e sintomas descritos para identificar doenças que afetem a parte distal do membro superior e, na medida do possível, evitaremos epônimos. Contudo, manteremos alguns epô- nimos clássicos, pois essa identificação será necessária para leituras futuras. Citaremos outras regiões do membro supe- rior para que haja um melhor entendimento, mesmo com repetição de assuntos tratados em outros capítulos. Além disso, abordaremos aspectos fundamentais à compreensão de temas tanto em traumatologia quanto em ortopedia que serão encontrados também em outros capítulos. Aspectos anatômicos da mão e do punho serão vistos com enfoque de anatomia aplicada, como forma de apoio a uma melhor compreensão dos aspectos que aqui aborda- remos. Tomaremos como base apresentações encontradas em livros-texto, porém salientando que, na imensa maio- ria das vezes, as descrições anatômicas correspondem ao que deveremos encontrar em torno de 60% ou menos em certas estruturas nos pacientes. Citamos como exemplo os achados de Rowntree, o qual avaliou 226 pacientes com lesões nervosas totais e isoladas nos membros superiores, sendo que 102 lesões foram do nervo mediano e 124 lesões acometeram o nervo ulnar. Ele encontrou a inervação da mão na forma que os livros-texto ensinam em somente 33% das mãos. 9 Também estudaremos o exame clínico do membro supe- rior, com enfoque especial na mão e no punho. Portanto, quando citarmos “mesa de exame”, nos referiremos à es- 9 PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 103 crivaninha do médico, que servirá de apoio para o membro superior. É interessante salientar que é desejável que, no consultório, a mesa não seja muito larga, de forma que permita o exame clínico com o paciente sentado à frente do médico. Após avaliação geral do paciente, guiados pela anamnese, como rotina, examinamos a coluna cervical, os ombros e os braços, com o paciente sentado, nos posicio- nando atrás deste. A seguir, sentamos e examinamos os cotovelos, os punhos e as mãos. ! TERMINOLOGIA ANATÔMICA A terminologia anatômica serve para determinar a forma correta de denominar as diferentes partes do corpo, deter- minando sua ortografia. Muitos termos de uso corrente na transmissão verbal entre médicos e entre mestres e alunos consolidam posições; contudo, estão em desacordo com a terminologia anatômica atualmente aceita. 4 Citamos, por exemplo, o músculo supraespinhoso, que é assim denomi- nado coloquialmente, mas que, na terminologia correta, deve ser supraespinal. Qual a importância de seguirmos essas regras? A uniformização dos nomes busca evitar con- fusão na palavra escrita nas situações descritivas e aprimo- ra os textos acadêmicos, da mesma forma que a ortografia geral da língua. A mão é uma parte importante do corpo humano e é dividida em: carpo, metacarpo e dedos. A face anterior é a palma e a posterior, o dorso da mão. Os ossos da mão são: os carpais, os metacarpais, as falanges e os sesamoides. Os ossos carpais são o osso escafoide, o osso semilunar, o osso piramidal, o osso pisiforme, o osso trapézio, o osso trapezoide, o ossocapitato e o osso hamato. Encontramos no osso escafoide o tubérculo do osso escafoide; no osso trapézio, o tubérculo do osso trapézio; e, no osso hamato, o hâmulo do osso hamato. Os ossos metacarpais são denominados por algarismos romanos de I a V . São compostos de base, corpo e cabeça. As falanges são denominadas proximal, média e distal. Apresentam como partes a base, o corpo e a cabeça da falange, onde encontramos a tróclea da falange. As articula- ções da mão são constituídas de articulação radiocarpal e seus ligamentos, radiocarpal dorsal, radiocarpal palmar, ul- nocarpal dorsal, ulnocarpal palmar, colateral ulnar do carpo e colateral radial do carpo. As articulações do carpo abran- gem a articulação mediocarpal, os ligamentos radial do carpo, intercarpais dorsais, intercarpais palmares e ligamen- tos intercarpais interósseos. Na articulação do osso pisifor- me, encontramos os ligamentos piso-hamato e pisometa- carpal. O conjunto dos ossos determina a formação do túnel do carpo e do túnel ulnar. O carpo se une com o metacarpo pelas articulações carpometacarpais. 4 Encontramos termos corretos, como metacarpiano, que deixaram a terminologia anatômica, dando lugar ao ter- mo metacarpal. O termo metacarpal vem de metacarpo (substantivo), que corresponde ao conjunto de ossos, mais o sufixo “al” , para formar o adjetivo de osso metacarpal. Também é utilizado o termo metacárpico, adjetivo formado com o sufixo “ico”. O importante é sabermos qual termo é substantivo e quais são adjetivos. Quando falamos, por exemplo, de uma dada região do esqueleto, usamos o subs- tantivo “metacarpo” para denominar o conjunto de ossos metacarpais. 4 Em traduções de bons livros médicos de outras línguas para o português, observamos erros como “falangeano”, “interfalangeano”, “metacarpos”, “primeiro metacarpo”, para determinar os ossos, que, na verdade, são erros que o corretor de texto do computador já salienta. 10 O correto é falangiano, interfalangiano, metacarpal, primeiro metacar- pal. 1,4 Esses erros ajudam a confundir, perpetuar e difundir conceitos errados. Esperamos que, neste capítulo, haja poucos erros, possibilidade sempre presente, por não ser- mos anatomistas. Introduzimos esse pequeno auxílio propedêutico “ana- tômico” muito mais para salientar a importância da forma correta de descrever em prontuários médicos, textos cientí- ficos e mesmo em uma tese. É importante nos acostumar- mos a consultar a nomenclatura anatômica vigente, da mesma forma que consultamos dicionários. Neste capítulo, presumimos que o leitor conheça a anatomia da região como pré-requisito e aqui pretendemos somente lembrar alguns de seus aspectos e correlacioná-los com a função. Em uma visão geral, a mão apresenta uma parte central fixa e duas laterais móveis. A parte fixa corresponde aos ossos trapézio, trapezoide, capitato e hamato, na fileira distal do carpo, ossos estes que se articulam aos metacárpicos II e III em uma situação de imobilidade. Em torno desse conjun- to longitudinal, movimentam-se os dedos indicador e mé- dio, na parte central. Medial a este bloco fixo articulam-se os metacárpicos IV e V. Tais articulações permitem o movi- mento de oposição dos dedos anular e mínimo. O polegar é a parte mais móvel do lado lateral e executa seus movimen- tos principalmente em sua base. Temos, assim, a formação de um arco funcional longitudinal da mão na direção de seus raios centrais fixos e um arco transverso composto pelo polegar e pelos dedos anular e mínimo. 11-13 ! ASPECTOS ANATOMOFUNCIONAIS DA MÃO E DO PUNHO ANATOMIA DE SUPERFÍCIE A anatomia de superfície é fundamental ao exame clínico em qualquer região, pois ajuda, por exemplo, a correlacio- CAPÍTULO 9 ! PROPEDÊUTICA DA MÃO E DO PUNHO104 nar um ponto doloroso com estruturas anatômicas regio- nais. Quando examinamos o punho e a mão pelo lado dor- sal, observamos, à inspeção e à palpação no lado radial, partindo de proximal para distal, a saliência óssea que corresponde à apófise estiloide do rádio. Quando movi- mentamos o punho lentamente para o lado ulnar e, a seguir, para o lado radial, sentimos a borda articular do rádio fixa e, distalmente, o carpo se movendo. Deslizando a polpa digital que examina essa região, logo sentimos a interlínea articular, bem evidenciada pelo movimento. Palpamos o dorso do escafoide quando o punho é mantido em desvio para o lado ulnar; na flexão com desvio ulnar simultâneo, sentimos a superfície articular do escafoide e sua crista dor- sorradial. Correndo o dedo para o lado ventral no escafoide, palparemos sua tuberosidade. Posicionando o punho em desvio ulnar, o carpo no lado radial se abre e é possível palpar essas saliências ósseas do escafoide. Deslizando o dedo que examina um pouco mais distal, aduzindo o pole- gar do paciente, sentiremos um ressalto que corresponde à tuberosidade do trapézio. Movimentando levemente o polegar, porém mantendo o punho imóvel, sentiremos a articulação trapeziometacarpal e a base do primeiro meta- carpal. Voltando ao dorso do rádio, palparemos o seu tubér- culo dorsal (tubérculo de Lister), que é encontrado facil- mente na direção do terceiro metacarpal, quando o punho está em posição neutra. No lado ulnar do rádio, palparemos a articulação radioulnar distal, cuja borda radial será mais bem sentida na posição de supinação. A cabeça da ulna é muito evidente e sua saliência já é perceptível à inspeção em qualquer posição, mas fica mais saliente à pronação. Para examinarmos o dorso do carpo, fletiremos o punho e, seguindo com nosso dedo medialmente, o dorso do es- cafoide já é identificado; no centro do punho, em posição ulnar ao escafoide, palparemos o polo dorsal do semilunar. Distal ao semilunar, sentiremos um local fundo, que será percebido fazendo-se pequenos movimentos de flexão e extensão do punho. Esse pequeno valo corresponde à articu- lação entre o capitato e o semilunar. Seguindo com a pal- pação do dorso do punho, deslizaremos o dedo medial- mente e iremos encontrar uma saliência distal à cabeça da ulna, que corresponde à parte dorsal do osso piramidal, que é bem percebida no desvio radial. Correndo o dedo para a borda ulnar do punho, sentiremos a articulação entre o hamato e o piramidal, que se abre no desvio radial do punho e se fecha no desvio ulnar. No desvio ulnar, o pirami- dal some sob a cabeça da ulna e só conseguimos palpar a margem do hamato. No lado ventral do punho, palparemos com facilidade, em sua parte medial, o osso pisiforme. A seguir, na extensão e na flexão ativa contra a resistência do punho, ficará visível e palpável o tendão do músculo flexor ulnar do carpo, preso a esse osso. Na borda lateral dessas estruturas, encontra- -se o túnel do nervo ulnar, mais conhecido como canal de Guyon. Nesse canal, penetram a artéria radial e o nervo ulnar. A artéria ulnar é palpável nessa região. A parte distal do canal de Guyon é coberta pela musculatura hipotenar. Palparemos o hâmulo do hamato, na intersecção de linhas imaginárias que passam pela borda ulnar do dedo anular totalmente estendido e pelo polegar em abdução máxima. Na verdade, sentiremos nesse ponto um local resistente, quando comparado à consistência elástica da musculatura hipotenar. O nervo ulnar penetra no canal de Guyon, já dividido em seus ramos superficial e profundo. Ele se encontra dorsal à artéria ulnar. O ramo superficial do nervo ulnar emite um ramo motor para o músculo palmar curto e se divide, à medida que segue distalmente, para então formar os ramos digitais para o dedo mínimo e o lado ulnar do dedo anular. O ramo profundo do nervo ulnar atravessa o canal de Guyon em situação anatômica posterior ao ramo superficial e, na altura do hâmulo do hamato, mergulha no hiato piso- hamato, curvando lateralmente na palma da mão e em direção posterior, para atingir o assoalho do carpo. Des- crevemos aqui esse trajeto nervoso pois tem importância no exame clínico da mão. Voltandoà parte ventral do punho, palparemos, man- tendo o punho em extensão, o retináculo dos flexores late- ralmente à origem da massa muscular hipotenar até sentir- mos a saliência da tuberosidade do escafoide. Pedimos, então, que o paciente inverta o movimento do punho e que faça flexão contra a resistência. Nesse momento, tor- nam-se evidentes a inserção e o tendão do músculo palmar longo, que serve como referência à localização do nervo mediano, o qual se encontra em situação posterior e discre- tamente lateral ao tendão do músculo palmar longo. 11-13 Seguimos palpando distalmente a palma da mão, sentin- do a fáscia palmar do paciente, procurando eventuais nódu- los e cordões, que poderemos observar em indivíduos mais velhos, como consequência da moléstia de Dupuytren. Essas alterações são vistas principalmente na direção do quarto raio, mas podem envolver os outros dedos. Pedimos para o paciente hiperestender os dedos e veremos que se formam pequenos montes e vales palmares na altura da articulação metacarpofalângica. Nos montículos, temos a gordura que envolve os feixes vasculonervosos. Os vales são formados pelas bandas pré-tendinosas da fáscia palmar tencionadas. Os pulsos arteriais normalmente são palpáveis no lado ventral do punho. Palpamos a artéria ulnar lateralmente ao tendão do músculo flexor ulnar do carpo, junto à inser- ção no osso pisiforme, enquanto a artéria radial poderá ser sentida lateralmente ao tendão do flexor radial do carpo. A artéria radial também é palpável no dorso da mão, junto à base do primeiro metacarpal, um pouco antes de ela mergulhar entre a origem das duas cabeças do primeiro PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 105 interósseo dorsal. Devemos lembrar que a artéria mediana acompanha o nervo mediano no antebraço e penetra com ele o túnel do carpo. Essa artéria normalmente tem diâmetro insignificante, porém pode se apresentar mais larga como variação anatômica ou por adaptação a oclusões de uma das outras duas artérias. Sua presença poderá falsear a ava- liação circulatória da mão, o que será salientado mais adian- te no presente capítulo. INERVAÇÃO SENSITIVA DA MÃO A mão é um órgão para preensão de objetos, porém é principalmente um órgão tátil que nos permite interagir com o ambiente. A importância da sensibilidade da mão fica evidenciada quando analisamos sua grande represen- tatividade cerebral no homúnculo de Penfield. 14 A mão é o prolongamento do córtex cerebral, que usa o resto do mem- bro superior como uma grua, que a leva automaticamente até o ponto em que o cérebro determinar. A mão é inervada pelos nervos radial, mediano e ulnar. O nervo radial (C5, C6, C7, C8 e T1) atinge a mão por meio de seu ramo superficial, o qual cursa o antebraço sob o músculo braquiorradial, que o protege até aflorar no dorso de seu tendão, perfurando a fáscia antebraquial em cerca de três dedos transversos a partir da ponta da apófise esti- loide do rádio. A partir desse ponto, segue pelo subcutâneo dividido em três ramos, que se dirigirão ao dorso do polegar, à pele do dorso do primeiro espaço interdigital e à pele do dorso dos metacarpais II e III. O nervo mediano (C5, 6, 7 e T1) proverá de sensibilida- de toda a parte volar dos dedos, exceto a metade ulnar do dedo anular e todo o dedo mínimo, que são inervados pelo nervo ulnar. São consideradas áreas autonômicas dos nervos aquelas de inervação exclusiva de determinado ner- vo. Ao nervo ulnar (C7, 8 e T1), corresponde a ponta do dedo mínimo e ao mediano, a ponta do dedo indicador. O nervo radial, quando totalmente lesado, pode apresentar uma zona de hipoestesia no dorso da região tenar, ainda que também possa estar ausente. Na inervação da pele da mão, há sobreposição dos di- versos nervos espinais cervicais (“raízes”), de forma que, em termos desses nervos cervicais, praticamente há poucas áreas exclusivas inervadas somente por um único nervo espinal. MOTRICIDADE E INERVAÇÃO DA MÃO A mão movimenta-se pela ação de tendões de músculos extrínsecos, tanto extensores quanto flexores, e pela atuação refinada dos músculos intrínsecos. A função extensora serve, basicamente, para abrir a mão; portanto, necessita menor massa muscular para realizá-la. O nervo radial é responsável pelos movimentos de extensão do punho, do polegar como um todo, assim como pela extensão das articulações meta- carpofalângicas dos dedos. A função de preensão dos obje- tos é realizada pelos músculos flexores. Tal função necessita de músculos mais fortes; logo, com maior massa muscular. Cabe aqui um parêntese: a diferença da força entre as duas ações é grande e deve ser levada em consideração no trata- mento de lesões que envolvam a mão. De forma geral, podemos dizer que é preciso proteger os tendões extensores da ação dos flexores, pois sua força poderá romper cicatrizes e suturas nos frágeis tendões extensores. Por outro lado, é importante lembrar que, em uma dada função, sempre há a importante ação de músculos antagonistas e de sinergistas, que permitem a estabilização de articulações mais proximais àquelas que estejam realizando uma movimentação especí- fica. 15 É errado considerar que a função de um músculo é somente aquela determinada pela terminologia anatômica. 4 Os nervos mediano e ulnar são responsáveis pela iner- vação de todos os músculos que contribuem para a flexão dos dedos. Sob o ponto de vista motor, o nervo mediano é o predominante no antebraço, e o nervo ulnar, na mão. No antebraço, a exceção fica por conta do músculo flexor profundo, que tem inervação cruzada entre o nervo medi- ano e o nervo ulnar. Nele se observa a inervação das cabeças musculares para os dedos anular e mínimo pelo nervo ulnar, enquanto as outras duas cabeças, mais radiais, são coman- dadas pelo nervo mediano. Na mão, toda a musculatura intrínseca hipotenar e interóssea é inervada pelo nervo ulnar. São exceções os músculos lumbricais para os dedos indicador e médio e alguns músculos da região tenar. A região tenar é inervada em sua parte profunda pelo nervo ulnar, que é o responsável pelo controle da força dos potentes músculos adutor e flexor curto do polegar. Ficam por conta do nervo mediano os músculos oponente e abdutor curto do polegar (Figura 9.1). O leitor deve ter observado que não falamos do movi- mento de extensão das articulações interfalângicas dos de- dos. Estas são controladas pela porção dos músculos inte- rósseos que se dirigem e formam o aparelho extensor dos quatro dedos. Também colaboram na extensão das articula- ções interfalângicas os músculos extrínsecos, por meio de suas expansões distais à articulação metacarpofalângica, que formam, junto com o prolongamento dos músculos intrínsecos, o tendão extensor central e as duas bandas laterais. Assim, podemos resumir que os músculos interós- seos têm uma parte que age no movimento das metacar- pofalângicas e uma parte que ativa o aparelho extensor. Os músculos interósseos são divididos em dorsais (que afas- tam os dedos da linha média da mão) e ventrais (que apro- ximam os dedos da linha média da mão), controlando os movimentos de lateralidade nas articulações metacarpo- falângicas. CAPÍTULO 9 ! PROPEDÊUTICA DA MÃO E DO PUNHO106 Os músculos lumbricais correm em uma direção oblí- qua, no sentido de ventral para dorsal, originando-se nos tendões dos músculos flexores profundos e tendo como inserção o aparelho extensor. 16,17 Eles são auxiliares dos mús- culos interósseos sob o ponto de vista motor, mas desempe- nham a importante função de controle proprioceptivo e harmonização dos movimentos de flexão e extensão. Esse aspecto é denotado pela grande quantidade de terminações sensitivas encontradas nos músculos lumbricais. Os lumbri- cais têm a função ativa, enquanto o ligamento retinacular oblíquo controla o movimento das articulações interfalân- gicas de forma passiva. Os lumbricais para os dedos indica- dor e médio são inervados por ramos do nervo mediano,enquanto os lumbricais para os dedos anular e mínimo são inervados por ramos do nervo ulnar. A região hipotenar é formada por três músculos: ab- dutor, flexor curto e oponente do dedo mínimo, que contro- lam sua movimentação espacial e a anteriorização e rotação dos metacarpais IV e V, quando se pretende transformar a palma em uma concha. Esse é o movimento que realizamos quando pegamos água em uma torneira para lavar o rosto. O polegar é o dedo mais importante, pois, mediante seu posicionamento em anteposição e oponência aos outros dedos, é possível fazer a preensão de objetos de tamanhos variados. Tubiana e colaboradores 13 salientaram que os mo- vimentos do polegar têm o controle dos três nervos do membro superior: o nervo radial é responsável pela exten- são e pela retroposição; o nervo mediano, pela anteposição e pela oponência; e o nervo ulnar, pela adução (Figura 9.1). O movimento de pronação do polegar (oponência) é reali- zado pela ação do músculo oponente no primeiro meta- carpal, auxiliado pelo músculo abdutor curto do polegar e pelas cabeças superficial e profunda do flexor curto do po- legar. Esses músculos se inserem no sesamoide lateral da metacarpofalângica do polegar e emitem uma expansão tendinosa ao lado radial do aparelho extensor do polegar e são os responsáveis pelo giro em pronação, com flexão da falange proximal associada à extensão da falange dis- tal. 16,17 Esses movimentos são fundamentais durante a preensão de pequenos objetos ou na manipulação de instru- mentos de precisão. No sesamoide medial, encontramos a inserção dos músculos adutor do polegar e a cabeça profun- da (ulnar) do flexor curto do polegar em uma variação ana- tômica menos frequente. 12 Tais músculos agem ainda na flexão da articulação metacarpofalângica e emitem expan- são tendínea para o aparelho extensor. O grupo muscular do sesamoide do lado radial é responsável pela inclinação da falange proximal para o lado radial, enquanto o grupo de músculos que se insere no sesamoide medial é responsá- vel pela inclinação medial da falange proximal do polegar. A abdução do polegar é um movimento em que agem os músculos do sesamoide lateral, junto com o músculo ab- dutor longo do polegar. 12 A importante adução do polegar é realizada pelos músculos do sesamoide medial. São an- tagonistas a esse grupo de músculos do sesamoide medial, responsáveis pela oponência e pela adução do polegar, os músculos extensores longo e curto do polegar, juntos com o abdutor longo do polegar, pois realizam o movimento oposto “puro” de abdução, retroposição e extensão do po- legar. Entretanto, durante a preensão de objetos, passam a ser sinérgicos. Recomendamos ao leitor que faça a preensão forçada de um pequeno objeto entre as polpas do polegar e dos dedos indicador e médio, alternando com relaxamento muscular. Note-se, pela palpação, a contração dos músculos abdutor curto e extensor longo do polegar junto de toda a massa tenar. Observe-se também que os músculos exten- sores radiais do carpo curto e longo contraem junto com os músculos extensor ulnar do carpo e abdutor longo do polegar. A contração do músculo abdutor longo do polegar pode ser sentida no dorso do antebraço, na transição dos terços médio e distal, enquanto a dos extensores do punho pode ser sentida diretamente em seus tendões na passagem sobre o punho. 12 É a ação sinérgica desses estabilizadores tanto do punho quanto da base do polegar que permite que os músculos tenares exerçam a função principal. O abdutor longo do polegar estabiliza a sua base na articula- ção metacarpofalângica, tencionando o sistema ligamentar, " FIGURA 9.1 Composição fotográfica que demonstra a ação dos nervos radial, mediano e ulnar sobre os movimen- tos do polegar. R (nervo radial): abduz o polegar (músculo abdutor longo do polegar), estende as articulações meta- carpofalângica (músculo curto extensor do polegar) e inter- falângica (músculo longo extensor do polegar). M (nervo mediano): faz a oponência (músculos oponente e curto fle- xor do polegar – cabeça superficial). U (nervo ulnar): faz a força de adução para segurar firme os objetos (músculos adutor e curto flexor do polegar, cabeça profunda). PROPEDÊUTICA ORTOPÉDICA E TRAUMATOLÓGICA 107 que se encontra em situação oposta, no lado ulnar e ven- tral do primeiro metacarpal. Esse aspecto funcional do ab- dutor longo do polegar é bem evidente na articulação trape- ziometacarpal em pacientes com frouxidão capsuloliga- mentar, os quais apresentam subluxação dessa articulação, evidenciada em estudos radiográficos com a abdução força- da de um polegar contra o outro. 18-23 ESTRUTURAS ESTABILIZADORAS DA MÃO Além da parte osteoarticular, a mão apresenta estruturas ligamentares e fasciais que estabilizam as partes moles, de forma a impedir que se desloquem de suas posições ana- tômicas. Assim, este verdadeiro esqueleto de partes moles direciona as forças e os movimentos, tanto de tendões flexores como extensores, nervos e vasos. Sim, nervos e vasos também se movem, deslizam em seus túneis próprios, seguindo os movimentos das articulações. Há uma estrutura tridimensional contínua, que forma tabiques entre a palma e o dorso, com a função de manter as estruturas que se movimentam sob controle direcional; servem também, ao mesmo tempo, para protegê-las. Portanto, quando falamos em fáscia palmar, estamos nos referindo a essa estrutura espessa que encontramos logo abaixo da pele palmar, mas que faz parte do esqueleto fibroso tridimensional da mão. A pele da palma da mão é estabilizada por tabiques fibrosos na fáscia palmar. Isso impede que a pele se deslo- que lateralmente quando pegamos objetos. Apesar de os dedos terem grande movimento, a sua pele é impedida de se deslocar lateralmente de modo excessivo pela ação dos ligamentos de Cleland, que a prendem nas faces laterais das articulações interfalângicas proximais (Figura 9.2). Há estabilização, ainda nos dedos, dos feixes vasculonervosos pelos ligamentos de Grayson, que os mantêm em ambos os lados da bainha dos tendões flexores, em situação mais profunda, para evitar compressão ao se pegar objetos (Fi- gura 9.3). Encontramos situação oposta na pele digital dorsal, que é totalmente frouxa, para permitir a flexão dos dedos. No punho, os tendões flexores são contidos no túnel do carpo pelo retináculo dos flexores, que é a maior polia do corpo humano (Figura 9.4). Os tendões flexores são estabilizados no plano ósseo pelas polias, que permitem eficiência mecânica durante o movimento de flexão dos dedos. São estruturas bastante resistentes em alguns pontos e maleáveis nos locais onde os dedos dobram. No assoalho desses túneis por onde passam os tendões flexores, encon- tramos a cortical ventral das falanges e as placas volares (placas ventrais) em todas as articulações dos dedos, inclusi- ve nas articulações metacarpofalângicas. As placas volares são estruturas fibrocartilaginosas que são espessas distal- mente e têm fixação muito forte na base das falanges, que se afinam à medida que se dirigem proximalmente, para permitir o movimento. As placas volares são fixadas proxi- malmente às falanges pelos ligamentos-rédea e em ambas as laterais à bainha dos flexores. 11, 13 # FIGURA 9.2 Palma da mão mostrando aspectos da fáscia palmar (apo- neurose palmar) e suas conexões com os ligamentos que fazem a con- tensão das diversas estruturas. Na parte de baixo da figura, observa-se o tendão do músculo palmar longo (PL), que se mistura à fáscia palmar superficial, dividindo-se em quatro bandas pré-tendinosas, ou bandas longitudinais (BL), da fáscia palmar. Estas se entrelaçam com fibras da banda transversa (BT), a qual se localiza em sua parte distal. Na base dos dedos e na margem distal da palma, encontra-se o ligamento transverso superficial metacarpal (LTSM), que também é denominado como ligamen- to natatório. No lado esquerdo da figura, observa-se um corte transverso