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ORATÓRIA E RETÓRICA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Neivor Schuck CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Tathyane Lucas Simão Prof. Ivan Tesck Revisão de Conteúdo: Welder Lancieri Marchini Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2018 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 808.025 S383o Schuck, Neivor Oratória e retórica / Neivor Schuck. Indaial: UNIASSELVI, 2018. 119 p. : il. ISBN 978-85-69910-92-3 1.Retórica - Técnicas. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. Neivor Schuck Doutor em Ciências da Religião pela PUC/ SP, Mestre em Ciêcias da Religião) pela PUC/ SP. Pós Graduado em Psicopedagogia pelo Centro Universitario São Camilo. Graduado em Filosofia pelo Centro Universitário São Camilo. Professor de Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: ética, política, educação, língua alemã, pesquisa, espiritualidade, saúde e religião. Sumário APRESENTAÇÃO ....................................................................01 CAPÍTULO 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória ..................9 CAPÍTULO 2 A Retórica e a Oratória ........................................................49 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 A Arte de Argumentar ..........................................................85 Implicações da Retórica .....................................................101 APRESENTAÇÃO Entendemos a necessidade do estudo da oratória e da retórica para os estudantes de teologia devido às particularidades conceituais envolvidas. Para podermos construir bons argumentos precisamos entender como estes são produzidos e expostos. E é neste momento que a disciplina de oratória e retórica merece ser apresentada como uma maneira fundamental de entender os conceitos teológicos estudados. Na disciplina de oratória e retórica o estudante pode desenvolver seu entendimento das diferentes formas de argumentar e constitui uma ideia. É no curso desta que o estudante poderá ampliar suas capacidades argumentativas de construção e explicação de um argumento. Neste sentido, esperamos que o estudante desenvolva essas capacidades. CAPÍTULO 1 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Compreender a concepção da retórica e sua finalidade, identificando suas funções e características. � Identificar as fontes da retórica grega e a discussão com perspectiva platônica. � Analisar as relações interpessoais e reconhecer as diferentes definições de retórica e oratória. 10 Oratória e Retórica 11 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 Contextualização O contexto do estudo da oratória e da retórica no mundo contemporâneo é bastante amplo. Nesta disciplina queremos enfatizar a construção e exposição dos argumentos para que possamos transmitir uma mensagem de qualidade. Vejamos como se considerava a arte retórica na antiguidade. Havia-se deixado de lado, até aqui, um ponto importante sobre o escopo da arte retórica. Por vezes, a retórica foi e ainda é apresentada como a arte de proferir discursos eloquentes. De fato, muitos são os que associam uma boa retórica a um discurso bem elaborado, destacado por diversos recursos de linguagem, enfim, ornamentado. Essa definição guarda correspondência com os primeiros discursos dos sofistas – portanto, anteriores ao aparecimento do tratado de Aristóteles sobre a retórica – mas que atingiu destaque e refinamento com a obra de Isócrates (436-338 a.C.), hábil e longevo retor, que se destacou pelo seu programa de ensino baseado nas artes humanas, predominantemente literárias (o Paideia). Isócrates se destacou por atacar tanto os que praticavam e ensinavam a dialética erística (aqueles que se propunham às disputas, a partir de posições antagônicas de mundo, objetivando chegar a uma pretensão de descoberta, a qual refletiria as formas particulares da leitura da natureza e/ ou que fossem capazes de chegar a uma verdade) quanto os sofistas, que ensinavam a arte dos discursos políticos aos nobres. Isócrates não acreditava que, da dialética erística, pudesse emergir um conhecimento diferente dos demais, ou que o simples fato de se arrebatar o maior número possível de seguidores fosse um medidor da correção de um dado conhecimento. Tampouco, poder-se-ia fazer qualquer juízo positivo da arte dos sofistas de ensinar discursos políticos mecanicamente, já que as condições para a descoberta da Verdade jamais teriam ali algum papel a desempenhar (GILL, 1994 apud VIEIRA, 2012, p. 8). Estudar oratória e retórica pode parecer um tanto distante da realidade em que estamos inseridos, mas se observarmos o cotidiano, perceberemos que estamos permeados de argumentos retóricos, apresentando cada qual um tipo de oratória. A você, estudante desta disciplina, convidamos para seguir conosco neste caminho de descobertas. Conceito de Retórica e Oratória A retórica no conhecimento humano, especificamente na filosofia, é uma forma de expressão de exposição de ideias utilizada pelos sofistas. Segundo este grupo de pensadores gregos da antiguidade, não existe uma verdade, o que há é apenas uma boa forma de argumentar ou uma forma ruim de argumentar. 12 Oratória e Retórica Ao iniciarmos a discussão sobre a retórica, queremos expor quais são suas características fundamentais e como estas características se relacionam com o modo com o qual nos expressamos. A vitalidade dos estudos retóricos até os nossos dias foi o que levou à organização de um curso que levantasse os principais problemas com que a Retórica se tem havido ao longo de sua história, cheia de pontos altos, mas também de crises e questionamentos. A bem dizer, é esta mesma dialética que está no bojo de sua própria natureza, que implica em controvérsia, discussão e, consequentemente, em influência e formação de opinião. De fato, a Retórica tem sido colocada à prova pelos mesmos princípios que a norteiam internamente e que fazem com que ela refloresça sempre: aceitação da mudança, o respeito à alteridade, a consideração da língua como lugar de confronto das subjetividades. Partindo-se do princípio de que a argumentatividade está presente em toda e qualquer atividade discursiva, tem-se também como básico o fato de que argumentar significa considerar o outro como capaz de reagir e de interagir diante das propostas e teses que lhe são apresentadas. Equivale, portanto, a conferir-lhe status e a qualificá-lo para o exercício da discussão e do entendimento, através do diálogo. Na verdade, o envolvimento não é unilateral, tendo-se uma verdadeira arena em que os interesses se entrechocam, quando o clima é de negociação, e em que prevalece o anseio de influência e de poder (MOSCA, 2001, p. 16). Quando falamos do movimento sofista da filosofia grega antiga, apontamos para alguns autores deste período que representam muito bem a figura de um retórico. Nesse sentido, merece destaque o filósofo Górgias, que muito bem definiu o não ser. Podemos citar ainda o filósofo Protágoras de Abdera, que com seu pensamento defendeu o relativismo na Antiguidade. A nossa discussão sobre a retórica e o papel da oratória na formulação e na exposição de argumentos passará necessariamente por Platão e Aristóteles. Estes dois filósofos da Antiguidade escreveram textos que detalham muito bem a arte retórica ou do bem dizer, seassim quisermos. De acordo com estes dois filósofos e com os sofistas, devemos estar atentos para a boa formulação retórica de um argumento e a boa oratória de exposição do mesmo. Na disciplina de Oratória e Retórica queremos lembrar a você, estudante, que a forma de bem dizer as palavras ou a boa formulação de um discurso é fundamental para que possamos entender, expor e transmitir uma mensagem. Podemos observar isso na discussão da Antiguidade desenvolvida por Sócrates. Platão, ao expor e escrever as ideias socráticas, nos passa a mensagem de que Sócrates foi um homem comprometido com a moral e com a verdade. Já alguns sofistas, como Sófocles, apresentam Sócrates como amigo dos sofistas e Na disciplina de Oratória e Retórica queremos lembrar a você, estudante, que a forma de bem dizer as palavras ou a boa formulação de um discurso é fundamental para que possamos entender, expor e transmitir uma mensagem. 13 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 um retórico. Isso significa que o modo como apresentamos uma ideia ou expomos um pensamento produz um determinado efeito naquele que ouve. O surgimento da Retórica na Grécia antiga prende-se à luta reivindicatória de defesa de terras na Sicília, que haviam caído em poder de usurpadores. Esse caráter prático, aliado à eficácia, esteve sempre presente nas finalidades da Retórica e é o que modernamente a situa junto à Pragmática. De fato, para se decidir em que medida um discurso visa persuadir e como o faz, há que levar em conta as características fundamentais da situação em que ele se dá e as relações de intersubjetividade dos interlocutores. Os efeitos perseguidos pelos discursos persuasivos são produtos não de um simples ato ilocutório, como também de elementos extraídos da força ilocucionária da situação. Cabe ainda lembrar que o ato de informar não existe em estado puro e serve antes a convencer e persuadir do que por si próprio. Assim é que discursos que se têm como informativos, tais como o científico e o jornalístico, são o exemplo disso, uma vez que existem em função de determinada finalidade prática a ser atingida. Por esse motivo, coloca-se em questão a tradicional divisão das modalidades dos gêneros jornalísticos em informativos, interpretativos e opinativos, que, na realidade, serve apenas para balizar a práxis jornalística, quando não mesmo para despistar um leitor desavisado (MOSCA, 2001, p. 26). Segundo Platão, a retórica é uma técnica indispensável para quem quisesse governar a cidade, porque quem rege deve saber falar e dominar a exposição de um argumento. Essa capacidade do governante impediria a manipulação e o controle por outros membros do governo. Contudo, Platão coloca a retórica abaixo da filosofia, e no diálogo Górgias expõe que o bem falar é uma arte de convencimento independentemente do conteúdo, e por isso está abaixo do conhecimento verdadeiro e rigoroso que é o filosófico. Podemos entender que esta discussão é muito importante para as pessoas que desejam lidar com o público em geral, pois há sempre uma escolha a ser feita quando falamos aos outros: devemos falar bem e transmitir aquilo que os interlocutores querem, sem se preocupar com a verdade, ou falamos bem e transmitimos a verdade quer agrade ou não aos interlocutores. Este dilema aparece toda vez que precisamos estabelecer um diálogo ou expressar uma ideia em público. Neste sentido, o estudante de Oratória e Retórica precisa conhecer os tipos, formas e métodos empregados pela retórica para formular um argumento, e da oratória para expor o mesmo. Outro filósofo já citado, Aristóteles, desenvolveu uma teoria acerca do que seria a retórica. De acordo com ele, a retórica é uma arte empírica e cotidiana. Neste sentido, precisamos almejar a verdade quando nos dedicamos a um discurso. Neste aspecto a retórica não é pura transmissão da verdade através da oratória, ela envolve diferentes aspectos do ser humano, de sua personalidade e 14 Oratória e Retórica ambiente. Para Aristóteles, devemos considerar a personalidade do ouvinte para expor um pensamento, pois se tivermos uma boa técnica, poderemos transmitir a mensagem que queremos com mais facilidade. Além disso, Aristóteles desenvolveu profundamente as características e a forma de refutação e confirmação de um argumento. Seguindo essa linha de raciocínio, podemos concluir que Aristóteles quis estabelecer uma clara finalidade ao empregarmos a retórica. Ela serve tanto ao indivíduo que quer discutir assuntos morais, quanto ao orador que quer falar de seus pensamentos na cidade. Em outras palavras, a retórica deve ser útil ao cidadão. Segundo Aristóteles, devemos organizar nosso modo de pensar e se expressar de maneira a permitir que sejamos claros em nossas ideias. Neste sentido, a retórica contribui para aperfeiçoar a qualidade, e a oratória é a exposição de um argumento. Aristóteles foi o primeiro a desenvolver uma organização detalhada desta ferramenta do saber humano. Inicialmente precisamos entender que todos nós fazemos uso da retórica e da oratória, pois são formas de nos expressarmos. Para Aristóteles, convencer o outro é a essência de toda discussão sobre retórica. Ao estabelecer formas de comportamento para o orador, modelos de raciocínio, tipos de premissas e a divisão desta ferramenta, o filósofo classifica e padroniza a retórica. A divisão apresentada por Aristóteles é exórdio, construção, refutação e epílogo. Em alguns momentos o filósofo coloca a narração após o exórdio. Ao contrapor a dialética com a retórica, Aristóteles configurou a ela elementos e características que estavam dispersos. Após a elaboração aristotélica, a retórica e a oratória foram desenvolvidas por diferentes grupos de pensadores. Mencionamos aqui os estoicos, os empíricos e a tradição romana de filósofo. Diógenes, filósofo estoico grego, entendia que a retórica dialética é parte da lógica, neste sentido, retórica significa bem falar e dialética é a arte de bem raciocinar. Isso significa que a retórica é a invenção de argumentos e desdobra-se em oratória quando expressamos esses em palavras ou discursos organizados a um grupo de ouvintes. Para este grupo de filósofos, a retórica se ocupa da forma de um argumento, enquanto que a dialética deve se ater à veracidade ou à falsidade de um argumento. Retórica significa bem falar e dialética é a arte de bem raciocinar. 15 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 O grupo de pensadores empíricos pode ser representado pelo epicurismo, que entende a retórica como argumentos possíveis derivados de signos. Segundo este, o método utilizado é a conjetura. Dito de outro modo, a retórica é uma ciência que se opõe às ciências exatas, isto é, para bem falarmos e bem construirmos um argumento, devemos seguir regras que provêm da experiência, como o objetivo de considerar vários graus de probabilidade. De acordo com esses filósofos, devemos considerar que para bem expressarmos nossas ideias devemos tomar cuidado nos argumentos emotivos e, ao mesmo tempo, não cairmos no simplismo do cotidiano. Por exemplo, em debates com amigos geralmente usamos lágrimas e dramas para convencer o outro. Entre os romanos destacamos Cícero, que entendia a retórica e a oratória como algo fruto de muito conhecimento filosófico, artístico e da ciência. Para ele, sem o saber aprofundado, a retórica se transforma em pura e simples maneira de verbalismo (Verborum volubilidas Inanes at que inridenda est (Cicero, de oratóre, I, 17). Para ser um bom orador, devemos conhecer todos os grandes problemas filosóficos, científicos e artísticos. Devemos pensar com sabedoria e é nisto que a retórica consiste para Cícero. O sábio consegue desenvolver bem a arte retórica se ater-se aos grandes problemas sem negligenciar as grandes questões. Cícero entende que a técnica da retórica deve produzir não só belos textos ebelas oratórias, mas também sábios justos. Depois de apresentarmos alguns aspectos de pensadores da retórica antiga, passamos agora a expor algumas características do desenvolvimento da retórica no período chamado de Idade Média. Neste período o Trivium, a partir do século IX, constituiu a fonte para estruturar as chamadas artes liberais, nesta época a retórica era entendida como arte do discurso. Destacamos que a constituição dos argumentos não era puramente literária, havia uma preocupação com todas as áreas de conhecimento para expor e defender os argumentos. O desenvolvimento da retórica medieval encontrou amparo em grandes teólogos e filósofos. Destacamos Santo Agostinho ao recuperar a tradição platônica articulando as suas ideias com a de Cícero e outros retóricos romanos. Retomou também a tradição aristotélica da lógica para discutir os grandes problemas nesta área de conhecimento. 16 Oratória e Retórica No movimento renascentista percebemos uma reelaboração dos problemas retóricos baseados na eloquência ou no bem falar, remetendo à iluminação do intelecto, satisfação da imaginação, desencadear as paixões e, por último, evocar a vontade. Este processo culminou na completa distinção entre filosofia e retórica. Se em Platão e Aristóteles, filosofia, oratória e retórica caminham juntas no início da modernidade, elas se separaram, constituindo campos de saber distintos dentro de um espaço geral de conhecimento. Para explicarmos de maneira detalhada o que é retórica evocamos o pensador Reboul, que define o termo: retórica é “a arte de persuadir pelo discurso. Por discurso entendemos toda a produção verbal, escrita ou oral constituída por uma frase ou uma sequência de frases, que tenha começo e fim e apresente certa ordem de sentido. De fato, um discurso incoerente, feito por um bêbado ou por um louco, são vários discursos tomados por um só” (REBOUL, 2004, p. 14). Para este autor, só podemos chamar de retóricos aqueles discursos que querem persuadir os ouvintes. Citamos alguns exemplos: “pleito advocatício, alocução, política, sermão, folheto, cartaz de publicidade, panfleto, fábula, petição, ensaio, tratado de filosofia, de teologia ou de ciências humanas. Acrescenta-se a isso o trama e o romance deste de que de tese e o poema satírico ou laudatório“ (REBOUL, 2004, p. 14). De acordo com Reboul (2004), a retórica sempre procura persuadir seus interlocutores pela oratória de algo. Neste sentido, queremos fazer uma distinção entre convencer alguém a crer em nós e convencer alguém a fazer algo. Do ponto de vista estritamente retórico, queremos deixar claro que convencer o outro a acreditar em nós é o núcleo da retórica enquanto arte de persuasão. Neste aspecto, levar alguém a fazer algo já é um passo além. Pascal (apud Reboul, 2004) destaca que podemos usar elementos, como o dinheiro, para persuadir os outros de que nossa causa é justa, mas isso não é um convencimento retórico, pois os argumentos não foram contrapostos e não houve sequer uma argumentação. Lembremos que a técnica retórica é ambígua, pois pode representar uma habilidade espontânea ou uma capacidade adquirida. Se considerarmos a retórica espontânea como forma de convencimento dos outros, precisamos entender que De acordo com Reboul (2004), a retórica sempre procura persuadir seus interlocutores pela oratória de algo. 17 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 sem a técnica adquirida, com o tempo não conseguiremos ter êxito em nossa tarefa. Segundo Reboul, “o verdadeiro orador é um artista no sentido de descobrir argumentos mais eficazes do que se esperava, figuras de que ninguém teria ideia e que se mostram ajudadas; artistas cujos desempenhos não são programáveis e que só se fazem sentir posteriormente” (REBOUL, 2004, p. 16). Neste sentido, a constituição de um argumento retórico e a expressão deste por um orador dependem da escolha que este fizer. Tudo isso implica em considerar a finalidade da retórica. Queremos convencer ou enganar? Como vimos, a persuasão é a forma de convencer a todo custo um interlocutor utilizando os modelos de argumentos disponíveis. Persuadir não é a mesma coisa que enganar. Existe uma sutil diferença, mas que é substancial, enganar implica em usar argumentos falsos e persuadir é convencer utilizando os argumentos disponíveis. Para começarmos a responder a este questionamento, explicaremos o que significa a arte da persuasão. Eis, pois, a mais antiga definição de retórica que conhecemos, ou seja, a arte de persuadir. Neste sentido, vale lembrar que é importante distinguir o que é argumentação e oratória. A competência racional dos argumentos pode ser dividida em duas partes: os que são componentes silogísticos e os que se apoiam em exemplos. Neste sentido vale lembrar que, para Aristóteles, a competência afetiva de um argumento é mais eficiente que o silogismo. Isso significa que um silogismo, encadeamento lógico de raciocínios, é destinado a um grupo técnico de ouvintes, por exemplo, um júri, enquanto que um exemplo argumentativo se destina ao grande público. Segundo Reboul (2004), no que tange à afetividade, podemos distinguir o caráter do ethos, em português caráter ético do orador, que procura convencer os interlocutores, e o pathos, em português a paixão ou compaixão gerada pelo discurso, cujo orador pode tirar proveito caso perceba como reage seu público. 18 Oratória e Retórica Podemos entender que o modo persuasivo de um discurso se compõe de duas partes: o argumentativo e o oratório. Assim, quando um orador se expressa, ele está no modo oratório, neste sentido, metáforas e hipérboles constituem artifícios retóricos, e são argumentativas quando condensam um argumento. Hermenêutica Passaremos agora ao modelo hermenêutico. Quando expressamos um discurso, ele nunca está só, sempre está em diálogo com outros oradores, se antepõe a este e dialoga com os mesmos. Para convencer um interlocutor é preciso entender o argumento do outro antepondo-o e persuadindo-o de modo a atingir o objetivo. Este processo só é possível por causa da possibilidade de interpretação que possuímos. Neste sentido, a arte de interpretar textos, chamada de hermenêutica, é fundamental ao orador que quer ser compreendido. Heurística Outra característica é a heurística, que significa encontrar algo remetendo ao grego euro, ou eureka, ambas indicando a capacidade de descoberta do ser humano. Não nos referimos diretamente à ciência, falamos do ponto de vista da pergunta sobre qualquer assunto. Neste aspecto a heurística contribui para o confronto de ideias, na demonstração delas e na descoberta de coisas que não sabemos. Ainda merece menção a função pedagógica da retórica, que constitui um caminho que engloba várias áreas de saber. De acordo com Reboul (2004, p. 22): [...] no fim do século XIX a retórica foi abolida do ensino francês e o próprio termo foi riscado dos programas. Todavia, como em geral acontece no ensino, em se apagando a palavra não se suprimiu a coisa. A retórica permaneceu, só que desarticulada, privada de sua unidade interna e de sua coerência; em todo caso, os professores, quase sempre sem saber, fazem retórica. Assim, a função pedagógica da retórica e o estilo das construções verbais permaneceram, mesmo que com dificuldades. Neste sentido, entendemos que para bem dizer precisamos também aprender a ser, visto que aqueles que formulam frases equivocadas e sem sentido falam de si e de seu próprio estado confuso da existência. 19 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 Para Que Serve a Retórica? Você, aluno de Oratória e Retórica, pode se aprofundar no significado e na serventia da retórica se observar o seu cotidiano. A retórica e a oratória podem servir a diferentes fins. Destacamos alguns: servem para persuadir interlocutores em debates filosóficos, religiosos, acadêmicosou em outros ambientes sociais. Na filosofia costumamos entender a retórica como o modo de formular bons argumentos, para posteriormente, pela oratória, expô-los de modo a convencer a maior parte dos sujeitos que quisermos. Na religião costuma-se usar a oratória para desenvolver argumentos e convencer os fiéis daquelas verdades eternas reveladas nas escrituras. Assim, os religiosos utilizam a retórica com a finalidade de explicar as questões controversas e, consequentemente, elucidar as dificuldades dos fiéis. Já os acadêmicos utilizam métodos de retórica para convencer seus pares de suas habilidades e qualidades para conseguirem títulos, promoções e debater ideias no âmbito da conjetura intelectual. Destacamos ainda o uso da retórica e oratória no meio social, no cotidiano das nossas existências, falamos da família, do círculo de amigos e da convivência em nossos locais de trabalho. Algumas pessoas pensam que argumentar é apenas expor os seus preconceitos de uma forma nova. É por isso que muita gente considera que argumentar é desagradável e inútil, confundindo argumentar com discutir. Dizemos por vezes que discutir é uma espécie de luta verbal. Contudo, argumentar não é nada disso. [...] «argumentar» quer dizer oferecer um conjunto de razões a favor de uma conclusão ou oferecer dados favoráveis a uma conclusão. [...] argumentar não é apenas a afirmação de determinado ponto de vista, nem uma discussão. Os argumentos são tentativas de sustentar certos pontos de vista com razões. Neste sentido, os argumentos não são inúteis; na verdade, são essenciais. Os argumentos são essenciais, em primeiro lugar, porque constituem uma forma de tentarmos descobrir quais os melhores pontos de vista. Nem todos os pontos de vista são iguais. Algumas conclusões podem ser defendidas com boas razões e outras com razões menos boas. No entanto, não sabemos, na maioria das vezes, quais são as melhores conclusões. Precisamos, por isso, apresentar argumentos para sustentar diferentes conclusões e, depois, avaliar tais argumentos para ver se são realmente bons. Neste sentido, um argumento é uma forma de investigação. Alguns filósofos e ativistas argumentaram, por exemplo, que criar animais só para produzir carne causa um sofrimento imenso aos animais e que, portanto, é injustificado e imoral. Será que têm razão? Não podemos decidir consultando os nossos preconceitos. Estão envolvidas muitas questões. Por exemplo; temos obrigações morais para com outras espécies ou o sofrimento humano é o único realmente mau? Podem os seres humanos viver realmente bem sem carne? Alguns vegetarianos vivem até idades muito avançadas. Será que este fato mostra que as dietas vegetarianas são mais saudáveis? Ou será irrelevante, 20 Oratória e Retórica tendo em conta que alguns não vegetarianos também vivem até idades muito avançadas? (É melhor perguntarmos se há uma percentagem mais elevada de vegetarianos que vivem até idades avançadas). Terão as pessoas mais saudáveis tendência para se tornarem vegetarianas, ao contrário das outras? Todas estas questões têm de ser apreciadas cuidadosamente, e as respostas não são a partida óbvia (WESTON, 1996, p. 5). A arte retórica e a oratória são elementos do ser humano que bem utilizados podem produzir resultados plausíveis no que se refere à arguição e exposição de ideias. A finalidade da retórica e da oratória consiste, justamente, na tentativa do convencimento alheio para podermos transmitir um pensamento, uma convicção ou um projeto. Este método de persuasão pode ser usado com a finalidade de promover o desenvolvimento do ser humano em suas várias especificidades ou pode servir para enganar, ludibriar e prejudicar outras pessoas. Na tentativa de suprimir os perigos do mau uso da retórica e da oratória, Platão e Aristóteles, cada qual ao seu modo, procuraram estabelecer critérios ou maneiras para evitarmos destruir a existência alheia. Platão, no diálogo Górgias, inquiriu o mesmo sobre a implicação moral de determinadas posturas retóricas. Assim, a arte da persuasão não é um vale-tudo, mas um conjunto organizado de regras para bem expormos as questões que queremos discutir. Aristóteles defendeu uma separação entre retórica e oratória para que ficasse claro qual estilo de argumentação o indivíduo estava praticando. Deste modo, a retórica serviria para desenvolvermos raciocínios claros e silogísticos sobre um assunto específico, enquanto que a oratória serviria para expormos poesias e formas literárias de estilo próprio. Assim, conforme aponta Platão no diálogo Górgias, devemos considerar em que consiste e para que serve a arte retórica. A finalidade da retórica e da oratória consiste, justamente, na tentativa do convencimento alheio para podermos transmitir um pensamento, uma convicção ou um projeto. A QUE SE REFERE UM DISCURSO – TRECHO DE PLATÃO Sócrates — Então, diz a respeito de quê. A que classe de coisas se referem os discursos de que se vale a retórica? Górgias — Aos negócios humanos, Sócrates, e os mais importantes. Sócrates — Mas isso, Górgias, também é ambíguo e nada preciso. Creio que já ouviste os comensais entoar nos banquetes aquela cantilena em que fazem a enumeração dos bens e dizer que 21 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 o melhor bem é a saúde; o segundo, ser belo; e o terceiro, conforme se exprime o poeta da cantilena, enriquecer sem fraude. Górgias — Já ouvi; mas, a que vem isso? Sócrates — É que poderias ser assaltado agora mesmo pelos profissionais dessas coisas elogiadas pelo autor da cantilena, a saber, o médico, o pedótriba e o economista, e falasse em primeiro lugar o médico: Sócrates, Górgias te engana; não é sua arte que se ocupa com o melhor bem para os homens, porém a minha. E se eu lhe perguntasse: Quem és, para falares dessa maneira? Sem dúvida responderia que era médico. Queres dizer com isso que o produto de tua arte é o melhor dos bens? Como poderia, Sócrates, deixar de sê-lo, se se trata da saúde? Haverá maior bem para os homens do que a saúde? E se, depois dele, por sua vez, falasse o pedótriba: Muito me admiraria, também, Sócrates, se Górgias pudesse mostrar algum bem da sua arte maior do que eu da minha. A esse, do meu lado, eu perguntara: Quem és, homem, e com que te ocupas? Sou professor de ginástica, me diria, e minha atividade consiste em deixar os homens com o corpo belo e robusto. Depois do pedótriba, falaria o economista, quero crer, num tom depreciativo para os dois primeiros: Considera bem, Sócrates, se podes encontrar algum bem maior do que a riqueza, tanto na atividade de Górgias como na de quem quer que seja. Como! Decerto lhe perguntáramos: és fabricante de riqueza? Responderia que sim. Quem és, então? Sou economista. E achas que para os homens o maior bem seja a riqueza? Voltaríamos a falar-lhe. Como não! me responderia. No entanto, lhe diríamos, o nosso Górgias sustenta que a arte dele produz um bem muito mais importante do que a tua. É fora de dúvida que, a seguir, ele me perguntaria: Que espécie de bem é esse? Górgias que o diga. Ora bem, Górgias; imagina que tanto ele como eu te formulamos essa pergunta, e responde-nos em que consiste o que dizes ser para os homens o maior bem de que sejas o autor. Górgias — Que é, de fato, o maior bem, Sócrates, e a causa não apenas de deixar livres os homens em suas próprias pessoas, como também de torná-los aptos para dominar os outros em suas respectivas cidades. Sócrates — Que queres dizer com isso? Górgias — O fato de, por meio da palavra, poder convencer os juízes no tribunal, os senadores no conselho e os cidadãos nas 22 Oratória e Retórica assembleias ou em toda e qualquer reunião política. Com semelhante poder, farás do médico teu escravo, e do pedótriba teu escravo, tornando-se manifesto que o tal economista não acumula riqueza para si próprio, mas para ti, que sabes. Fonte: Platão(2005, p. 6-7). A serventia do pensamento retórico e da oratória também varia conforme o repertório do sujeito que se dispõe a praticar tal arte. Se considerarmos um sujeito de aptidões variadas e qualidades profissionais e acadêmicas bem desenvolvidas, a arte de argumentar bem pode servir para diversos momentos da sua existência. Por outro lado, se considerarmos um sujeito que possui restrições intelectuais e profissionais, não poderemos concluir a mesma coisa. Lembremos que não estamos falando de condições sociais, nos referimos ao interesse profissional e acadêmico de cada indivíduo. Por isso a retórica serve a diversos fins, dependendo, como já disseram os filósofos relativistas gregos, do contexto em que está inserida. Conforme aponta Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”, a retórica e a oratória são artes distintas que servem conforme a conveniência humana. Este modo de pensar é atual e está presente em nosso cotidiano porque queremos desenvolver nossas habilidades e não nos preocupamos com os problemas alheios. Não é de hoje a presença da retórica entre nós no cotidiano. Na Antiguidade observamos argumentações públicas, debates e relações costumeiras do dia a dia que envolviam argumentos ou explicitações. No período chamado de Idade Média a retórica foi usada como método de interpretação dos textos sagrados, seguindo a tradição platônica em Agostinho, e aristotélica em Tomás de Aquino. A apropriação desta arte no pensamento medieval cedeu devido à necessidade de impor e apresentar o meio de interpretação dos textos sagrados, visto que a comunidade estava imersa na visão de mundo do catolicismo. 23 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 Ao retomarem as ideias platônicas, os exegetas do período chamado primeira Idade Média, até o século IX, desenvolveram métodos e sugestões de interpretação fundados na ideia de convencimento alheio. Configura-se neste período uma grande ênfase na retórica argumentativa, que quer persuadir o outro sobre uma verdade que está sendo transmitida. Já os seguidores da tradição aristotélica desenvolveram uma retórica e uma oratória mais sofisticadas, com diferentes gêneros e estruturas formais. Tomás de Aquino desenvolveu todo o seu pensamento teológico utilizando o princípio da refutação de provas fundado por Aristóteles, bem como seguiu a divisão proposta por Aristóteles. Percebemos neste período que a retórica e a oratória encontram-se submersas em meio a toda a discussão teológica e o seu desenvolvimento ocorreu nos debates e pregações dentro das igrejas. Este processo, comumente chamado de adoção da retórica pela cristandade, remonta ao livro da criação, pois é no livro dos Gêneses, 2,17 que Deus faz uma pregação: “porque no dia em que comeres do fruto proibido certamente morrerás”, isso significa que também o Criador utilizou de argumentos retóricos para explicar a sua criação para suas criaturas. Assim, a retórica e a oratória, no período chamado de medieval, estão embebidas por conteúdos religiosos. Verificamos pregações por todo esse período, desde Agostinho (354-430 d.C.) até o século XV. Esse período é claramente marcado pela eloquência, fervor e tentativa de persuasão que resultou na expansão do modelo de religião por grande parte do mundo conhecido. Podemos atribuir a retórica da predicação a Agostinho e organização do Trivium, grupo de textos que deve ser lido para entender e discutir um assunto com propriedade, como constituintes da estrutura da retórica. Também os seguidores de Aristóteles desencadearam classificações e tipificações para os estudos bíblicos. A principal mudança que esses fizeram foi adaptar o princípio do verossímil transformando de uma possibilidade para uma verdade última e dogmas. Merece destaque o teólogo Isidoro (560-636), que dividiu a retórica em: exórdio, narração, argumentação e, por último, conclusão. Esta divisão didática da retórica serve para fins de entendimento da interpretação dos diferentes pensadores sobre o problema da separação das partes da retórica. Muitos são os autores que nesta época configuraram uma retórica cristã. O que podemos entender é que há uma imensa variedade de soluções para problemas teológicos apresentados durante a chamada Idade Média. Assim, percebemos que a adoção de princípios platônico-aristotélicos configurou por volta do século XIII a retórica comumente usada nos sermões. Essa nova oratória servia muito bem para convencer os corações dos fiéis e lhes trazer o conforto 24 Oratória e Retórica religioso. Neste período se incluíram fábulas ou pequenas histórias durante o sermão para que os fiéis, geralmente leigos, pudessem compreender as escrituras de maneira mais viva e objetiva. A função desta formulação retórica pode ser resumida em três partes: 1) ler o texto; 2) discutir o texto; e 3) fazer uma pregação. Esta divisão serve até nossos dias para todos aqueles que frequentarem a disciplina de Oratória e Retórica em uma faculdade de Teologia. Os sermões mais elaborados ocorriam nas universidades medievais, mas nas igrejas, especialmente nos finais de semana, podíamos observar pregações com organização e estrutura retórica. Um exemplo é o estudo bíblico, em que se pode utilizar deste método retórico para se aprofundar no entendimento das camadas do texto. Neste sentido, a retórica clássica se expandiu na chamada Idade Média e configurou um imenso campo de discussão que outrora estava restrito à Grécia ou a Roma. A serventia da retórica se justifica por três aspectos. Veja a seguir: 1. Transmitir uma mensagem: nesta perspectiva a retórica serve aos indivíduos para podermos formular argumentos que expressam nossas ideias de modo que os demais consigam entendê-las. 2. Persuadir os interlocutores: neste quesito a retórica praticamente não se modificou desde Platão, em seu diálogo Górgias é que se encontra esta definição. 3. Finalidade: este aspecto pode ser encontrado em Aristóteles, que com sua classificação entendia que um discurso deve ter um propósito, um fim, portanto ela serve àquilo que tivermos como fim. A retórica em nosso meio serve a diversas finalidades, mas nem sempre percebemos. Quando temos uma enfermidade e consultamos um médico, temos que convencê-lo, através de palavras e explicações, de que sofremos de uma moléstia. Caso nossa moléstia não seja aparente, então fica ainda mais difícil, pois ele precisa acreditar nos argumentos retóricos que nós propusemos para que continue a consulta e nos traga uma solução para a moléstia. Este exemplo deixa claro como a retórica e a oratória estão presentes em nosso meio sem ao menos percebermos, por isso sua finalidade vai além da produção e configuração de discursos, argumentos e debates. Se considerarmos a retórica como parte do nosso meio, perceberemos a importância do estudo e da dedicação a tal arte do bem falar, proporcionando aos interlocutores, e a nós, maior qualidade e eficácia na transmissão de ideias. A serventia da retórica se justifica por três aspectos: 1. Transmitir uma mensagem. 2. Persuadir os interlocutores. 3. Finalidade. 25 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 Se retomarmos o pensamento da retórica clássica, isto é, da Antiguidade, notaremos que quando organizamos um raciocínio, conforme aponta Aristóteles, estamos organizando também nossas próprias ideias, visto que, em geral, nós temos ideias desarticuladas, e é pelo exercício da retórica que conseguimos contrapor ideias e contribuímos para o método dialético que opõe verdades. Deste modo, retirarmos algo provisório para montarmos nosso raciocínio. Sob esta ótica, precisamos entender o que são silogismos. Aristóteles explica que silogismos retóricos e dialéticos são os que existem em nossa mente sob diferentes assuntos, contudo um silogismo organizado deve passar pelo crivo específico da razão, do contrário serão somente ideiasdesconexas. Os raciocínios silogísticos, antes de qualquer coisa, devem versar sobre algum assunto particular, distinguindo-se lugares, espécies, gêneros e formas. Para entendermos isto, precisamos saber quais são os gêneros da retórica, segundo Aristóteles. Este assunto é um dos constituintes mais importantes da arte retórica, de modo que os elementos que compõem o gênero retórico são: 1) O orador; 2) o assunto; 3) o ouvinte. Sem estes elementos não se faz a arte retórica, portanto o orador deve expor o seu discurso, precisa estar atento ao seu assunto, e os interlocutores precisam ouvir e, por conseguinte, saber distinguir as diversas finalidades de um discurso. Características da Arte de Falar Bem As características para desenvolvermos uma boa retórica e uma boa oratória podem ser resumidas em três aspectos fundamentais: 1) conteúdo do discurso; 2) forma do discurso; 3) objetivo do discurso. • No primeiro elemento, denominado conteúdo do discurso, o orador deve estar atento à formulação retórica dos argumentos. Neste sentido, o conteúdo deve abranger aquilo a que ele se propõe e expor sem dificuldades e correções ou ambiguidades. • A segunda característica é a forma do discurso, que deve deixar claro se os argumentos retóricos elencados pelo orador são narrativos, metafóricos, parábolas ou explicações científicas, como silogismos lógicos. Isto significa que antes de começarmos um discurso e expor a forma que iremos usar, pode ser falada qual é a forma ou durante a apresentação expor esta forma. • A terceira característica de uma boa formulação retórica é o objetivo de um discurso. Devemos considerar para quem falamos e o que queremos falar sobre um determinado assunto para conseguirmos transmitir a mensagem a qual nos propomos. 26 Oratória e Retórica Dito isso, seguimos a esteira dos passos iniciais da retórica inaugurada pelos sofistas na Grécia antiga para entendermos como esse discurso persuasivo pode nos ajudar no cotidiano. É no pensamento sofístico que encontramos esboço de gramática, formas de prosa, tanto ornada como erudita. Segundo esses filósofos, não há transmissão da possibilidade da verdade em um debate, isto é, completamente contrário ao ideal socrático, que sempre está em busca de uma verdade. Esses pensadores desenvolveram características que a partir do Kairós, tempo oportuno, possibilitaram entender que uma discussão sempre está tentando evitar a fuga das coisas, ela se agarra à oportunidade de uma réplica, eis que há elementos substanciais para formulação posterior da retórica aristotélica. Os sofistas constituíram o fundamento da retórica ocidental, sob a ideia da controvérsia entre as diferentes verdades contrapostas nas discussões. O mundo desses filósofos sofistas não tem realidade objetiva, muito menos verdade, para eles a única coisa viável é o discurso, ou seja, a retórica. Neste sentido, dizer que um discurso é verdadeiro ou verossímil é só um artifício retórico para calar a boca de alguém. A retórica inaugurada pelos sofistas não está abaixo do saber, seu objetivo é o poder; em outras palavras, os sofistas como pedagogos podem ser entendidos como aqueles que ensinam “a governar bem suas casas e suas cidades” (REBOUL, 2004, p. 10). Isso significa que o que importa é servir o poder. Sob esta perspectiva, podemos entender que a retórica satisfez à necessidade técnica jurídica, bem como a prova literária à filosofia e ao ensino na Grécia antiga. Isócrates, pensador grego, desenvolveu uma retórica que abrange esses aspectos mencionados. Em sua longa vida de 99 anos, Isócrates (436- 338 a.C.) libertou a retórica da sofística grega, ele contribuiu para desenvolver e ampliar as características da arte retórica. Após sofrer um processo fiscal que lhe custou a casa, tendo ele escrito sua própria defesa, resolveu publicar o texto intitulado “A troca”, foi assim que aos 80 anos de idade tornou-se um grande professor de retórica. Seu método de ensino partia da reflexão dos alunos, com os quais ele sentava e discutia as questões, corrigindo em conjunto os problemas de seus discursos e argumentos. Segundo ele, não são todas as pessoas que podem praticar a boa oratória, deve haver algumas condições para que o sujeito possa desenvolver esta arte. Para ele, é necessário aptidão natural, prática constante e ensino sistemático para que se configure um bom orador. Há uma clara discordância entre ele e os 27 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 sofistas, pois para Isócrates não se pode criar um bom orador, apenas se pode aperfeiçoar alguém com aptidão para tal arte. De acordo com Reboul, Isócrates queria um modelo de retórica “sóbria, clara, precisa, isenta de termos raros, de neologismos, de metáforas brilhantes, de ritmos marcados, mas sutilmente bela e profundamente harmoniosa” (REBOUL, 2004, p. 11). Isso implica em diferenciar-se da postura sofista que era submissa ao poder e ignorava o saber. Isócrates afirma que a retórica deve seguir uma causa honesta e nobre. Para ele, as pessoas são livres para bem usar os artifícios retóricos, mas devemos estar preocupados com a formação moral e literária dos oradores para que estes não caiam no acaso, logo estaremos ensinando um estilo de vida e um modo de governar os excessos de nossa existência. Segundo ele, o que nos distingue dos animais é a palavra, e essa característica deve ser usada para o bom desenvolvimento entre os humanos. Neste sentido, é a língua e a cultura humana que podem nos fazer renunciar às guerras. A retórica é um instrumento que se bem usado propicia ao orador uma condição de linguagem e arguição persuasiva frente aos seus interlocutores. O orador pode falar de virtudes, paixões e outros assuntos com qualidade e precisão, caso saiba estruturar o seu discurso. A razão de ser da retórica, que constitui uma das suas principais características, é justamente o fato de ela querer convencer alguém, logo, ela aborda elementos que são comuns e sobre os quais pesa mais de uma possibilidade. O orador deve saber formular silogismos, que são raciocínios lógicos, sobre as provas empíricas que ele escolher. Um bom silogismo deve conter premissas plausíveis, sendo que não pode haver confusão entre as partes descritas. Um bom orador estabelece as características mais prováveis para um acontecimento, seu raciocínio sempre considera probabilidades e não descarta sob nenhum aspecto as possibilidades que existem. Ele deve considerar todas as situações viáveis, e por eliminação e contradição, sustentar aquela que melhor se constituir como elemento fundamental e demonstrável. Para entendermos como se configurou a retórica moderna, devemos entender como se deu o processo de assimilação durante o período medieval, pois este período herdou todo o modo de argumentar da Antiguidade Clássica. De acordo com Costa (2008): Diretamente herdeira da Retórica clássica, a Retórica medieval desenvolveu seu manancial a partir basicamente de três fontes: a Retórica a Herênio, a Doutrina oratória (Institutio oratória, de Quintiliano [35-95]) e a tradição cristã (desde São Jerônimo [340-420] até Santo Agostinho [354-430]). 28 Oratória e Retórica Um dos manuais de Retórica mais estimados na Idade Média foi a Retórica a Herênio (Rethorica ad Herennium), texto então atribuído a Cícero (106-43 a.C.), mas, na verdade, de autor desconhecido. Escrito no século I antes de Cristo, em meio à crise da República romana, o tratado não deixava de destacar as técnicas para se obter a docilidade e a benevolência dos ouvintes – como é típico dos tópicos da Retórica –, mas as fundamentava no conceito de justiça e, especialmente, na diferença entre o bem e o mal, como se depreende nessa passagem: Convém que todo o discurso daqueles que sustentam um parecer tenha a utilidade como meta, de modo que o plano inteiro de seu discurso venha a contemplá-la. No debate político a utilidadedivide-se em duas partes: a segura e a honesta [...] A matéria honesta divide-se em reto e louvável. Reto é o que se faz com virtude e dever. Subdivide-se em prudência, justiça, coragem e modéstia. Prudência é a destreza que pode, com certo método, discernir o bem e o mal [...]. Esse sólido alicerce ético exposto na Retórica a Herênio tem, por sua vez, raiz em Aristóteles (384-322 a.C.). Em sua Retórica, o Estagirita sustentou as bases filosóficas da virtude, da justiça, do bem e da verdade como alicerces da verdadeira Retórica: [...] os homens têm uma inclinação natural para a verdade e a maior parte das vezes alcançam-na. E, por isso, ser capaz de discernir sobre o plausível é ser igualmente capaz de discernir sobre a verdade. [...] Mas a retórica é útil porque a verdade e a justiça são por natureza mais fortes que os seus contrários. De sorte que se os juízos se não fizerem como convém, a verdade e a justiça serão necessariamente vencidas pelos seus contrários, e isso é digno de censura (COSTA, 2008, p. 31). Essa assimilação da retórica no período medieval permitiu que ela fosse adotada para o âmbito religioso. As exegeses e sermões começaram a conter elementos da forma grega de argumentar. Depois de algum tempo já havia sistemas estruturados de interpretação dos textos que permitiam análises e explicações detalhadas das escrituras sagradas. Um bom argumento deve conter raciocínios irrefutáveis, pois, do contrário, não chegaremos a uma conclusão viável. Entre as características da retórica, gostaríamos de fazer uma pequena distinção entre a função teológica e a função filosófica da retórica. Para a filosofia, a retórica deve elucidar argumentos filosóficos e o conteúdo de seus conceitos, permitindo ao público e ao estudante desta arte uma compreensão clara e distinta acerca dos problemas da filosofia. Na filosofia, a arte da persuasão deve servir à elucidação dos grandes problemas teóricos e para exposição de argumentos para formular um debate entre diferentes ideais. Os primeiros manuais de retórica publicados por Córax e Tísias, por volta do século V a.C., formularam os elementos para tais exposições. Já Górgias (483-380 a.C.) valorizou o significado da palavra como fundadora, pois para este é a palavra que comanda um exército, faz um porto ou determina 29 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 a natureza de um Estado. Durante este período, inúmeras caracterizações diferenciaram a retórica, mas em geral todas concordam que uma boa retórica proporcionará uma possibilidade de se formar um orador. Neste sentido, distinguimos a característica da retórica de formular discursos da oratória que definimos pela arte de se expressar em público. Na teologia a retórica e a oratória assumiram características de eloquência nos sermões e nos debates teológicos. Destacamos que os principais motivos desta formulação remetem à tentativa de converter os infiéis e produzir uma interpretação bíblica. De modo resumido, podemos dizer que os modos de persuasão ajudam os indivíduos em um debate para que estes possam formular pela retórica e expor pela oratória as suas verdades. Se na Idade Média o Trivium e o Quadrivium eram as constituintes da formação humana, na Modernidade percebemos uma pulverização destas artes e uma constante divisão que gerou uma técnica distinta do conteúdo da retórica. Os significados de Trivium e Quadrivium são, respectivamente: Os três caminhos que levam ao homem a eloquência: 1) gramática; 2) retórica; 3) lógica; Quadrivium: Os quatro caminhos para a sabedoria do homem, que são: 1) aritmética; 2) música; 3) geometria; 4) astronomia. Neste sentido, se na Antiguidade e na Idade Média, retórica e oratória se articulavam e completavam-se formando uma área de saber, na Idade Moderna ocorreu o processo de tecnificação, que resultou em uma retórica específica para profissão. Embora a Retórica de Aristóteles tenha sido pouco lida, o fato é que a tradição grega contrária aos sofistas elevou a Retórica à categoria de valor. Mesmo Platão (c. 429-347 a.C.), tão avesso à Retórica em sua República ideal, fez Sócrates afirmar que ela, para deixar de ser uma adulação, deveria estar a serviço da filosofia da educação, como “arte de guiar a alma por meio de raciocínios (Fedro, 261a) para se chegar à verdade, à justiça e ao bem”. Assim, desde a filosofia de Platão, a verdadeira finalidade da Retórica não deveria ser o ato de agradar aos homens, como defendiam os sofistas, mas agradar a Deus (Fedro, 273e). 30 Oratória e Retórica Em outras palavras, a tradição clássica grega legou aos romanos a noção de que a verdadeira Retórica deveria estar a serviço da ética, e que o verdadeiro estadista e o verdadeiro retórico deveriam escolher bem suas palavras e praticar suas ações com o intuito de infundir a justiça nas almas dos cidadãos, fazendo com que neles reinassem a prudência, a moderação, e, sobretudo, desaparecesse o destempero: todas as energias do Estado e do indivíduo deveriam, portanto, dedicar-se à busca do bem, não à satisfação dos desejos. Esses pressupostos estão muito presentes em Quintiliano, afamadíssimo professor de Retórica do primeiro século de nossa era. Ao escrever sua obra-prima em 95 d.C., a Doutrina oratória, este romano- espanhol de Calahorra não teve qualquer receio em seguir a tradição de Catão (234-149 a.C.) e definir, em seu Livro XII, o orador ideal como um homem perito na arte do bem dizer, mas, sobretudo, um homem bom (“vir bonus, dicendi peritus”), particularmente por seus costumes. Todo esse manancial ético clássico que norteou a Retórica foi generosamente sorvido pela tradição cristã, especialmente através de São Jerônimo (c. 340-420) e Santo Agostinho (354-430), que a retransmitiram aos medievais (Jerônimo através de suas cartas e Agostinho em suas Confissões). Isidoro de Sevilha (560-636), por fim, fortaleceu a ponte entre os dois mundos, e dedicou um livro de suas Etimologias (Livro II) à Retórica e à Dialética. Nele, o bispo realizou uma importante compilação de excertos e circunscreveu a Retórica ao discurso forense, sem, contudo, abandonar seu cariz ético: “Retórica é a ciência do bem dizer nos assuntos civis, com a eloquência própria para persuadir o justo e o bom”. Sua obra foi muito difundida e consultada ao longo de toda a Idade Média. A partir de então, o estudo da Retórica ficou restrito ao universo monástico, ou seja, tanto educandos quanto educadores, salvo raríssimas exceções, não a colocavam em prática. Isso só ocorreria a partir do século XI, quando a Retórica passou a ser utilizada na composição de cartas e documentos, e tornou-se uma epistolografia: era o nascimento da ars dictaminis (ou dictandi). E foi dessa época a defesa acadêmica da Retórica feita por Gilberto de la Porrée e João de Salisbury contra os cornificianos (COSTA, 2008, p. 32). Essa fragmentação da retórica após o século XVII (Idade Moderna), conforme aponta Reboul (2004), Introdução à Retórica, praticamente fez desaparecer do meio acadêmico a disciplina de Retórica. Depois da metade do século XX a retórica se recuperou gradativamente, mas o processo começou pelo âmbito do marketing. Aos poucos, e de fora para dentro, o debate sobre a retórica recomeçou, e em nossos dias já temos algumas instituições de Ensino Superior que retomaram essa disciplina, contudo no ensino básico simplesmente se ignora o papel da retórica e da oratória. Retórica e Oratória em Nosso Meio Passamos agora a discutir um pouco o problema da retórica em nosso meio para entendermos que ela não é uma coisa distante e sem sentido, que foi esquecida por ser sem utilidade. Para Duran (2009, p. 9): 31 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 Três autores estiveram diretamente empenhados no estudo da retórica e da eloquência no Brasil do século XIX: Roberto de Oliveira Brandão, com seus estudos sobre os manuaisde retórica e poética brasileiros do século XIX (1972), Roberto Acízelo de Souza, com o livro O Império da Eloquência: Retórica e Poética no Brasil Oitocentista (1999), e Eduardo Vieira Martins, com a Fonte subterrânea (2005). Roberto de Oliveira Brandão selecionou os manuais e compêndios de retórica e poética, publicados ao longo do século XIX, como seus objetos de estudo. Sua preocupação foi definir qual estrutura textual se oferecia nesses livros para a literatura nacional. Em trabalhos posteriores, como no texto Os manuais de retórica brasileiros do século XIX (1988), o autor apresentou avanços acerca dessa temática, abordando a função e a permanência da retórica e da eloquência na educação nacional. Roberto Acízelo de Souza, por sua vez, estudou a retórica e a poética por meio dos planos de ensino da segunda metade do século XIX no Colégio Pedro II. Souza esforçou-se ainda por comprovar a continuidade do uso da disciplina no cotidiano do carioca letrado, tendo em vista algumas orações da época e as práticas educativas de então. Eduardo Vieira Martins delimitou seus estudos à mudança estrutural da disciplina que, em meados de 1830, deixou de ter as obras de Quintiliano ou Cicero como referência e passou a ser balizada pelas regras forjadas por Hugh Blair. A permanência da retórica e da eloquência na cultura brasileira também foi abordada nesta pesquisa, a partir das obras de Francisco Freire de Carvalho e José de Alencar. Em seus trabalhos, esses três autores referiram-se à segunda metade do século XIX, quando a disciplina já possuía certa uniformidade. Entre suas fontes se pode encontrar manuais, compêndios, planos de ensino, registros de aulas, decisões e ordens do Estado brasileiro, fontes que lhes serviram como referência para localizar a contribuição que a retórica e a eloquência forneceram à educação. Quanto à formação de um discurso brasileiro, senão de uma literatura nacional, um deles recorreu a um literato da época, José de Alencar, enquanto os demais mantiveram-se atentos à produção de uma literatura didática ou pedagógica. Excetuando a distinção de gênero, pode-se afirmar que ambas possuíam uma unidade prescritiva de caráter edificante. Neste aspecto, pensar a retórica em nossas terras é importante para sabermos como o processo de esquecimento da disciplina no meio acadêmico se manifestou, ficando à literatura o papel de preservar sua existência de modo a garantir uma continuidade da arte de falar em nosso meio. Em alguns lugares do país foram os jornais e os folhetos que preservaram esta arte de construir e defender argumentos. A longevidade da retórica e da eloquência na cultura local foi garantida por meio dos periódicos cariocas que, a partir de 1822, tornaram-se cada vez mais numerosos e empenhados em “arrogar no coração do povo aquele bem entendido e luminoso entusiasmo, aquela zelosa energia, que constituem verdadeiro mérito moral e político e acrisola decidido patriotismo” (JORNAL SCIENTÍFICO, ECONOMICO E LITERÁRIO, 1826, NÚMERO 1: MAIO, p. 81). Regrada pela retórica, a comunicação dos cariocas do primeiro quartel do século XIX modelou uma 32 Oratória e Retórica eloquência que gradativamente ganhou ares de naturalidade e forneceu todo um universo vocabular, formal e temático para a invenção de uma literatura nacional e, paralelamente, de uma identidade brasileira (DURAN, 2009, p. 9). Os jesuítas contribuíram de modo muito importante sobre a preservação e difusão da arte retórica, sobretudo no meio religioso. Seus textos exegéticos foram fundamentais para que as vertentes de retórica e oratória se espalhassem no meio literário brasileiro. Foi publicado, em 23 de dezembro de 1770, o Compêndio histórico do Estado da Universidade de Coimbra no tempo da Invasão dos denominados jesuítas, no Palácio Nossa Senhora da Ajuda, em Lisboa. O opúsculo dava notícia de aspectos do método de ensino dos jesuítas durante o século XVIII nos cursos de Teologia, Cânones, Leis e Medicina da Universidade de Coimbra, apresentando as matérias conforme a sucessão das aulas durante a semana. Prima, Terça e Véspera eram aulas permanentes que aconteciam, respectivamente, às segundas, terças e quartas-feiras, certamente muito importantes, a julgar pelo maior honorário pago aos mestres. As quintas-feiras eram livres, como na França, e os domingos, reservados para o descanso e a missa. Um dia por semana servia para que o aluno estudasse por si mesmo os temas nos quais encontrasse dificuldades, geralmente as sextas-feiras, quando se realizava a Noa. Nas Catedrilhas, Institutas ou Avicena, que se seguiam irregularmente durante a semana, realizava-se a revisão dos temas já estudados ou a leitura dos textos das próximas aulas de Prima, Terça ou Véspera. Dedicadas a rememorar os temas já discutidos, tanto a Noa quanto as Catedrilhas eram aulas de passar a matéria, e o mestre dessas disciplinas ficou conhecido como passante. O passante era, na maioria dos casos, um aluno que se destacava dos demais por seu brilhantismo e eficiência, ou, ainda, um jovem recém-formado com as mesmas qualidades. Além do passante, havia o lente, um tipo de mestre responsável pela leitura dos livros do curso realizada nas aulas de Véspera, antecedendo a explicação do mestre titular da cadeira nas aulas de Prima e Terça. A relevância dos lentes e passantes estava no estabelecimento de um exercício contínuo de memorização da matéria, pois a intenção era que os estudantes chegassem a decorar os textos de maior importância, fato que, num mundo de poucos impressos, era um traço distintivo de inteligência. Em todas as matérias o estudo era guiado por uma obra de referência, impreterivelmente em latim. A predominância do latim justificava-se porque os textos escritos ou traduzidos nessa língua eram considerados os mais importantes e aprofundados. Soma-se a isso a crença de que o estudo da obra original, das ideias tais como foram escritas pelo seu primeiro autor, tinha maior mérito, por constituírem um conhecimento puro, capaz de sustentar um saber genuíno (DURAN, 2009, p. 15). Além desse caráter de decorar um assunto, o ensinamento de um argumento possibilita aos indivíduos uma capacidade de memorização que os distingue dos demais, visto que há poucos textos escritos nessa época e a eloquência com que se elencava um argumento fazia toda a diferença quando se queria convencer alguém. 33 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 Segundo Duran (2009), para alguns pensadores do final do século XVIII não era mais possível seguir sem a disciplina de retórica em nossos bancos escolares, e propuseram uma reforma no sistema de ensino para permitir aos estudantes uma maior polidez e qualidade em suas ideias. No sistema criado por Verney, as matérias História, Geografia e Gramática deveriam ser acompanhadas da Retórica, depois disso, Grego e mais História deveriam ser as matérias dos anos subsequentes. A Retórica alinhavava esses saberes, disponibilizando diversos tipos de discurso com os quais poder-se-iam expressar opiniões acerca das matérias estudadas. [O mestre de Retórica] Logo mandará compor alguma coisa em Português, começando por assuntos breves nos três gêneros de Eloquência. Começará, primeiro, pelas cartas portuguesas, dando somente aos rapazes o argumento delas, e emendando-lhe ao depois os defeitos que pode fazer contra a sua própria língua e contra a Gramática. E por esta razão é supérfluo neste ano ler mais autores portugueses, porque esta composição é o melhor estudo que se pode fazer da língua portuguesa. Depois, passará ao estilo histórico, e tirará algum argumento da mesma História que se explica pela manhã, para que os estudantes a dilatem, escrevendo o dito caso mui circunstanciado, e variando isto segundo o arbítrio do Mestre, ou também a descrição de um lugar e de uma pessoa, ou coisa semelhante. Em terceiro, lugar, segue-se dar- lhe algumargumento declamatório, mas breve. Para facilitar isto, o melhor meio é este: Quando o mestre propõe algum argumento que se deve provar, perguntará ao rapaz que razões ele dá sobre aquele ponto. Ouça as que ele dá, e ajude-o a produzi-las, pois desta sorte acostuma-se a responder de repente e escrever com facilidade (VERNEY, 1952, p. 63). Para Verney, o exercício repetido da comunicação era propício para incrementar a agilidade e autonomia do pensamento do discípulo. Esse, agora, não era mais um escolhido entre os iniciados e sua fala não se destinava somente aos grandes, nem deveria seguir os padrões de apenas um único modelo; por isso, estudariam os discursos deliberativo, demonstrativo e judicial, e [...] quando o estudante tiver bastante notícia dos três gêneros de Eloquência, em tal caso pode empregar-se em compor Latim, e isto pelo mesmo método que o fez em Vulgar. Nesta composição latina, não terá dificuldade alguma, visto ter vencido todas na composição portuguesa; somente lhe faltarão as palavras latinas e frases particulares da língua, ao que deve acudir e suprir o Mestre, emendando-as ou sugerindo-as. Encomende também aos rapazes que leiam muito as orações de Cícero; não digo as Verrinas, que são enfadonhas e só se podem ler salteadas, mas as outras mais fáceis e breves, das quais com facilidade se passa para as outras. E esta classe é necessário que frequentem todos os que estudam Latinidade; porque, sem ela, nenhum pode entender e escrever bem Latim; e com ela pode saber muita coisa útil para todos os exercícios da vida, e, principalmente, para toda a sorte de estudos (VERNEY, 1952 apud DURAN, 2009, p. 15). O retorno da retórica aos âmbitos escolares como disciplina parece fundamental para que os indivíduos pudessem se expressar sem as amarras da linguagem embotada em elementos físicos e materiais. Com a retomada 34 Oratória e Retórica da retórica temos também o retorno de figuras de linguagem, comparações e estruturas mais rebuscadas. Platão e Aristóteles Segundo Platão, a retórica se caracteriza pela capacidade de persuasão dos interlocutores, essa capacidade nos traz a atualidade do diálogo em Górgias de Platão acerca de uma educação retórica. Embora estejamos enfeitiçados pela tecnologia, quando encontramos alguém que sabe se expressar muito bem, percebemos quão importante é saber falar e organizar as ideias. No diálogo Górgias, Calicles e Sócrates iniciam a discussão sobre alguns conceitos antigos sobre a guerra, e ao incorporarem Querefonte na discussão, Calicles propõe ouvirmos o que Górgias pensa sobre o ato de dialogar. Neste sentido, Sócrates apresenta o problema do que seria esta arte de argumentar, convidando todos ali presentes a perguntar algo e a se manifestar. Górgias se dispõe a responder todas as perguntas, gabando-se de que ninguém havia o pego desprevenido. Em determinado momento do diálogo, Sócrates inquire Górgias para que este explique de que se trata sua arte e quais as consequências desta, pois para Sócrates existe uma diferença entre oratória e diálogo, sendo a oratória instrumento dos falaciosos. Segundo Górgias, “me prezo de ser” um bom orador (PLATÃO, 1970, p. 52). Ao se considerar como tal, Górgias assume que é capaz de formar bons oradores em qualquer parte do mundo. Na sequência do diálogo, Sócrates pede para que Górgias exponha sua arte de maneira clara e concisa. Górgias concorda em expor esta oratória de que tanto se fala e compara concordando com Sócrates, com a tecelagem e a música. Ao responder a Sócrates, Górgias afirma que sua arte consiste em organizar e dispor palavras de modo a formular belos discursos e a distingue das demais artes, por exemplo, a medicina, pois a oratória não trata de todas as palavras. Segundo Górgias, seguindo Sócrates a oratória capacita as pessoas e as torna capaz de falar bem. E aparece assim a primeira contradição de Górgias, que dissera há pouco, no diálogo com Sócrates, que a oratória não tem nada a ver com a medicina, mas agora, quando Sócrates reformula a questão, Górgias concorda que a medicina reflete sobre 35 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 as doenças e, por conseguinte, usa a palavra. Ao falarmos de moléstias, segundo Sócrates, utilizamos palavras, também faz uso de palavras a ginástica que se refere ao corpo, logo concluímos que, seguindo o raciocínio socrático, todas as demais artes utilizam palavras para se expressar, e surge a principal questão até o momento: “por que não dar o nome de oratória às demais artes?” (PLATÃO, 1970, p. 54). A resposta de Górgias é que as demais artes trabalham com as mãos, enquanto a oratória é a arte da palavra, isto é, “sua atividade e operação se realizam todas por meio de palavras” (PLATÃO, 1970, p. 54). Na sequência do diálogo a discussão se encaminha para artes que usam as palavras, sendo que a oratória não abarca estas atividades. Neste sentido podemos ainda falar da geometria e da aritmética, que usam termos, palavras e sinais na escrita, mas em nenhum momento se expressam, sendo que a estas também não chamamos de oratória, logo, a oratória é a mais importante das atividades e que opera por meio de palavras. Devemos questionar agora se a oratória possui realmente este poder de persuasão defendido por Platão na obra que estamos utilizando para aplicar o debate. Para Górgias, a palavra é uma das formas que pode congregar cidadãos e colocar todos os demais que não dominam esta arte sob seus pés. É a arte retórica, do uso das palavras, que pode convencer as massas. “Com ênfase exalta Górgias a sua arte! Na apologia, Sócrates conta como saíra a interrogar os homens que passavam por sábios: políticos, poetas, artífices; cada qual por entender bem de sua especialidade se imaginava sapientíssimo nos demais domínios” (PLATÃO, 1970, p. 59). Aqui a palavra massa não tem nenhuma referência moderna. É uma referência à assembleia grega. Neste sentido, a retórica é um modo de persuasão que cria convicções nos interlocutores. Queremos saber agora em que consiste esta arte da persuasão. A persuasão, que é uma consequência da oratória, é o convencimento por meio de bons argumentos retóricos e o bom uso da oratória. No diálogo, Sócrates quer saber como distinguir um bom pintor de um pintor ruim, e mais, se a arte pode produzir uma persuasão parecida ou igual à da retórica. Antes de continuar esta reflexão sobre a persuasão, precisamos explicar que existe uma diferença entre persuasão didática e persuasão patética. A didática se refere ao convencimento do intelecto, enquanto a patética indica um convencimento mediante as emoções. Seguindo a linha de raciocínio de Sócrates no diálogo com Górgias, entendemos que outras artes também produzem o convencimento, cabe agora sabermos que tipo de convencimento a retórica produz. Para responder a isso, Górgias diz que a persuasão produzida pela oratória é aquela que se refere ao justo e ao injusto. Percebemos que a oratória referida por Górgias é aquela jurídica e que está restrita aos tribunais. Sócrates distingue dois tipos de persuasão: 1) a crença sem 36 Oratória e Retórica o saber; e 2) a ciência, logo conclui-se que o orador fala da crença e não da ciência, visto que no tribunal ele não expõe o que é justo e injusto, simplesmente quer convencer os interlocutores. Neste sentido devemos indagar, assim como Sócrates indagou Górgias: que proveito há em estudar esta arte retórica? A resposta a esta pergunta é a seguinte: quando queremos uma resposta e desejamos a cura de um paciente, procuramos um profissional médico, quando queremos falar bem, procuramos um especialista em oratória. Assim, quem aprende uma habilidade como esta, ou seja, a arte retórica, está habilitado a discutir com qualquer pessoa, pois domina os conceitos. Deste modo, cabe ao sujeito que aprendeu esta arte fazer uso dela para o bem da polis. Até agora a exposição da arte retóricae o modelo de oratória em Platão situaram o problema da qualidade e da objetividade de um discurso, de modo a permitir que o estudante entenda a retórica como uma forma de construção de argumentos e a retórica como um modo de persuasão dos interlocutores. O diálogo platônico Górgias trouxe a discussão para o patamar da escolha individual de cada indivíduo, assim, é o sujeito quem escolhe entre falar a verdade ou convencer a todo custo. Seguindo o diálogo platônico, Sócrates retoma a questão que propusera acerca da capacidade de se fazer um orador. Nesta perspectiva, Górgias concorda em retomar o problema e reconsiderar sua posição. O diálogo se inclina agora para a discussão da capacidade das demais artes de debater um tema com a mesma eloquência de um orador. Neste aspecto, Sócrates pede a Górgias que exponha mais detalhadamente o que vem a ser a oratória. Górgias concorda seguindo em tudo o que Sócrates diz a respeito do conhecimento de um orador. Concluindo este raciocínio, Sócrates e Górgias concordam que a oratória é um tipo de arte injusta. No pensamento platônico, o debate acerca da retórica e da oratória remete ao diálogo Górgias apontando na direção estética e literária. “Nascido por volta do ano 485 a.C., Górgias viveu 109 anos, sobrevivendo, pois, a Sócrates. Também siciliano e discípulo de Empédocles, em 427 a.C. foi para Atenas numa embaixada, diz-se que ali sua eloquência encantou os atenienses a tal ponto que ele teve de prometer-lhes que voltaria” (REBOUL, 2004, p. 4). Percebemos aqui como a arte retórica ganhou força a partir dos textos e argumentações neste período citado. Até então, na Grécia, literatura e poesia eram consideradas idênticas. Por sua vez, a prosa procurava organizar e transcrever a linguagem oral. 37 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 Górgias criou o discurso epidictieo, que significa um elogio público, também desenvolveu uma prosa eloquente que, com suas rimas, metáforas e perífrases, formula um modelo que captura os espectadores. Citamos um exemplo de tamanha eloquência: o Elogio de Helena, que era uma mulher perfeita, bela, esposa de Menelau, que permitiu ser capturada por Páris, lançando os gregos em uma guerra de uma década. Górgias expõe a beleza de Helena em um discurso proferido ao público na época da guerra, no texto Górgias dá as justificativas pelas quais Helena permitiu ser raptada. Dentre elas, destacamos algumas: foi um decreto dos deuses, ou foi o destino; teria ela sido levada à força? Ou convencida por belas palavras? E, ainda, o desejo a teria dominado a ponto de se juntar aos troianos? Para Górgias, Helena foi convencida pela arguição de um belo discurso, e como tal não é culpada. Górgias defende Helena como pretexto para defender a retórica. “O discurso é um tirano poderosíssimo; esse elemento de pequenez extrema e totalmente invisível alça à plenitude as obras divinas: porque a palavra pode pôr fim ao medo, disse para a tristeza estimular a alegria, aumentar a piedade (GÓRGIAS apud REBOUL, 2004, p. 5). Para Górgias, Helena é inocente, pois ela não pode ter decidido livremente juntar-se aos troianos, logo, para Górgias, a argumentação sofística de que um ato involuntário não implica em culpa. Assim, a arte retórica expressa na oratória de Górgias passou a ser chamada de sofista. Eis aí um dos momentos marcantes da retórica antiga, pois surge a figura do professor que viaja de cidade em cidade vendendo sua eloquência e sua arte de convencimento. Inaugura-se neste período um modo de educação intelectual profundo que não tem a ver com uma profissão ou religião, pois era o conhecimento pelo conhecimento; em outras palavras, Górgias deu à retórica a capacidade de falar do belo. Além do debate entre Platão e Górgias protagonizado por Sócrates e seus interlocutores, temos outros pré-socráticos que desenvolveram a retórica como a arte de argumentar. Destacamos a figura de Protágoras de Abdera (486-410 a.C.) como um destes representantes, que, além de defender o agnosticismo, formulou a famosa máxima retórica em relação à moral: “o homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são”. No que se refere aos seres sagrados ou deuses, Protágoras formulou: “quanto aos deuses, não estou em condição de saber se existem ou não existem, nem mesmo o que são” (REBOUL, 2004, p. 7). Este pensamento retórico lhe custou a pena de morte, mas como tinha medo da morte, fugiu. Quanto à oratória e à retórica, a principal preocupação de Protágoras era com os substantivos, suas formas e variações. Também desenvolveu uma nova gramática e fundou a erística, que significa a contraposição de ideias, resultando, tempos depois, na dialética. Por éris Protágoras entendeu que uma boa discussão 38 Oratória e Retórica deve conter ideias contraditórias, visto que em grego a palavra erística vem de éris, que significa controversa. Desta maneira, segundo Protágoras, qualquer argumento pode ser refutado ou sustentando, eis que esta é a condição da técnica erística, ou seja, os modos e formas para vencer um debate. A discussão e a controvérsia, mediante o uso da retórica e da oratória, é que conferem a condição de um debate. Estas características que elencamos até agora representam a propedêutica ou preparação para iniciar a discussão acerca do fundamento da retórica e da oratória. Em Aristóteles, a retórica se configura em diálogo com a dialética. Neste sentido, ela aparece com diferentes aspectos de estrutura e significado. No pensamento retórico aristotélico há uma distinção entre saber como arte e conhecimento como ciência. No desenvolvimento da retórica, desde Aristóteles até nossos dias, ocorreu uma transformação desta que passou da arte persuasiva para uma hermenêutica interpretativa. Retomamos o cuidado com o significado da retórica e da oratória em nossos tempos. Em Aristóteles, a retórica não é simplesmente persuadir ou convencer os outros, ela é também fruto da experiência de vários oradores que desenvolvem técnicas para melhorar e exercitar esta arte. A tradição grega, desde Homero, sempre se preocupou em formular bons argumentos retóricos e excelentes oradores, assim, além de agir heroicamente, as personagens gregas deviam falar bem. Inúmeros são os exemplos na história grega que relatam estes acontecimentos. Todo o processo de transformação da oratória grega passa basicamente por Platão, Isócrates e Aristóteles, chegando às legiões romanas através de Cícero, que, com seus discursos e pronunciamentos no Senado Romano, imortalizou a retórica no meio latino. De acordo com Lausberg (1960), nunca houve um sistema retórico clássico, isso implica na necessidade de estarmos atentos ao modo como cada um dos indivíduos e pensadores organizou as ideias acerca da arte retórica e da oratória. Para explicarmos de maneira resumida as definições de retórica, elencaremos algumas que facilitam o nosso entendimento, mas todas essas definições concordam em um ponto: a retórica possui fins persuasivos. a) A definição de Córax, Tisias, Górgias, Platão: segundo estes, a retórica é geradora de persuasão. b) Aristóteles: é capaz de descobrir as formas de persuasão sobre um assunto. 39 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 c) Hermágoras: é a forma de bem falar no que tange aos assuntos públicos. d) Quintiliano, retóricos estoicos, que significa a ciência de falar bem. Essas definições partem do princípio de que retórica é um corpo de conhecimento ou método para se expressar bem; assim como pensamos a retórica, devemos levar em conta os seus usos. No que tange à finalidade de um discurso, não há muita diferença entre o âmbito teórico e prático da eloquência. Queremos deixar claro que retórica e oratória são formas de comunicação que compartilham técnicas, mas se distinguem enquanto execução. À retórica cabe a elaboração e à oratóriaa apresentação de um argumento. Desta maneira, a formulação e a exposição caminham juntas. Passamos agora ao entendimento de retórica segundo Aristóteles, que escreveu em seu livro Retórica sobre os fins persuasivos desta arte, e no livro Poética defende a evocação imaginária para discursos poéticos e literários. Faz, assim, uma distinção fundamental entre o caráter retórico e o poético. Percebemos aqui uma severa crítica de Aristóteles para os seus antecessores, que mantinham unidas dimensões tão distintas. A novidade apresentada por Aristóteles é a presença do argumento lógico, logo, há uma relação entre prova, raciocínio, silogismo e argumentação persuasiva. Este método serve tanto às ciências empíricas quanto à filosofia, e, além disso, pode ser usado também para interpretar textos. Aristóteles dividiu a retórica em sete partes: 1) A distinção de duas categorias formais de persuasão: provas técnicas e não técnicas; 2) Identificação de três meios de prova [...]: a lógica do assunto, o caráter do orador e a emoção dos ouvintes; 3) A distinção de três espécies de retórica: judicial, deliberativa e epidíctica; 4) A formulação de duas categorias retóricas: entimema, prova dedutiva; o exemplo usado na argumentação indutiva [...]; 5) A concepção e o uso de várias categorias de tópicos na construção dos argumentos: tópicos de cada gênero de discurso, tópicos aplicáveis a todos os gêneros e tópicos de estratégias de argumentação; 6) concepção de normas básicas de estilo e composição, nomeadamente de clareza à compreensão de diferentes tipos de linguagem e estrutura formal e a explicação do papel da metáfora; 7) a classificação e ordenação das várias partes do discurso (ARISTÓTELES, 2005, p. 35). Queremos deixar claro que retórica e oratória são formas de comunicação que compartilham técnicas, mas se distinguem enquanto execução. À retórica cabe a elaboração e à oratória a apresentação de um argumento. Desta maneira, a formulação e a exposição caminham juntas. 40 Oratória e Retórica A classificação proposta por Aristóteles permite entendermos como se organiza um discurso para diferentes finalidades. A sistematização de regras do discurso, observando ao mesmo tempo as interações necessárias aos três elementos envolvidos: o orador, o ouvinte e o objeto do discurso, teve por finalidade dar consistência a essa técnica, inserindo-a no campo das artes. Esse era, sem dúvida, o objetivo de Aristóteles no seu tratado sobre a arte retórica e a arte poética: retirar das sombras essa parte da dialética – como o autor considerava a retórica – neutralizando, de certo modo, algumas acusações como as de Platão, sobre o alcance do discurso persuasivo (VIEIRA, 2012, p. 7). Se quisermos falar a um público ou a um grupo seleto de pessoas, devemos escolher o método apropriado e o estilo conforme a classificação aristotélica indica. Para o pensador grego, retórica e oratória se complementam, mas são distintas enquanto sua finalidade, pois a retórica serve para a boa formulação de raciocínio e a oratória possui uma finalidade literária que implica na beleza do discurso. Atividades de Estudos: 1) Leia o texto indicado a seguir e responda às questões: Artigo: Retórica e nova retórica: a tradição grega e a teoria da argumentação, de Chaim Perelman. Disponível em: <http://www.egov. ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/25334-25336-1-PB.pdf>. a) O que é retórica? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ b) Para que serve a retórica? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 41 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 c) O que é oratória? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ d) Para que serve a oratória? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ O Bem Falar e a Verdade Falar bem sempre foi visto como uma característica humana que diferencia pessoas de qualidade daquelas com outras aptidões. A retórica e a oratória ensinam o ser humano a pensar e se expressar bem, e por isso merecem a nossa atenção. Ao falar temos diferentes opções para nos expressarmos, podemos optar pelo cinismo, pelo relativismo, pela tentativa de transmitir uma verdade ou pela simples e velha atitude dogmática. A escolha que fizermos implicará em um modo de exposição dos argumentos e justificação das ideias e, consequentemente, em implicações morais. Conforme já apontamos, a retórica e a oratória não possuem, necessariamente, um compromisso com a verdade, pois são uma arte formal que para alguns se confundem e para outros se distinguem. A transmissão de uma mensagem através de argumentos ou pela exposição lógica de ideias pode levar em conta uma verdade, por exemplo, como ocorre com Platão, que tem em vista uma verdade última que se encontra no mundo perfeito que ele chama de mundo das ideias. Por outro lado, falar bem pode simplesmente ignorar toda e qualquer referência à verdade, conforme aponta Protágoras. Para este filósofo grego, a verdade é inatingível e por isso não existe nada a ser transmitido neste sentido, o que há é a formalidade do discurso e a qualidade dos argumentos expostos. A verdade e a retórica não andam juntas o tempo todo, às vezes elas se aproximam e às vezes elas se distanciam. Neste sentido, somos impelidos pela curiosidade a tentar descobrir quais os elementos que as aproximam e quais os elementos que as distanciam. No âmbito cotidiano, a retórica e a oratória estão em constante relação com a verdade, mas geralmente passam desapercebidas. Quando estamos no trabalho 42 Oratória e Retórica ou em um convívio social de lazer, somos inquiridos e formulamos respostas, nem percebemos que este exercício é o mesmo que, em pequena escala, um modo de fazer retórica e oratória. Por exemplo, você quer convencer seu chefe de que um projeto seu é bom para a empresa, você usará argumentos retóricos e a forma como os apresentar será a sua oratória. É Aristóteles quem define a retórica com mais modéstia do que Platão e os sofistas, reabilitando assim uma visão sistemática que se incorpora no mundo. Aristóteles dividiu a retórica em quatro partes, a primeira parte chamou de invenção, a segunda denominou de disposição, à terceira parte deu o nome de elocução e à quarta denominou de ação. Esta divisão permaneceu válida até nossos dias e foi acompanhada subsequentemente por autores posteriores. Passamos agora a considerar cada uma destas quatro partes: • A invenção, do grego se chama de heurésis, é o modo como o orador articula a persuasão, como o tema do discurso, aspectos, são os meios de persuasão presentes no tema que irão contribuir para a organização do discurso. • A disposição, em grego taxis, é o modo como se organizam estes argumentos, ou o plano interno do discurso. Nesta parte há uma necessidade de organização para que possamos perceber a sequência dos argumentos. • A elocução, do grego lexisé, o estilo do discurso. Posteriormente, alguns autores chamaram estas formas de expressão de um discurso de figuras de estilo. • Por fim, a ação, do grego hypocrisis, é a expressão do discurso pela voz com gestos ou mímicas. Lembramos que no período romano acresceu-se a memória. Para o indivíduo que deseja formular um bom discurso de retórica e oratória lembramosque, caso negligencie um destes elementos, sua retórica e oratória será inaudível, mal escrita ou vazia. No cotidiano chamamos isso de opiniões de senso comum, que são desarticuladas e sem sentido. Quando falamos em verdade e retórica, devemos lembrar que para Aristóteles a retórica é parecida ou ao menos comparada com a dialética. Usamos a definição de dialética expressa no coro grego que canta uma estrofe e, na sequência, ouve a antístrofe (ARISTÓTELES, 2005, p. 36). 43 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 É na contraposição de verdades que a retórica adquire sua utilidade, segundo Aristóteles. A utilidade da retórica se dá justamente por causa da sua capacidade argumentativa. Por isso, um orador deve saber contrapor os argumentos para desenvolver bem um debate, visto que temos que considerar as evidências e os meios de persuasão. Para determinar a natureza da retórica, Aristóteles afirma: [...] a retórica é a outra face da dialética, pois ambas se ocupam de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e não correspondem a nenhuma ciência em particular. De fato, todas as pessoas de alguma maneira participam de uma ou de outra, pois todas elas tentam em certa medida questionar e sustentar um argumento, defender-se ou acusar (ARISTÓTELES, 2005, p. 89). Assim, as pessoas praticam a retórica com o resultado do hábito no cotidiano, sem se dar conta do óbvio. Queremos esclarecer que aqui falamos da retórica e da oratória como um método para elaboração, estruturação e exposição de argumentos, mas algo que valorize a experiência prática do indivíduo. Segundo Aristóteles: [...] os que até hoje compuseram tratados de retórica ocuparam- se apenas de uma parte desta arte, pois só os argumentos retóricos são próprios dela e todo o resto é acessório. Eles, porém, nada dizem dos entimemas, que são afinal o corpo da prova, antes dedicam maior parte de seus tratados a questões exteriores ao assunto; porque o ataque verbal, a compaixão, a ira e outras paixões da alma semelhantes a estas não afetam o assunto, mas sim o juiz (ARISTÓTELES, 2005, p. 90). Ao expor esta dificuldade, Aristóteles chama a atenção para a necessidade de procurarmos elementos que nos ajudem a contrapor as verdades para, por intermédio da retórica, esclarecer os problemas de argumentação retórica, pois verdade e justiça são mais fortes que seus opostos. Quando afirmamos que o relativismo defendido por Protágoras coloca a verdade em segundo plano e eleva a arte retórica a um patamar superior, queremos apresentar um dos grandes dilemas de que utilizam a retórica e a oratória no seu cotidiano, a saber: devemos nos preocupar em transmitir a verdade aos interlocutores ou é mais pertinente a beleza de um discurso? Evidentemente que Aristóteles responderia que devemos utilizar a retórica em consonância com a dialética para evitarmos a postura relativista. Na prática, esta escolha metodológica implica que os indivíduos devem conhecer, além da estrutura gramatical e lógica de um argumento, a finalidade, o conteúdo e a estrutura interna deste para poder formular uma oratória condizente. 44 Oratória e Retórica Ao contrapormos o relativismo com o aristotelismo, pretendemos esclarecer que, dependendo da escolha que fizermos, o bem falar e o bem argumentar terão implicações que precisam ser conhecidas. Se optarmos pela forma em detrimento do conteúdo de um argumento, colocaremos em risco a transmissão da verdade. Por outro lado, se preferirmos e valorizarmos mais a verdade que a forma, teremos dificuldades em ser ouvidos, devido à robustez e falta de polimento de uma argumentação. É por isso que Aristóteles, ao dividir e organizar a retórica, defende um equilíbrio entre as partes, pois sem este equilíbrio estaremos em algum exagero. É sabido que no mundo contemporâneo ocorrem diversos exageros no que se refere à retórica e oratória praticadas em diferentes âmbitos da sociedade. Citamos como exemplo os políticos, que utilizam vários tipos de sofismas, argumentos falsos, para poder convencer seus eleitores e, posteriormente, uma vez eleitos, esquecer e até desmentir o que prometeram. Se pensarmos esta realidade no meio grego, especialmente no período de Aristóteles, teríamos sérias dificuldades em considerar plausível tal atitude. De acordo com Aristóteles, argumentar persuasivamente é condição necessária para que os indivíduos possam fazer bom uso da arte retórica e, por conseguinte, se evite a imoralidade. Devemos estar atentos para que ninguém argumente contra a justiça, pois se alguém o fizer, devemos estar atentos para refutar o indivíduo. São entimemas, ou seja, silogismos, que nos permitem desenvolver argumentos antepondo contrários para permitir o bom uso da retórica para Aristóteles. É neste ponto, ou seja, na contraposição de ideias, que retórica e dialética se aproximam. A retórica é útil aos indivíduos porque permite esclarecer quais são os meios de persuasão utilizados em uma disputa, logo, a retórica é a forma de descobrir o que é adequado para se persuadir em uma determinada situação. Platão também se preocupou em demasia com a necessidade de uma definição acabada do que viria a ser a retórica, e não a encontrando clara (a não ser pela sua associação com a persuasão), alimentou alguns preconceitos. Em Aristóteles, por outro lado, nota-se maior preocupação em demarcar os limites e o alcance da arte retórica na obra que leva esse mesmo nome, ao estabelecer as bases para o uso e a compreensão dessa arte. Associando a retórica a um saber prático, ou técnica, que se diferenciaria de muitas ciências e mesmo de outras artes por não se concentrar em algum objeto em si, Aristóteles 45 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 disse que a retórica seria “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão, [...] descobrir o que é próprio para persuadir. Por isso [...] ela não aplica suas regras a um gênero próprio e determinado” (ARISTÓTELES, 2005, p. 33). Para esse autor, a retórica se utilizaria de figuras de linguagem como recurso para a conquista do público (o uso das metáforas, por exemplo, foi tratado formalmente nessa obra). Apontando para todo esse conjunto de regras, explicitamente, Aristóteles demarcou os elementos principais do discurso persuasivo dividindo-os em três gêneros: o deliberativo, o demonstrativo e o judiciário, os quais teriam finalidades diferentes. Assim sendo, seriam variados os tipos de argumentos válidos para a conversação e também as reações esperadas dos ouvintes e os efeitos despertados nestes. Nessa clássica obra de Aristóteles sobre a retórica, o autor apresentou uma longa discussão destinada a demonstrar os meios de se provar uma tese, as ocasiões e os objetos que deveriam ser reunidos, a forma de apresentá-los ao público etc. (VIEIRA, 2012, p. 6). Nisto a retórica difere das demais artes, pois ela abrange todas as demais no que tange à instrução e à persuasão. Ainda merece destaque a necessidade de encontrarmos provas de persuasão próprias da retórica. Algumas estão no caráter do orador, outras no ouvinte e, por último, temos aquelas presentes nos discursos. É importante salientar que explicaremos cada uma das formas das provas de persuasão: • A persuasão pelo caráter ocorre quando o orador é digno de fé. Isso ocorre porque temos mais facilidade em acreditar em pessoas honestas do que nas demais. Esse meio é o modo mais importante de persuasão, faz com que os indivíduos ignorem os argumentos e se concentrem na probidade do sujeito. • Passamos agora para aquela vontade dos ouvintes em acreditar em um discurso proferido devido à emoção que sentem durante o mesmo. Neste aspecto, quando estamos sob efeito de emoções, temos mais facilidade em acreditar, especialmente se o orador explorar as paixões do público. • Por último, precisamos falar daqueles quese convencem pelo conteúdo do discurso, pois aquilo que está sendo dito parece verdadeiro se comparado aos fatos. Parece que a retórica é um ramo da dialética e que deságua na política, entendendo esta última como a busca pelo bem da polis. 46 Oratória e Retórica Para Aristóteles, “[...] a retórica é uma parte da dialética e a ela se assemelha, como dizemos no princípio; pois nenhuma das duas é ciência de definição de um assunto específico, mas mera faculdade de proporcionar razões para os argumentos” (ARISTÓTELES, 2005, p. 97). Segundo Aristóteles, estruturar um argumento leva em conta a retórica, porque é através dela que se constituirá uma argumentação detalhada e se fará o exame das provas. Aristóteles inaugurou um modelo de verificação de argumento que vigorou na história da filosofia até o pensamento moderno. Somente com Immanuel Kant é que se distinguiu prova de demonstração. Desde então, sabemos que prova é algo rigoroso quando estamos argumentando, enquanto que demonstração é algo mais racional e sem verificação empírica. A retórica é a ciência da construção de bons argumentos, enquanto a oratória é a exposição destes. Um argumento forte deve estar fundamentado em prova e não somente em demonstrações lógicas. Mesmo sendo difícil distinguirmos uma prova de uma demonstração, precisamos nos esforçar para que formulemos uma argumentação convincente. Costumamos dizer que em filosofia e sobretudo na retórica filosófica, um argumento deve ser curto e claro, isto é, deve ser objetivo e abranger a maior quantidade de fenômenos possíveis sem ambiguidades. No âmbito da linguagem humana, expressar tais ideias nem sempre é fácil, pois toda a nossa linguagem possui ambiguidades. A tarefa de um bom orador é proporcionar uma clareza em sua exposição e dominar os conteúdos aos quais se refere. Ele pode fazer uso de ambiguidades, mas estar ciente de como e quando pode citar tais exemplos. Assim, se em Platão convencer com bons argumentos era o objetivo da retórica, para os sofistas todo o resto acerca da verdade não importa, por isso devemos convencer a todo custo. Enquanto isso, a retórica em Aristóteles ganhou ares de disciplina organizada em vista de um bem na polis e uma classificação para uso dos acadêmicos. Já em Roma, os oradores, como Sêneca, por exemplo, se preocupavam em fazer bons discursos porque acreditavam que a palavra poderia transformar a realidade em que viviam. No processo de assimilação da retórica pela cristandade notamos que Agostinho, e posteriormente Tomás de Aquino, desenvolveram a exegese e a interpretação dos textos sagrados seguindo as orientações das propostas da retórica platônica e aristotélica, respectivamente. Após desenvolver e assumir um estatuto de disciplina dentro da cristandade, a retórica e a oratória passaram por um período de dificuldades no início da Modernidade e ganharam ares profissionais, ficando em segundo plano. A tarefa de um bom orador é proporcionar uma clareza em sua exposição e dominar os conteúdos aos quais se refere. 47 Introdução ao Estudo da Retórica e Oratória Capítulo 1 Observamos que para iniciarmos um estudo aprofundado da arte retórica precisamos retomar as propostas da Antiguidade, visto que no século XX a retórica quase desapareceu do âmbito do debate acadêmico. Por isso destacamos aqui quatro pontos importantes para o estudo e a pesquisa em retórica e oratória, para conseguirmos refletir de maneira adequada sobre este assunto: • Primeiro: entre os filósofos pré-socráticos e os sofistas, a retórica e a oratória assumiram um caráter de ensinamento de qualquer um que quisesse aprendê- las, sem distinção, exceto pela possibilidade de pagar pelas aulas. • Segundo: para Platão e Aristóteles a retórica e a oratória possuem características que devem ajudar o ser humano a encontrar o bem e a boa prática da justiça. • Terceiro: a retórica e a oratória medieval possuem particularidades que não podem ser resumidas pelo estudo do Trivium e do Quadrivium, logo, os autores deste período utilizaram de modo genuíno os elementos propostos por Platão e Aristóteles para fazer suas reflexões religiosas, bem como para estruturar suas doutrinas. • Quarto: a retórica e a oratória passaram por períodos de esquecimento na Modernidade até o início do século XX, sendo reincorporadas de modo incipiente por causa da influência do marketing nos E.U.A. após os anos de 1950. Pretendemos deixar claro que estes quatro pontos configuram um apontamento didático para o estudante de Oratória e Retórica construir o seu mapa de estudo sem se perder pelo caminho da diversidade de correntes retóricas que encontramos no mundo contemporâneo. Algumas Considerações Este capítulo abordou a história da retórica e da oratória para distinguir algumas características. Deste modo, argumentar bem não significa enganar o interlocutor, é, antes de tudo, saber escolher a estratégia adequada, como nos ensinam Platão, Sócrates, Aristóteles e os outros autores referidos no texto. Por isso cabe a você, estudante de Oratória e Retórica, escolher quais os caminhos seguir para transmitir uma mensagem de qualidade mediante as ferramentas disponíveis. 48 Oratória e Retórica Referências ARISTÓTELES. Arte Poética e Arte Retórica. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. COSTA, R. A Educação na Idade Média: a Retórica Nova (1301) de Ramon Llull. Notandum ESDC. Porto. 2008. DURAN, M. R. da C. Retórica e eloquência no Rio de Janeiro: 1759-1834. Franca: UNESP, 2009. LAUSBERG, H. Handbuch der literarischen Rhetorik München. Max Hüber. 1960. MOSCA, L. L. S. Retóricas de Ontem e de Hoje. Velhas e novas retóricas: convergências e desdobramentos. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP, 2001. PLATÃO. Górgias ou a Retórica. São Paulo: Difel, 1970. PLATÃO. Fedro. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2005. REBOUL, O. Introdução à Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2004. VIEIRA, J. G. S. A retórica como a arte da persuasão pelo discurso. Curitiba, 2012. WESTON, A. A arte de argumentar. Lisboa: Gradiva, 1996. CAPÍTULO 2 A Retórica e a Oratória A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Apresentar as formas de se expressar. � Conhecer os modos de formulação de um argumento, estrutura e modelo. � Aprender maneiras de utilizar bem os argumentos. � Averiguar as diferentes formas de convencimento e construção de discursos. 50 Oratória e Retórica 51 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 Contextualização Neste capítulo destacamos a formulação e exposição de um argumento. Partimos da noção e conceituação grega, pois retórica e oratória não nasceram na modernidade, e nos colocamos no caminho dos grandes sábios e pensadores que refletiram sobre o problema. Convidamos o estudante desta disciplina a seguir este caminho maravilhoso conosco para que possamos realizar as descobertas que tanto almejamos. O Que é Argumentar Bem? A retórica e a oratória entendidas como a arte de construir bons argumentos e a arte de expor bem estes argumentos é a temática deste capítulo, que quer esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas. Queremos expor neste capítulo de modo mais detalhado cada parte da construção e exposição de um bom argumento. Um bom orador deve conhecer a estrutura e a formação dos modos de falar, para tanto deve conhecer um pouco a formação histórica da retórica no Ocidente. Diferentemente do que muitos podem pensar, a retórica e a oratória não são jovens e não começaram ontem, há um longo caminho para chegarmos às formas atuais de exposição e construção de argumentos. Consideremos a possibilidade de construir uma retórica de boa qualidade para podermos expor as ideias que temos vontade de compartilhar. O conhecimento da retórica e do modo de pensamento dos antigos nos inspira e evita que sejamos ignorantes sobre estetema de extrema importância. A retórica e a oratória entendidas como a arte de construir bons argumentos e a arte de expor bem estes argumentos é a temática deste capítulo, que quer esclarecer ao estudante sobre as particularidades de ambas. Queremos expor neste capítulo de modo mais detalhado cada parte da construção e exposição de um bom argumento. A FORMAÇÃO EDUCACIONAL DO ORADOR E A RETÓRICA COMO SEU INSTRUMENTO DE AÇÃO NO PRINCIPADO [...] a retórica só apareceu em Roma, em sua forma latina, por volta do século I a.C. A primeira escola de retóricos latinos foi aberta em 93 a.C. por L. Plócio Galo, um cliente de Caio Mário, sendo fechada no ano seguinte pelos cônsules Cneu Domício Ahenobarbo e Lúcio Licínio Crasso, por ser considerada uma transgressão aos costumes ancestrais. Essa primeira iniciativa, relevando as hostilidades políticas contra a sua intenção, foi a primeira a propor um 52 Oratória e Retórica tipo “moderno” de retórica, oposto em certo grau à retórica clássica das escolas gregas. Apesar de influenciada por fundamentos da retórica grega, a obra Retórica dedicada a Herênio, composta por um aluno desta escola, reage contra a acumulação de regras e defende um ensino aproximado da prática e da vida. Questões da política contemporânea passam a ser incluídas. Essa medida repressora fez com que o ensino da eloquência só se elevasse novamente com Cícero, em finais do século I a.C., momento no qual optimates e populares discutem no Senado. Deixando por um momento as condições do ensino da retórica em Roma, iremos falar do desenvolvimento da gramática antiga e de sua evolução. Se existe já na Antiguidade uma reflexão sobre a relação entre as palavras e as coisas, desse interesse vemos que os primeiros estudiosos da linguagem, como Platão em Crátilo, tentaram realizar, mediante uma análise das correlações possíveis entre forma e sentido das palavras, o encontro de uma forma supostamente “verdadeira”, o acerto entre o nome e a coisa representada. Já por volta do século II a.C, uma nova questão entrará em pauta associada às perspectivas do primeiro debate. Passou-se a discutir se havia ou não uma regularidade que regia tanto o funcionamento quanto as mudanças de significados das palavras ao longo do tempo. O embate passa a discorrer em torno da regularidade e da irregularidade, na analogia e anomalia. Os analogistas procuravam a regularidade em paradigmas formais, significando que palavras de uma mesma categoria gramatical tinham idênticas terminações e semelhante estrutura prosódica, podendo ser autocomparáveis, enquanto os anomalistas procuravam valorizar tudo aquilo que fosse “natural”. A língua para estes, devido as suas raízes, deveria ser encarada tal qual era apresentada, mesmo que parecesse irracional. A clássica definição de gramática remonta a Dionísio Trácio. Representante da escola alexandrina, este definiria a disciplina como o conhecimento prático do uso linguístico comum a poetas e prosadores. A arte de escrever bem se tornaria mais tarde também a arte de falar corretamente. À gramática caberia determinar quais os usos que seriam corretos e legítimos, enquanto à retórica caberia a atualização, num discurso, de determinados usos com vistas a torná- lo eficiente e persuasivo. 53 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 Retornando ao panorama latino, sem deixar de dar prosseguimento ao desenvolvimento da gramática, Varão de Reate propõe o respeito ao latim padrão em detrimento do latim vulgar, falado pelo populus na República e no Principado. Em sua obra, de língua latina, ele propõe a divisão da gramática em morfologia, sintaxe e etimologia, que não chegaram a ser aplicadas. Com Prisciano e Donato, aplica-se um aprofundamento da sintaxe, que em definição seria “[...] assim como a palavra é a unidade mínima da estrutura da frase, esta é a expressão de um pensamento completo (dictio est pars minima orationas constructae, oratio est ordinatio dictionum congrua, sententiam perfectam demonstratus)”. Dentro do quadro da educação aplicada ao cidadão romano, como foi dito um pouco acima, no ensino superior, trata-se em primeiro lugar do ensino da retórica. Sabendo que a possibilidade de ingresso nesta etapa do ensino era restrita a uma parcela muito reduzida da sociedade romana, vemos que o ensino da arte oratória é confiado a um mestre especializado, o rhetor. Numa hierarquia de valores, o rhetor ocupa um posto mais elevado em relação aos seus colegas, o magister ludi e o grammatici, responsáveis pelo ensino primário e secundário, respectivamente. Ensinando à sombra dos pórticos dos foros, tinha a sua disposição salas arranjadas como pequenos teatros, abertas ao fundo dos pórticos. O ensino do rhetorlatinus tinha como objetivo o domínio da arte oratória, a princípio assegurada na técnica tradicional, o sistema complexo das regras, procedimentos e normas estabelecidos pela escola grega: ensino formal de comunicar as regras e habituar o aluno a se utilizar delas. Para Marrou, não há retórica propriamente latina: esta arte teria sido inventada, elaborada e aperfeiçoada pelos gregos. O trabalho dos rhetores latini consistia em apenas transmitir o vocabulário dos gregos, transcrevendo pacientemente cada palavra para seu sinônimo em latim. A retórica latina permanece, durante todo o Império, em contato muito estreito com a retórica grega. Se os romanos demoraram a se interessar pela teoria da arte do falar, jamais desconheceram a força poderosa e sedutora da palavra, pois oradores são conhecidos desde os primórdios da história de Roma. Embora os contatos com o mundo grego tenham existido desde períodos sem relatos, as relações entre as duas civilizações começaram a ganhar força a partir do século III a.C. O domínio político de Roma sobre a Grécia e o Oriente abriu as portas para o surgimento de uma cultura híbrida, helenizada e de bilinguismo, 54 Oratória e Retórica fazendo aportar entre a aristocracia os pensamentos e ideias da Grécia, e depois do helenismo. Uma clara verificação disso foi o surgimento do ideal romano e do culto da humanitas, através de homens cultos da aristocracia, que assimilaram certos aspectos da cultura grega e ajudaram a montar as bases de uma estrutura original entre as duas culturas. O Círculo dos Cipiões, cujos conhecimentos marcados por uma linha de pensamento baseado em preceitos do estoicismo, forneceu base teórica grega ao ideal da virtus romana. Efetivamente, humanitas deriva de humanus, que por sua vez relaciona-se a homo (o homem) e humus (a terra): existe a probabilidade da noção de um “ser terreno”, ligado a modos de comportamento que lhe são próprios, incluindo o comportamento e a natureza dos homens. Certos exemplos de Cícero indicam também outras variantes complementares deste termo: Quem poderá chamar corretamente homem o que se nega a ter com os seus concidadãos, como todo o gênero humano, qualquer comunidade jurídica, solidariedade humana (humanitas societas)? A essas obras de arte, não as compreendia o famoso Cipião, homem tão instruído e culto (humanissimus). E tu, que não tens saber, nem humanitas, nem talento, nem letras, é que as compreende e avalias! Nestes extratos, vemos que Cícero emprega humanitas como termo de acumulação de civilidade, doutrina, saber; humanitas é aquilo que torna o homem profundamente homem, e se perpetua mesmo com a expiração do ser. Humanitas torna o homem digno, fazendo-o humanus e politus, ajustando este conceito as suas gravitas, auctoritas e dignitas, atitudes de caráter romano. Ferrenho opositor a essa assimilação foi, dentre muitos, Marco Pórcio Catão, cuja facção senatorial tentou impedir a invasão maciça da cultura e costumes gregos, que somada às mudanças políticas inevitáveis da expansão imperialista, poderia corroer as bases ético- políticas do Estado romano, e de seu regime autocrático. A influênciade Catão no século II a.C foi a última defesa da sobrevivência da retórica nos moldes clássicos, que eram caracterizados por uma linguagem agressiva, robusta, direta, desprovida de ornamentos; o tom grave e distinto que aparentava a simplicidade direta e firme da linguagem arcaica. 55 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 De Catão podemos extrair a máxima que define o caráter do orador nos moldes da retórica clássica: “Vir bônus peritus dicendi”. O homem nobre, hábil no falar. E também diz respeito a uma visão pragmática, e de certa forma, desintelectualizada do discurso, uma genuína retórica romana. Na passagem do século II para o século I a.C, dois oradores são lembrados: Marco Antônio e Lúcio Licínio Crasso. Dois optimates, que divergiam quanto à maneira de abordar a importância da matéria do discurso, ou da técnica de elocução: a persuasão. Fonte: Campos (2008, p. 4-6). Por isso, conhecer estas divergências expostas no texto entre retórica e oratória permite ao estudante da disciplina pensar de modo a se organizar e entender que ele não é o primeiro a se deparar com o problema de montar e expor um discurso. Isso lhe ajuda a pensar e organizar melhor suas ideias e argumentos. Conforme aponta Campos (2008), em seu artigo acadêmico, a retórica romana assumiu muitos elementos da retórica grega na questão da estrutura e, ao mesmo tempo, assumiu características novas devido ao meio romano na qual estava imersa. Embora saibamos que a essência da retórica e da oratória não se altera com o passar do tempo, é importante entendermos que a forma está sempre em desenvolvimento. Este modo de exposição das nossas ideias constitui a vida da oratória, ela se adapta e se molda de acordo com o meio em que está sendo produzida. Este processo de desenvolvimento da retórica, mesmo em Roma (sec. I a.C., sec. I d.C.), não foi tranquilo e sem problemas. Segundo Silveira (2012), existiram muitas crises e dificuldades na formação da oratória e da retórica romanas. O crescimento da cidade de Roma, sua organização e suas conquistas, que fizeram desta uma das cidades mais importantes da antiguidade, não foi algo que se deu da noite para o dia. Seu crescimento, enquanto Império, deu-se principalmente pela organização de seu comércio, suas instituições, seu exército e, sobretudo, pelo corpo social forte e unido, chamado Nobilitas (ALFOLDY, 1975, p. 59). Lembrando que a formação do Império Romano foi um longo processo, podemos, no entanto, destacar três fases que fizeram parte deste imperialismo. Na primeira fase, conhecida como “Guerra de Defesa”, Roma não promove ataques, mas se defende daqueles que, atraídos pelo seu crescimento, resolvem atacá-la. É importante destacarmos que, ao se defender dos ataques e invasões, Roma anexa as cidades vencidas: a região da “Salina”, a mais próxima, foi a primeira região conquistada. Mais tarde, em 273 a.C., teremos 56 Oratória e Retórica a conquista das cidades da Magna-Grécia; estas cidades se encontravam enfraquecidas devido a conflitos internos. Após ter conquistado toda a península itálica, Roma dá início à conquista do Império Cartaginês, o qual possuía a hegemonia da região da Sicília. Esta fase é conhecida como Guerra de expansão hegemônica ou “Guerras Púnicas”: esta culminará com a destruição da cidade de Cartago, no norte da África. Quanto à terceira fase, esta tem início em 133 a.C., quando, financiado por aristocratas e comerciantes que formavam a sociedade dos republicanos, Roma inicia a chamada “Guerra de Expansão Econômica”, passando, assim, de Cidade- Estado a Cosmo-Pólis, dominando todo o mundo conhecido. É importante destacarmos que o Senado Romano se encontrava fortalecido, devido ao seu poder que foi aumentado, bem como seu aparelho militar, o qual se encontrava mais organizado e poderoso, contando com generais de renome, vistos muitas vezes como deuses. Com a entrada em Roma de grande quantidade de tributos, derivado de suas conquistas, esta conhece um período de inflações: seu custo de vida é aumentado, o que irá gerar mudanças nas formas de produção (SILVEIRA, 2012, p. 2-3). Estes caminhos antigos da retórica e da oratória nos permitem entender como podemos convencer alguém sobre as mensagens que queremos passar em uma época como a atual. A dinâmica das relações de trabalho no mundo contemporâneo se modifica rapidamente, mas os elementos substanciais dos oradores antigos são os mesmos até hoje. A moral de orador, a sua eloquência, a credibilidade etc., nada disso pode ser dispensado em um mundo como o nosso. E você, estudante de oratória e retórica, precisa destes compromissos para poder falar e escrever bem. Se observarmos pessoas que se dedicam especificamente a essa arte de falar bem, percebemos que elas destacam algumas características que devem estar presentes nas pessoas que querem seguir estes passos. Assim, saiba que você só conseguirá convencer ou persuadir se transmitir credibilidade em sua maneira de falar. Fica evidente que a credibilidade é um dos fatores fundamentais para o sucesso da comunicação. Por isso, é importante saber quais os requisitos para conquistar a confiança das pessoas, construir sua reputação como orador que inspire respeito, credibilidade e fazer com que a mensagem seja aceita sem resistências. Para que você conquiste credibilidade, falando dentro ou fora dos parlatórios, precisará de pelo menos seis requisitos fundamentais: Naturalidade: a mais importante qualidade da oratória. Não existe técnica em comunicação – por mais elaborada que seja – mais relevante que a naturalidade. Você precisa ser um orador natural e espontâneo. Agora, veja: ser natural, no entanto, não significa, por exemplo, levar para o auditório os erros e as negligências da comunicação deficiente, como a pronúncia incorreta das palavras. Emoção e envolvimento: além da naturalidade, você precisa falar com disposição, com energia, com envolvimento, com emoção. 57 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 Como convencerá o público se nem mesmo você mostrar interesse no que diz? Revele sua emoção no entusiasmo com que abraça o seu discurso. Gerry Spence, advogado americano, que em mais de 40 anos nunca perdeu uma única causa criminal, diz em sua obra Como argumentar e vencer sempre (1995) o seguinte: “Concentradas em seus sentimentos, as pessoas que estão dizendo a verdade falam com o coração, que é incapaz de compor precisamente o raciocínio linear de um cérebro laborioso. E ao ouvir o que é expresso pelo coração, o ouvinte também é levado a ouvir com o coração”. Imagem bem construída: na política pode haver a possibilidade de uma gama de marqueteiros trabalhando para a construção da imagem do político perante a sociedade. O orador, por sua vez, deve estar ciente de que, independentemente de marqueteiros, ele tem que gerenciar seu próprio marketing pessoal, construindo e preservando a boa imagem, ancorada na honestidade, na justiça, no respeito, na honra, na ética, bem como em todos os bons valores sociais e individuais. Conhecimento e autoridade sobre o assunto: a sua credibilidade como orador está intimamente relacionada ao conhecimento que você demonstra ter sobre o assunto pela forma como se expressa. Empenhe-se para ter muito mais informações do que aquelas que você necessitará em sua exposição. Leia, estude, pesquise, se possível, entreviste outras pessoas mais experientes que já tratam do tema de sua exposição. Prepare- se com antecedência e durante o maior tempo possível sobre a ideia que irá defender em seu discurso. Prepare-se da melhor maneira que puder para fazer a apresentação. Ensaie todos os detalhes, teste os equipamentos que pretende utilizar, enfim, não deixe nada ao acaso. Confiança: a confiança em si mesmo instala-se quando superamos a barreira do medo. De acordo com Lena Souza (2011), “a fisiologia do medo é caracterizada por uma descarga de adrenalinaque pode fazer as pernas tremerem, as mãos suarem, o coração bater mais forte etc.”. E diz ainda que: “ninguém perde o medo e, sim, o vence. E o medo é como o sal, na dose certa, ele nos é muito importante, inclusive essa adrenalina do medo pode ser convertida em favor do orador” (SILVA, 2012, p. 8-9). Estas indicações não são prontas a você, estudante de oratória e retórica, na verdade são indicações para que você possa trabalhar suas dificuldades e vencer seus problemas como as pessoas capazes de se expressar bem também são. Lembre-se: ninguém nasceu com todos os conhecimentos, se você quiser melhorar, deve seguir a trilha daqueles que conseguiram superar suas dificuldades. Antes de entrarmos na definição de retórica e oratória, queremos esclarecer uma questão fundamental ao estudante. Na academia não podemos simplesmente emitir opiniões, pois conforme ensina Platão, a doxa, opinião, não é o conhecimento, ela é o ponto de partida de uma tentativa de conhecer. Portanto, doxa, opinião, não é conhecimento, episteme. Conhecimento é o resultado de uma reflexão racional, que em filosofia sempre pode ser repensado, de forma minuciosa e profunda (Platão). O conhecimento é algo minimamente seguro para 58 Oratória e Retórica se dizer que temos um conceito. Sem um conceito não podemos fazer academia. Deste modo, propomos a você, estudante de oratória e retórica, um pequeno exercício que pode contribuir no entendimento deste problema. Atividade de Estudos: 1) Leia o texto disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa- americo-persuasao-0.pdf>, página 77 a 79, e identifique, de acordo com o texto, quando opinião é diferente de conhecimento, e explique o que você entendeu sobre este problema. Como se entende o papel da retórica? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Agora que você já sabe que o conhecimento acadêmico não é uma mera opinião de qualquer pessoa, passamos ao entendimento da arte retórica e da oratória como formas de compreensão da expressão do intelecto humano de maneira mais clara e distinta. Neste sentido, um estudo aprofundado sobre a retórica é importante para desenvolver uma maneira de argumentação e construção de argumentos. De acordo com Platão, a retórica serve basicamente para o convencimento e para a persuasão dos interlocutores. Para sofistas como Isócrates e Protágoras, a retórica serve para produzir uma boa reflexão, um modo de defender uma hipótese sem se preocupar com a verdade. No caso de Aristóteles, a retórica serve para uma forma mais prática e se aproxima da dialética, oposição de conceitos, para produzir um debate. Ao pensarmos a retórica como sendo uma atividade pela qual o ser humano tenta, através de seu discurso, levar o ouvinte a crer nas ideias ali defendidas, nos deparamos com uma prática tão antiga quanto difícil de estabelecer o seu início na humanidade. A retórica não é um privilégio reservado aos povos antigos e, nos dias de hoje, ela continua envidada na política, nas campanhas publicitárias, em mensagens midiáticas, no comércio e em tantas outras relações que nos circundam. É nesse sentido que Halliday (1990, p. 26), professora de 59 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 Comunicação Pública que realizou pesquisas sobre a retórica, afirma que todos nós agimos retoricamente, partindo do princípio de que isso significa “[...] usar a linguagem como um meio de fazer as pessoas entenderem o que desejamos que elas entendam”. Essa autora também tem em vista que cada indivíduo pode fazer uso da persuasão para convencer a si próprio sobre alguma ideia, haja vista que “a consciência é o primeiro público”, e cita o eufemismo como um dos alicerces importantes e sutis nessa arte. Embora a prática persuasiva tenha historicamente existido em culturas diversas, o estudo dessa arte recebeu significativa atenção de antigos filósofos gregos, entre os quais destacamos Aristóteles (384 – 322 a.C.), pensador que escreveu a obra Retórica, sendo esta aqui demarcada como o foco principal deste trabalho. Aristóteles viveu em uma época de fortes transformações e agitações sociais na antiga Grécia. O ceticismo se expandia, com cada indivíduo querendo viver para os seus próprios negócios e, principalmente em Atenas, uma cidade que servira como referência intelectual e política, havia uma carência do espírito coletivo, assim como de orientações que conquistassem a confiança dos cidadãos para guiá-los no campo discursivo da verossimilhança. Diante de uma sociedade ameaçada por posturas egoístas e confusas, e do risco da desarticulação extrema das inter-relações sociais, o filósofo de Estagira percebeu a importância de ordenar a construção dos discursos a serem proferidos em ambientes diversos (jurídicos, fúnebres, deliberativos etc.). A arte retórica ganha, com Aristóteles, o sentido de faculdade de descobrir em todo assunto o que é capaz de gerar a persuasão; o exame acurado das formas que compõem o discurso (ou rethón), levando em conta cada situação social; de acordo com o momento, o ambiente, a cultura e as pessoas envolvidas. Diante dessa concepção aristotélica, a presente investigação procura responder ao seguinte questionamento: é possível identificar conexões entre a Retórica de Aristóteles e o que este filósofo idealiza para o exercício das inter-relações sociais na pólis grega? Adiantamos, nesse momento, que concebemos uma resposta positiva para esta primeira pergunta (LIMA, 2011, p. 14-15). Logo, definimos, de acordo com Reboul (2004), a retórica como a arte de construir bem um argumento e a oratória como a arte de expor com qualidade e técnica este argumento. Isso significa que a construção da arte retórica envolve tanto o convencimento por intermédio do texto escrito quanto pelo convencimento oral. Por ter estas diferentes dimensões é que se costuma separar retórica de oratória. Retórica escrita e elaborada metodicamente e oratória oral com uma conotação mais apaixonada. O termo arte, techné em grego, é visto por Reboul (2004, p. XVI) como detentor de uma ambiguidade, sendo “até duplamente ambíguo”. O autor ressalta que o termo faz referência tanto a uma habilidade espontânea quanto ao que é adquirido por meio do ensino. Ora traduz o sentido de uma simples técnica, ora, ao contrário, “[...] o que na criação ultrapassa a técnica e pertence 60 Oratória e Retórica somente ao ‘gênio’ do criador. Em qual ou em quais desses sentidos se está pensando quando se diz que a retórica é uma arte? Em todos”. Cabe aqui perguntarmos: qual é o sentido de techné concebido por Aristóteles? Para este filósofo, a techné é um saber fazer bem feito o que se faz, seja na construção de um artefato ou de um discurso; um fazer com arte cujo sentido é o de produzir tecnicamente bem, com habilidade, o que o indivíduo se propõe a produzir. Isto fica claro na Ética a Nicômaco (ARISTÓTELES, VI, 5, 1140b), assim como o caráter imitativo da arte frente à natureza. Porém, tal imitação não significa copiar, pois na visão aristotélica a imitação artística metamorfoseia reproduzindo, como nos lembra Stirn (1999, p. 65) em sua obra Compreender Aristóteles. Sendo assim, o artista não está limitado a copiar mecanicamente o que vê, havendo uma abertura para a transformação e a criatividade. Isso também ocorre na proposta aristotélica de Retórica. Ao defini-la como “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”, Aristóteles (Ret., I, II, 1) não exclui o caráter de a retórica ser uma arte, mesmo estando presente a palavra faculdade em vez de arte. Pois, logo em seguida, ele acrescenta: “Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm, sobre oobjeto que lhes é próprio, a possibilidade de instruir e de persuadir”. Com isso, deixa implícito que a retórica também é uma arte entre as demais por ele observadas. Na Retórica, embora o retor conte com uma estrutura discursiva geral pré-organizada, não é raro ele se deparar com aspectos imprevisíveis da vida prática e do mundo das opiniões. Frente a estes, o Estagirita situa a arte retórica também como uma sabedoria do lidar com as surpresas (discursivas e sociais), e de possivelmente transformar (ou manter) situações práticas a partir do discurso persuasivo. É aqui que a ideia aristotélica de thechné nos permite uma aproximação do sentido de “’gênio’ criador” citado por Reboul. A arte retórica requer (do retor) conhecimento e criatividade, pois não basta copiar e decorar fórmulas quando a vida prática tem sua margem de mistério e de imprevisibilidade; fatores estes que exigem mais do que a mera cópia de um modelo de discurso. Afinal, pela retórica aristotélica, aquele que discursa busca persuadir o ouvinte, e não necessariamente copiar para persuadir (LIMA, 2011, p. 24-25). Neste sentido, o modo de construção de uma argumentação está diretamente relacionado ao modelo de expressão de cada indivíduo que se propõe a um discurso público. Não basta, como afirma Lima (2011), copiar fórmulas para construir discursos, é preciso construir um modo de escrever e falar. Ao citar Reboul, Lima (2011) esclarece que para explicar a questão da persuasão precisamos dois cenários: Reboul (2004, p. XV), ao procurar esclarecer o sentido de persuasão, utiliza dois exemplos, são eles: “1) Pedro persuadiu- me de que sua causa era justa. 2) Pedro persuadiu-me a defender sua causa”. Vejamos a distinção feita pelo autor (id., ibid., p. XV) a fim de identificar em qual dos dois encontra-se a persuasão: [...] em (1) Pedro conseguiu levar-me a acreditar em alguma coisa, enquanto em (2) ele conseguiu levar-me a fazer alguma coisa, não se sabendo se acredito nela ou não. A nosso ver, a persuasão retórica consiste em (1), sem redundar 61 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 necessariamente no levar a fazer (2). Diferentemente de Reboul, Perelmam (2004, p. 58), filósofo do direito cujos estudos de retórica recebem fortes influências aristotélicas, destaca a ação (o fazer) como sendo essencial à persuasão: Para quem se preocupa sobretudo com o resultado, persuadir é mais do que convencer: a persuasão acrescentaria à convicção a força necessária que é a única que conduzirá à ação. Abramos a enciclopédia espanhola. Dir-nos-ão que convencer é apenas a primeira fase – o essencial é persuadir, ou seja, abalar a alma para que o ouvinte aja em conformidade com a convicção que lhe foi comunicada. Por outro lado, Reboul (2004, p. XIV) critica aqueles que distinguem rigorosamente “persuadir” de “convencer”, afirmando que tal distinção se fundamenta numa filosofia – ou mesmo ideologia – exageradamente dualista, “[...] visto que opõe no homem o ser de crença e sentimento ao ser de inteligência e razão, e postula ademais que o segundo pode afirmar-se sem o primeiro, ou mesmo contra o primeiro”. Entretanto, vale observar que Perelman não joga o ser de razão contra o ser de sentimento, e nem postula que o segundo possa afirmar-se sem o primeiro, ele apenas põe o primeiro como uma fase de apoio ao desenvolvimento do segundo. Por tal característica (entre outras), as ideias de Perelman estão em afinidade com a Retórica aristotélica, como já percebera Guimarães (2004, p. 145), em seu artigo Figuras de Retórica e Argumentação: “Assim, modernamente, a obra de C. Perelman, autor belga, diligencia reabilitar uma teoria da argumentação que reencontre a tradição aristotélica” (LIMA, 2011, p. 30-31). Para entendermos essa dinâmica de formação de um modo próprio de expressão de nossas ideias através de argumentos, propomos um exercício de entendimento do desenvolvimento da retórica antiga. Sabemos que para convencermos alguém temos que usar de eloquência, precisamos ser convincentes. Entre os gregos, a retórica e a oratória ganharam força quando se desenvolveram técnicas de argumentação e estruturação de discursos. Atividade de Estudos: 1) Sabemos que a retórica surge entre os gregos antigos. Leia o texto disponível em <http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-americo- persuasao-0.pdf>, páginas 5 a 8, e explique o que você entende dessa leitura proposta. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 62 Oratória e Retórica Ora, o modo de eloquência se relacionava diretamente com a honestidade, com o compromisso com a verdadeira filosofia. Evidentemente que na história posterior da filosofia se desenvolveram ideias totalmente nominalistas que enfatizam a forma e não o conteúdo do discurso. Nos regimes democráticos o nominalismo assumiu papel central para sustentar a democracia moderna, pois sem a retórica sofística a democracia não se sustentaria. É a rejeição da verdade na antiguidade que transformou a retórica em modo sagaz de convencimento. Neste sentido, podemos falar em um triunfo dos sofistas em relação a Platão, uma vez que para o autor dos Diálogos platônicos a retórica e a verdade se mantinham unidas. Essa separação entre retórica e verdade resultou na modernidade no aparecimento de outra divisão fundamental. É Maquiavel que constatou que política e ética não pertenciam mais ao mesmo espectro. Deste modo, a retórica no Ocidente se desenvolveu de modo a permitir uma arte da persuasão sem compromisso com a verdade. A boa argumentação se apoia em três aspectos fundamentais, de acordo com Platão. Primeiro é preciso articular bem a verdade com o discurso que se profere. Observamos isso no diálogo Górgias, de Platão, que estabelece as bases do pensar e falar bem na filosofia ocidental. Segundo, devemos estar atentos à forma do discurso. Se for uma forma de explanação ao público em geral ou se é um discurso particular. E terceiro, a quem se dirige o discurso, se é uma plateia que possui um repertório amplo ou restrito de conhecimento sobre o assunto a ser elaborado. Por isso, falar bem implica, antes de tudo, saber como montar um discurso e qual a finalidade de um discurso. Esse entendimento permite ao estudante de oratória e retórica desenvolver o entendimento de que pensar e falar bem estão diretamente articulados. Atividade de Estudos: 1) Leia o texto disponível em <http://repositorio.ul.pt/ bitstream/10451/18457/3/ulfl183093_tm_3.pdf>, páginas 3 a 5, e responda: Como você entende esse desenvolvimento da retórica? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A boa argumentação se apoia em três aspectos fundamentais, de acordo com Platão. Primeiro é preciso articular bem a verdade com o discurso que se profere. Segundo, devemos estar atentos à forma do discurso. Por isso, falar bem implica, antes de tudo, saber como montar um discurso e qual a finalidade de um discurso. Esse entendimento permite ao estudante de oratória e retórica desenvolver o entendimento de que pensar e falar bem estão diretamente articulados. 63 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 Quando estamos diante de um texto religioso, por exemplo, devemos estar atentos ao processo hermenêutico, ou seja, de interpretação para posteriormente montarmos um discurso que repita simplesmente o texto lido. É por isso que para se desenvolver uma boa oratória e uma boa retórica, o estudante deve se preocupar em entender bem e saber estudar um texto. É condição prévia para se montar um bom discurso saberinterpretar um texto, dominar a língua em que se escreve e fundamentar bem suas posições nos autores escolhidos. Deste modo, argumentar bem significa pensar de acordo com o que se quer expor de modo claro e distinto, conforme aponta Descartes em seu discurso do Método, pois algo confuso e misturado não pode transmitir uma mensagem clara aos interlocutores. A mensagem precisa ser a mais direta e livre de ambiguidades possível, pois permite ao interlocutor entender e discordar se assim o quiser, visto que a oratória e a retórica não visam somente ao convencimento dos outros. Ela procura transmitir uma mensagem que pode ser debatida, visto que vivemos em um mundo plural. Ninguém precisa concordar com o orador somente por ele ter palavras ardilosas e sedutoras. Evidentemente que se o orador for sedutor e ao mesmo tempo transmitir uma mensagem que seja do agrado dos interlocutores, podemos entender que se produz um efeito mais desejado em relação aos argumentos enunciados. De modo a permitir que uma mensagem tenha um alcance maior, podemos utilizar alguns artifícios retóricos que nos ajudam a convencer os interlocutores. Esses artifícios variam de acordo com o interesse e o comprometimento do orador com a verdade. Conforme defende o sofista Górgias no diálogo platônico, é o orador que escolhe como e de que modo quer convencer. Evidentemente que Platão, por ter um compromisso maior com a verdade, não concorda com isso. Por isso falamos, no início deste capítulo, que depende do compromisso com a verdade que nós temos para debater um assunto e da escolha que fizermos para sabermos se um argumento é de fato verdadeiro e bem exposto. Uma boa exposição de ideias e de argumentos pode produzir os efeitos esperados dentro de um ambiente e produzir um efeito oposto em outros ambientes. Deste modo, cabe ao orador saber o que deve ser exposto em um determinado ambiente e medir as consequências de suas afirmações. Lembremos também que, de acordo com Reboul (2004), o estilo de discurso deve estar em consonância com o orador e o público a que se expõe os argumentos. Logo, a arte de falar bem não é exata, como as pessoas que não estudam a área pensam, emitindo opiniões vazias. Devemos evitar generalidades, ensina o grande retórico antigo Aristóteles em seu texto chamado posteriormente de Metafísica, pois elas produzem efeitos contraditórios e enganosos. 64 Oratória e Retórica Desta maneira, falar bem é consequência direta da boa construção e exposição de argumentos. Se bem formularmos um argumento, poderemos apresentar bem a mensagem que queremos transmitir. Neste sentido, falar bem é aprender a pensar bem, escrever bem e expor bem um determinado argumento. Se não formos capazes de explicar um argumento, não podemos dizer que falamos bem, pois falar bem implica em se fazer entender e transmitir a mensagem que nós queremos passar. A Construção do Argumento A construção de um argumento se processa de maneira muito detalhada e existe a necessidade de construirmos uma base sólida para expor o que queremos. Inicialmente, para se fazer e expor um bom argumento é preciso escolher o estilo a ser utilizado na exposição deste. Depois precisamos escolher o modo como se fará esta exposição. É claro que supomos uma determinada mensagem que já foi escolhida para ser transmitida. Logo, para se construir um bom argumento é preciso ter um assunto a ser transmitido, um estilo de exposição, um modo pelo qual o orador irá se manifestar e um plano lógico para executar todo o processo de transmissão da mensagem. Como podemos escolher um tema para expor? Ora, se estamos interessados em apresentar um argumento, é porque temos interesse que os outros saibam o que nós queremos expor. Se existe esta motivação interior, ela deve ser elaborada, pois nossa vontade de querer dizer aos outros aquilo que estamos vivenciando ou sentindo precisa de esmero. É neste momento que a retórica e a oratória podem ajudar você a se manifestar de maneira clara e eloquente. Para construir um argumento, segundo Platão, precisamos dominar com absoluta clareza o que queremos expor. Se soubermos, por exemplo, um determinado argumento e dominamos suas variações, estamos aptos a expô-lo. Com efeito, o conhecimento de um determinado argumento permite calcular o alcance de nossa exposição, de nossa argumentação. Se dominamos, por exemplo, o argumento da lei da gravidade, ou seja, todos os objetos sobre a superfície da Terra caem à mesma velocidade devido Desta maneira, falar bem é consequência direta da boa construção e exposição de argumentos. Se bem formularmos um argumento, poderemos apresentar bem a mensagem que queremos transmitir. A construção de um argumento se processa de maneira muito detalhada e existe a necessidade de construirmos uma base sólida para expor o que queremos. Ora, se estamos interessados em apresentar um argumento, é porque temos interesse que os outros saibam o que nós queremos expor. Com efeito, o conhecimento de um determinado argumento permite calcular o alcance de nossa exposição, de nossa argumentação. Se dominamos, por exemplo, o argumento da lei da gravidade, 65 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 à lei da gravidade, podemos explicar isso aos outros, bem como suas variações. Agora, se temos dúvidas e não sabemos qual é a lei da gravidade universal, não conseguiremos expor e explicar as particularidades do argumento. Deste modo devemos, antes de tudo, averiguar se realmente sabemos um argumento de maneira a podermos expor o mesmo com qualidade. Conforme ensina Sócrates referido por Luz (2010, p. 49-50): [...] em vez de censurar, o que é preciso é desculpar os que, por desconhecimento da dialética, não estão em condições de definir o que seja retórica. Com toda sua ignorância, por haverem encontrado casualmente uns poucos conhecimentos, pensam que descobriram a retórica, e pelo fato de transmitirem a outras pessoas essas mesmas noções, estão convencidas de que lhes ensinaram a arte de bem falar. A dialética é o caminho da alma para que se possa alcançar a beleza e a justiça, base para todo ensino verdadeiramente filosófico – conhecimento da alma e amor à verdade, na busca dos princípios eternos. Ao passar por todas estas definições ambicionadas a colocar a retórica a serviço do conhecimento filosófico e verdadeiro, Platão – utilizando-se do discurso socrático –, parte do divino para dirigir o debate para um campo epistemológico e ético, opondo-se aos oradores de sua época. A retórica, portanto, depende da dialética, que por se esforçar em atingir o verdadeiro, depende do verossímil procurado por ela, que depende “diretamente” de valores que são da ordem do inteligível (levando em consideração que o homem não é a medida de todas as coisas). Ao longo de suas obras, Platão define a retórica sofista como um longo discurso contínuo, que visa persuadir os seus ouvintes por meio de vários procedimentos que se sustentam uns aos outros, fazendo com que o retórico impressione pelo conjunto da obra, mais do que pela solidez de cada argumento explicitado. Entretanto, quando em vista do método dialético, cada raciocínio se desenvolve pouco a pouco, sendo cada passo testado e confirmado pela concordância do interlocutor, só havendo uma passagem para a “tese seguinte”, para uma segunda argumentação, quando a primeira for apreendida corretamente; quando a adesão daquele a quem se dirige garante a verdade de cada elo da argumentação. No caso do diálogo erístico, há uma preocupação única em se vencer o adversário, o que implicaria numa total indiferença em relação à verdade. Tal retórico é motivado pelo desejo de vencer, de deixar o interlocutor embaraçado, fazendo com que o seu ponto de vista pessoal injustificado, e não a verdade, triunfe. Predigo-te que este jovem, seja qual for a sua resposta, será obrigado a contradizer-se. O diálogo crítico,característica eminente do discurso socrático, o interlocutor trata-se de testar uma tese, na tentativa de demonstrar a sua incompatibilidade com as outras argumentações formuladas por ele. A coerência interna do discurso é que fornece o critério para investigação, ou ainda, interrogação crítica, que serve de alicerce para se testar a compatibilidade argumentativa. Quando o diálogo deixa de ser crítico para adentrar no caráter verdadeiramente filosófico – adquirindo um interesse construtivo para além da coerência interna do discurso –, os interlocutores procuram entrar num consenso conceitual sobre aquilo que de antemão foi considerado dialeticamente verdadeiro. O diálogo filosófico é impreterivelmente dialético, é ele que determina 66 Oratória e Retórica as características do método dialético – “nele a concordância dos interlocutores poderia servir de ponto de partida para argumentação, não porque se trataria de um concurso de duas opiniões divergentes, mas porque essa concordância seria a expressão de uma adesão generalizada às preposições em questão”. O método dialético é o método de toda filosofia que pretende dar conta das considerações inesgotáveis do saber filosófico. Ora, embora a retórica e a dialética sejam distintas, há uma relação que permite ao orador formular argumentos retóricos para ser um bom debatedor. Neste sentido, a retórica é um modo para se buscar a verdade. Quando falamos de leis da física parece um tanto mais distinto e direto, agora quando falamos de argumentos filosóficos e teológicos, a situação é um pouco mais complicada. Como a filosofia e a teologia se utilizam da hermenêutica, ou seja, a interpretação de textos, o argumento, muitas vezes, é confundido com a interpretação. Cabe a você, estudante de retórica e oratória, distinguir um argumento de uma interpretação. Um argumento é sempre a exposição lógica de uma ideia, por exemplo, “Deus é o ser do qual não podemos pensar nada maior” (ANSELMO, 1991) e a interpretação que você faz dessa frase do pensador Anselmo. Este argumento é chamado de argumento ontológico, pois independentemente do lugar onde se aplique, Deus sempre será, para Santo Anselmo, o maior de todos os seres que podem ser pensados. São várias as formas como você entende este argumento. E, mesmo sendo lógico e formalmente irrefutável, você pode ignorá-lo, logo, a interpretação é sempre um movimento subjetivo e introspectivo. Mesmo com método determinado e um argumento, é a mensagem lógica que se passa por intermédio da linguagem. Os Gêneros do Discurso Um gênero de discurso é, antes de tudo, a opção que o orador faz para expor seu argumento e seu modo de pensar. O pensar pode ser exposto de diferentes modos, podemos fazer textos, construir esculturas, montar peças de teatro, pintar quadros, fazer gestos e muito mais. 67 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 Aristóteles nos fornece uma classificação dos gêneros retóricos que praticamente não mudou em mais de dois mil anos. De acordo com Lima (2011), ao citar Artistóteles: Aristóteles (Ret. I, III, 11), uma vez tendo considerado que cada gênero retórico – deliberativo, judiciário e epidítico - deve ser baseado numa demonstração (éntechnos), tem em vista que a retórica deve se desenvolver a partir do método das evidências e, sendo a demonstração uma evidência, afirma: “pois que a nossa confiança é tanto mais firme quanto mais convencidos estivermos de ter obtido uma demonstração”. A evidência retórica, conforme Aristóteles, é caracterizada pela aplicação do entimema, ou seja, pelo uso de um raciocínio que não tem o mesmo grau de certeza daquele normalmente apresentado pelo silogismo, mas que busca ser evidente. O silogismo deriva de premissas lógicas, enquanto o entimema tem origem nas premissas retóricas (LIMA, 2011, p. 48). Na retórica e na oratória se configuram gêneros de um discurso, as maneiras que escolhemos desde a antiguidade para nos expressarmos. Platão e Aristóteles fizeram uma classificação dos gêneros de um discurso conforme apontamos no capítulo primeiro do texto. O Tratado do Amor de Lísias começa pelo fim; pela conclusão a que o orador chegou e pretende que todos cheguem – como o amante deve se portar com seu amado – fazendo com que as outras partes do discurso se desenvolvam “numa grande emburrilhada”. A crítica socrática consiste na dificuldade do sofista em discorrer longamente sobre um determinado assunto e ao talento em conseguir falar de uma mesma ideia de diferentes formas. Enfatiza que a carta está calcada nos saberes não filosóficos, sendo uma peça bem trabalhada, mas carente de um nexo causal entre as partes constituintes – poderiam ser encaixadas em quaisquer esferas do discurso. Segundo Sócrates, esta deveria ser constituída por um todo artisticamente considerado, no qual as partes estejam em perfeita sincronia com a ideia do conjunto. [...] todo discurso precisa ser construído como um organismo vivo, com um corpo que lhe seja próprio, de forma que não se apresente sem cabeça nem pés, porém com uma parte mediana e extremidades bem relacionadas entre si e com o todo. A fim de não mais aborrecer Fedro, através da crítica ferrenha à construção do discurso de seu adorado Lísias, o diálogo socrático passa à análise da arte da eloquência, tendo em vista que os dois argumentos explicitados sobre a relação entre amado e amante – em que “um pretende que só deve ceder às instâncias 68 Oratória e Retórica do indivíduo que ama, e o outro, às de quem não revele amor” (265 a) – se contradizem reciprocamente, fazendo com que Sócrates retomasse a ideia das Manias Divinas e, principalmente, aquela referida ao amor. Fonte: Luz (2010, p. 47). Para retomarmos à discussão, lembramos ao estudante de retórica e oratória estes gêneros de discurso. Em Platão há um compromisso com as premissas e com a verdade. Há uma divisão entre verdade e forma de um discurso: Platão, por sua vez, pretendeu ao longo de suas obras contextualizar e estabelecer a essência e o valor de verdade da retórica (dita como tal) instituída pelos sofistas. O filósofo afirmava, ainda, que a retórica deveria ser considerada segundo razões de todo análogas àquelas pelas quais a arte deve ser condenada. A retórica é a contrafação da verdade. Tal como a arte tem a pretensão de retratar as coisas sem delas ter verdadeiro conhecimento, imitando puramente as suas aparências, a retórica, através do método persuasivo, pretende convencer o homem acerca de tudo, sem ter conhecimento algum. A retórica cria crenças ilusórias. O retórico é aquele que, devido a sua habilidade persuasiva, joga com o discurso que encontra-se calcado nas aparências da verdade, em verossimilhanças e não na verdade em si mesma. Tanto quanto acontece na arte, a retórica se dirige à pior parte da alma, àquela que é crédula e instável, suscetível de emoção e sensível ao prazer. Pode-se dizer que o retórico lida com o falso para além do artista, tendo em vista que esse último ao menos representa as aparências do verdadeiro, enquanto que o retórico tem a malícia do conhecimento calcado num falso saber. A filosofia dialética deve corromper e substituir a retórica, no que diz respeito ao seu caráter de verdade. No Fedro, Platão explicita que na arte dos discursos, enquanto retórica, é reconhecido um direito à existência, entretanto, sob a condição de que se submeta à verdade e, por conseguinte, à filosofia. E para alcançar a verdade, pela qual a retórica teria de se submeter, se faz necessária a aprendizagem da doutrina das Ideias e a dialética – “seja no seu momento ascendente que leva do múltiplo ao uno, seja no seu momento descendente e diairético que ensina a dividir as Ideias segundo as articulações que lhe são próprias”, e conhecer a alma, visto que a arte da persuasão se dirige necessariamente à alma. Só se pode construir uma arte verdadeira de persuadir por discursos, conhecendoa natureza das coisas e a natureza da alma humana. A escritura só faz aumentar a aparência (doxa) do saber não fortalecendo a memória, mas oferecendo meios para trazer à memória aquilo que de antemão já era conhecido pela alma. O escrito é sem alma, sendo incapaz de defender-se sozinho contra críticas, exigindo sempre a intervenção constante do seu autor. O discurso oral, e só ele, é capaz de penetrar na alma daquele que o apreende, sendo o discurso escrito apenas uma imagem daquele que 69 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 se encontra na dimensão da oralidade. Para ser conduzido, segundo as regras da arte, o escrito implica no conhecimento da verdade dialeticamente fundada e, por conseguinte, implica no conhecimento da alma daquele ao qual se dirige – há um jogo metódico pelo qual quem escreve deve se submeter. Por definição, a palavra é um aspecto da realidade, é uma palavra eficaz. No entanto, a potência da palavra não se encontra apenas orientada para o real, ela se mostra, da mesma forma, irrevogavelmente tal como uma potência sobre o outro. Logo, a potência da palavra se mostra perigosa, visto que pode ser tomada como a ilusão do real. Ou seja, a sedução da palavra é tal que pode se fazer passar pela realidade; o logos pode impor objetos que se assemelhem à realidade confundindo-se com ela, sendo, entretanto, não mais do que uma imagem vã. Este fato levanta uma nova questão, traz um problema fundamental pertinente à relação entre palavra e verdade. A ambiguidade da palavra, então, torna-se polo de reflexão sobre a linguagem tal como instrumento do pensamento racional, onde há, por um lado, o problema da potência da palavra sobre a realidade e, por outro lado, o problema da potência da palavra sobre o outro – perspectiva fundamental no desvelamento retórico e sofístico (LUZ, 2010, p. 43-44). Ainda de acordo com Platão, um discurso deve ser entendido como um modo de produção de conhecimento no qual as almas se relacionam para se aprimorarem, de modo a se voltarem para a verdade que se encontra no mundo perfeito ou mundo das ideias, que para Platão é o único mundo real. Sabemos que Platão (428-7 – 348-7 a. C) considerava que os sofistas eram habilidosos praticantes da erística, e comumente capazes de defender e atacar uma mesma questão, conforme o que lhes era mais conveniente a cada debate. Isso fica claro nos diálogos platônicos Górgias e Eutidemo, nos quais o filósofo procura mostrar que a retórica não é uma ciência e nem uma verdadeira arte, pois, pelo que consta no Górgias (465 a), ela é somente uma empeiria, ou seja, uma habilidade prática decorrente da experiência. A negação dessa prática como ciência não é novidade naquele contexto social, pois na tradição retórica, dos pitagóricos a Górgias, como concorda Plebe (1978), a retórica era situada no mundo da doxa (opinião), e não da ciência. Entretanto, Platão acrescenta uma provocação ao afirmar que a retórica também não é uma arte, ou seja, não é thécnerhetoriké como defendia Górgias, considerando-a apenas como habilidade. Este filósofo está mais interessado na dialética, a qual é vista por ele como uma arte que se volta tanto para a forma quanto o conteúdo. Entretanto, ele (Platão) discute sobre a retórica por reconhecer que tal atividade, tendo o caráter de experiência tecno-prática, não seria de todo inútil. Na visão platônica, portanto, a retórica seria diferente da dialética e também da sofística, como pode ser constatado no Górgias (465), no qual a sofística aparece como contrafação da arte de legislar (nomothetiké), e a retórica como contrafação da arte de administrar a justiça (dikaiosyne) (LIMA, 2011, p. 43). Ainda seguindo a definição precisa apresentada por Platão, as fontes das habilidades devem ser distinguidas. 70 Oratória e Retórica Platão considera que essas duas formas de habilidades são contrafações de um gênero de habilidade que não é arte, o qual ele denomina kolakeía (adulação), mas admite que tal gênero é contrafação da arte. Em resumo, embora reconheça que os sofistas são dotados de um espírito ousado e imaginativo, a filosofia platônica vê a retórica como discurso vazio de conteúdo. Já na sua maturidade, Platão passa a considerar a retórica como sendo uma versão disparatada e distorcida da dialética, conforme consta em seu diálogo Fedro, e, por outro lado, a idealizar a existência de uma verdadeira retórica, a qual ele identifica com a própria dialética. Assim, Platão equipara a falsa dialética com a retórica, ao mesmo tempo em que identifica a retórica verdadeira com a dialética, tornando a retórica reprovável somente quando esta última não se identifica com a primeira. Por conseguinte, segundo Platão, qualquer sofista, uma vez não praticante da dialética, da orientação das paixões ao aprimoramento da eupraxia, não merece confiança, por maior que seja a sua habilidade oratória. Nesse sentido, em um trecho do Fedro (LII, 268 b-c), ele faz uma comparação entre as características da retórica e o perfil de um falso médico. Descreve que o suposto doutor alega conhecer os modos de deixar o corpo quente ou frio, de provocar vômitos ou evacuações, entre outros efeitos, e que o mesmo acrescenta: “E porque sei tudo isso tenho-me na conta de médico e também com a capacidade de fazer um médico da pessoa a quem eu transmitir esses conhecimentos ........”. Esse trecho é seguido imediatamente pela citação que registramos adiante: Sócrates – Como imaginas que lhe responderia quem o ouvir expressar-se dessa maneira? Fedro – Que mais poderia fazer, a não ser perguntar se também sabia a quem aplicar tudo aquilo, o tempo certo e a dose para cada caso? Sócrates – E se ele contestasse: Dessas coisas não entendo patavinas; porém suponho que quem aprender comigo aquilo tudo, ficará em condições de responder a tais perguntas. Fedro – Diriam, segundo penso: Este homem é louco! Só porque leu um livro, ou porque encontrou casualmente alguns remédios, considera- se médico, ainda que nada entenda de tal arte. Ao considerar o praticante da retórica como alguém cujo conhecimento não é confiável, Platão (opus cit., LVII, 272 d-e) afirma que “Nos tribunais, por exemplo, ninguém se preocupa no mínimo com a verdade, só se esforçando por persuadir”, e que toda a arte da oratória consiste em manter a verossimilhança do início ao fim do discurso. Portanto, esse pensador tem em vista que todo filósofo deve manter como seu objetivo a plena busca pela verdade, ao invés de priorizar as aparências dos discursos só para persuadir a qualquer custo. Por outro lado, embora tenha feito tantas críticas à retórica, o citado filósofo reconhece a importância de se identificar os diferentes tipos de auditórios que podem inspirar construções oratórias distintas entre si - mantendo em comum a busca pela verdade -, e, sendo assim, já prepara, de certo modo, o caminho para a sistematização aristotélica da retórica que virá logo depois. Tanto é assim que alguns aspectos, que serão valorizados por Aristóteles em sua obra Retórica, já constam nas seguintes palavras de Platão (Ibid., LVIII, 273d-274a): [...] quem não fizer a enumeração exata da natureza dos ouvintes nem distribuir os objetos de acordo com as respectivas espécies e não souber reduzir a uma ideia única todas as ideias particulares, jamais dominará a arte da oratória, dentro das possibilidades humanas. Mas, sem trabalho ninguém consegue chegar a esse ponto. Não 71 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 é para falar com os homens nem para tratar com eles que o sábio despende tanto esforço, mas para falar o que agrade aos deuses e também para lhes comprazer com suas ações, na medida do possível. Porque o homem de senso [...] não deverá esforçar-se para agradar seus companheiros de escravidão; pelo menos não porá nisso o principal intento, nem o fará de ligeiro, porém a bons mestres e de boa origem. Eis que ficaclara a preocupação de Platão em estabelecer parâmetros éticos para a prática da oratória, e, nesse sentido, veremos, após alguns parágrafos adiante, que a mesma preocupação pode ser identificada em Aristóteles no que concerne a sua sistematização (LIMA, 2011, p. 44). Segundo Aristóteles, a exposição de um argumento se divide em invenção, disposição, elocução e ação. Deste modo, a invenção consiste na escolha do material para se formular um argumento. Nesta etapa o retórico ou orador se atém aos elementos dispersos e reúne aqueles que ele considerar adequados. Na disposição o retórico ou orador se preocupará em organizar os elementos argumentativos encontrados para poder construir um determinado argumento de modo a escrever bem seu discurso. Na elocução o sujeito que pretende argumentar bem desenvolve seu argumento e escreve o texto a ser exposto de modo a concatenar as falas para não cair em contradição e se perder na execução do discurso. Já a ação consiste em expor de maneira oral tudo o que foi preparado nos três aspectos anteriores, de maneira a permitir aos interlocutores o entendimento da mensagem que se quer transmitir. Neste momento, o orador usa de todas as capacidades que a sua voz lhe permite e de todas as habilidades adquiridas ou naturais que possui. Desta maneira, Aristóteles difere de Platão, por entender que a retórica e a oratória são importantes para o debate, não só para o convencimento dos interlocutores. Conforme confirma Lima (2011, p. 47): Aristóteles, diferentemente de Platão, vê a retórica como algo que normalmente faz parte da vida social e política, como uma arte importante para o desenvolvimento dessas áreas. Tal pensador tem em vista que a distinção conceitual, envolvendo o estudo dos termos e como estes podem contribuir para a composição lógica e persuasiva dos argumentos, é fundamental para que o ser humano possa clarificar suas ideias e comunicá-las socialmente. É nessa perspectiva que ele propõe a formação de um retor que saiba identificar as vantagens e (ou) desvantagens persuasivas na construção de cada discurso, visando estabelecer, conforme suas próprias palavras, “[...] quase por completo os fundamentos sobre os quais devemos basear os nossos argumentos, quando falamos a favor ou contra uma proposta”. 72 Oratória e Retórica Logo, em Aristóteles existe uma mudança da retórica, que passa a ser um instrumento mais cotidiano para ser usado em argumentações políticas, jurídicas e dos problemas mais simples da existência humana. Conforme aponta Lima (2011), ao orador cabe discernir com qual plateia e para quem ele deva falar acerca de um determinado tema: O Estagirita, pensando na vida prática, situações reais do dia a dia em que, geralmente, não se dispõe de muito tempo para os encontros discursivos, tem em vista a importância de o retor saber ajuntar os entimemas de modo que o ouvinte compreenda o raciocínio do orador com tão pouca demora. Mas ele também alerta para que não se cometa excessos no uso dos entimemas: Não se deve também, a propósito de toda e qualquer questão, procurar empregar os entimemas, pois nesse caso chegaríeis ao mesmo resultado que certos filósofos que demonstram, por meio de silogismos, proposições mais conhecidas e mais persuasivas do que aquelas donde deduzem seus raciocínios. (Ret., III, XVII, 7) Os lugares comuns, de entimemas demonstrativos e refutativos, compõem uma ampla variedade de argumentos que são estudados, enumerados e tipificados por Aristóteles, hierarquizados segundo a eficácia de persuasão. Os lugares comuns são assim chamados por serem linhas de argumentos de interesses das partes envolvidas na discussão. Vejamos, por exemplo, o seguinte tópoi (lugar) que consta no Livro II da Retórica de Aristóteles (XXIII,1): Primeiramente há um lugar para os entimemas demonstrativos: aquele que se tira dos contrários. Com efeito, importa examinar se o contrário está contido no contrário; se não está compreendido, refutaremos o adversário; se está compreendido, estabeleceremos nossa própria tese; por exemplo, defenderemos que ser temperante é bom, porque viver na licenciosidade é nocivo. Ou então, como no discurso sobre Messênia: “Visto a guerra ser a causa dos males atuais, é pela paz que devemos remediá-los”. Em mais um exemplo, Aristóteles (Ret., II, 23, 4) apresenta, entre outros entimemas, o seguinte: “se os deuses não sabem tudo, muito menos os homens”. E logo em seguida ele afirma que esse entimema corresponde ao seguinte tópoi: “se um atributo não pertence a um sujeito, ao qual mais deveria pertencer, evidentemente que também não pertence ao sujeito, ao qual deveria pertencer menos”. E também é do Estagirita (ibid., II, XXIII, 7) o seguinte trecho: “Um outro lugar tira-se das palavras contra nós e que voltamos contra o adversário. Este lugar é excelente [...]” (LIMA, 2011, p. 50-51). Em Aristóteles a retórica assumiu uma conotação prática, ou seja, ela deve servir ao homem para argumentar na resolução de problemas do cotidiano. Assim, a retórica passa a ser uma ferramenta acessível a todos os sujeitos que queiram pleitear algo. Em sua Ética a Nicômaco, Aristóteles (I, 8, 1099 a) considera a finalidade da vida política como o melhor dos fins, e que “o principal empenho dessa ciência é fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações”. Tal nobreza inclui a observação de que embora já seja desejável o bem 73 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 para um só indivíduo, é mais nobre e mais divino alcançar o bem para uma nação ou para as cidades-Estado (opus cit., I, 1094 b). Para o Estagirita (id.,ibid.), a ciência política é a mais prestigiosa de todas, visto que a ciência política utiliza as demais ciências e, ainda, legisla sobre o que devemos fazer e sobre o que devemos nos abster, a finalidade dessa ciência deve necessariamente abranger a finalidade das outras, de maneira que essa finalidade deverá ser o bem humano. “A cosmologia de Aristóteles coloca certo número de seres superinteligentes, as inteligências que governam as estrelas e os planetas, acima do Homem na escala do ser, assim como Deus, o Movimentador Imóvel” (LIMA, 2011, p. 53). Neste caso, o homem que se dedica à prática retórica é capaz de resolver os problemas da vida cotidiana, pois consegue argumentar melhor para reivindicar seus pleitos. Sendo o retórico e o orador um sujeito que possui responsabilidades com aquilo que se está transmitindo, é importante mencionar o significado da honestidade do orador na construção e exposição dos argumentos, para que os sujeitos interlocutores se convençam da mensagem. Atividade de Estudos: 1) Explique, com suas palavras, por que é importante a honestidade retórica? Leia o texto para poder entender melhor o problema. LIBERDADE OU MANIPULAÇÃO? É por isso que este mesmo autor, considerando que a característica da boa argumentação não é suprimir o aspecto retórico, pois em nenhum caso uma argumentação inexpressiva se torna, só por isso, obrigatoriamente mais honesta – adianta dois critérios gerais a que se deve submeter a boa retórica: 1. Critério da transparência: que o ouvinte fique consciente, ao máximo, dos meios pelos quais a crença está a ser modificada. 2. Critério de reciprocidade: que a relação entre o orador e o auditório não seja assimétrica, para que fique assegurado o direito de resposta. Respeitados tais critérios, Reboul considera que a argumentação não se torna por isso menos retórica, e sim mais honesta. Mas parece evidente que, sem pôr em causa a eficácia destes dois 74 Oratória e Retórica critérios, o fato deles conterem os conceitos indeterminados que o ouvinte fique consciente ao máximo e não seja assimétrica sempre introduz uma significativa ambiguidade no momento da sua concretização. Por outro lado, pode acontecer também que a incompetência argumentativa do auditório crie a ilusãode uma relação retórica desigual e leve a que se veja manipulação no orador quando, na realidade, essa desigualdade se fica a dever à insuficiente capacidade crítica revelada por aqueles a quem se dirige. Fonte: Sousa (2000, p. 96). ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Ethos, Pathos, Logos Neste texto utilizamos ethos com o sentido de ética, pathos no sentido de paixão e logos no sentido de discurso. Passamos agora à discussão de aspectos da estrutura do conteúdo dos argumentos e a forma como são usados para expor determinados discursos. O ethos da retórica está ligado inteiramente ao modo como expressamos um discurso. O ethos do comportamento humano, para Reboul (2004), passa em sua grande maioria pela necessidade de pensar o ser humano e seu modo de falar. Segundo Aristóteles, podemos construir uma parte do ethos, mas a outra parte é totalmente natural. Por isso, precisamos nos dedicar e desenvolver a parte que nos cabe. 75 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 As virtudes dianoéticas, entre as quais a sapiência (shofia) é tida como a mais importante, são vistas por Aristóteles como mais elevadas do que as virtudes éticas, pois lidam com a captação intuitiva de princípios por meio do intelecto, coincidindo com as ciências teoréticas (principalmente com a metafísica). Por outro lado, as virtudes éticas lidam com o contingente e o variável no humano, apoiando-se numa prudência (phrónesis) que é razão prática. Na abertura do livro II (opus cit.), Aristóteles observa que as virtudes intelectuais são geradas e crescem, em grande parte, em decorrência do ensino, e por isso precisam de experiência e tempo, enquanto as virtudes éticas são adquiridas em resultado do hábito. Esse termo – hábito – decorre da tradução de uma das formas de escrita da palavra grega ethos (de onde veio ethiké), palavra que também pode significar costume (LIMA, 2011, p. 71). Um ethos no debate é um modo de se expressar, é a maneira com a qual nos expressamos. Saber se expressar é uma condição necessária para sermos verdadeiramente humanos. No início de sua Retórica (2007, I, 1, p.19), Aristóteles estabelece que “os modos de persuasão são as únicas verdades constituintes dessa arte, tudo o mais é mero acessório”. Diante de tais palavras, poderíamos imaginar a possibilidade de um leitor pensar que esse autor teria elaborado um sistema de ideias destituído de propostas éticas, ou seja, meramente instrumental, sem necessariamente manifestar um vínculo efetivo com a busca pelo bem comum, pela justiça, pela cidadania, entre outros valores significativos e atrelados ao desenvolvimento social. Entretanto, podemos identificar que Aristóteles assume, em vários momentos de sua Retórica, um discurso que procura nortear os comportamentos morais e posicionar a ética em sintonia com um exercício de livre escolha de ideias. Em vários trechos (opus cit.), o Estagirita elege determinados modelos morais como os mais dignos de serem vividos e compartilhados em sociedade, e não o faz por considerar tais preceitos como meros acessórios, pois em vez disso, procura mostrar que um homem de boa formação moral tem, no seu próprio caráter, um referencial em que pode alicerçar o seu discurso. Sendo assim, como bem esclarece o autor, a consistência moral do orador também deve compor o modo pelo qual o ouvinte é persuadido. Aristóteles toma o cuidado de firmar a arte retórica em uma responsabilidade social, propondo uma produção discursiva que possa participar da construção moral do homem e, por conseguinte, da sua condição política (Ret.,2007, p. 23) (LIMA, 2011, p. 74). O homem, ao se apresentar como um ser que escreve e fala, precisa dominar estes dois modos de se apresentar. Por isso, um hábito de falar bem e escrever bem produz uma mensagem de boa qualidade. O ethos do discurso versa sobre como podemos organizar e dar um estilo ao modo como nós falamos. 76 Oratória e Retórica A primeira questão tratada é que para se realizar um discurso é preciso ter conhecimento sobre aquilo que está sendo dito, em prol de sua autenticidade enquanto verdade. Os sofistas se servem da persuasão, utilizando o domínio que têm sobre a linguagem para discursar sobre uma mesma coisa, com uma mesma ênfase ou intensidade – não se baseiam num conhecimento verdadeiro, mas no senso comum. “A perversão da retórica transforma a escrita em técnica de simulação e converte a habilidade oratória em exploração verbal e persuasiva do verossímil”. Através de uma lógica da ambiguidade, contrariam o que deveria ser indissociável no interior de um discurso, a ligação entre dizer, pensar e ser – limitam-se a uma tautologia do logos, que é voltado sobre si mesmo. A eficácia alcançada pelo discurso, entretanto, não significa que tais “retóricos” tinham o conhecimento real do assunto que tratavam, eles não tinham a preocupação de se interrogar sobre suas referências – calcavam- se na probabilidade, no verossímil para o estabelecimento de suas conclusões que, de antemão, eram estabelecidas – utilizando-se da potência da palavra como uma arma para persuadir pessoas tão ignorantes quanto eles. “O estatuto da verdade se transfigura e se perde em sua migração da enunciação para o enunciado” (LUZ, 2010, p. 45). Neste sentido, retórica e oratória são elementos do ser humano que se articulam na existência e o ajudam a expor seu sentido na linguagem. O ethos da oratória e da retórica é uma forma, é a maneira de dizermos os modos de se apresentar. A linguagem escrita e falada é uma das melhores ferramentas para dizermos o que pensamos. Ainda de acordo com Reboul (2004), o conhecimento do ethos de um determinado grupo de pessoas nos permite moldar o discurso para sabermos o que realmente queremos falar. Ao falarmos de pathos, ou afetamento de um discurso, podemos entender que quando nos referimos a um determinado grupo de pessoas nós despertamos as paixões destas pessoas e também estamos implicados no discurso. O nível do pathos é um aspecto de pura paixão que nos envolve ou dispersa em um determinado discurso. Ao falarmos de pathos, ou afetamento de um discurso, podemos entender que quando nos referimos a um determinado grupo de pessoas nós despertamos as paixões destas pessoas e também estamos implicados no discurso. O nível do pathos é um aspecto de pura paixão que nos envolve ou dispersa em um determinado discurso. 77 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 Por isso, ao escolhermos as palavras que usamos em um texto ou em uma fala, estamos optando em ser ou não apaixonantes em nossa exposição escrita ou oral. É no pathos de um discurso, ou seja, na paixão, que se irá prender ou não os interlocutores. As belas palavras podem levar os sujeitos às mais absurdas atitudes ou simplesmente não significar nada aos ouvintes. Tudo depende do modo com o qual, você que se expressa, o faz. O pathos de um discurso é determinante em relação à longevidade de uma mensagem. Por exemplo, Cristo e seu modo apaixonado de falar e fazer tudo deixou marcas profundas na vida das pessoas, seu modo de ser serve de conduta religiosa, moral e ética para todas as épocas. Deste modo, é a forma de se expressar em uma linguagem clara, direta e concisa que permite ao orador apresentar seus argumentos e transmitir sua mensagem de modo a alcançar seu objetivo. O logos, o discurso propriamente dito, precisa de um ritmo, de uma forma, de um modo e de uma estrutura. O logos de um argumento procura convencer ou transmitir a mensagem para um determinado público. De acordo com Reboul (2004), um discurso é uma tentativa de se transmitir uma determinada mensagem. É a mensagem bem transmitida que pode produziro resultado esperado em um discurso. Se soubermos transmitir a mensagem, poderemos alcançar maior êxito em nossas intenções. Fica evidente que, mesmo quando não queremos dizer algo relevante, sempre há um sentido no discurso proferido. Estamos falando de transmissão de conteúdos através da linguagem, mas antes de seguirmos para os elementos do discurso, precisamos esclarecer o que é a verossimilhança, pois sem entender isso não podemos entender por que a retórica e a oratória estão em constante tensão com a verdade. O logos, o discurso propriamente dito, precisa de um ritmo, de uma forma, de um modo e de uma estrutura. O logos de um argumento procura convencer ou transmitir a mensagem para um determinado público. Atividade de Estudos: 1) Explique o que você entende por verossimilhança. Leia o artigo disponível em: <https://repositorio.ufrn.br/jspui/ bitstream/123456789/16482/2/MarcosAL_DISSERT_PARCIAL. pdf> para lhe ajudar a responder. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 78 Oratória e Retórica ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________ Disposição, Elocução, Ação e Invenção Já nos referimos à invenção, que é a escolha dos argumentos pelo orador. Passamos agora para a disposição, que de acordo com Reboul (2004), é a maneira como organizamos os argumentos em nossa escrita ou fala. É a retórica da organização formal de um discurso, seu plano de execução. A elocução, de acordo com Reboul (2004), é o estilo escrito do texto, é a redação do discurso através de frases e palavras, conferindo um modo ou estilo de argumentação. Por isso, esta parte não se refere à fase oral do discurso, como muita gente pode pensar. Para Aristóteles, a retórica assume uma dimensão de amor à sabedoria. É o amor à sabedoria que permite à retórica se aproximar da dialética, pois é a oposição de argumentos que produz um desenvolvimento da discussão. Assim, o saber ordenar o discurso coaduna-se com o saber conhecer a realidade social sobre a qual se debruça o retor. As práticas sociais podem ser melhor ordenadas na medida em que o ser humano desenvolve uma boa construção oratória, ou seja, sabendo lidar equilibradamente com o mundo das opiniões, e também com as opiniões sobre o mundo. Por conseguinte, a retórica é pensada por Aristóteles como uma manifestação de amor à sabedoria, e esta podendo elevar o homem a sua meta de felicidade, inclusive com o aprimoramento do próprio saber exposto nesse jogo social que é a arte retórica. Pelas razões acima citadas, Reboul (2004, p. 40) compara a retórica de Aristóteles com a de Isócrates: A retórica de Aristóteles está bem próxima da retórica de Isócrates em termos de conteúdo. A diferença é que em Aristóteles a retórica é uma arte situada bem abaixo da filosofia e das ciências exatas. Estas, “demonstrativas”, atingem verdades “necessárias”, que, como os teoremas, só podem ser o que são, possibilitando compreender e prever. A retórica, por sua vez, só atinge o verossímil, aquilo que acontece no mais das vezes, mas que poderia acontecer de outra forma. Como caminho que pode conduzir o homem em sua busca por sabedoria, a retórica se insere em um devir educativo que envolve cada orador em uma dinâmica social de desenvolvimento de seus respectivos potenciais e, ao mesmo tempo, do aprimoramento de suas leis e costumes. Creio não ser exagero afirmar que, em Aristóteles, a retórica pode ser vista como uma arte de construir pontes textuais A elocução, de acordo com Reboul (2004), é o estilo escrito do texto, é a redação do discurso através de frases e palavras, conferindo um modo ou estilo de argumentação. Por isso, esta parte não se refere à fase oral do discurso, como muita gente pode pensar. 79 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 que liguem o homem às soluções de seus problemas pessoais e coletivos e às melhores opções para a educação dos jovens. Essa arte também é compromisso em educar para a sabedoria e, nesse sentido, cada cidadão necessita orientar e harmonizar a partir de seu intelecto, os seus sentimentos, desejos, ambições, não esquecendo o bem da sociedade, em busca da eudaimonia (felicidade) (LIMA, 2011, p. 80). A ação em um discurso consiste na exposição dos argumentos que queremos apresentar. Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador, bem como gestos, mímicas e outros modos de expressão oral. É a execução final do discurso que foi planejado de modo a se expor o que se quer. Quando a ação retórica se manifesta por intermédio de um discurso, destacamos que depende da habilidade e da confiabilidade do sujeito na execução daquilo que se propõe a fazer. Neste sentido, Aristóteles destaca na antiguidade que o sujeito que não transmitir confiabilidade em seu discurso não convence ninguém. Diante de ideias conflitantes entre si, é comum as pessoas buscarem identificar as propostas que sejam mais confiáveis, merecedoras de crédito. Nessa perspectiva, os encontros sociais entre retores podem ser bastante úteis como oportunidades para tal busca e, na medida em que cada qual encontra a resposta que melhor lhe apraz, surge um sentimento de grandeza da própria razão naquele que acredita ter explicado o que antes parecia inexplicável, compreendido o que antes parecia fora de seu alcance intelectivo. É esse o sentimento denominado de sublime, ou sublimidade. Para melhor compreendermos o sentimento do sublime, recapitulemos que a verossimilhança é caracterizada por conflitos de ideias e incertezas que não possibilitam respostas irrefutáveis, e que não é raro o homem sentir-se constrangido, inseguro e com medo, diante do que é apenas verossímil, ou seja, do que não lhe oferece a garantia de uma resposta seguramente irrefutável. Visto por esse lado, o que pomos em foco não é o constrangimento diante de forças fenomênicas de uma natureza ameaçadora e externa ao ser humano (como vendavais, tempestades, maremotos, terremotos etc.), pois numa abordagem mais voltada para a produção dos discursos em um contexto social e cotidiano, em muitos casos, o homem pode sentir-se humilhado e inseguro quando não encontra, por exemplo, respostas suficientemente confiáveis proferidas por oradores que atuam no campo da verossimilhança. A superação desse momento de constrangimento, a “volta por cima” através do intelecto que identifica qual é o melhor discurso, a vitória de uma racionalidade que consegue reconhecer os melhores argumentos persuasivos, eis o que provoca o sentimento de sublimidade da razão, gerando um alívio pela suposta segurança diante da diversidade de ideias antagônicas entre si. Em Aristóteles, o ato de expressar as ideias - inclusive as situadas na verossimilhança - deve ser decorrência direta da atitude genuína de um ser que busca clarificar a verdade (no sentido de a ideia mais confiável possível) e, nesse encaminhamento, o faz sob o predomínio da parte intelectiva da alma (a racionalidade), que seria, segundo o Estagirita, a melhor parte do homem (conforme já vimos anteriormente). Nessa A ação em um discurso consiste na exposição dos argumentos que queremos apresentar. Neste ponto se adicionam ao desempenho do orador, bem como gestos, mímicas e outros modos de expressão oral. É a execução final do discurso que foi planejado de modo a se expor o que se quer. 80 Oratória e Retórica perspectiva, revisemos que o ser humano precisa saber pesar os argumentos a fim de diferenciar não só entre o que é o bem do que é o seu extremo contrário, mas também distinguir o que é um bem maior diante de um bem menor, escolhendo pelo primeiro a fim de se realizar como ser ético, além da importância de saber defender as suas escolhas publicamente.Eis que o sentimento do sublime, nos termos aqui propostos, aparece quando a razão humana se depara com o verossímil em busca da superação do constrangimento inicial rumo ao possível sentimento de superioridade da razão. A insegurança argumentativa, que levaria a um não saber identificar uma resposta confiável, como costuma ocorrer na verossimilhança, seria algo análogo ao que ocorre quando o homem sente medo diante da grandeza estética de algum fenômeno da natureza. Neste último caso, o sentimento do sublime é tido quando o homem consegue explicar racionalmente os porquês de existirem os fenômenos ameaçadores (como tempestades, maremotos, vendavais, etc.) cuja grandiosidade estética constrange inicialmente o ser humano. Em se tratando da retórica, o sublime pode vir quando a racionalidade humana adentra o mundo das opiniões e encontra formas de identificar quais são as ideias mais confiáveis entre tantas que se oferecem para crédito. Portanto, em Aristóteles, na sua obra Retórica, o homem é idealizado como aquele cuja determinação e coragem devem servir para a busca da superação do constrangimento inicial frente à verossimilhança. Nesta, o ser humano sente-se humilhado diante das próprias incertezas e das “verdades” oferecidas por discursos diversos que o circundam, não sabendo em qual delas - as supostas “verdades” – acreditar, mas transformando em ato as suas potencialidades intelectivas voltadas para o aperfeiçoamento dos discursos (LIMA, 2011, p. 104-105). Caso o homem consiga superar de fato o problema da verossimilhança, poderá desenvolver uma retórica de boa qualidade, que não se confunde com aquilo que parece ser a verdade, mas não é a verdade lógica. Atividade de Estudos: 1) Leia o texto sobre o problema da presunção, antever um argumento, disponível em <http://w3.ufsm.br/ppgf/wp-content/ uploads/2011/10/PERELMAN.pdf>, página 35 e 36, e construa um argumento referente ao assunto que melhor lhe agradar. Por exemplo, o seu trabalho, seu lazer etc. O texto é inspiração para a construção do argumento. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 81 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 O desenvolvimento da retórica através dos séculos proporcionou um grande ganho na forma como expressamos nossas ideias em nossa época atual, por causa das diferentes formas de discurso que podemos expor e apresentar de modo a permitir grande alcance a nossa mensagem. Transmitir bem uma mensagem vai além de construir bons argumentos e expor estes bem, contudo é condição necessária para um bom orador dominar seu tema para poder transmitir essa mensagem. Sem dominar bem o tema é impossível ao orador mensurar e demonstrar suas qualidades como retórico. Por isso, antes de querer expor um argumento, você, estudante, precisa dominar o conteúdo a ser exposto, de modo a permitir que não seja enganado pela própria linguagem. Este capítulo é fundamental a você, estudante, para saber como a história da retórica trabalhou o problema da formulação, estruturação e divisão dos discursos. Lembre-se, você não é o primeiro a querer expor uma ideia, um argumento, por isso não se engane, seus interlocutores entendem ou não o que você quer expor, na medida em que você se coloca de modo claro e distinto. Se sua linguagem não for adaptada ao local em que você fala, sua mensagem não será transmitida como você quer. BRISSON, Luc. Leituras de Platão. Trad. Sônia Maria Maciel. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. BRUNSCHWIG, J. Diccionaire Critique: Le Savoir Grecce. Org. Geossvey Lloyd. Paris: Flammarion, 1996. CLAÏM PERELMAN. Retóricas. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997. DELEUZE, G. Lógica dos Sentidos. Trad. Luiz Roberto Salinas Fontes. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2000. DERRIDA, Jacques. A Farmácia de Platão. Trad. Rogério da Costa. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 2005. GOLDSCHMIDT, V. Os Diálogos de Platão: Estrutura e Método Dialético. Trad. Dion Davi Macedo. São Paulo: Loyola, 2002. Transmitir bem uma mensagem vai além de construir bons argumentos e expor estes bem, contudo é condição necessária para um bom orador dominar seu tema para poder transmitir essa mensagem. Sem dominar bem o tema é impossível ao orador mensurar e demonstrar suas qualidades como retórico. Por isso, antes de querer expor um argumento, você, estudante, precisa dominar o conteúdo a ser exposto, de modo a permitir que não seja enganado pela própria linguagem. 82 Oratória e Retórica MARCUSE, H. Eros e Civilização. Trad. Álvaro Cabral. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969. MORAES, J. Q. Epicuro: as luzes da ética. São Paulo: Ed. Moderna, 1998. NIETZSCHE, F. O Nascimento da Tragédia. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. PERINE, M. (Org.). Estudos Platônicos. Sobre o ser e o aparecer, o belo e o bem. Coleção Estudos Platônicos. São Paulo: Edições Loyola, 2009. Algumas Considerações A história da oratória e da retórica permite o entendimento de como somos capazes de organizar e exprimir uma ideia. Desta maneira, um discurso bem feito e bem apresentado depende do esforço do estudante que escolhe bem os elementos argumentativos e os dispõe de modo adequado. Com efeito, este capítulo se empenhou em apresentar uma parte da história da retórica para deixar você, estudante, em condições de escolher bem suas formas de argumentar. Referências ANSELMO. Monológio. São Paulo: Victor Civita, 1991. CAMPOS, R. C. A Formação Educacional do Orador e a Retórica como seu Instrumento de Ação no Principado. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Janeiro/Fevereiro/Março de 2008, v. 5, Ano V, n. 1. Disponível em: <www.revistafenix.pro.br>. Acesso em: 26 maio 2017. SOUSA, A. de. A Persuasão - Estratégias da comunicação influente. 2000. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-americo-persuasao-0.pdf>. Acesso em: 22 maio 2017. 83 A Retórica e a Oratória Capítulo 2 LIMA, M. A. A retórica em Aristóteles: da orientação das paixões ao aprimoramento da eupraxia. Natal: IFRN, 2011. LUZ, A. R. L. Ensaios Filosóficos. V. 1, outubro/2010. Disponível em: <http:// www.ensaiosfilosoficos.com.br/Artigos/Artigo2/Ana_Rosa.pdf>. Acesso em: 27 maio 2017. REBOUL, O. Introdução à retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. SILVA, R. Curso de Oratória A Arte de Falar em Público ou a Habilidade de Falar em Público? 2012. Disponível em: <http://consulpam.com.br/wp-content/ uploads/2013/08/4-Orat%C3%B3ria.pdf>. Acesso em: 26 maio 2017. SILVEIRA, Cássio Rodrigo Paula. Relendo Cícero: A formação do orador e sua inserção na política romana (Século I a C). 2012. 84 Oratória e Retórica CAPÍTULO 3 A Arte de Argumentar A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Apontar as diferentes formas de argumentos. � Apresentar as implicações de um argumento. Compromisso com a verdade ou com a forma. � Fazer um argumento, suas fragilidades e pontos fortes. � Convencer ou defender a verdade. 86 Oratória e Retórica 87 A Arte de Argumentar Capítulo 3 Contextualização Este capítulo se destina a apresentar a você, estudante, uma perspectiva filosófica com desdobramentos teológicos para a construção e exposição de argumentos. Destacaremos brevemente a sutil conexão com a lógica, sobretudo a silogística, concatenação em sequência de premissas para formular um argumento. Oratória e Retórica Filosófica Na filosofia, a oratória e retórica cumprem um papel substancial, pois é por intermédio dos argumentos e da exposição destes argumentos que se transmitem as mensagens e as verdades. Observamos que nas maiores universidades da Europaa retórica e a oratória perderam muito espaço no ambiente acadêmico. A Retórica como disciplina curricular eclipsou-se nas instituições europeias de ensino, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos da América. Embora tenham surgido na Europa algumas revistas, sociedades de Retórica, reimpressões de textos clássicos e se tenham publicado séries de estudos sobre Retórica em editoriais de renome, é impossível hoje qualquer consenso quanto à asserção de M. Capella sobre a Retórica como «potens rerum omnium regina» ou quanto à promoção da Retórica a «rainha antiga e nova das ciências» assinada pelo professor de Retórica de Tuebingen W. Jens, que antecipou a visão utópica da Retórica como «uma ciência do futuro», proposta por J. Dubois. Porém, o fim da Retórica como disciplina ou «Rhetoricadocens» não coincide com o desaparecimento da práxis retórica (Rhetoricautens, Oratoria, Eloquentia), tampouco com a extinção da sua existência residual em teorias de composição literária, em regras de comportamento, em expressões do discurso pragmático nem com a cessação da sua eficácia histórica na tipologia variada da história das ideias e da cultura. É sobretudo a teoria retórica do texto e a sua influência histórica, a que o Ocidente se expôs, que merecem uma particular atenção, dadas as suas estreitas relações com a Hermenêutica e a Filosofia (PEREIRA, 1994, p. 6). Mesmo que em muitas universidades pelo mundo a retórica e a oratória são consideradas subáreas de conhecimento filosófico, entendemos que para discutir bem o problema da argumentação precisamos de uma discussão profunda e adequada para deixar bem explicado o valor da retórica no debate de ideias. A história da Retórica foi de fato a de uma «restrição generalizada», na expressão de G. Genette, ou de uma «extinção progressiva» segundo R. Barthes, até se confundir com uma teoria dos tropos, se recordarmos que a queda da cidade democrática arrastou consigo a morte da intervenção política da Retórica e forçou o seu exílio estético, de cuja impotência brotou a figura de uma «eloquentia tacens», embora no tribunal e na festa prosseguisse a Retórica judiciária e epidíctica, respectivamente. Expressões 88 Oratória e Retórica como «renascimento» ou «reabilitação da Retórica», «Rhetorica rediviva», «Rhetoric revalued», «return of Rhetoric», «Rhetoric resituated» etc., não só repõem a Retórica na raiz histórica de muitas disciplinas modernas, mas fazem dela um «potencial sugestivo» para a reformulação da problemática do homem contemporâneo, embora se reconheça com P. Ricoeur que a sua existência como disciplina se finou quando deixou de figurar no cursus studiorum dos colégios em meados do séc. XIX. A Retórica de Aristóteles foi uma teoria da argumentação, que se articulava com a sua vizinha lógica da demonstração e com a filosofia, uma teoria da elocução e uma teoria da composição do discurso. Com a sua redução tradicional a uma simples teoria da elocução e depois a uma teoria dos tropos, a Retórica perdeu o laço que a prendia à Filosofia e tornou-se «uma disciplina errática e fútil». O esquema da Retórica de Aristóteles representou a racionalização de uma disciplina, que se propusera reger todos os usos da palavra pública, sobretudo o seu poder de decisão e o seu domínio no tribunal, na assembleia política, no elogio e no panegírio. O poder de dispor dos homens mediante o domínio das palavras divorciadas das coisas acompanhou de sedução e mentira a história do discurso humano. A lógica da verossimilhança aparecia como uma solução de recurso para uma Retórica ferida de substancial ambiguidade. As suas provas não se regem pela lógica da necessidade, mas do verossímil e do contingente, porque os problemas humanos decididos nos tribunais e nas assembleias não obedecem aos quadros rígidos de uma axiomática dogmática. O grande mérito de Aristóteles foi ter elaborado o laço entre o conceito retórico de persuasão e o conceito lógico de verossímil e ter construído sobre esta relação o edifício inteiro de uma Retórica filosófica (PEREIRA, 1994, p. 7). Assim, a retórica permaneceu viva mesmo sendo desprezada por muito tempo. Ao retomarmos o estudo dos gregos, percebemos o grande valor desta na construção dos argumentos filosóficos. Deste modo, a oratória grega surge como um modo de exposição de conceitos e definições que permitem o entendimento das grandes questões filosóficas e dos grandes problemas com uma clareza e profundidade absolutamente confiáveis. Sabemos que a discussão filosófica somente é possível se considerarmos a existência de uma forma de expor e explicar bem as nossas ideias. Eis que a retórica para você, estudante, é uma das ferramentas mais importantes a ser considerada se você quiser transmitir com qualidade a sua mensagem. Por isso, a importância da retórica é substancial na organização e difusão de um discurso elaborado e de boa qualidade. A Retórica partilha com a Poética e a Hermenêutica o terreno do discurso articulado em configurações mais extensas do que a frase ou unidade mínima em que alguém diz algo a alguém sobre alguma coisa, realizando a tríplice mediação entre homem e mundo, homem e outro homem e homem e si-mesmo. O discurso retórico é o mais antigo discurso racional hiperfrástico do Ocidente, nascido ao mesmo tempo que a Filosofia no séc. VI a.C., mas dominado pela ambição de cobrir o campo inteiro 89 A Arte de Argumentar Capítulo 3 do uso discursivo da linguagem. Por isso, o modelo retórico de argumentação pretendeu apoderar-se de toda a esfera da razão prática (moral, direito, política) e do campo inteiro da Filosofia. Orientada para o ouvinte, a argumentação retórica é uma técnica de persuasão em que dizer é fazer, é conquistar o assentimento do auditório e, por isso, o discurso retórico é ilocutório e perlocutório. Neste caso, a argumentação não inova, porque o orador se adapta à temática das ideias admitidas, limitando-se a transferir para as conclusões a adesão concedida às premissas e desenvolvendo técnicas intermediárias sempre em função da adesão efetiva ou presumida do auditório. A vulnerabilidade do discurso retórico está patente: pode deslizar da arte de persuadir para a arte de enganar, do acordo prévio sobre ideias admitidas para a trivialidade dos preconceitos, da arte de agradar para a arte de seduzir, do discurso da constituição imaginária da sociedade e da sua identidade para a perversão do discurso ideológico. No início da década de 80, falava-se da marcha imparável da Retórica, que invadia a Estilística Estrutural, a Teoria do Texto e da Literatura e a Semântica Linguística, enquanto as Ciências Sociais e Humanas vinham registrando intramuros influências marcantes da Retórica, regressada para os mais entusiastas do exílio após a calúnia, de que teria sido vítima (PEREIRA, 1994, p. 8). Embora muitos pensadores queiram desmerecer o papel da retórica e da oratória, existem outros tantos que reconhecem seu caráter imprescindível na elaboração e exposição de textos filosóficos e teológicos. Ao estudante de oratória e retórica deve ficar bem explicado que há um método que pode ser muito bem usado para construir e expor seus argumentos. O relativismo influenciou de modo muito forte as formulações retóricas de todo o pensamento ocidental. Pereira (1994) reconhece essa influência e explica o problema de maneira bastante detalhada. A filosofia de Protágoras é uma fundamentação da Retórica, pois o «homo mensura» enquanto «homo loquens» condensa a Antropologia da Retórica em que o acordo é realizado no e pelo discurso no interesse de possibilidades práticas de cooperação e de socialização, porque faltam no ponto de vista biológico «regulações prévias» e «estruturas de adaptação», e esta falha não pode ser compensada com êxito por evidências teóricas e normativas nem por mecanismos de coação política. A Sofística como resposta à crise provocadapela perda de crença nas grandes narrações coletivas tentou criar uma comunidade de consenso gerado na comunicação linguística, sem qualquer referente real, mas com poder de decidir do sentido da realidade. Com o abandono do absolutismo da verdade e do valor, deixou a Retórica de emprestar roupagens a verdades nuas para se tornar uma forma de racionalidade inultrapassável e jamais definitiva, mas sempre convencional e provisória. Com o «linguisticturn» proveniente da Filosofia Analítica da Linguagem e sobretudo desde o Tractatus Logico-Philosophicus de L. Wittgenstein, a linguagem deixou de ser mera expressão da consciência, mas o acontecimento da própria consciência, cuja estruturação linguística se tornou objeto da reflexão filosófica. Enquanto J. Habermas só no começo dos anos 80 realizou a sua viragem linguística, tomando por modelo de ação comunicativa 90 Oratória e Retórica a concepção de linguagem de K. Buehler, os estudos realizados por K. O. Apel nos anos 50 prepararam já a transformação linguístico-hermenêutica do Kantismo e a sua tese de habilitação intitulada A Ideia de Linguagem na Tradição do Humanismo de Dante até Vico (1960) realizava apenas uma parte de um projeto mais amplo concebido em 1953 sobre a ideia de linguagem no pensamento moderno. A Filosofia da Linguagem tornou-se a nova «Prima Philosophia», que substituía a velha Ontologia, por ser a radicalização da crítica kantiana do conhecimento e a sua transformação em crítica da linguagem, que é uma grandeza transcendental cimentadora de uma comunidade ideal de comunicação sem exclusões nem repressões. A valorização da Sofística e da Retórica não reprimiu a consciência dos perigos dos equívocos históricos do discurso retórico e, por isso, K. O. Apel distingue da Retórica da persuasão psicológica a Retórica da convicção, cuja lógica de argumentação pragmática permite reconstruir idealmente as condições de um consenso verdadeiro e universalizável ou do auditório universal, segundo a terminologia de Ch. Perelman. Na comunicação argumentativa de J. Habermas é indissolúvel a vinculação de teoria e práxis, pois a ciência não é neutra, mas orientada por determinados interesses, que são as suas condições transcendentais de possibilidade. J. Habermas apropriou-se de uma divisão do saber, que em 1929 Max E. Scheler propusera na sua obra Visão Filosófica de Mundo: «saber de domínio», «saber formativo» e «saber salvador» (PEREIRA, 1994, p. 50-51). O caminho percorrido pela retórica referenciado anteriormente mostra as variações entre teoria e prática ao longo dos séculos no Ocidente. Com efeito, as variações apresentadas podem nos trazer elementos de entendimento sobre os problemas concernentes à argumentação. Oratória e Retórica Teológica A retórica e a oratória teológica não são muito diferentes da retórica e oratória filosófica, mas o objetivo é outro. Se a retórica filosófica se propõe ao debate de ideias e sua contraposição para produzir um debate e uma estrutura dialética, a oratória e a retórica teológica procuram transmitir uma mensagem coesa e direta que produza no sujeito um efeito de convencimento. Para construir um argumento que convença a plateia, o orador deve observar alguns critérios. Reboul (apud SEGUNDO, 2006, p. 75): [...] pontua as cinco características que diferenciam fundamentalmente a demonstração da argumentação: 1. nesta, o discurso sempre se dirige a um auditório, que, para Reboul, é sempre particular, de modo que o auditório universal se constitui apenas em uma pretensão, abstração ou ideal argumentativo; 2. além disso, a argumentação expressa-se em língua natural, sofrendo as consequências de sua opacidade; 91 A Arte de Argumentar Capítulo 3 3. por trabalhar com o verossímil, as premissas argumentativas nunca são verdades propriamente ditas, o que demanda uma relação interpessoal de confiança, atenção e reconhecimento de autoridade da parte do auditório em relação ao orador; 4. nesse sentido, a progressão dos argumentos depende do orador, que procurará ordená-los de modo a satisfazer as condições de persuasão projetadas por ele acerca daquele auditório; 5. por conseguinte, as conclusões tornam-se sempre contestáveis, já que o auditório pode rejeitá-las ou aceitá- las mediante seu julgamento. Consequentemente, não cabe na argumentação isolar razão e emoção. As duas caminham necessariamente juntas, na medida em que crenças são intrinsecamente afetivas e afetarão o julgamento e a conclusão, independentemente do caminho racional da disposição argumentativa apresentada (SEGUNDO, 2006, p. 75). Desta maneira, a principal diferença presente no modo de expor um argumento na filosofia e na teologia permite ao orador usar de maneira mais eloquente a ferramenta para poder convencer o outro das verdades teológicas em questão. Por isso, a verdade teológica transmitida pela chamada oratória e retórica teológica deve levar o interlocutor ao convencimento. Neste aspecto, o conhecimento da mensagem a ser transmitida pelo dirigente religioso deve ser profundo para permitir o esclarecimento e a objetividade da mensagem. A você, estudante da disciplina de Oratória e Retórica, deve ficar claro que na teologia não podem ser produzidas questões que colocam o sujeito crente frente a dilemas humanos sem solução. Cabe ao dirigente religioso ser suficientemente capaz e claro em suas exposições sobre aquilo que a dimensão teológica abarca e o que escapa a este modo de pensar. Citamos na sequência um exemplo de discurso para que você, estudante de Oratória e Retórica, entenda como podemos interpretar os diversos significados. A discussão toda gira em torno da possibilidade da vida em Marte. Figura 1 – Exemplo de discurso: tirinha Mafalda Fonte: Disponível em: <http://astropt.org/blog/wp-content/uploads/2012/01/Mafalda1.jpg>. Acesso em: 10 jul. 2017. 92 Oratória e Retórica Observamos que a discussão não possui nenhum argumento empírico que sustente a possibilidade evocada, mas mesmo assim os interlocutores se debatem no tema com todo o ardor. Na teologia observamos uma terminologia própria que o indivíduo que quer discutir ou construir um texto precisa conhecer, vejamos um exemplo. Ao ser interpelado por este homem versado na Lei mosaica, Jesus lhe responde com outra pergunta: “Que está escrito na Lei? Como interpretas?” - que, embora de forma implícita, estabelece que sua mensagem aderia estritamente aos princípios da sagrada Lei de Deus. Inquirido, o intérprete da Lei respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e de todo o teu entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo”. A resposta evidencia uma correlação de dois textos mosaicos: Deuteronômio 6, 5 e Levítico 19, 18. Utilizados assim, permitem ao intérprete da Lei estabelecer corretamente o amor como a verdadeira essência de toda a religião. Ao findar o primeiro instante do debate, Jesus respondeu, de maneira notável, à pergunta inicial de seu inquisidor ao afirmar: “Respondeste corretamente; faze isto e viverás”. O verbo grego ποιέω, comumente traduzido por “fazer”, “praticar”, encontra-se, nesse versículo, no particípio imperfeito ποίει, expressando, dessa forma, uma ideia de ação constante, de prática vitalícia. Com efeito, a resposta de Jesus instaura uma necessidade latente de se estabelecer uma convergência entre ortodoxia e ortopraxia. A premissa teológica do doutor da Lei estava de acordo com o ensino mosaico e, concomitantemente, com o evangelho de Jesus. Entretanto, o cerne da questão era: Será que este intérprete da Lei estava disposto a vivenciar o que de fato estava propondo? A disposição cognitiva deste doutor era excelente; no entanto, seu desempenho ainda era questionável. Ao analisar essa parábola, Joachim Jeremias afirma: O fato de Jesus surpreendentemente remetê-lo ao agir como sendo a vida para a vida, deve se entender apartir igualmente desta situação concreta: todo o conhecimento teológico de nada serve, se o amor para com Deus e para com o próximo não determinar a direção da vida. A proposta filosófica da ética da alteridade encontra profundas raízes nesta premissa teológica. É inevitável a identificação do projeto filosófico levinasiano com a Lei de Moisés, uma vez que Levinas fora instruído em um contexto marcado por um profundo espírito de dedicação à Lei. Nilo Ribeiro Júnior, ao descrever a relação entre Levinas e as Escrituras, sublinha que “o ponto de partida do pensamento filosófico levinasiano é a Escritura considerada como fonte não filosófica da filosofia”. Emmanuel Levinas compreendeu a filosofia como testemunho profético de amor a Deus e ao próximo. Essa nova concepção da tarefa da filosofia rompeu com a clássica definição da filosofia, enquanto “amor à sabedoria”, estabelecendo-a como “sabedoria de amar”. Em Levinas, a verdadeira sabedoria não consiste em uma reflexão teorética, ou mesmo em um vil conhecimento científico que tende a reduzir os sujeitos a objetos, mas consiste em uma vivência de amor compassivo, que se faz responsabilidade pelo outro como expressão radical do amor a Deus e escopo do ser humano. Dessa forma, toda a reflexão levinasiana é um postulado do amor, proposto pela Lei mosaica, interpelando o logos proposto pela filosofia grega (CHACON; ALMEIDA, 2016, p. 51-52). 93 A Arte de Argumentar Capítulo 3 Deste modo, o teólogo articula uma sequência teológica de argumentos com um pensamento filosófico de um autor contemporâneo, tomando o cuidado de complementar as ideias. Por isso, a oratória e a retórica teológica possuem forte inclinação ao convencimento e à persuasão que dependem, sobretudo, do caráter e da formação do dirigente religioso para que produza um efeito desejado sem produzir radicalismos ou mal-entendidos. Em outras palavras, a formação moral dos dirigentes religiosos, padres, pastores, e outros, precisa ser muito bem estruturada e com enfoque na qualidade moral do sujeito. Moral e Retórica: Aspectos Fundamentais A relação entre moral e retórica é uma das questões muito importantes para você, estudante de Oratória e Retórica, pois é uma questão que implica na exposição dos argumentos. Antes de detalharmos o problema da moral, precisamos entender como passamos da busca da verdade na linguagem para a explicação de fenômenos e de seus signos e representações. Das narrações míticas chegaram-nos as metáforas da morada e do caminho, da retidão da vida e da errância, e foi ainda em termos de êxodo que I. Kant definiu a Aufklaerung como ruptura inauguradora de uma nova época da razão: «Aufklaerung é a saída do homem da sua menoridade culpável». Esta libertação da casa-prisão da razão menor teve uma provocante tradução na secularização dos quatro sentidos da Escritura: em vez do sentido literal ou histórico da realidade, a posição transcendental constituinte de objetos para nós com a suspensão da inatingível coisa-em-si; em vez do sentido tropológico ou moral inseparável da teologia, a pergunta ética racional pelo que eu devo fazer; em vez do sentido alegórico ou simbólico, a pergunta da razão pelo que se pode humanamente conhecer; em vez do sentido anagógico ou místico, a pergunta racional pelo que se pode esperar. A maioridade da razão está na redução de todas as perguntas à pergunta pelo homem e, consequentemente, de todas as respostas a proposições racionais dentro dos limites humanos do conhecer, do agir e do esperar. Após a eliminação kantiana do referente sob o nome de coisa-em-si e a exploração, dentro da filosofia da vida, da linguagem enquanto notificadora de vivências do sujeito, G. Frege distinguiu em 1892 na concepção global de sentido dois momentos, o do sentido propriamente dito e o da relação às coisas, que a versão francesa traduziu por «denotação» e a inglesa por «referência». À distinção entre a realidade material e as dimensões psicológica, lógica e referencial do signo, G. Frege acrescentou que não é o ato do intelecto, mas o signo, que, pelo sentido e pela referência, realiza a verdade como adequação ou trânsito do sentido para a referência modelarmente realizado pelas ciências (PEREIRA, 1994, p. 23). 94 Oratória e Retórica O conhecimento da impossibilidade do conhecimento da verdade em si (Kant) das coisas permitiu ao homem ser mais modesto nas expectativas em relação à linguagem e o alcance de seus discursos retóricos. Conforme entende Reboul (2004), a retórica e a oratória possuem estilos estabelecidos na antiguidade grega que sofreram apenas variações, não há evolução no pensamento filosófico retórico. É a moral do orador que continua a valer para se expor bem um argumento. Neste sentido, a moral (Kant) do orador, ou seja, as virtudes morais do orador, são importantes para que se possa produzir um modo de exposição adequado das ideias ou argumentos. A questão da autoridade moral ligada à pessoa do orador se recoloca: em um primeiro sentido, trata-se realmente dos seus caracteres reais. Assim, Bourdaloue afirma que “1. o orador convencerá por argumentos, se, para bem dizer, ele começar por pensar bem. 2. Ele agradará pelos seus modos, se, para, pensar bem, ele começar por bem viver”. Bernard Lamy fala das qualidades que devem possuir aqueles que querem ganhar os espíritos. No entanto, Le Guern retoma as teorias desenvolvidas pelas retóricas de Gibert, de Crevier e de outros, para mostrar que a questão da moralidade não elidia nos clássicos a ideia de uma construção do orador pelo seu discurso. É o sentido dos “caracteres oratórios” ou imagem produzida pelo discurso, a ser distinguido dos caracteres reais. Distinguimos caracteres oratórios de caracteres reais. Isso não apresenta dificuldades, pois, quer alguém efetivamente honesto, quer seja piedoso, religioso, modesto, justo, fácil no convívio com o mundo, ou, ao contrário, quer seja corrompido, [...], aqui está o que chamamos caracteres reais. Mas um homem parecer isso ou aquilo pelo discurso, isso se chama caracteres oratórios, quer ele seja tal como pareça ser, quer pareça mesmo sem o ser. Pois pode- se mostrar algo sem sê-lo; e pode-se não parecer tal, e ainda assim o ser; pois isso depende da maneira como se fala. A preocupação com a moral impede a dissociação clara dos dois planos assim distinguidos. Gibert nota que os caracteres “marcados e difundidos na maneira como se fala fazem que o discurso seja como que um espelho que reflete o orador...”. Le Guern conclui de seu percurso pelos manuais clássicos que a eficácia do discurso deriva claramente dos caracteres oratórios e não dos caracteres reais. É interessante notar que ele se refere aos trabalhos de Kerbrat-Orecchioni sobre a subjetividade para assinalar a que ponto o estudo das marcas discursivas do locutor convida a uma análise do ethos definido como a construção de uma imagem de si correspondente à finalidade do discurso (AMOSSY, 2005, p. 18). Com efeito, a moral do orador ou da retórica não é regra aplicada aos outros, mas a você que deseja ser um bom expositor de pensamentos. É fundamental a intenção do orador, se sua intenção é ludibriar, convencer a qualquer custo o interlocutor ou tentar transmitir uma mensagem com responsabilidade e limites com certos valores fundamentais. Na retórica de nossos dias, muitos defenderam a necessidade de uma teoria do ethos para produzir uma reflexão mais profunda. 95 A Arte de Argumentar Capítulo 3 Uma teoria do ethos, fundada na união entre a retórica e a narratologia, foi igualmente desenvolvida pelo canadense Albert W. Halsal para a “narrativa pragmática”. Ela se funda no exame da concepção aristotélica de autoridade aplicada a uma questão frequentemente debatida na poética da narrativa: a da credibilidade do narrador. A escola americana do “ponto de vista”, iniciada por Percy Lubbock, a narratologiade Käte Hamburguer e de Doritt Cohn, as taxionomias de Gérard Genette e de Mieke Bal fornecem noções (como a voz e o modo narrativos, a focalização) e as distinções (entre autor/narrador/personagem, e também entre diferentes tipos de narradores) que permitem estudar a questão da imagem do locutor no quadro específico da narração. Halsall combina esses dados com os fornecidos não só pela Retórica, mas também pela Poética de Aristóteles, para ver como e em que condições o enunciador parece confiável aos olhos do leitor. Ao fazê-lo, Halsall reformula a problemática do “narrador digno de confiança” em termos greimasianos de “contrato fiduciário”. Toda comunicação está fundada em uma confiança mínima entre os protagonistas, e cabe a uma retórica narrativa, segundo o autor, determinar como “a enunciação contribui para criar, no enunciatário, uma relação de confiança fundada na autoridade que o enunciador deve se conferir caso deseje convencer”. O interesse pela narrativa provém, segundo Halsall, da complexidade e, frequentemente, da ambiguidade produzidas pelas perspectivas narrativas. De fato, o ponto de vista e a voz do personagem não remetem necessariamente aos do narrador homo ou heterodiegético. A autoridade acordada a um ou a outro não é natural e deve ser negociada. As diferentes possibilidades são o apanágio do narrador que se mantém fora da diegese (ele pode se dirigir diretamente ao leitor virtual, por exemplo) e do narrador intradiegético (ele pode utilizar as figuras do logos para se justificar). Entretanto, a narrativa pode apresentar um narrador que se engana ou que gostaria de enganar, oferecendo, assim, numerosos casos de indefinição acerca da confiabilidade do enunciador e, consequentemente, do sentido do enunciado. A narrativa pragmática que visa a persuadir tende a reduzir ao máximo as ambiguidades que impedem os eleitores de chegarem a um consenso. Nessa ótica, Halsall examina as diferentes figuras que a retórica coloca à disposição da narração para assegurar a autoridade do narrador. O autor as divide, seguindo Aristóteles, em dois grupos: o dos argumentos exteriores provenientes de testemunhos, e o dos argumentos internos ao discurso. Na primeira categoria, ele agrupa o apelo aos princípios atestados, ou apodeixis (a nota aforística), o provérbio ou a sentença, o apelo à própria experiência ou martyria, as figuras de apelo intertextual que mobilizam uma autoridade exterior etc. A segunda categoria compreende o panegírico dos ouvintes (comprobatio), a declaração de boas intenções (eucharistie) etc. Outras figuras pertencem ao pathos: a simulação de submissão (philophronèse) e o eulogie ou bênção. A autoridade do narrador depende de sua maneira de manipular essas figuras e de adaptá-las às estratégias narrativas. Halsall o demonstra em diversas narrativas literárias, entre as quais O último dia de um condenado, de Victor Hugo (AMOSSY, 2005, p. 20-22). Essa teoria que une a retórica com a narrativa permite entender porque o homem precisa de um discurso para expor suas ideias de maneira coesa e articulada. Não basta um modelo estilístico, é preciso construir uma narrativa que configure um sentido para as ideias a serem apresentadas. 96 Oratória e Retórica Atividade de Estudos: 1) Leia o texto disponível em: <https://www.ufmg.br/online/ arquivos/anexos/Livro_trecho.pdf>, página 25 a 26, e explique o que você entende sobre a possibilidade de uma retórica integrada à linguística. Explique com suas palavras. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Argumentação Pedagógica, Filosófica A argumentação retórica pode ser pedagógica ou filosófica. Uma argumentação pedagógica é aquela que produz um efeito educativo, quer constranger o outro indivíduo a seguir aquilo que está sendo exposto ou enunciado em um determinado argumento (SOUKI, 2012). Já a argumentação filosófica é aquela em que se prioriza a exposição de ideias e que implica, necessariamente, em um debate ou na exposição linear e concatenada de argumentos. Uma argumentação pedagógica pode produzir resultados esperados desde que o orador domine os aspectos estruturais de tal arte. Com efeito, para falarmos de uma retórica e de uma oratória pedagógica, precisamos entender o significado de cada uma destas estruturas argumentativas. A Pedagogia Retórica, por conseguinte, ressaltou, especialmente, o estudo dos discursos e dos escritos dos melhores autores. Por essa razão, era, por natureza, canônica. Segundo Burton (1994, p. 96), a Pedagogia Retórica repousa numa íntima relação entre leitura/escrita e observação/composição. Divide-se em dois tipos de atividade hierarquicamente situadas: análise (dirigida pelo rector em uma verdadeira dissecação do texto modelo, praelectio) e gênese. A observação de sucessivos discursos e textos precede e aperfeiçoa a fala e a escrita. Assim, o incentivo à leitura não se deve somente à busca do conteúdo, mas, também, à busca de técnicas e estratégias úteis. Tais técnicas podem ser adaptadas e adotadas para aprimorar a fala e a escrita dos aprendizes, através de vários tipos de exercícios de imitação – 97 A Arte de Argumentar Capítulo 3 Imitatio. Esse termo imitatio/mímesis (imitação), em sua origem, refere-se à ação ou faculdade de imitar, de copiar, de reproduzir ou representar a natureza, o que, para Aristóteles, é o fundamento da arte. Entretanto, a imitatio não é exclusividade da gênese da arte. Toda ação humana inclui procedimentos miméticos, a aptidão do ser humano de aprender tem muito a ver com a imitação. Desse modo, Aristóteles defendia que é a mímesis que distingue o ser humano dos animais (ARISTÓTELES, Poética, 1, IV). Portanto, a imitatio é, sem dúvida, o maior pilar da Pedagogia Retórica. Outra concepção basilar para a Retórica é a divisão entre “o que é” comunicado por meio da linguagem e “como” isso é comunicado: a distinção entre forma e conteúdo – para Aristóteles, logos e lexis; res e verba para Quintiliano, bem como para Erasmus de Rotterdamm e Juan Luís Vives. Essa divisão, embora questionável e questionada – já que se defende hoje a natureza fundamentalmente indivisível da expressão verbal e das ideias –, é muito útil se entendida como um artifício para facilitar a aprendizagem e foi muito utilizada na Pedagogia Retórica na qual a prática da imitatio era a que mais exigia dos estudantes analisarem forma e conteúdo (SOUKI, 2012, p. 2). Nesse sentido, o sujeito que utiliza da argumentação pedagógica sempre se preocupa em expor um argumento para alguém e, como consequência, quer convencer ou ensinar algo para este interlocutor. Se a opção do orador for utilizar argumentação filosófica, deve ficar claro que o sujeito supõe uma oposição de argumentos ou uma exposição com sequência lógica e com uma finalidade de expor as ideias, não necessariamente o convencimento. Isso significa que a estrutura argumentativa escolhida implica nos resultados finais de uma exposição de argumentos. Você, estudante de Oratória e Retórica, deve ter em mente essa distinção para escolher o modo adequado de argumentação. É importante recordar alguns pontos fundamentais da retórica e da oratória para que o estudante tenha em mente o papel e o significado desta arte em sua vida, bem como os caminhos que quer escolher ao se utilizar dela. Embora se deva a Hermágoras o mais antigo tratamento dos estudos retóricos, foi Cícero que, efetivamente, legou para a posteridade essa divisão dos estudos retóricos, como os Cânones da Retórica (Cícero, De Inuentione, 1.7, Cícero, De Oratore, 1.31- 142; Quintiliano, Institutio Oratoria, 3.3). Foram organizados em cinco categorias: invenção (Inuentio); arranjo (Dispositio); estilo (Elocutio);memória (Memoria); e apresentação/performance (Pronuntiatio). Esses tratados serviam de alicerce e suporte para a crítica do discurso e, portanto, se configuravam em um padrão para a educação retórica e para o ensino da gênese dos discursos. Particularmente, o cânone heuresis/inuentio, que significa descoberta de fontes para a persuasão discursiva, está latente em todo problema retórico. O próprio termo latino 98 Oratória e Retórica inuentio, do grego heuresis, em português significa invenção ou descoberta. Esse cânone foi, na antiguidade, um dos processos mais teorizados por estudiosos retóricos da época, principalmente por Aristóteles, que definia a Retórica como invenção. Por isso, a categoria invenção está relacionada à essência da persuasão e argumentação dessa arte milenar. Para ele, a Retórica era uma das melhores formas de persuasão (ARISTÓTELES, Retórica, I, 2). A Retórica pode ser considerada uma disciplina prática cujos preceitos se dão a partir de ferramentas a serem aplicadas na prática. E como a Retórica, na antiguidade, não dispunha de uma matéria própria, os oradores tinham, como mérito, poder falar sobre qualquer assunto. Na prática, entretanto, os discursos eram para os oradores um desafio. Isso na medida em que era necessário propor argumentos apoiados em pontos de vista que se queriam defender. Como preconizava Cícero, além do gênio inato, era necessário ao orador o método, isto é, a Retórica, para então buscar os melhores argumentos. Ele defendia que o orador que tivesse o dom da Retórica já estaria em vantagem, e que, na falta dele, era imperioso ao orador buscar artifícios para descobrir argumentos. Nesse caso, a invenção, ou heuresis/ inuentio, era o método para demarcar a descoberta desses argumentos. Dessa maneira, é fundamental, nesta parte, salientar os dois grandes tipos de argumentos, de acordo com Aristóteles. São os seguintes: os não retóricos e os retóricos. Os primeiros não faziam parte da Retórica, eram argumentos externos à arte. Os oradores, ao utilizá-los, não necessitavam inventá-los, descobri-los. Dessa maneira, precisavam apenas localizá-los e adequá-los ao discurso. Acontece, entre outros processos, por meio do raciocínio lógico... Por sua vez, ocorre por indução ou dedução. Cabe enfatizar que registramos aqui essa categoria de argumentação, ou seja, a utilização dos argumentos não retóricos, já que se faz importante conhecê-los, compreendê-los e, então, utilizá-los adequadamente, quando conveniente (SOUKI, 2012, p. 4). Esse caminho de busca dos melhores argumentos para se expor um pensamento é a capacidade que irá distinguir um bom estudante e orador de um simples cumpridor de tarefas diante de um público. Desta maneira, conforme já apontou Sócrates, devemos distinguir discursos verdadeiros de discursos falsos mediante a análise dos argumentos. A parte do diálogo platônico apresentada na sequência permite a você, estudante, um entendimento e uma aproximação detalhada de um discurso retórico refinado. Estrangeiro — Logo, se há discurso verdadeiro e discurso falso, e o pensamento se nos revelou como conversação da alma consigo mesma, e opinião como a conclusão do pensamento, vindo a ser o que designamos pela expressão, imagino, uma mistura de sensação e opinião, forçoso é que algumas sejam falsas, dadas suas afinidades com o discurso. Teeteto — Sem dúvida. Estrangeiro — Como já percebeste, apanhamos mais depressa do que esperávamos a falsa opinião e o falso discurso, pois, não faz muito, tínhamos receio de haver empreendido com semelhante pesquisa uma tarefa irrealizável. 99 A Arte de Argumentar Capítulo 3 Teeteto — Já percebi, realmente. XLVIII — Estrangeiro — Por isso, não desanimemos ante o que ainda nos falta realizar; e já que conseguimos chegar até aqui, voltemos a tratar de nosso processo de divisão. Teeteto — Que divisão? Estrangeiro — Distinguimos duas classes na arte de fazer imagens: a da cópia e a dos simulacros. Teeteto — Certo. Estrangeiro — E também nos confessamos em dificuldade para incluir o sofista numa delas. Teeteto — Isso mesmo. Estrangeiro — E no auge de nossa confusão, trevas ainda mais densas nos envolveram, com apresentar-se-nos o argumento de contestação universal, de que não existe absolutamente nem cópia nem simulacro, visto não ser possível haver, seja onde for, qualquer espécie de falsidade. Teeteto — Falaste com muito acerto. Estrangeiro — Porém, uma vez provada a existência de falsos discursos e de opiniões falsas, é possível que haja imitação dos seres, e que dessa disposição do espírito nasça uma arte da falsidade. Teeteto — É possível (PLATÃO, 1980a, p. 66). Cabe ao estudante de Oratória e Retórica escolher o argumento apropriado que mais se adapte ao seu caráter e a suas convicções pessoais para explicar e expor uma mensagem teológica, filosófica ou de outra ordem. Figuras de Pensamento e Figuras de Construção As figuras argumentativas podem variar de modo a produzir diversos efeitos em seus interlocutores (REBOUL, 2004). Desta maneira, podemos falar de simples comparações que são simplesmente cotidianas em nossos argumentos. Podemos falar também de argumentos que utilizam alegorias elaboradas que são muito comuns em meios jurídicos para suavizar determinados atos. Merecem menção ainda os eufemismos linguísticos que querem suavizar uma situação insuportável. Entre outros, podemos falar ainda de argumentos comparativos, indicativos, ambíguos, literais e implícitos. De acordo com a escolha que o sujeito fizer quando enunciar um argumento, o efeito resultante será condicionado à amplitude da possibilidade que este tiver. Por exemplo, para convencer um determinado público, o orador escolhe um argumento indicativo e direto. O resultado está condicionado ao nível da plateia e ao tipo de argumento que ele escolheu. Evidente que o estilo do orador pode contribuir ou não no convencimento, mas o tipo do argumento é o principal determinante. 100 Oratória e Retórica Agumas Considerações Os aspectos argumentativos expostos permitem um entendimento de como a retórica e a oratória, no decorrer da história do conceito, se desenvolveram. E conforme aponta Reboul (2004), não existe uma evolução positivista na construção dos argumentos. Podemos entender que existem muitas idas e vindas do uso da retórica e da oratória, com períodos de destaque e outros de esquecimento. Deve ficar claro que tanto a retórica, construção de argumentos, quanto a oratória, exposição destes, são componentes do cotidiano de nossas existências. Referências AMOSSY, Ruth. Da noção retórica de ethos à análise do discurso. Imagens de si no discurso: a construção do ethos. São Paulo: Contexto, p. 9-28, 2005. Disponível em: <https://www.ufmg.br/online/arquivos/anexos/Livro_trecho.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2017. CHACON; Almeida. Deus no Outro: a noção cristã de espiritualidade e sua interface com a ética da alteridade. Revista Eletrônica Espaço Teológico. Vol. 10, n. 18, jul/dez, 2016, p. 48-60. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index. php/reveleteo>. Acesso em: 15 jun. 2017. PLATÃO. Fedro. Pará: Universidade Federal do Pará, 1980a. _______. Górgias. Pará: Universidade Federal do Pará, 1980b. REBOUL, O. Introdução à retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. PEREIRA, M. P. Retórica, hermenêutica e filosofia. Revista filosófica de Coimbra. n. 5, v. 3, 1994. pp. 5-70. Disponível em: <http://www.uc.pt/fluc/dfci/ publicacoes/retorica__hermeneutica_e_filosofia>. Acesso em: 10 jun. 2017. SEGUNDO, P. R. G. Resenha de Olivier Reboul. Introdução à Retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. SOUKI, J. D. O. Argumentação: a pedagogia retórica como uma das possibilidades de ensino e de aprendizagem dessa modalidade discursiva. 2012. Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/ faculdadedireitoarnaldo/article/download/20/14>. Acesso em: 13 jun. 2017. CAPÍTULO4 Implicações da Retórica A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Escolher argumentos e formas de oratória para alguns grupos de pessoas. � Diferenciar as hipóteses de teses e posturas retóricas acerca de um tema. � Construir um argumento retórico que convença. � Formular uma oratória para um determinado público. 102 Oratória e Retórica 103 Implicações da Retórica Capítulo 4 Contextualização Neste capítulo procuramos apresentar a você, estudante de oratória e retórica, uma reflexão sobre as implicações das escolhas de determinados argumentos e as devidas consequências destas escolhas. Implicações do Argumento Quando enunciamos um argumento, devemos saber quais as devidas implicações do que estamos expondo. Ao apresentarmos um determinado argumento, devemos saber de suas fontes, se ele tem ou não alguma relação com a verdade, no sentido platônico que remete à epistemologia dos fatos ou se é uma mera suposição do intelecto que produz determinadas situações como fruto de nossa imaginação. Um argumento precisa ter uma sequência lógica de raciocínios, ele não pode ser um enunciado vazio sem coerência interna. Para que você, estudante de oratória e retórica, entenda o que está sendo dito, daremos alguns exemplos. Exemplo: (a) Sócrates é homem. Todos os homens são mortais. Logo, Sócrates é mortal. (b) Vovó se chama Ana. Vovô se chama Lúcio. Consequentemente, eu me chamo Ana Lúcia. (c) Há exatamente 136 caixas de laranja no depósito. Cada caixa contém pelo menos 140 laranjas. Nenhuma caixa contém mais do que 166 laranjas. Deste modo, no depósito estão pelo menos seis caixas contendo o mesmo número de laranjas (VIANA, 2012, p. 4). Não queremos entrar em detalhes lógicos formais dos argumentos, pois o estudante de oratória e retórica não precisa de formalidades filosóficas com detalhamentos matemáticos. Ele deve ter em mente que para fazer um bom argumento precisa dominar o tema, os estilos e a finalidade de seu argumento. Deste modo, as implicações de um determinado argumento são mensuráveis, ou seja, calculáveis. Com efeito, você, estudante de oratória e retórica, fique atento a isso para saber o momento de enunciar um argumento e o momento de aguardar o devido silêncio. Em muitos momentos da convivência humana, argumentar significa admitir a incapacidade de transmitir a mensagem desejada, logo o silêncio também é um argumento, saber o que ele significa e para quais momentos deve ser usado, por isso citamos um texto jurídico para o aluno distinguir do de teologia. Um argumento precisa ter uma sequência lógica de raciocínios, ele não pode ser um enunciado vazio sem coerência interna. 104 Oratória e Retórica Argumentar é o ato de produzir argumentos. Produzir um argumento é apresentar razões em defesa de uma conclusão. Essa não é a única definição possível do ato de argumentar. Por exemplo, há quem prefira entender argumentos como diálogos, isto é, como séries (mais ou menos longas) de afirmações, objeções e réplicas. Essa concepção – que poderia ser descrita como “dialógica” – não está errada. Ela é útil em certos contextos e para certos propósitos; mas ela não parece particularmente útil para explicar a interlocução jurídica. Devemos adotar uma noção de argumento que seja capaz de representar o aspecto competitivo e conflituoso da argumentação jurídica. Argumentar não é exatamente um ato privado ou monológico (afinal, argumentos jurídicos são produzidos caracteristicamente no contexto de debates públicos), mas cada argumentador é responsável por seus próprios argumentos. Cada argumentador, ao produzir um argumento, apresenta as suas razões em defesa da sua conclusão. Isso não quer dizer que argumentação jurídica seja sempre competitiva ou conflituosa. No ambiente acadêmico, por exemplo, há muito espaço para a colaboração intelectual (SCHECAIRA, 2012, p. 1). Por isso, saber o alcance de um argumento e as devidas consequências é uma forma de o orador saber o que está fazendo. Não basta falar e expor bem um argumento, é preciso saber se é o local e o momento adequado. Atenção: calcular as consequências de seus argumentos não é somente considerar matematicamente as probabilidades e determinar uma relação utilitária, é, antes de tudo, ter a sensibilidade de saber o que, quando e para que serve o que estamos expondo. Percebemos estas dificuldades em situações extremas, por exemplo, quando há uma tragédia, ou quando há uma enfermidade grave em nosso meio. Quantas vezes queremos confortar os outros falando e argumentando, sendo que naquele momento ninguém tem condições emocionais de escutar um argumento. Consequentemente, acabamos por falar em um momento em que as palavras não são o mais importante. O contrário também é verdadeiro. Quantas vezes já nos chamaram a expor um argumento e preferimos nos esconder em nossas dificuldades e nos omitimos. Os elementos que formam um argumento são proposições. Segundo uma compreensão clássica, proposições podem ser verdadeiras ou falsas, segundo corretamente expressem, ou não, aquilo que “corresponde aos fatos”. Já os argumentos, sendo estruturas de proposições, não são passíveis de verdade ou falsidade. [...] O seu “valor” epistêmico se expressa pelas noções de validade e relevância. Um argumento será válido se, e somente se, for impossível que sua conclusão seja falsa quando se assume que todas as premissas são verdadeiras. Com essa caracterização, fica claro que somente argumentos do tipo lógico podem, estritamente, ser válidos. Nos outros tipos, deve-se adotar um padrão [...] mais fraco de exigência para a avaliação do argumento. Assim, muitos filósofos propuseram critérios variados pelos quais argumentos indutivos e abdutivos poderiam ser classificados em melhores ou piores, ou seja, capazes, em maior ou menor grau, de conferir plausibilidade Saber o alcance de um argumento e as devidas consequências é uma forma de o orador saber o que está fazendo. Não basta falar e expor bem um argumento, é preciso saber se é o local e o momento adequado. 105 Implicações da Retórica Capítulo 4 a suas conclusões, quando se assume que suas premissas são verdadeiras. Um argumento será dito relevante se, e somente se, além de válido, todas as suas premissas forem, de fato, verdadeiras. Se contiver ao menos uma premissa falsa, será irrelevante, porque a existência de falsidade entre suas premissas faz com que se perca a garantia de que a conclusão é de fato verdadeira, mesmo o argumento sendo válido. (Um argumento válido “transmite” a verdade das premissas para a conclusão; se entre as premissas houver alguma que seja falsa, sua falsidade poderá (mas não necessariamente) “passar” para a conclusão.) (CHIBENI, s.d., p. 2). Logo, identificar a estrutura e a falsidade de uma premissa irá contribuir para que o estudante de oratória e retórica se organize, e conforme entende Reboul (2004), saiba escolher o tipo de argumento que deve usar para cada circunstância. Atividade de Estudos: 1) Indique o que você entendeu do texto a seguir sobre o esquecimento da retórica. Explique com suas palavras! Se a retórica, com a revolução romântica, entrou em descrédito, rejeitada em nome de uma pretensa espontaneidade e sinceridade poéticas, se os estudos retóricos foram, depois, perdendo importância, sobretudo nas escolas da Europa continental, tal fato não significou, como muitos pensaram e alguns desejaram, a morte de uma arte transmitida ao longo de mais de 25 séculos, nem a sua exclusão, pelas forças criadoras do gênio, para o limbo das coisas inúteis. Ao contrário do que se poderia supor, foi a retórica, em tempos de fascínio pela utilidade imediata dos saberes e técnicas, de entre as artes da palavra, aquela que veio a revelar-se o instrumento mais necessário e eficaz nas sociedades que,ao longo do século XX, sofreram e se beneficiaram dos efeitos da aceleração histórica. Com efeito, se a comunicação, no passado, era naturalmente limitada pelo espaço – do tribunal, da assembleia, da igreja, da praça pública –, por não haver maneira de propagar mais além a voz humana, no nosso tempo, instrumentos e técnicas cada vez mais aperfeiçoadas permitiram dar à palavra força incoercível e eficácia inaudita. É verdade que há muito o homem vencera as barreiras do tempo, por meio da escrita, e lograra a propagação do discurso através 106 Oratória e Retórica do livro impresso: a retórica constitui-se como arte na Grécia do século V a. C., quando se expande o conhecimento e uso da escrita; a retórica renasce na Itália do Quattrocento, quando se beneficia das possibilidades oferecidas pelo invento de Guttenberg; com a imprensa, a retórica pôde transformar-se em retórica literária. Mas esse era um tempo diferido, que alterava as condições da situação comunicacional, e quando, em diferentes momentos e por razões várias, a retórica é reduzida à técnica de análise e composição, perde a sua dinâmica; padecendo de letteraturazione, deleita, talvez ensine, deixa porém de impelir à ação: a distância entre orador e ouvinte dificulta o ofício de persuadir. Esse foi o tempo da retórica senza microfono. O século passado viu nascer a comunicação de massas, a difusão do discurso, escrito e oral, à escala planetária, mercê de poderosos meios de amplificação da voz humana; o meio frio da galáxia de Guttenberg, rapidamente substituído pelos canais quentes da era de McLuhan; mas viu também como tamanho poder perverte a verdadeira comunicação; na pólis deste nosso tempo, saturado de discurso e informação, de novo manda a palavra por limitada que seja a isegoria (Calboli 1983: 23-56 e Verdelho 1986: 139-156). [...] Na Europa a recuperação da retórica processou-se sobretudo a dois níveis, no plano filosófico e no campo dos estudos linguísticos e literários. A filosofia há muito tempo que excomungara a retórica; Descartes e Kant prolongaram a seu modo a atitude antirretórica que desde Platão marcava o pensamento filosófico. A reabilitação da retórica neste domínio inicia-se em 1952, quando Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca publicam uma coletânea de artigos sob o título Rhétorique et Philosophie; aí proclamam o seu propósito de estudar «les moyens d’argumentation, autres que ceux relevant de la logique formelle, qui permettent d’obtenir ou d’accroître l’adhésion d’autrui aux thèses qu’on propose à son assentiment» (Lempereur 1990: 117). Em 1958 sistematizam essa teoria no Traité de l’argumentation que apresentam como nouvelle rhétorique. Para resolver o velho dissídio entre retórica e filosofia, Perelman regressa à tradição clássica elegendo como texto fundacional a Retórica de Aristóteles (SOARES, 2011, p. 19-22). ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 107 Implicações da Retórica Capítulo 4 Os Sofistas e a Retórica de Hoje O nascimento da retórica no Ocidente se relaciona de modo substancial com um movimento filosófico antigo que foi contemporâneo ao pensamento platônico por volta do século IV a.C., que foi chamado de sofista. Os sofistas são um grupo de pensadores da época de Platão e que não acreditavam na possibilidade de se transmitir a verdade pelo discurso. Logo, surgiu a contenda em que Platão os acusou de vendedores de discursos sem compromisso com a verdade. A disputa entre Sócrates e os sofistas, descrita por Platão, visto que Sócrates nada escreveu, mostra este problema da discussão sobre a elaboração de um discurso presente entre os gregos. Passamos agora para alguns trechos do diálogo Sofista de Platão, para evitarmos a falsa impressão de que a retórica e a oratória evoluíram. O diálogo começa com Sócrates e Teodoro, um amigo da época. I — Teodoro — Fiéis, Sócrates, a nossa combinação de ontem, aqui estamos na melhor ordem. Trouxemos conosco este Estrangeiro, natural de Eleia; é amigo dos discípulos de Parmênides e de Zenão, e filósofo de grande merecimento. Sócrates — Não se dará o caso, Teodoro, de, sem o saberes, teres trazido um dos deuses em vez de um Estrangeiro, segundo aquilo de Homero, quando diz que, de regra, os deuses, e particularmente o que preside à hospitalidade, acompanham os cultores da justiça, para observarem o orgulho ou a equidade dos homens? Quem sabe se não veio contigo uma dessas divindades, para surpreender-nos e refutar-nos argumentadores tão fracos todos nós algum deus disputador? Teodoro — Não, Sócrates; não é do caráter do nosso Estrangeiro; ele é mais modesto do que todos esses amantes de discussões. Não acho, absolutamente, que o homem seja alguma divindade. Porém divino terá de ser, sem dúvida; não é outro o qualificativo que costumo dar aos filósofos. Sócrates — E com razão, amigo. Porém talvez a raça dos filósofos não seja, por assim dizer, muito mais fácil de conhecer do que a dos deuses. Em virtude da ignorância da maioria, esses varões percorrem as cidades sob as mais variadas aparências, contemplando, sobranceiros, a vida cá de baixo. Não me refiro aos pretensos filósofos, porém aos de verdade. Aos olhos de algumas pessoas, eles carecem em absoluto de merecimento; para outros, são dignos de toda a consideração. Ora se apresentam como políticos, ora como sofistas, havendo, até, quem dê a impressão de ser completamente louco. Por isso mesmo, gostaria de perguntar ao nosso Estrangeiro, caso nada tenha a opor, como pensam a esse respeito lá por suas bandas e como os denominam (PLATÃO, 1980, p. 2-3). Este movimento se difundiu por todo o pensamento grego e ganhou força sob a fundamentação retórica do relativismo e das correntes filosóficas que se apoiam nele. Embora a maior parte dos sofistas se preocupasse em dar aulas e vender seus ensinamentos para sobreviver, inaugurando a profissão de professor ambulante, seu modo de argumentar preciso e belo se difundiu com grande velocidade, suplantando a busca da verdade da filosofia socrático-platônica. 108 Oratória e Retórica E para irmos ao cerne do problema, nos referimos à definição dada por Sócrates no texto escrito por Platão sobre os sofistas e seus estilos de argumentação em defesa da não existência da verdade. III — Estrangeiro — Belas palavras; porém sobre isso tu mesmo resolverás no decorrer de nossa discussão. No momento, o que importa é te associares comigo para darmos início ao nosso estudo, a começar, segundo penso, pelo sofista; investiguemo-lo e mostremos com nossa análise o que ele venha a ser. Por enquanto, eu e tu apenas num ponto estamos de acordo: o nome. Mas, quanto à coisa designada por esse nome, talvez cada um de nós faça ideia diferente. Porém, em toda discussão o que importa, antes de tudo, é ficar em concordância com relação à própria coisa, por meio da explicação adequada, não apenas a respeito do nome, sem aquela explicação. A tribo dos sofistas que nos dispomos a investigar não é fácil de definir. Mas para levar a bom termo empresas grandes, segundo preceito antigo de aceitação geral, só será de vantagem experimentar antes as forças em temas menores e mais fáceis, e só depois passar para os maiores. Por isso, Teeteto, o que na presente situação sugiro para nós dois, já que reconhecemos ser difícil e trabalhosa a raça dos sofistas, é nos exercitarmos primeiro nalgum tema simples, a menos que te ocorra indicar um caminho mais cômodo. Teeteto – Não; nada me ocorre nesse sentido. Estrangeiro — Concordas, então, em escolhermos um exemplo singelo e apresentá- lo como modelo para o maior? Teeteto — Concordo. Estrangeiro — Que assunto, pois, escolheremos, simples, a um tempo, e fácil de conhecer, mascuja explicação não exija menor número de características do que temas importantes? O do pescador, talvez? Não é assunto bastante conhecido e não nos merece a maior atenção? Teeteto – Isso mesmo. Estrangeiro – Espero que nos aponte o caminho procurado e propicie a definição mais condizente com o nosso intento. Teeteto – Seria ótimo. IV — Estrangeiro — Pois então comecemos por aí. Dizei-me uma coisa: como devemos concebê-lo: é artista ou sujeito carecente de arte, porém dotado de alguma outra capacidade? Teeteto – De jeito nenhum poderá ser carecente de arte. Estrangeiro – Mas todas as artes se reduzem a duas espécies. Teeteto – Como assim? Estrangeiro – A agricultura e tudo o que trata do corpo mortal; depois, tudo o que se relaciona com os objetos compostos e manipulados, a que damos o nome de utensílios; e, por último, a imitação: não será justo designar tudo isso por um único nome? Teeteto – Como assim, e que nome será? Estrangeiro – Damos o nome de produtor a quem traz para a existência o que antes não existia, denominamos produto o que passa a existir em cada caso particular. Teeteto – Certo. Estrangeiro – Então, designemos tudo aquilo por um nome único: serão as artes produtivas. Teeteto – Seja. Estrangeiro – Depois dessas, vem a classe inteira das artes da aprendizagem e do conhecimento, as do ganho, a da luta e a da caça, as quais nada fabricam, mas que, por meio da palavra ou da ação, procuram apropriar-se do que existe ou foi produzido, ou impedir que outros se apropriem. O nome genérico mais indicado para todas essas atividades seria o de arte aquisitiva (PLATÃO, 1980, p. 5-6). 109 Implicações da Retórica Capítulo 4 Neste sentido, os sofistas e sua arte de argumentar bem venceram o embate com a filosofia da busca da verdade fundada em Platão e Aristóteles. Isso não significa em superação, pois em filosofia não existe conhecimento retórico ultrapassado. Você, estudante de oratória e retórica, deve saber disso, não há conhecimento superado em filosofia. Deste modo, você pode optar entre as diferentes correntes de pensamento e escolher o seu modelo retórico mais adequado. Precisamos mencionar neste capítulo que a passagem da arte da enganação, como era conhecida a retórica e a oratória entre os gregos, para a arte do falar bem, envolve uma dinâmica que implica em evolução. O que ocorreu é uma retomada da perspectiva dos sofistas da época platônica, pois embora Platão os combatesse, valorizava a arte retórica destes. Houve tempos em que a retórica foi tratada como sinônimo de enganação. A leitura do diálogo Górgias de Platão deixa evidente que a dupla serventia da persuasão – ora podendo estar a serviço do bem, ora do mal - acabou lhe deixando uma marca pesada demais para carregar. O ensino e o uso da retórica e da oratória para fins políticos também contribuíram para o seu afastamento do elenco dos métodos científicos. Mas foi o racionalismo o verdadeiro divisor de águas que marcou o momento em que a retórica caiu no esquecimento. Por isso mesmo, na esteira das contestações pragmática e behaviorista, no século XX, abriu-se caminho para o ressurgimento da retórica. A retórica não se trata, portanto, de uma corrente de pensamento, mas sim de um instrumento. E não é correto também ligar esse instrumento com alguma corrente de pensamento específica, como alguns críticos já o fizeram no Brasil, ao atacarem os seguidores da retórica, em diversos momentos, como sendo difusores de instrumentos a serviço do neoliberalismo. O objetivo do projeto retórico é o estudo pormenorizado do alcance da técnica. E é justamente por isso que o estudo da retórica enquanto técnica de persuasão deveria ser estimulado entre os estudantes e profissionais da área da economia, a fim de permitir uma melhor leitura do que se passa nesse ramo do conhecimento em cada momento do tempo. Os trabalhos de Arida e McCloskey chamam a atenção para a necessidade de se dar valor ao pluralismo metodológico em detrimento da unicidade de método; alertam para a necessidade de não se jogar fora o contraditório, de evitar reduzir tudo ao formalismo frio e às tratativas impessoais tão presentes no hardcore neoclássico. Chamam ainda a atenção para a necessidade de facilitar a comunicação entre os economistas e de se dar voz para aqueles que desejam falar (VIEIRA, 2016, p. 17). É importante mencionar que as técnicas retóricas formais de construção de um argumento podem ser incrementadas com tecnologia e efeitos especiais, mas em nenhum momento podemos falar de progresso positivo. A filosofia e a retórica filosófica funcionam com a contraposição das ideias e não com descobertas científicas. Deste modo, a filosofia e sua subárea, a retórica, são maneiras de 110 Oratória e Retórica pensar que permitem ao homem, desde seus modelos conhecidos na Grécia e em outros lugares, se debruçar sobre o mundo ao seu redor sem cair na armadilha do positivismo como algo melhor. Os sofistas em geral eram professores ambulantes que de maneira itinerante levavam a arte de falar bem aos diversos povos da Grécia e arredores. Caracterizar os sofistas a partir de sua atividade profissional como professores de retórica parece ser a maneira menos controversa de defini-los. Eles supriram a demanda por uma educação juvenil destinada a formar homens capazes de distinguirem-se dos demais nos assuntos públicos e privados. Vistos positivamente, eles eram “os transmissores de competências valorizadas no seu tempo como instrumentos decisivos do sucesso na carreira política e, de um modo geral, nos êxitos mundanos” (SOUSA; PINTO, 2002, p. 13-14). Seu ensino era pago e eram procurados, principalmente, por jovens de famílias abastadas que pretendiam alcançar poder político através do domínio das técnicas do discurso persuasivo. Que alguns desses jovens fossem mal-intencionados e utilizassem, futuramente, os ensinamentos sofísticos com fins inescrupulosos era um risco da profissão e algo pelo qual os sofistas foram muitas vezes responsabilizados. O estudo da retórica orientado pelos sofistas incluía desde o conhecimento de pequenos detalhes gramaticais até a discussão de assuntos de composição, estrutura e argumentação. O objetivo destes estudos era a construção do discurso não apenas mais adequado e convincente, mas do melhor e mais envolvente. Suas práticas pretendiam o aprimoramento no uso de técnicas discursivas tais como: o uso do argumento provável ou verossimilhante; contra-argumentação e justaposição de argumentos contrários; adequação à ocasião (causa, público, situação etc.); figuras de linguagem, efeitos causados sobre o público etc. (PREZOTTO, 2008, p. 242). Depois deste detalhamento importante, queremos apontar como a modernidade se desenvolveu sobre a definição sofística de que não existe a verdade. O homem moderno resultado do desenvolvimento científico chegou a acreditar em uma máxima relativista elencada por Protágoras, sofista grego, “o homem é a medida de todas as coisas”, de modo a excluir qualquer possibilidade da busca da verdade. De um modo geral, alguns professores esclarecidos da geração anterior assemelhavam-se aos sofistas, como os preceptores de Péricles, que ensinavam sobre astronomia, geografia e física e mantinham com seus alunos discussões dialéticas acerca de problemas diversos. No entanto, embora partilhassem com seus predecessores o ofício de treinar os jovens para os deveres, as atribuições e os acontecimentos da vida adulta, privada ou pública, os sofistas distinguiram-se [...] por trazer à tarefa uma gama maior de conhecimento, com uma maior multiplicidade de tópicos científicos e outros - não só poderes mais impressionantes de composição e discurso, servindo como um exemplo pessoal ao aluno, mas também uma compreensão dos elementos da boa oratória, para poder transmitir os preceitos conducentes àquela realização - um tesouro considerável de pensamento acumulado 111Implicações da Retórica Capítulo 4 em moral e assuntos políticos, destinado a tornar sua conversa instrutiva - e discursos prontos, sobre temas gerais ou ‘lugares comuns’, para que os alunos aprendessem de cor (GROTE, 1907, p. 317). Acreditar que os sofistas transmitissem apenas técnicas e aptidões específicas é simplificar o escopo de sua atuação. Influenciados pela filosofia jônica, os sofistas são racionalistas e inquiridores. As explicações ‘naturais’, de Anaximandro em diante, para a origem da vida e da sociedade abriram caminho para o tratamento dos eventos como problemas perscrutáveis, não mais como mistérios intangíveis em que os papéis fundamentais eram representados pelos deuses. O contato com outros povos, a percepção da relatividade dos valores morais, dos costumes, da religião, foi outro fator que contribuiu para a formação da nova geração de pensadores relativistas e humanistas. Outra característica dos sofistas é a de serem itinerantes assim como os antigos aedos. Viajavam pelo mundo grego, visitando várias cidades, transmitindo os seus conhecimentos em palestras a pequenos grupos, em conferências maiores ou em epídeixeis. Também se apresentaram em festivais e em outras ocasiões públicas. Dos sofistas mais famosos desta época, apenas Antífon parece ter sido ateniense; Protágoras era de Abdera (na costa da Trácia), Górgias de Leontinos (na Sicília), Pródico de Céos (em território jônico) e Hípias de Élis (nordeste do Peloponeso). Todos eles estiveram, em algum ou vários momentos de suas vidas, em Atenas, pois “Atenas, por uns 60 anos, na segunda metade do século V a. C., era o verdadeiro centro do movimento sofista. De fato, tanto isso é verdade que, sem Atenas, é provável que o movimento dificilmente teria vindo a existir (PREZOTTO, 2008, p. 243-244). Este movimento se desenvolveu e se espalhou pelo Ocidente e na modernidade procura explicar coisas para as quais não pode dar uma resposta definitiva, ou ainda atribui à ciência essa tarefa que não pode ser cumprida, pois à ciência compete investigar fenômenos e não coisas em si, conforme ensinou o filósofo alemão Immanuel Kant (2005). Todas as características do movimento sofista até aqui expostas suscitam tanto admiração como repulsa. A nova educação que promove é satirizada por Aristófanes em As Nuvens. Os sofistas foram acusados de venderem um conhecimento imoral e pernicioso, ensinando os jovens a justificarem más ações com argumentos retóricos, livrando-se assim de suas consequências. Os ricos e conservadores consideravam-nos uma ameaça pelas mudanças e discussões que incitavam; os mais pobres, que não tinham acesso ao seu ensino, viam- nos com preconceito, como os detratores dos bons e velhos costumes. Neste ambiente hostil, ‘sofista’ passa a ser um título depreciativo, usado para intelectuais, adivinhos, pedantes, ateus, físicos, filósofos etc., implicando charlatanismo e velhacaria ou astúcia, esperteza em sentido pejorativo. A má reputação dos sofistas foi perpetuada pelo menosprezo de Platão, cuja opinião continua, ainda hoje, a influenciar a visão que se tem do período sofístico. Apenas a partir do séc. XIX é que se começa a desvincular o estudo do movimento sofista da visão legada por Platão. A crítica platônica, em linhas gerais, recai sob duas acusações: 1) os sofistas não são pensadores sérios e 2) eles são indivíduos imorais. A primeira acusação diz respeito ao empreendimento platônico que busca ridicularizar 112 Oratória e Retórica as proposições ou as possíveis conclusões advindas da reflexão sofista, negando às doutrinas sofísticas valor filosófico. A energia gasta por Platão neste empreendimento, por si só, já é indício da influência exercida por estes pensadores. Grosso modo, os sofistas difundiam uma concepção relativista aplicada aos níveis ontológico e epistemológico, e à questão da verdade, e foram considerados rivais por Platão, que desenvolvia uma filosofia essencialmente ‘absolutista’. Embora Platão tenha tratado Protágoras e Górgias com respeito, diferenciando- os dos homens medíocres ligados mais tardiamente ao movimento, ele transmite um entendimento fundamentalmente errôneo (ou conscientemente distorcido) do pensamento sofista (PREZOTTO, 2008, p. 245). No âmbito da retórica e da oratória, a tentativa de negar a possibilidade de se buscar a verdade produziu inúmeras tentativas de reduzir tudo ao modelo relativista e produziu consequências morais devastadoras na construção e exposição de argumentos. Podemos observar bem esse problema na modernidade, no âmbito do direito e da religião. Devemos mencionar outra acusação grave aos sofistas, a de que restringiram o papel da educação, retirando dela a condição do ensino da Arete, virtude. A segunda acusação envolve as críticas direcionadas à atividade profissional dos sofistas, visando desmerecer o valor da educação que ofereciam. São caracterizados, no diálogo sofista, como caçadores de jovens ricos e comerciantes do ensino. Como Kerferd (2003, p. 47-49) elucidou, para entender esta crítica é necessário considerar a oposição conservadora a que qualquer um tenha acesso à formação política simplesmente pagando. Como dito anteriormente, até este momento a educação juvenil era restrita aos membros das famílias nobres e acontecia numa relação de amizade entre o jovem e seu mestre. Que a instrução estivesse acessível a todos que pudessem pagar por ela forçava a reconsideração de estruturas internas da sociedade. O ambiente da pólis democrática era propício a tais questionamentos, mas a polêmica foi grande e deu origem a um dos grandes debates da época: saber se aretē pode ou não ser ensinada. Tradicionalmente, aretē era palavra usada para referir-se à qualidade inata dos grandes homens, os que se destacaram historicamente pela coragem, força, valentia, sabedoria, liderança; mas também havia um outro uso desta palavra, que denotava a excelência em uma tarefa ou função específica, e relaciona-se ao domínio de uma técnica, téchnē, termo comumente traduzido por arte. No diálogo Protágoras, Platão apresenta Sócrates e Protágoras debatendo esta questão. Ao afirmar que ensina téchnē No âmbito da retórica e da oratória, a tentativa de negar a possibilidade de se buscar a verdade produziu inúmeras tentativas de reduzir tudo ao modelo relativista e produziu consequências morais devastadoras na construção e exposição de argumentos. 113 Implicações da Retórica Capítulo 4 política (319a), Protágoras é confrontado com dois argumentos socráticos que pretendem demonstrar que ‘essa’ aretē não é um conhecimento que possa ser transmitido. Os argumentos socráticos são: 1) em questões técnicas os atenienses consultam especialistas, já em questões políticas, qualquer um pode opinar, ninguém se opõe a isto acreditando que é preciso ter estudado ou frequentado um professor (319b-d); 2) os melhores e mais sábios cidadãos não foram capazes de transmitir sua aretē a outros, cita Péricles (319e-320b). Protágoras expõe sua opinião através de um mito e conclui que todos os homens são dotados de qualidades que os tornam capazes de participar da téchnē política: justiça e respeito, díkē e aidōs – apenas por possuírem todos estas qualidades é que a vida em sociedade é possível (320d-323c). Fonte: Prezotto (2008, p. 246). No período final da Idade Média temos um desenvolvimento de características que podemos denominar de incorporadas aos estudos das áreas de filosofia e teologia. Em seguida, nos séculos XVII e XVIII, é esquecida. Na historiografia do século XVI, as narrativas marítimas de países desconhecidos, de fenômenos naturais, de paragens de outras latitudes e climas, manifestam, de par com a presença do maravilhoso, a importância que assume a experiência, a componente realista e empírica. São frequentes as marcas da enunciação ‘eu vi’, ‘eu ouvi’, que servem no discurso do narradorpara dar maior credibilidade aos factos, que apontam para uma história contemporânea, baseada nos pressupostos teóricos de Tucídides. Além disso, a verdade factual, nutrida por estas marcas de enunciação é a cada passo confrontada com os relatos míticos de um Heródoto, com a Cosmografia de um Ptolomeu, a Geografia de um Estrabão, ou a ciência de um Pompónio Mela ou de uma História Natural de Plínio. As crônicas de João de Barros, de Castanheda, de Diogo do Couto, ou de forma mais evidente o Roteiro de Lisboa a Goa e o Tratado de Esfera de D. João de Castro, as obras de Garcia de Orta, de Duarte Pacheco Pereira, de Pedro Nunes, dão-nos a cada passo exemplos significativos. Poderemos concluir que, na época do Renascimento, a história, além de se afirmar como gênero literário, que se impõe pela arte da escrita, como opus oratorium, é disciplina formativa do carácter em repositório de paradigmas, é manancial de exempla que informam a tradição retórica, é ponto de referência da exaltação épica das glórias nacionais, é suporte de novos modelos ideológicos e de formulação política em termos modernos, é fundamento de novos horizontes culturais e científicos (SOARES, 2011, p. 146-147). 114 Oratória e Retórica Se na Idade Média ocorreu uma valorização e desenvolvimento da retórica, no início da modernidade ela foi deixada de lado e até demonizada por diversos autores. Produziu-se uma total confusão de pensamento que em muitos casos deixou de lado até mesmo as convicções doutrinais tanto do direito quanto da religião. Com isso, temos inúmeros argumentos artificiais que simulam determinadas situações apenas para efeito performático. Atividade de Estudos: 1) Leia o texto e explique o que você entendeu sobre a arte das disputas, a erística e a importância da purificação da linguagem. Explique com suas palavras. Estrangeiro — Isso mesmo. Conforme já vimos, é do gênero lucrativo, da arte erística, da arte de disputas, das controvérsias, da arte do combate, da arte da luta e do ganho, segundo neste momento provou nossa argumentação, que o sofista provém. Teeteto — Nada mais verdadeiro. XIII — Estrangeiro — Como vês, é muito acertado dizer-se que se trata de um animal de múltiplas facetas. Daí, confirmar-se o dito, de que nem tudo se pode pegar só com uma das mãos. Teeteto — Pois empreguemos duas. Estrangeiro — Sim, é o que precisaremos fazer, empenhando nisso todos os nossos recursos, a fim de acompanhar-lhe o rastro. Dize-me o seguinte: não temos designações especiais para determinadas ocupações servis? Teeteto — Muitas, até; porém, no meio de tantas, a quais particularmente te referes? Estrangeiro — Penso nas seguintes: coar, peneirar, joeirar, debulhar. Teeteto — E daí? 115 Implicações da Retórica Capítulo 4 Estrangeiro — E também: cardar, fiar, urdir e mil outras de emprego corrente em ocupações congêneres, não é isso mesmo? Teeteto — Onde queres chegar com tais exemplos e para que tantas perguntas? Estrangeiro — De modo geral, todos esses vocábulos exprimem a ideia de separação. Teeteto — Certo. Estrangeiro — Ora, de acordo com o meu raciocínio, se uma arte, apenas, abrange todas essas ocupações, teremos de atribuir-lhe um único nome. Teeteto — E como a denominaremos? Estrangeiro — Arte de separar. Teeteto — Que seja. Estrangeiro — Considera agora se nos será possível distinguir duas espécies. Teeteto — Impõe-me uma tarefa muito rápida. Estrangeiro — Porém nas distinções por nós feitas, já se tratou da separação entre o pior e o melhor, e também entre semelhante e dessemelhante. Teeteto — Dita dessa maneira, parece-me bastante clara. Estrangeiro — Não conheço o nome geralmente aplicado a esta última separação; porém sei o que dão à outra, a que retém o melhor e rejeita o pior. Teeteto — Dize qual seja. Estrangeiro — No meu entender, todas as separações desse tipo são geralmente chamadas purificação. Teeteto — Com efeito; é como as denominam. 116 Oratória e Retórica Estrangeiro — E todo o mundo não perceberá que há duas espécies de purificação? Teeteto — Depois de refletir, é possível; eu, pelo menos, não percebo purificação alguma ... Estrangeiro — Primeiro, as dos seres vivos, que operam no interior do corpo, graças a uma discriminação exata pela ginástica e a medicina, como a purificação externa, de designação corriqueira, alcançada pela arte do banho; depois, a dos corpos inanimados, que compreende a arte do pisoeiro e a dos adornos em geral, de infinitas modalidades, cujos nomes são considerados ridículos. Teeteto — É muito certo. Estrangeiro — Certo, não, Teeteto: certíssimo. Mas o método argumentativo não dá maior nem menor importância à purificação por meio da esponja do que à obtida com poções medicamentosas, jamais perguntando se os benefícios de uma são mais ou menos relevantes do que os da outra. Para alcançar o conhecimento é que ela se esforça por observar as afinidades ou dissemelhanças entre as artes, honrando a todas igualmente, e quando chega a compará-las, não conclui que uma seja mais ridícula do que a outra. Não considera, ainda, mais importante quem ilustra a arte da caça com o exemplo do estratego do que com o do matador de pulgas, porém mais pretensioso. Do mesmo modo, agora, no que entende com o nome para designar o conjunto das forças purificadoras dos corpos, quer sejam animados quer não sejam, não se preocupa no mínimo de saber que nome é de aparência mais distinta. Limitar-se-á a separar a purificação da alma, deixando num único feixe as outras purificações, sem indagar do objeto sobre que se exercem. Seu intento exclusivo consiste nisto, precisamente: separar das demais purificações a que tem por objetivo a alma, se é que compreendemos... (PLATÃO, 1980, p. 16-17). ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ___________________________________________________ 117 Implicações da Retórica Capítulo 4 Verdade e Verossimilhança de Um Argumento A verdade e a verossimilhança merecem destaque por que você, estudante de oratória e retórica, precisa entender quando um argumento é verossimilhante e quando ele é verdadeiro. Platão, ao discutir os gêneros e os tipos de virtudes desenvolvidas pelos sofistas, já levantou o problema que continua a nos desafiar diariamente. Deste modo, o problema da verdade de um discurso não fica somente na elaboração formal e acadêmica de um debate, mas envolve também a vida cotidiana dos sujeitos. Para entendermos a diferença entre aquilo que parece ser verdade e aquilo que é verdade de fato em um discurso. Vejamos a polêmica suscitada no diálogo Sofista e até hoje sem solução: LII — Estrangeiro — Onde iremos, então, buscar a designação apropriada para cada um? Evidentemente, é tarefa por demais árdua, porque nisso de dividir os gêneros em espécies, parece que os antigos sofriam de uma velha e inexplicável indolência que nunca os levou pelo menos a tentá-la; dar essa carência tão acentuada de nomes. De um jeito ou de outro, e embora se no afigure um tanto forte a expressão, para melhor diferençá-la daremos o nome de doxomimética à imitação que se baseia na opinião, e a que se funda no conhecimento, mimética histórica ou erudita. Teeteto — Isso mesmo. Estrangeiro — Vamos ocupar-nos com a primeira; o sofista não se inclui no número dos que sabem, mas no dos que imitam. Teeteto — Perfeitamente. Estrangeiro — Examinemos, então, o imitador que se apoia na opinião, como o faríamos com um fragmento de ferro, para vermos se se trata de uma peça uniforme ou se nalgum ponto revela defeito de estrutura. Teeteto — Sim, examinemo-lo. Estrangeiro — Pois em verdade aqui está ele, e bem patente. Entre essestais, há o tipo ingênuo que acredita saber o que apenas imagina; o outro, pelo contrário, que se deixa arrastar por seus próprios argumentos, não esconde a suspeita e o receio de ignorar o que diante de terceiros ele procura aparentar que sabe. Teeteto — Sem dúvida, há esses dois tipos que acabaste de descrever. Estrangeiro — Ao primeiro, então, daremos o nome de imitador simples, e ao outro, o de imitador dissimulado? Teeteto — Seria de toda a conveniência. Estrangeiro — E este último gênero, diremos que é simples ou duplo? Teeteto — Examina-o tu mesmo. Estrangeiro — Examino e creio perceber dois gêneros. No primeiro, distingo o indivíduo capaz de dissimular em público com discursos prolixos; no outro, o que em círculos mais restritos, com sentenças curtas leva seu interlocutor a contradizer-se. Teeteto — É muito certo o que dizes. 118 Oratória e Retórica Estrangeiro — E o homem dos discursos longos, como o designaremos? É estadista ou orador popular? Teeteto — Orador popular. Estrangeiro — E o outro, que denominação lhe cabe à justa: sábio ou sofista? Teeteto — Sábio, não é possível, pois já provamos que ele é ignorante. Mas, por ser imitador do sábio, é fora de dúvida que alguma coisa do nome deste há de passar para ele. E agora me ocorre que de um tipo assim é que podemos dizer com toda a segurança: um sofista acabado! Estrangeiro — Nesse caso, fixemos aqui mesmo seu nome, como fizemos antes, entrelaçando-o de ponta a ponta em todos os seus elementos? Teeteto — Perfeitamente. Estrangeiro — Sendo assim, a espécie imitativa e suscitadora de contradições da parte dissimuladora da arte baseada na opinião, pertencente ao gênero imaginário que se prende à arte ilusória da produção de imagens, criação humana, não divina, desse malabarismo ilusório com palavras: quem afirmar que é de semelhante sangue e dessa estirpe que provém o verdadeiro sofista, só dirá, como parece, a pura verdade (PLATÃO, 1980, p. 69-71). Com efeito, ao deixar a questão em aberto no final do diálogo, Platão nos dá um apontamento para uma aproximação da identidade do sofista. No entanto, nos deixa um grande ensinamento, as opiniões são diferentes dos discursos sobre a verdade. Os discursos sobre a verdade são de natureza nobre e as opiniões sobre um assunto não são conhecimento. E essa diferença nem sempre é clara como parece ser. Com isso, em muitos momentos de nossa existência pensamos que algo é verdadeiro simplesmente por parecer, e na realidade estamos atribuindo verdade a algo verossimilhante, aquilo que parece ser verdadeiro, mas se olharmos mais de perto não é, só parece ser. Outro problema muito aparente na modernidade é a generalização de argumentos que produz efeitos catastróficos em muitos segmentos da existência humana. Por exemplo, escutamos por vezes vários argumentos deste tipo, “todo homem é machista”, “todo político é ladrão”, “os padres são imorais”; todos esses argumentos possuem falsas associações grotescas, atribuem a todo um grupo de pessoas o comportamento de uma minoria. Isso significa que sequer argumentos são, podemos chamá-los de enunciados vazios, mas que são muito populares em nosso cotidiano. Portanto, a verdade de um argumento não está somente em sua forma, ou somente em seu conteúdo, mas na combinação da disposição de ambas as características que, ao se combinarem, produzem uma estrutura sólida na exposição de um pensamento (MOSCA, 2004). Com efeito, cabe aos estudantes de oratória e retórica saberem construir um argumento coeso e fundamentado para expor um pensamento com qualidade. Não existe uma forma definitiva para se fazer um bom argumento. Antes disso há 119 Implicações da Retórica Capítulo 4 uma necessidade constante de conhecimento do meio em que se está inserido para poder convencer. Algumas Considerações Agora você, estudante de oratória e retórica está pronto para seguir seu caminho, escolhendo seus argumentos de modo adequado a cada situação para expor suas ideias com clareza e objetividade. A construção e exposição de argumentos com qualidade implica em considerar as habilidades de cada um, o material disponível e a plateia para a qual o indivíduo irá se dirigir. Neste capítulo destacamos as implicações das escolhas argumentativas que fizemos. Referências CHIBENI, S. S. Notas sobre tipos de argumentos. [s.d.]. Disponível em: <www.unicamp. br/~chibeni/textosdidaticos/argumentos.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2017. MOSCA, L. do L. S. (Org.). Retóricas de ontem e de hoje. 3. ed. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2004. PLATÃO, Sofista. Brasília: UFB, 1980. PREZOTTO, J. Protágoras, Górgias, os Dissoi Logoi e a possibilidade do ensino de aretē. Anais XXIII SEC, Araraquara, p. 241-250, 2008. Disponível em: <http://portal.fclar. unesp.br/ec/BANCO%20DE%20DADOS/XXIII%20SEC/TEXTOS/ARTIGOS%20PDF/ prezotto.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2017. REBOUL, O. Introdução à retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. SCHECAIRA, F. Argumentação: noções básicas. 2012. Disponível em: <https://fabios hecaira.wikispaces.com/file/view/Introdu%C3%A7%C3%A3o+%C3%A0+argumenta %C3%A7%C3%A3o.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2017. SOARES, N. C. A retórica e a construção da cidade na Idade Média e no Renascimento: homo eloquens homo politicus. Coimbra: Coimbra University Press, 2011. VIANA, P. Validade, Forma e Conteúdo de Argumentos. 2012. Disponível em: <http:// www.uff.br/grupodelogica/textos/Via.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2017. VIEIRA, José Guilherme Silva. A retórica como a arte da persuasão pelo discurso. 2016.