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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI – UFSJ CAMPOS CENTRO-OESTE DONA LINDU - CCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOTECNOLOGIA ANA CAMILA NEVES MORAIS INTERACOES ENTRE REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE, EMPREENDEDORISMO E RELACOES SOCIAIS: POSSIBILIDADES E TENDÊNCIAS A PARTIR DE OBSERVAÇÕES NA CIDADE DE FORMIGA - MG DIVINÓPOLIS, MG MARÇO-2014 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI – UFSJ CAMPOS CENTRO-OESTE DONA LINDU - CCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOTECNOLOGIA ANA CAMILA NEVES MORAIS INTERAÇOES ENTRE REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE, EMPREENDEDORISMO E RELAÇÕES SOCIAIS: POSSIBILIDADES E TENDÊNCIAS NA CIDADE DE FORMIGA – MINAS GERAIS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Biotecnologia, da Universidade Federal de São João Del-Rei como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre. Orientador: Profa. Dra. Valéria Maria Martins Judice DIVINÓPOLIS, MG MARÇO-2014 3 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI – UFSJ CAMPOS CENTRO-OESTE DONA LINDU - CCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOTECNOLOGIA Defesa da dissertação de mestrado de “Ana Camila Neves Morais”, intitulada: “Redes Sociais Empreendedoras em Saúde: possibilidades e tendências na cidade de Formiga - MG”, orientada pela Profa. Dra. Valéria Maria Martins Judice, apresentada à banca examinadora designada pelo Colegiado do Programa de Pós Graduação em Biotecnologia da UFSJ, em 28 de março de 2014. Os membros da Banca Examinadora consideraram o(a) candidato(a) ________________________ . Banca Examinadora: _______________________________________________ Dra. Valéria Maria Martins Judice/UFSJ ________________________________________________ Dra. Fátima Ferreira Roquete/UFMG _________________________________________________ Dr. Bezamat de Souza Neto/UFSJ 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a meus pais e meu filho Gabriel por todo o auxílio e compreensão neste momento De luta e crescimento profissional. 5 AGRADECIMENTOS Á Deus por ter me concedido o dom e a sabedoria para passar por esta fase de lutas e conhecimentos desafiadores. Aos meus pais, Francisco e Luzia, por terem acreditado em minha capacidade intelectual e apoiado todas as viagens, estudos e trabalhos que foram feitos com paciência e calma. Ao meu filho GABRIEL FRANCISCO por me ajudar na construção deste projeto de forma bem efetiva e por compreender as ausências de sua mãe para um melhor posicionamento profissional e de vida. Á UFSJ por proporcionar um curso de tamanha qualidade e saberes interessantes tão próximos de mim. Aos meus colegas de mestrado que foram não apenas os companheiros nos momentos difíceis como também uma fonte de muitas informações e ideias interessantes. Aos meus professores durante o mestrado os quais com dados e conhecimentos variados possibilitaram o aprofundamento e evoluções no projeto apresentado neste trabalho. Á minha orientadora, Valéria, que foi uma verdadeira mãe me apoiando e orientando de forma muito eficiente e com qualidade sendo incrivelmente importante para o sucesso desta pesquisa e seus resultados. 6 “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original” Albert Einstein 7 RESUMO Introdução: o trabalho em questão consistiu em uma abordagem sobre as conexões entre as redes de atenção à saúde, empreendedorismo e as relações sociais no setor de assistência à saúde. O empreendedorismo é a atividade que busca novos caminhos para desenvolver a sociedade podendo ser utilizado em nível individual e coletivo. Uma de suas alternativas consiste no empreendedorismo social que se refere na atuação em coletividades para avançar na resolução de problemas sociais variados podendo ser usado em setores variados como o da saúde. As redes de atenção à saúde são estruturas que buscam vincular em um sistema de saúde os seus atores e organizações para uma maior integração que está sendo implantada no Brasil mas ainda com diversas dificuldades e entraves que exigem maiores pesquisas. Por isso, o estudo em questão teve como questão norteadora a busca pela delimitação das potencialidades, tendências e determinantes possíveis com as interações entre as redes de atenção à saúde, empreendedorismo e as relações sociais para uma possível melhoria na efetividade aumentada no serviço de saúde brasileiro. Objetivo geral: analisar as possibilidades e tendências das interações entre as redes de atenção à saúde, empreendedorismo e relações sociais em Formiga no Centro-Oeste de MG. Objetivos Específicos: verificar condicionantes, oportunidades, possibilidades e tendências nas interações do empreendedorismo, redes de atenção à saúde e relações sociais em Formiga no Centro-Oeste de MG; identificar potencial empreendedor social nas redes em Formiga no Centro- Oeste de MG; identificar a existência de relações entre o empreendedorismo social, a obtenção de resultados (cumprimento de objetivos e metas) e o surgimento de novas iniciativas em redes de atenção à saúde empiricamente observadas. Metodologia: a pesquisa realizada teve como características gerais o fato de ser social e etnográfica com uma abordagem qualitativa tendo como paradigma a fenomenologia. O universo de estudo consistiu no município de Formiga -MG localizado na região centro-oeste deste estado brasileiro em seus diferentes pontos de atenção à saúde identificados possuindo como sujeitos de estudo a população atendida, os gestores municipais de saúde e os profissionais de saúde em um total de 600 integrantes abordados. A coleta de dados ocorreu por meio de observação não-participante etnográfica nos pontos de atenção à saúde existentes - PSF, Centro de Especialidades Médicas, PAM e Hospital -na cidade pesquisada no mês de Dezembro de 2013 e com grupos focais junto aos gestores e profissionais de saúde em Janeiro de 2014 conforme roteiro delimitado. Resultados:tanto as análises a partir da observação não-participante como dos grupos focais mostrou uma baixa penetração do conceito de empreendedorismo social no discurso e no âmbito das ações e práticas do programa de atenção à saúde e no cotidiano do trabalho dos participantes da pesquisa, mas foi identificado um certo grau de permeabilidade a ideia e a sua potencialidade construtiva e proativa de gerar melhores resultados no trabalho. Além disso, mostrou a grande relevância das relações entre os atores sociais envolvidos na prática da assistência em saúde bem como indicou a inexistência na atualidade deste território sanitário das redes de atenção à saúde implantadas. Conclusão: A aceitação da perspectiva empreendedora capturada em um instantâneo fotográfico permite invocar a necessidade de se buscar elementos mediadores - políticas de ensino, treinamento e difusão de conhecimentos sobre empreendedorismo entre trabalhadores de saúde pública que permitam uma atuação empreendedora de forma prática, confirmando a adequação de proposta para a melhoria da implantação nas redes de atenção à saúde no território considerado neste estudo. Palavras-chave: Redes de Atenção à Saúde– Relações Sociais – Empreendedorismo Social – Qualidade de vida 8 ABSTRACT Introduction: the work in question consisted of a discussion of the connections between networks of health care, entrepreneurship and social relations in the healthcare sector. Entrepreneurship is the activity that seeks new ways to develop the company may be usedat individual and collective levels. An alternative consists in its social entrepreneurship referred in action in communities to advance in solving various social problems can be used in various sectors such as health. Networks of health care are structures that seek link in a health system actors and their organizations for greater integration being implemented in Brazil but with various difficulties and obstacles that require further research. Therefore, the present study was to search for the guiding question of the demarcation potential, trends and potential determinants with the interactions between networks of health care, entrepreneurship and social relations to a possible improvement in increased in the Brazilian health service effectiveness . Overall Objective: To analyze the possibilities and trends of interactions between networks of health care, entrepreneurship and social relations in Formiga – MG. Specific Objectives: check constraints, opportunities, possibilities and trends in the interactions of entrepreneurship, networks of health care and social relations in the Formiga - MG; identify potential social entrepreneur networks in the Formiga - MG; identify the existence of relationships between social entrepreneurship, obtaining results (meeting objectives and goals) and the emergence of new initiatives in health care networks empirically observed. Methodology: The survey had the general characteristics of the fact that social and ethnographic approach with a qualitative paradigm as having phenomenology. The universe of the study consisted in the city of Formiga -MG municipality located in the Midwestern region of the Brazilian state in their different points of health care identified as having met the study subjects caregivers population, local health managers and a total of 600 members addressed. Data collection occurred through non-participant observation ethnographic points of attention in the existing health - PSF, Center for Medical Specialties, WFP and Hospital in city surveyed in December 2013 and focus groups with the managers and professionals Health in January 2014 as defined script. Results: both analyzes from the non-participant observation and focus group showed a low penetration of the concept of social entrepreneurship and the discourse within the actions and practices of the health care program and the daily work of the research participants, but a certain degree of permeability of the idea and its constructive and proactive capability to generate better results at work was identified. Moreover, it showed the great importance of the relations between the actors involved in the practice of health care and indicated the absence at present of this area of health care networks deployed health. Conclusion: Acceptance of entrepreneurial perspective captured in a snapshot allows invoking the need to seek mediators elements - policies of teaching, training and dissemination of knowledge about entrepreneurship among public health workers to enable entrepreneurial activity in a practical way, confirming the adequacy of proposed to improve deployment in networks of health care in the territory considered in this study. Keywords: Network Health Care - Social Relationships - Social Entrepreneurship - Quality of life 9 LISTA DE ABREVIATURAS SUS – Sistema Único de Saúde CICC – Modelo de cuidados inovadores para condições crônicas MCC – Modelo de atenção às condições crônicas NOAS – Norma Operacional de Assistência à Saúde OMS – Organização Mundial de Saúde PSF – Programa de Saúde da Família PAM – Pronto Atendimento Municipal CEMAES – Centro Municipal Atenção Especializada à Saúde UTI – Unidade de Tratamento Intensivo MG – Minas Gerais IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística DATASUS – Sistemas de Informação do SUS CONEP – Conselho Nacional de Ética em Pesquisa UFSJ – Universidade Federal de São João del Rei CEPES – Conselho de Ética em Pesquisa com Seres Humanos CCO – Campus Centro-Oeste 10 SUMÁRIO Introdução ..........................................................................................................12 Objetivos ........................................................................................................... 14 Referencial Teórico ........................................................................................... 14 2.1 Empreendedorismo ......................................................................................14 2.1.1 Aspectos conceituais do empreendedorismo ............................................14 2.1.2 Empreendedorismo e organizações ........................................................ 15 2.1.3 Empreendedorismo Social ........................................................................17 2.1.4 Empreendedorismo social na saúde ..........................................................19 2.2 Redes e redes de atenção à saúde .................................................................20 2.2.1 Redes .........................................................................................................20 2.2.2 Redes Sociais em saúde ............................................................................23 2.2.3 Redes de atenção à saúde ..........................................................................25 2.2.3.1 Histórico das redes de atenção à saúde .................................................. 25 2.2.3.2 Conceitos e estrutura das redes de atenção à saúde ................................26 2.2.3.3 Evolução e implantação das redes de atenção à saúde no Brasil ............31 3 Métodos ............................................................................................................32 3.1 Tipo de estudo ..............................................................................................32 3.2 Cenário de estudo ...........................................................................................35 3.3 Sujeitos de estudo ..........................................................................................39 3.3.1 Ética em pesquisa com seres humanos....................................................... 43 3.4 Coleta de dados .............................................................................................43 3.5 Organização dos dados ..................................................................................52 3.6 Categoria analítica da pesquisa .....................................................................54 5.0 Resultados e discussão ..................................................................................56 5.1 Grupos focais .................................................................................................56 5.1.1 Categorização do trabalho............................................................................59 5.1.2 Empreendedorismo ......................................................................................63 5.1.3 Redes de atenção à saúde ..........................................................................66 5.2 Observação etnográfica ..................................................................................72 5.2.1 Observação etnográfica nos PSF´s ..............................................................72 5.2.2 Observação etnográfica atendimento especializado ....................................76 5.2.3 Observação etnográfica no PAM e Hospital ...............................................78 5.3 Delineamentos gerais a partir dos resultados da pesquisa ..............................80 6. Conclusões e perspectivas ................................................................................86 Referencias bibiográfica ......................................................................................89 Apêndices ............................................................................................................9911 INTRODUÇÃO O trabalho consiste em uma abordagem sobre as conexões entre o empreendedorismo, relações sociais e as redes de atenção à saúde. Com base neste tema mais amplo é preciso considerar que o empreendedorismo diz respeito à atividade – inerente ao ser humano – de buscar novos caminhos e possibilidades para reorganizar uma dada realidade proporcionando mais qualidade de vida. Por suas características o empreendedorismo é cabível para melhoria, também dos sistemas de saúde em aspectos como organização e coordenação das ações em prevenção, cuidados básicos e tratamentos como também para a pesquisa e o desenvolvimento neste ramo específico. Neste sentido, o empreendedorismo deixa de ter somente a vertente empresarial já bastante abordada, e passa a ser percebido como comportamento da ação humana e social, influindo no desenvolvimento e melhor uso das evoluções possíveis a partir de coletivos sociais como nas redes de atenção à saúde. 12 A importância desta intersecção ocorre em virtude da transformação da realidade que é possível em decorrência de seu potencial inovativo e de impacto, ou seja, pela alternativa de criar novas formas de solucionar problemas sociais e melhoria das condições de vida (DEES, 2002). As redes são formatos organizacionais que existem historicamente com expansão em grande escala sendo observáveis em diferentes áreas da sociedade com o desafio de estabelecer formas de gerenciamento que viabilizem a realização dos objetivos pretendidos. Do ponto de vista conceitual, Fleury e Ouverney (2007: p. 9) afirmam que as redes são “estruturas policêntricas envolvendo diferentes atores, organizações ou nódulos vinculados entre si por meio do estabelecimento e manutenção de objetivos comuns e de uma dinâmica gerencial compatível a sua consecução”. Com relação a este assunto ocorre um crescente e sistêmico desenvolvimento das redes em diferentes aspectos como as redes de atenção à saúde cuja ideia surgiu na Inglaterra no início da década de 1920 e, no Brasil, tais redes remontam à década de 1990 como proposta considerada ideal para solucionar o problema do modelo de atenção à saúde nacional voltado para a tríade médico/remédio/exames, bem como para tentar resolver a ocorrência concomitante de doenças agudas e crônicas. Esta dinâmica de funcionamento consiste, então, em organizações poliárquicas que promovem um contínuo de atenção de forma integrada à população usuária do sistema de saúde na atenção primária e níveis mais complexos da assistência. No entanto, apesar de ser a grande possibilidade de atuação para evoluir de forma efetiva no sistema de saúde brasileiro, as redes de atenção à saúde ainda não estão implantadas de maneira real no país precisando de uma melhor estruturação organizacional e, em especial, de aperfeiçoamento dos seus mecanismos de coordenação e governança para que possam ser colocadas efetivamente em prática e usadas em todo o seu potencial no Brasil. Isto ocorre por diferentes causas como manutenção da assistência à saúde piramidal e fragmentada, dificuldades de atuação em equipe e com intersetorialidade como também uma gestão minimalista que leva o funcionamento do sistema de saúde de forma inadequada para a dinâmica de redes. A partir desta percepção, uma alternativa existente para melhorar/amenizar o problema configurado na atuação das redes se refere ao estudo e pesquisa com relação às possíveis interações das redes de atenção à saúde e do empreendedorismo junto às coletividades para o 13 surgimento eventual de redes implantadas de forma regionalizada e cooperativa com uma saúde mais estruturada e inovadora. Ao se ter como base este ponto de vista sugerido espera-se uma interferência positiva no modo de ação dos atores sociais do sistema de saúde podendo desta maneira, criar condições empíricas de análise para a possibilidade de ocorrer um redirecionamento de uma situação atual de alienação delimitada por Demo (1996) como a não ação objetivada para um processo de consciência crítica e empoderamento que podem ser considerados para a alternativa de substanciar a geração de um excedente cooperativo para uma governança potencial na dinâmica das redes de atenção. Com base nestas ponderações feitas a questão norteadora deste trabalho de pesquisa consistiu na busca pela delimitação das potencialidades, tendências e determinantes possíveis com a interação entre as redes de atenção à saúde, o empreendedorismo e as relações sociais com uma maior efetividade no serviço de saúde brasileiro. Para servir como um roteiro facilitador da compreensão deste trabalho serão abordados os seguintes assuntos: *Capítulo 1: aborda a introdução e objetivos do trabalho de pesquisa. *Capítulo 2: referencial teórico para o embasamento da pesquisa contendo seção sobre temas relacionados ao Empreendedorismo e outra seção relacionada aos assuntos das Redes. *Capítulo 3: métodos utilizados na pesquisa informando a tipologia, sujeitos e cenário do estudo bem como a realização da coleta e análise dos dados. *Capítulo 4: resultados e discussão mostrando dados obtidos e suas análises de acordo com o referencial teórico apresentado. *Capitulo 5: conclusões obtidas e perspectivas futuras do assunto da pesquisa. OBJETIVOS DA PESQUISA OBJETIVO GERAL: o presente trabalho tem como objetivo geral analisar as possibilidades e tendências das interações entre redes de atenção à saúde, empreendedorismo e relações sociais em Formiga na região Centro-Oeste de Minas Gerais. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: 14 (1) Verificar condicionantes, oportunidades, possibilidades e tendências nas interações do empreendedorismo, redes de atenção à saúde e relações sociais em Formiga na região Centro- Oeste de Minas Gerais; (2) Identificar potencial empreendedor social nas redes em Formiga na região Centro-Oeste de Minas Gerais; (3) Identificar a existência de relações entre o empreendedorismo social, a obtenção de resultados (cumprimento de objetivos e metas) e o surgimento de novas iniciativas em redes de atenção à saúde empiricamente observadas; 2. REFERENCIAL TEÓRICO SEÇÃO 2.1 – EMPREENDEDORISMO 2.1.1 Aspectos conceituais do empreendedorismo O empreendedorismo, de acordo com Campelli (2011), é um neologismo derivado da livre tradução da palavra entrepreneurship e é utilizado para designar os estudos relativos ao empreendedor, seu perfil, suas origens, seu sistema de atividades, seu universo de atuação, com foco no indivíduo. De forma mais específica, o empreendedorismo é a capacidade de explorar uma oportunidade que outros não tenham ainda percebido como tal, significando isto fazer algo novo e que, portanto, envolve risco e incerteza (FONTES, 2009). Segundo Armond (2009), Filion (2000) sugere que os pesquisadores desta área podem ser economistas com interesse na relação do empreendimento no sistema econômico ou comportamentalistas para os quais a questão psicológica é mais determinante para este tipo de comportamento. Com isso, fica claro que a pesquisa de empreendedorismo é multidisciplinar e requer o entendimento da atividade de criação em diferentes níveis como o individual, da organização, comunidade e em equipe. Para diversos autores desta área, as relações em rede são uma parte fundamental do comportamento empreendedor, pois, conforme Dubini e Aldrich (1991), mobilizar recursos para obter oportunidades requer contatos, conhecimento e confiança empreendedoras. Assim, de acordo com Baines (2010), o empreendedorismo é inerente à atividade em rede. 15 Portanto, o sucesso para o empreendedor significa engajar-se num processo de “destruição criativa” (SCHUMPETER, 1982), isto é, arruinar o processo produtivo atual e introduzir um novo produto, novos arranjos de distribuição,ou novas ideias de comunicação e posicionamento, frequentemente sob condições de risco e incertezas (FERNANDES, 2008). 2.1.2 Empreendedorismo e organizações Segundo Schein (1992), o empreendedor é um criador e construtor também no contexto da cultura organizacional sendo o agente que inicia esse processo de geração de uma nova cultura, por ser um indivíduo que tem premissas fortes sobre como as coisas devem ser em determinada organização. Ainda de acordo com este mesmo autor, para McClelland as dez características do comportamento empreendedor, comuns a diversos contextos culturais, são: busca de oportunidades e iniciativa; correr riscos calculados; exigir qualidade e eficiência; persistência; comprometimento; estabelecer metas; planejar e monitorar sistemático; busca de informações; ser persuasivo e estabelecer rede de contatos; apresentar independência e autoconfiança. Segundo Costa et al (2011), alguns autores consideram que estamos vivendo a era do empreendedorismo, com a substituição do homo economicus pelo homo attentaturus que consiste naquele que é guiado pela necessidade social e não apenas econômica em suas ações e empreendimentos. Estes mesmos autores defendem a existência de duas abordagens mais recorrentes no estudo do empreendedorismo. A primeira deriva de uma perspectiva behaviorista ou comportamental e concentra-se nas tentativas de definição dos perfis de personalidades do empreendedor e em compreender seu comportamento. A segunda é a abordagem mais ampla da literatura gerencial e concentra-se em estudos sobre as habilidades e competências empreendedoras e sua relação com o espaço organizacional como as pesquisas de empreendedorismo institucional, social e o intra- empreendedorismo. Pode-se também perceber este movimento no deslocamento do foco do indivíduo para o grupo inserido em organizações, ao chamar a atenção entre a ampliação da capacidade empreendedora dos grupos e desenvolvimento socioeconômico, uma vez que “se até recentemente associava-se a capacidade empreendedora à qualificação formal de indivíduos, 16 evidencia-se a crescente relevância de considerarmos processos interativos e cooperativos de aprendizagem, o que desloca a ênfase à capacitação local e inovação de forma coletiva e sistêmica” (COSTA et al, 2011). Outro aspecto crítico levantado pelos mesmos autores abordados é o fato de que o conceito de empreendedorismo vem sendo aceito, incorporado e disseminado no imaginário nacional sem releituras que incorporem o contexto social, econômico, político e cultural tipicamente brasileiro. Assim, a incorporação do empreendedorismo nas organizações como dimensão-chave é importante para qualquer definição na mesma e que vai servir para o seu desenvolvimento futuro. (DIOCHON, 2010) Portanto, conforme Erdmann (2009), o empreendedorismo nas organizações se enquadra na conduta ativa do profissional em primeiro desvencilhar-se do pensamento e conduta retrógrados da limitação de pensamento e ações, captar deficiências não solucionadas em suas áreas, criar técnicas eficientes e efetivas ou utilizar as já existentes de forma inovadora para a solução das deficiências. Com isso ocorre o aproveitamento por ele de todas as oportunidades de forma coletiva, vislumbrando a conquista de ganhos substanciais, tanto profissional quanto socialmente. Deste modo, a essência do empreendedorismo nas organizações pode ser resumida por Lumpkin e Erdogan (1999): A motivação para a realização pode ser definida como “comportamento voltado para a competição com um padrão de excelência”. Pessoas que tem altos níveis de motivação para a realização possuem uma tendência para definir metas desafiadoras, e tentar realizar estes objetivos. Essas pessoas valorizam o feedback e usam o mesmo para avaliar as suas realizações. Eles têm um forte desejo de auto eficácia e persistem em uma tarefa apenas se eles acreditam que eles têm alguma probabilidade de sucesso. 2.1.3 Empreendedorismo Social O empreendedorismo social, enquanto atuação específica age para que, de algum modo, se aumente o valor social contribuindo para o bem-estar em uma determinada comunidade humana. (PEREDO, 2006) De acordo com Jiao (2011), os quatro antecedentes chave para a ocorrência do empreendedorismo social são o capital humano do empreendedor social, o capital social do 17 empreendedor social, fatores sociais do desenvolvimento e o desejo/medo do empreendedor social no processo de tomada de decisão. Sob um aspecto mais específico, o capital social se refere às mudanças nas relações entre as pessoas que facilitam a ação. Assim, a sua função consiste em oferecer valor aos aspectos da estrutura social para os atores envolvidos como recursos que eles podem usar para o alcance dos seus interesses fazendo a transição do nível micro para o nível macro de atuação (COLEMAN, 2003). Segundo Oliveira (2004), o empreendedorismo social surge da constatação do crescimento das organizações do terceiro setor e da diminuição do investimento público na questão social. Ainda considerando este aspecto, Seanor e Meaton (2008) argumenta que os usuários dos serviços de bem-estar têm “experimentado uma profunda falta de fé” na provisão pelo estado, e eles preferem dar suporte a organizações locais pequenas do que não terem os benefícios que necessitam por parte dos governos institucionalizados. Na mesma direção, Bornstein e Davis (2010) conceituam o empreendedorismo social como o processo no qual “cidadãos constroem e transformam instituições para avançar em soluções a problemas sociais como pobreza, doenças, de forma a construir vidas melhores para a maioria das pessoas”. No seu processo de evolução, segundo Bornstein e Davis (2010), surgiu inicialmente o “empreendedorismo social 1.0” para identificar pessoas com ideias inovadoras; o “empreendedorismo social 2.0” para o auxílio no surgimento de organizações sustentáveis e o “empreendedorismo 3.0” para tornar todos empreendedores criando com isso times fortes. Conforme Campelli (2011), as características próprias do empreendedorismo social são: a) adoção de uma orientação voltada para a criação e manutenção do valor social; b) identificação e o firme diligenciamento na procura de novas oportunidades de empreendimentos que viabilizem a consecução da missão da organização; c) engajamento no processo de inovação, adaptação e aprendizado contínuo; d) ação corajosa em face da limitação de recursos; e) demonstração de um elevado senso de responsabilidade cívica. Assim, sobre a ação do empreendedorismo social é pertinente considerar que ela se encaixa no pensamento de Maquiavel em “O Príncipe” segundo o qual “não há nada mais 18 difícil, periculoso para conduzir ou mais incerto de sucesso do que introduzir uma nova ordem das coisas” (MAQUIAVEL, 1996). O tema empreendedorismo social, de acordo com Oliveira (2004) é novo em sua atual configuração, mas na sua essência já existe há muito tempo. Alguns especialistas apontam Luther King, Gandhi, entre outros, como empreendedores sociais em decorrência de suas capacidades de liderança e inovação quanto às mudanças em larga escala que realizaram. Bornstein e Davis (2007) menciona também como empreendedores sociais pessoas como Florence Nightingale, na enfermagem na Inglaterra, Vera Cordeiro, na reforma do sistema de saúde no Brasil, assim como igualmente define outros empreendedores envolvidos e atuantes em áreas de direitos de deficientes, cuidados a pacientes de AIDS, sobrevivência e diminuição de mortalidade infantil e proteção às crianças. Os empreendedores sociais, então, começam e conduzem processos de mudança que são auto corrigíveis, orientados para o crescimento e com foco para o impacto social. Eles criam, segundo Bornstein e Davis (2010), novas configurações de pessoas e coordenam seus esforços para atacarproblemas de forma mais bem sucedida do que antes. Essa é uma complexa regra que envolve escuta recrutamento e persuasão. As pesquisas sobre este assunto, no entanto, ainda são fragmentadas estando muito concentradas na questão conceitual e de seus aspectos dominantes com um foco mais teórico do que empírico nas abordagens atuais. Assim, com raras exceções, existe um vazio de bases de dados e do uso de técnicas de análise nos estudos sobre empreendedorismo social sendo por isso uma possibilidade futura (DACIN, 2011). Segundo Kerlin (2009) enquanto a literatura internacional se foca nos empreendedores sociais individuais e estudos de casos, as tendências organizacionais associadas com regiões particulares ou países não são tão estudadas. Com isso, as possibilidades existentes por meio do empreendedorismo social, conforme Oliveira (2004) são: gerar dinamismo e objetividade; gerar resultados sociais de impacto; criar capital social e empoderamento; resgatar a autoestima e a visão de futuro; ser dinâmico, cativar e motivar as pessoas ao engajamento cívico; permitir a geração de novos valores e mudança de paradigmas; embasar na inovação, na criatividade e na cooperação os pilares de suas ações. 19 Dees (2002) acredita que o empreendedorismo social pode focar nas relações em rede porque elas são necessárias para o desempenho empreendedor e para criar arranjos inovadores que lidem com os problemas sociais. 2.1.4 Empreendedorismo social na saúde Este tipo de empreendedorismo surgiu como um processo alternativo, dinâmico e estratégico, dotado de mecanismos mutáveis capazes de tornar sustentáveis os produtos, serviços, organizações e gestão de pessoas (DESS, 2005). Deste modo, no campo do empreendedorismo social há muito ainda a ser discutido especialmente no que diz respeito à sua associação com práticas de cuidado/saúde; sendo preciso que se multipliquem as iniciativas e que haja suporte ao cuidado empreendedor (BACKES, 2008). Drayton (2006) afirma que existe um grande impacto do empreendedorismo social no setor de saúde o qual tem o potencial de oferecer força e utilidade para os sistemas que desejam mudar. E por isso, conforme Tillmar (2009) existem muitas esperanças para o incremento do empreendedorismo social no cuidado em saúde como um resultado de mudanças no setor público. Portanto, o empreendedorismo social permite o uso de estratégias e soluções organizacionais no setor de saúde, mas as suas possibilidades ainda estão obscuras e com poucas abordagens efetivamente sendo realizadas na atualidade (TILLMAR, 2009). Segundo esta mesma autora, o desenvolvimento do cuidado em saúde como prática empreendedora é um campo aberto nos diferentes espaços e contextos que precisam ser gradativamente explorados e ampliados para responder e viabilizar de forma concreta e abrangente as questões sociais emergentes neste campo da sociedade. Neste aspecto, Erdmann et al (2009) afirma que investigações mais recentes buscam compreender o significado do cuidado em saúde como uma “prática social empreendedora” evidenciando as potencialidades e possibilidades neste campo para o desenvolvimento de processos interativos e associativos no âmbito das políticas sociais e de saúde. Assim, o empreendedorismo social tem um potencial altamente efetivo na conexão de múltiplos setores e para criar ligações através dos sistemas que geralmente não se comunicam um com o outro, suas soluções são fundamentalmente baseadas na comunidade e criam 20 capital social assim como o engajamento que possibilita soluções que são capazes de gerar mudanças em contextos caracterizados por longas histórias de apatia e adversidade, além de operarem efetivamente com poucos recursos materiais. E este é o caso do setor de saúde no Brasil. (KIDD, 2011). E é preciso, conforme Backes (2008), nesse processo de construção e/ou desconstrução de paradigmas, desenvolver um conhecimento complexo em todas as áreas de saber, na expectativa de superar/transpor os desafios competitivos impostos, pelas necessidades dos clientes, pelo progresso da tecnologia e da ciência, como verdades absolutas e estimular/implementar práticas inovadoras e integradoras, capazes de romper com os velhos modelos burocráticos e fragmentados. SEÇÃO 2.2 – REDES E REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE 2.2.1 Redes Ao considerar este assunto, conforme Lopes (2009), o estudo relacionado com as redes iniciou nos primeiros anos da década de 1970 quando antropólogos e sociólogos buscaram compreender como os indivíduos são conectados uns aos outros e como essas afiliações servem como uma “cola” ou mantêm o significado da vida social (GRANOVETTER, 2001) e definem a intensidade e proximidade das interações sociais a partir de laços fortes ou fracos.·. Nesta dinâmica, uma rede é composta por diversos agentes individuais (os nós) ligados por relações sociais (elos ou laços) e pelos mecanismos de regulação dessas interações. (FONTES, 2009) Segundo Fontes ET AL (2009), nas redes a força dos laços deve ser vista como uma combinação entre a frequência e duração, intensidade emocional, intimidade e reciprocidade que os caracterizam. Na literatura tal proximidade surge associada à interação face-a-face, à ocorrência de contatos não planejados e também à confiança. Já a interação nos laços fracos é menos regular e menos dispendiosa. Portanto, redes coesas com laços fortes, são mais benéficas, pois o fluxo de informações e transferência de conhecimento tácito e complexo é de elevada qualidade; além de, conforme Fontes (2009), permitirem um desenvolvimento de normas comuns e partilha de valores e perspectivas, conduzindo ao estabelecimento de obrigações e sanções sociais, confiança, compreensão, reputação e reciprocidade. 21 Por outro lado, as redes ricas em aberturas estruturais e com laços fracos facilitam o acesso a contextos que normalmente não teriam contato entre si e, portanto, à obtenção de informação nova e variada que pode ser importante na identificação de novas oportunidades. (FONTES, 2009) Já a criação de um laço social direto, de acordo com este mesmo autor, implica pelo menos uma interação pessoal entre os dois atores. Sem essa frequência de contatos aumenta a probabilidade de o laço entre os atores desaparecer. Devido a esta necessidade de interação, muitos autores defendem a importância da proximidade entre os nós nestas redes. Existe, portanto, segundo Bittencourt (2009) uma relação direta entre o tamanho da rede e a necessidade de coordenação para a efetiva integração entre seus diferentes elementos. Essa estrutura pode ser associada à configuração dos laços da rede social: forte proximidade organizacional que é traduzida por laços fortes numa rede hierarquicamente organizada; maior distância organizacional traduz-se em laços fracos entre atores independentes. (FONTES, 2009) Além disso, este mesmo autor argumenta também que a proximidade geográfica (ou seja, a co-localização dos indivíduos) permite gerar relações caracterizadas pela proximidade cognitiva/social/organizacional que facilitam a transmissão do conhecimento científico e tecnológico. A continuidade dessa proximidade geográfica também facilita a manutenção das redes e o seu aprofundamento. Conforme Alter e Hage (1993) a existência da confiança entre parceiros da rede na formação e manutenção das alianças pode reduzir os custos de coordenação e a necessidade de controles hierárquicos, o que tende a aumentar a flexibilidade e a organização bem como permite aumentar sua capacidade de se adequar às novas necessidades. Portanto, nesta dinâmica conceitual das redes estão inseridas as relações interorganizacionais, de acordo com Oliver (1990), se referem a qualquer tipo de contato entre duas ou mais organizações, variando da forma concorrencial e antagônica para aquelasde natureza cooperativa, tanto entre organizações similares ou diferentes, envolvendo transações, fluxos e ligações de recursos relativamente duradouros. Ring e Van de Ven (1994) argumentam que a existência de contatos inter-relacionais implica que as organizações envolvidas desenvolvam processo de escolha do grupo de interação com aqueles que são relevantes no conjunto das organizações; assim, estes 22 relacionamentos interorganizacionais cooperativos devem ser vistos como mecanismos socialmente constituídos para a ação coletiva, sendo constantemente formados e reestruturados pelas ações e pelas interpretações simbólicas das partes envolvidas. Ainda segundo os autores Cunha e Melo (2006) nos relacionamentos interorganizacionais, a plena conexão entre os parceiros raramente é realizada de uma única vez, pois é fruto da interação contínua, permitindo que cada membro da aliança compreenda os outros. À medida que o relacionamento se desenvolve, amplia-se também o nível de compreensão e de confiança, tornando-se mais confortável lidar com as incertezas que surgem na aliança. Para Doz e Hamel (2000), uma aliança talvez seja mais bem concebida como um relacionamento evolutivo, pontuado por uma série de comprometimentos, etapas e trocas negociadas explicitamente e aceitas de forma implícita ao longo do tempo. Nesse sentido, a colaboração acontece quando um parceiro demonstra ao outro confiança e utiliza oportunidades para se mostrar confiável, favorecendo inclusive o desenvolvimento de um ciclo de aprendizagem virtuoso. Para Bachmann (2001), sem um mínimo de confiança é quase impossível o estabelecimento e a manutenção de relações organizacionais bem-sucedidas por um longo período. De acordo com Newell e Swan (2000), por ser um conceito multidimensional, a confiança pode apresentar vários significados e compartilha três pressupostos: existência de um grau de interdependência entre o que confia e o que recebe confiança; a confiança provê a forma de arcar com riscos ou incertezas nos relacionamentos de troca; e a crença ou a expectativa de que a vulnerabilidade resultante da aceitação do risco não irá tirar vantagem do relacionamento. Se, por um lado, ela é condição sine qua non para a existência de um relacionamento, por outro, ela sozinha, conforme Cunha (2006) não consegue oferecer condições suficientes para a consecução dos objetivos dessas parcerias. Toda esta complexidade de conceitos está presente na temática das redes que se tornou, de acordo com Lopes (2009), um conceito popular, mas com uma falta de rigor conceitual e metodológico causando uma superficialidade do termo. No geral, se desconhece a especificidade das redes como perspectiva de análise e como estrutura de governança. 23 Ainda segundo este autor, os estudos atuais enfatizam os aspectos estruturais e não processuais na análise de redes e, assim, não há uma compreensão de como a rede é constituída, como ela se altera ou de que maneira os diferentes relacionamentos existentes entre os atores levam a diferentes tipos de troca e resultados. Portanto, a teoria das redes sociais permite a inclusão no debate de temas-chave como poder e interesse, sendo uma perspectiva para explicar as redes como estruturas de governança (LOPES, 2009). Por isso, segundo Schurerwarren (1996), as redes sociais possuem uma dimensão política, pois a forma de sua mobilização tem como base a solidariedade e é uma maneira de constituição do tecido social pelo enfrentamento de problemas contemporâneos, tendo as redes sociais como espaço dessas práticas solidárias. Assim, para Bittencourt (2009) um dos grandes desafios das organizações em rede consiste no estabelecimento de modalidades de gerência que permitam alcançar os objetivos previstos e manter a sua organicidade. 2.2.2 Redes Sociais em Saúde Segundo Ribeiro (2008), vários estudos têm mostrado o papel das redes sociais na saúde das pessoas. No Brasil, este debate iniciou-se com o trabalho de Victor Valla (2005) que teve como base a teoria do apoio social que é definido como qualquer informação, falada ou não, e/ou o auxílio material, oferecido por grupos e/ou pessoas que se conhecem, e que resultam em efeitos emocionais e/ou comportamentais positivos. Segundo este autor, a valorização das redes sociais amplia a integração usuário- serviço, pois insere o sujeito e sua rede pessoal no sistema de saúde. Esse alargamento do elenco de atores a serem envolvidos nos serviços de saúde permite o entendimento das necessidades mais complexas deste usuário. Os profissionais de saúde, ainda segundo este mesmo autor, veem as redes sociais e sua incorporação às práticas de saúde como um desafio; na atuação – especialmente na atenção básica – já ocorre a interação com as redes sociais no cotidiano do serviço de saúde sem que eles se deem conta disso. Ao desconhecer a relevância das redes sociais existentes entre usuários e profissionais, de acordo com Ribeiro (2008), os profissionais de saúde comprometem a qualidade, eficiência e eficácia da assistência, levando a um desconhecimento das situações de risco pessoal, grupal 24 e familiar ao mesmo tempo em que perdem oportunidades de aprendizado sobre a saúde e o cuidado nesses grupos. Conforme estes autores é importante que a população seja vista como um ator social integrado à equipe de saúde, implicando tal perspectiva na necessidade de conexão com os diferentes componentes da equipe de saúde e com os integrantes da rede social de forma articulada e coerente. Assim, segundo Burdine (2007), o desenvolvimento da comunidade em saúde é um processo no qual a comunidade identifica fatores que influenciam na saúde da população e busca recursos para melhorar a sua capacidade de planejar e agir nessas necessidades. Esta ideia tem como centro a teoria da mudança social que, conforme Felix (2010) considera que as pessoas são influenciadas, primeiro, por fatos e informações e, depois, por fatores sociais, leis e regulamentos. Deste modo, os esforços para reformar os sistemas de saúde devem considerar primeiro a comunidade e os fatores da população em qualquer solução local, mesmo que tais esforços sejam focados em melhorar os insumos, capacitar necessidades, melhorar redes fragmentadas, custos ou a qualidade do cuidado. Ainda de acordo com este autor, a estratégias das parcerias consiste em construir relações entre pessoas e diferentes setores da comunidade e ligar seus recursos com os setores fora da comunidade para ajudar na solução de suas necessidades promovendo saúde. A partir destas ponderações, Wendel (2010) afirma que muitas comunidades têm iniciado soluções locais para melhorar os níveis de saúde, sendo que uma dimensão da capacidade da comunidade cujas mudanças são detectáveis em pouco tempo são as redes interorganizacionais. Continuando com suas análises, este mesmo autor afirma que a estrutura e fatores contextuais de uma rede, incluindo a densidade da rede, contribuem para a disseminação da informação e o processo de decisão e também impactam na efetividade de sua ação prática. Assim, os serviços de saúde refletem redes integradas vertical e horizontalmente por meio de seus múltiplos provedores de serviços. E, por meio do reforço das relações interorganizacionais, é possível facilitar a comunicação, desenvolver parcerias, planejar, implementar e evoluir as atividades que tem mais resultados positivos indicando um aumento na capacidade comunitária (WENDEL, 2010). 25 Este mesmo autor argumenta ainda que, partindo-se das prioridades do sistema de saúde e de um acompanhamento das redes sociais, cada organização pode individualmente rever a sua forma de interagir com outra unidade de saúde, e o gestor do sistema tem a oportunidade de replanejar o desenho, funcionalidades e prioridades do mesmo; mostrando,assim, que existem potenciais contribuições da análise de redes sociais em saúde. 2.2.3 Redes de Atenção à Saúde 2.2.3.1 Histórico das redes de atenção à saúde A área da saúde humana consiste em um ramo complexo da sociedade o qual acompanha os avanços da sociedade de maneira geral com a implantação de novas técnicas e abordagens tanto do ponto de vista assistencial quanto daquele relacionado à gestão do mesmo. Com relação a este assunto, o Relatório Dawson feito em 1920, segundo Lavras (2011), é considerado um dos primeiros documentos a usar o conceito de atenção primária à saúde em uma visão perspectiva de organização sistêmica regionalizada e hierarquizada de serviços de saúde, por nível de complexidade e sob uma base geográfica definida. As suas concepções influenciaram a criação do sistema nacional de saúde britânico em 1948 que, por sua vez, passou a orientar a reorganização dos sistemas de saúde em vários países do mundo. Coube a este relatório a introdução da territorialização, mostrando a necessidade de articular a saúde pública com a atenção individual, marcando, assim, a associação entre o modelo de organização de serviços e sua gestão (KUSCHNIR, 2010). No Brasil, de acordo com Fleury e Overney (2007), a saúde enquanto área institucionalizada surge com as mudanças do regime político nos anos 1980 e com a incorporação de direitos básicos na Constituição Federal de 1988. A partir desta situação ocorreu um grande movimento denominado Reforma Sanitária a qual teve como maior fruto o surgimento no ano de 1990 da Lei 8080 a qual criou e determinou o início do funcionamento do SUS (Sistema Único de Saúde) que tem como princípios norteadores a universalidade, integralidade, equidade, regionalização e participação da comunidade (BRASIL, 1990). Em sua criação a ideia relacionada com o SUS propunha a melhoria do modelo de atenção o qual se refere a um sistema lógico que organiza o funcionamento do sistema de 26 saúde de acordo com parâmetros pré-definidos que servem para determinar o modo como será oferecida esta assistência a determinada população (MENDES, 2002). Com base nesta conceituação, apesar das mudanças propostas o modelo de atenção ainda em vigência consiste no tipo biomédico surgido antes da criação do SUS com foco no tratamento clínico e medicamentoso voltado para o profissional médico e para instituições hospitalares mantendo um sistema fragmentado de atenção à saúde (RIBEIRO, 2008). 2.2.3.2 Conceitos e estrutura das redes de atenção à saúde A partir destas evoluções históricas o SUS se encontra estruturado na atualidade para o manejo clínico de condições agudas do que as crônicas que, de acordo com Lavras (2011), possuem um processo mais complexo para o seu atendimento envolvendo neste caso práticas de auto cuidado, abordagens multiprofissionais e a garantia de continuidade assistencial que ocorre apenas em sistemas integrados. Ainda de acordo com este mesmo autor na prática o SUS apresenta-se hoje com um sistema fragmentado que dificulta o acesso, gera uma descontinuidade assistencial e compromete a integralidade da atenção ofertada por uma desarticulação entre as instâncias gestoras, a gerência dos serviços, os serviços de saúde em si e ainda das práticas clínicas feitas entre os diferentes profissionais. Esta maior integração da gestão e assistência em saúde no Brasil pode ser obtida por meio do uso das redes de atenção em virtude não apenas da melhoria possível nos seus processos de trabalho como também por uma melhor adequação à situação epidemiológica desta localidade específica (SCHRAMM, 2004). Com relação a este assunto a sua justificativa reside no fato de que a transição epidemiológica no Brasil ocorre fazendo com que se tenha uma população maior no estrato idoso bem como com a prevalência conjunta de doenças agudas - como diarreia, desnutrição, dengue, dentre outras -, aumento das doença crônicas - como câncer, diabetes e hipertensão - e a reinserção de patologias já eliminadas como cólera e outras. A partir desta complexa situação surge a necessidade de se utilizar um novo modelo de atenção à saúde no país com a implantação das redes de atenção a saúde articulando, de forma singular, as relações entre a população e suas subpopulações estratificadas por riscos, por focos de intervenções do sistema de atenção à saúde e por diferentes tipos de intervenções sanitárias, definido em função da visão prevalente da saúde, das situações demográfica e 27 epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo e sociedade (HAMM, 2007). Com base nesta nova proposição para o funcionamento dos sistemas de saúde, surgiram diversos modelos de atenção para se adequar à dinâmica das redes de atenção à saúde dos quais o Modelo de Atenção Crônica (MCC), de acordo com Wagner (2002), é o mais adequado por ser composto por seis elementos divididos em dois grupos estando no primeiro o sistema de atenção à saúde no qual as mudanças precisam ser feitas na organização da atenção, no sistema de prestação de serviços, no suporte às decisões, nos sistemas de informação e no autocuidado apoiado. Já o segundo campo contém a comunidade com as mudanças devendo ser centradas na articulação dos serviços de saúde com os recursos da comunidade. FIGURA 1 – MODELO DE ATENÇÃO CRÔNICA (MCC) 28 Fonte: Wagner EH. Chronic disease management: what will it take to improve care for chronic illness? Effective Clin Practice. 1998, n.1, v.1, p. 2-4. Segundo as análises de Lavras (2011), a estruturação das redes de atenção – baseadas em uma atenção primária de qualidade - exige intervenções sistêmicas, nas unidades funcionais que as compõem e nas práticas profissionais que aí se desenvolvem. Deste modo, as redes de atenção à saúde são relações não hierárquicas de compartilhamento de objetivos comuns entre vários atores, com troca de recursos entre si no suposto de que a cooperação é a melhor forma de alcançar esses objetivos. (BORZEL, 1997). Assim, de acordo com Kuschnir (2010), a organização em rede foi concebida como uma resposta à questão de como garantir acesso à saúde com equidade a toda uma população. E por sua relação com a universalidade, equidade e integralidade e a estratégia de regionalização e hierarquização foi seguida por todos os países que construíram sistemas nacionais de saúde como o Canadá e os países nórdicos. Ainda segundo o mesmo autor, as redes integradas de serviços de saúde consistem em redes de organizações que proveem, ou fazem arranjos para prover, serviços de saúde equitativos e integrais a uma população definida e que está disposta a prestar contas por seus resultados clínicos e econômicos e pelo estado de saúde da população a que serve. 29 Assim, as redes em saúde têm sido criadas pelo mundo para melhorar a efetividade da saúde sob a perspectiva da política ou estratégia de provimento (LIAU, 2010; FLEURET, 2011). Nestas redes, a hierarquia é substituída pela poliarquia e o sistema de saúde é organizado sob a forma de uma rede horizontal de atenção à saúde de distintas densidades tecnológicas e seus sistemas de apoio, sem ordem e sem grau de importância entre eles. As novas organizações de serviços de saúde resultam em redes que exigem novos espaços para o cuidado em saúde que são pouco estudados até o momento. E como o cuidado em saúde é oferecido dentro de um território, o paciente precisa ser orientado pelo sistema para criar uma ordem no cuidado que deve ser coerente com as diversas intervenções, a natureza do cuidado que é dado e relacionado com os serviços necessários (FLEURET, 2011). Conforme Lin (1999) os benefícios das redes em saúde são melhorar a qualidade do cuidado, os serviços, a acessibilidade, estreitar as relações, melhorar a eficiência e diminuir oscustos. Já para Inojosa (1999), as redes em saúde tem um caráter de parceria, de gestão de políticas, com foco nas questões sociais. Neste processo em rede, as mudanças sociais e de saúde não se originam dentro das instituições tradicionais da sociedade, mas se desenvolvem a partir de identidades baseadas na rejeição dos valores da sociedade. Assim, de acordo com Mendes (2009) as redes podem ser definidas como organizações poliárquicas de conjuntos de serviços de saúde, vinculados entre si por uma missão única, por objetivos comuns e por uma ação cooperativa e interdependente, que permitem oferecer uma atenção integral e contínua a determinada população, coordenada pela atenção primária à saúde – prestada no tempo certo, no lugar certo, com o custo certo, com a qualidade certa, de forma humanizada e com equidade – com responsabilidades sanitária e econômica e gerando valor para a população. As redes de atenção à saúde, de acordo com Mendes (2009), são formadas por três elementos básicos. O primeiro é a população que consiste no aglomerado de pessoas que vivem em territórios sanitários específicos, organizados em famílias separadas de acordo com seus riscos sócio econômicos e sanitários. 30 O segundo elemento das redes de atenção à saúde é a sua estrutura operacional formada pelos nós e pelas ligações que comunicam estes nós. Esta estrutura possui os seguintes componentes como mencionado em Mendes (2009), Castells (2000) e Cruz (2003): -Atenção Primária à Saúde: consiste no centro de comunicação das redes de atenção à saúde que coordena os fluxos e contra fluxos deste sistema de atuação aonde o paciente chega primeiramente para ser atendido e para onde ele deve retornar após a assistência em outros pontos de atenção da rede. -Pontos de atenção secundária e terciária: se referem ao tipo de atendimento mais especializado no qual a população busca assistência a partir da indicação de necessidade por parte da atenção primária. É composto, de forma geral, por clinicas de atendimento especializado, serviços de urgência - como pronto-socorro, UPA (Unidades de Pronto Atendimento), hospitais e outros. -Sistemas de apoio às redes de atenção à saúde: compreendem os sistemas de apoio diagnóstico e terapêutico, sistema de assistência farmacêutica e sistemas de informação em saúde. O seu uso está relacionado com o suporte de informações para que a assistência em rede seja realizada. -Sistemas Logísticos das redes de atenção à saúde: são as partes integrantes das redes de atenção à saúde que garantem o seu funcionamento do ponto de vista operacional por meio do prontuário clínico, cartão de identificação do usuário, sistema de apoio regulado à atenção em saúde e ainda o sistema de transporte em saúde. -Sistema de governança das redes de atenção à saúde: consiste no arranjo organizacional uni ou pluri-institucional que permite a gestão de todos os componentes das redes de atenção à saúde, para gerar um excedente de cooperação entre os envolvidos aumentando com isso a sua interdependência e obtendo bons resultados assistenciais e sanitários para a população adscrita a esta forma específica de organização. Segundo Bittencourt (2009), a nova visão trazida dos estudos de arranjos estruturais de sistemas de saúde – como as redes de atenção - altera o foco para o de coordenação dos serviços, através da governança entre as organizações. A governança, neste contexto refere-se à habilidade, ao conhecimento e à prática de coordenação de múltiplas organizações para que o sistema funcione como um organismo coeso e focado em objetivos comuns. 31 Por meio desta organização apresentada as redes de atenção à saúde funcionam de forma específica para os variados aspectos existentes nesta área do atendimento havendo a necessidade da sua utilização por meio de programas horizontais que se organizam de forma diagonal com o seu compartilhamento de pontos da rede de atenção à saúde como mostra a figura a seguir. (FRENK, 2006;OOMS, 2008) FIGURA 2 ESTRUTURA REDES TEMÁTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE Fonte: MENDES, E.V. As redes de atenção à saúde. Belo Horizonte: ESP-MG, 2009. 848 p. 2.1.2.3 Evolução e implantação das redes de atenção à saúde no Brasil Ao ponderar sobre a evolução deste tipo de prática em saúde no Brasil o seu início foi primeiramente relatado por Mendes (1998) quando mencionou sobre a re-engenharia do sistema de saúde que mostrava os aspectos essenciais para o futuro surgimento das redes de atenção à saúde. Este mesmo autor em Mendes (2001) analisa a fragmentação do sistema de saúde no país e propõe a criação de um sistema integrado de saúde articulando territórios sanitários, os componentes de articulação e a gestão da clínica. O surgimento de forma efetiva de uma rede temática de atenção à saúde da mulher e criança ocorreu com o Programa Mãe Curitibana o qual, de acordo com Jimenez et al. (2001), 32 teve resultados muito favoráveis que se transformaram no Sistema Integrado de Serviços de Saúde nesta mesma localidade (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE CURITIBA, 2002). Com base nestas primeiras experiências foi possível identificar, como menciona Hans e Contradiopoulos (2004), que sistemas de atenção à saúde estruturados no formato de redes assistenciais tem a integralidade como seu eixo prioritário para unir as dimensões clínicas, funcionais, normativas e sistêmicas em sua operacionalização porque nenhuma organização sozinha possui todos os recursos e competências para a solução dos problemas de saúde de determinada população em seus diferentes ciclos de vida. Tendo como base este processo em instalação se inicia a criação das redes de atenção à saúde no estado de Minas Gerais quando o seu governo estadual na gestão de 2003 a 2006 coloca as rede de atenção à saúde como uma prioridade e implanta quatro redes principais que foram a Rede Viva Vida de atendimento à criança e mulher, Rede Hiperdia para atendimento de pessoas com doenças cardiovasculares e com diabetes, Rede Mais Vida para assistência aos idosos e ainda a Rede de Urgência e Emergência (SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DE MINAS GERAIS, 2004). A partir desta delimitação inicial ocorreu no estado de Minas Gerais a colocação de todas estas redes para serem aplicadas nos municípios mineiros tanto no que se refere ao seu funcionamento como às suas medidas de financiamento de maneira vertical em suas delimitações. 3. MÉTODOS 3.1 TIPO DE ESTUDO O presente estudo, de forma geral, consistiu em uma pesquisa social e etnográfica com uma abordagem qualitativa utilizando grupos focais e observação não-participante como método de coleta tendo a fenomenologia como paradigma. A pesquisa social refere-se ao estudo do comportamento humano e da sociedade. Segundo Figueiredo (2001), este tipo de pesquisa trabalha com pessoas, com atores sociais em relação e com grupos específicos. Esses sujeitos de investigação são construídos teoricamente enquanto componentes de um objeto de estudo. Empiricamente fazem parte de uma relação de intersubjetividade, de interação com o pesquisador, desta relação resultando 33 um produto novo e contrastando, tanto com a realidade concreta, quanto com as hipóteses e pressupostos teóricos, em um processo mais amplo de produção de conhecimento. Estas considerações teóricas anteriores corroboram o caráter de pesquisa social deste estudo em questão, o qual abordou um grupos específico de atores sociais em sua vivência nas redes de atenção à saúde. As pesquisas quanto à sua abordagem podem ser quantitativas ou qualitativas, sendo que a primeira abordagem segundo Gil (1999) pressupõe a quantificação ou a tradução em números das opiniões e informações coletadas a fim de classificá-las e analisá-las. Da pesquisa qualitativa faz parte a obtençãode dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo. Nas pesquisas qualitativas, é frequente que o pesquisador procure entender os fenômenos, segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada e, a partir daí situe sua interpretação dos fenômenos estudados (NEVES, 1996). A partir destas considerações metodológicas confirma-se a pertinência de classificar esta pesquisa como qualitativa, pois a mesma ao propor a busca de informações para a análise das relações entre redes de atenção à saúde, empreendedorismo e relações sociais a partir das ponderações e discursos dos atores sociais vai procurar estudar o fenômeno em si tendo como base as diferentes respostas obtidas. O estudo em questão consistiu ainda em uma pesquisa etnográfica a qual, segundo Cavedon (2003), refere-se ao levantamento de todos os dados possíveis sobre certa comunidade com a finalidade de melhor conhecê-la. A etnografia, atualmente, é polifônica, isto é, os informantes possuem voz no texto. Na verdade, o texto etnográfico coloca em evidência um diálogo que se estabelece entre o pesquisador, os pesquisados e a teoria. (CAVEDON, 2003) A pesquisa etnográfica, para Godoy (1995), abrange a descrição dos eventos que ocorrem na vida de um grupo e a interpretação do significado desses eventos para a cultura do grupo. Assim, para Andion e Serra (2006) a etnografia possibilita um melhor estudo de temas que exigem uma maior interdisciplinaridade como as redes, pois a contextualização exigida para a etnografia pode contribuir para o exame da densidade, análise do grau de coerência entre os seus atores e as relações entre os mesmos. 34 As considerações anteriores permitem, assim, confirmar a pesquisa apresentada como etnográfica, pois a mesma buscou identificar em seus atores sociais abordados – a população e profissionais de saúde – por meio do uso do ponto de vista e método de trabalho da etnografia a caracterização e situação do mesmo quanto ao tema em estudo. Com relação aos procedimentos técnicos que foram utilizados neste estudo estão inseridos em uma abordagem indireta por meio de grupos focais e observações. Sobre os grupos focais, de acordo com Barbour (2009), esta metodologia, cada vez mais utilizada em pesquisas sociais e de saúde, consiste na união de pequenos grupos de pessoas que passam a discutir sobre determinado assunto cujas interações são estimuladas e observadas pelo pesquisador envolvido. Ao se considerar as características dos grupos focais, observa-se que os mesmos se adéquam aos objetivos desta pesquisa realizada por meio da criação destes espaços de discussão acerca dos assuntos relacionados ao trabalho para conhecer de maneira mais específica a realidade relacionada a estas questões. Além do uso dos grupos focais como procedimento para a obtenção dos dados desta pesquisa, foram utilizadas técnicas de observação por parte da pesquisadora como meio de completar o cenário analisado. Com relação a isso, de acordo com Cavedon (2003), uma das técnicas entendidas como legítima para a obtenção de dados com a profundidade necessária para elaborar o texto etnográfico consiste na observação não-participante. Esta observação exige que o pesquisador faça uma imersão no cotidiano de certo grupo social, pois somente assim ele poderá compreender o universo sociocultural em estudo. Estas observações foram realizadas a partir da percepção da pesquisadora com base nas reações e atitudes corporais dos sujeitos da pesquisa verificadas durante a coleta de dados. O paradigma usado nesta pesquisa foi o fenomenológico. De acordo com BOSS (1977), um método pode ser chamado de fenomenológico “... quando em seu enfoque ele se detém exclusivamente nos fenômenos a estudar.” Assim, tal método visa somente trazer à luz de modo cada vez mais diferenciado, o que se mostra dos próprios fatos observados, o que se apresenta por si mesmo ao observador e ouvinte. A pesquisa fenomenológica parte da compreensão do viver e não de definições e conceitos, e é uma compreensão voltada para os significados do perceber, ou seja, ““... para 35 expressões claras sobre as percepções que o sujeito tem daquilo que está sendo pesquisado, as quais se expressam pelo próprio sujeito que as percebe (MARTINS e BICUDO, 1989). Além disso, como a fenomenologia se volta basicamente para a análise do fenômeno em si a ser estudado possibilita a identificação alvo deste estudo que consistirá nos determinantes e tendências para as redes sociais empreendedoras em saúde. 4.2 Cenário de Estudo Tendo como base os objetivos desta pesquisa – que consistem na identificação e análise das relações entre empreendedorismo, Redes de Atenção à Saúde e relações sociais em Formiga-MG – e os pressupostos de desenvolvimento das redes de atenção à saúde, o cenário deste estudo conforma-se pelos atores sociais envolvidos na região a ser estudada e suas inter-relações. O local de estudo para a realização desta pesquisa foi constituído pelos principais pontos de atenção à saúde da cidade de Formiga em Minas Gerais com um universo de pesquisa de aproximadamente 600 pessoas. A cidade de Formiga se refere a um município situado na região Centro-Oeste de Minas Gerais contando com porte médio possuindo um total de 65.000 habitantes residentes de acordo com os dados demográficos (IBGE, 2014). Com relação ao seu aspecto de vida conta com atividades comerciais básicas o comércio e setor de serviços bem como atuações no aspecto industrial e educacional, pois possui um Centro Universitário, um Instituto Federal de Ciência e Tecnologia bem como diversas escolas estaduais, municipais e particulares. Ao ponderar sobre a sua estrutura de saúde Formiga possui 16 ESF's (Equipes de Saúde da Família) contando com cobertura de 95% sobre a população urbana, 2 PACS (Programa de Agente Comunitário de Saúde) que atendem a população da zona rural no que se refere à atenção primária. Estes pontos de atenção são responsáveis pelo atendimento básico da população realizando consultas médicas, de enfermagem e de outros profissionais bem como faz o acompanhamento por meio dos agentes comunitários de saúde proporcionando ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde. 36 As ações relacionadas são feitas em áreas de atendimento como saúde do homem, saúde da mulher, saúde da criança, saúde do idoso, saúde do adolescente com atuações específicas para a promoção, prevenção e recuperação do bem-estar de cada um destes públicos-alvo. O atendimento específico deles ocorre por meio da divisão da população em áreas específicas para a abrangência de cada unidade de saúde com abordagem multiprofissional. Além disso, ocorrem intervenções como vacinação, campanhas com objetivos variados junto à população, atendimento a pacientes com condições crônicas como diabetes, hipertensão, tuberculose, hanseníase, DST/AIDS, distúrbios mentais e ainda atividades educativas e de orientações variadas. Para auxiliar neste nível de assistência existe um serviço de apoio diagnóstico composto por um laboratório municipal bem como dois laboratórios privados contratados os quais realizam exames básicos e especializados para tratamento e diagnóstico das mais diversas doenças de acordo com a demanda que pode ser tanto programada com agendamento prévio como também de urgência em casos de maior agilidade nos resultados. Ainda com o objetivo de completar a ação de saúde ofertada pelas Equipes de Saúde da Família existem no município de Formiga opções como atendimento de fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, nutrição de acordo com a necessidade e indicação médica dos pacientes de forma agendada por meio dos postos de saúde existentes nesta localidade. É oferecido ainda de formaespecífica para os usuários do sistema de saúde local que possuem transtornos psiquiátricos tratamentos determinados através do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) que garante o atendimento médico e de outros profissionais relacionados – como psicólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e outros – além da distribuição de medicamentos e a realização de oficinas terapêuticas. No que se refere à Atenção Especializada existe nesta cidade o ponto de atenção chamado CEMAES (Centro Municipal de Especialidades Médicas) existindo no mesmo o atendimento agendado a partir do envio da Equipe de Saúde da Família de sua população para médicos em especialidades como Oftalmologia, Ortopedia, Ginecologia, Pediatria, Obstetrícia, Pneumologia, Cardiologia, Clínica Geral, Pequenas Cirurgias e Mastologia. Além disso, os pacientes que precisam de atendimentos em saúde mais específicos ou complexos que não estão disponíveis no sistema de saúde de Formiga são encaminhados por 37 meio do TFD (Tratamento Fora de Domicílio) para outros municípios que tem à disposição a modalidade necessária. Quando ocorre a necessidade de uma intervenção cirúrgica ou internação o município de Formiga possui dois hospitais sendo um particular de pequeno porte contendo 33 leitos abrangendo no atendimento alguns convênios para internações em geral e procedimentos cirúrgicos de menor complexidade. A outra instituição hospitalar desta cidade é filantrópica e pública com mais de 200 leitos tendo estrutura física e de recursos humanos para internações, cirurgias variadas bem como oferece retaguarda para procedimentos de alta complexidade com a presença de unidades como Centro de Imagens, Bloco Cirúrgico ampliado, Maternidade, Pediatria, diversas enfermarias, Central de Material Esterilizado, UTI Adulto e Neonatal. É possível ainda encontrar no que se refere ao atendimento de saúde emergencial um Pronto Atendimento Municipal o qual conta com médicos 24 horas por dia e o devido suporte de atendimento de enfermagem. Neste local os pacientes com problemas mais emergenciais são triados de acordo com o grau de complexidade e risco à vida que possuem sendo depois enviados para o devido atendimento médico. Por meio desta análise do profissional mencionado os pacientes são encaminhados para receber medicações como paliativas para dores que estejam sendo sentidas, exames urgentes para uma melhor avaliação médica ou ainda o encaminhamento dos mesmos para outras cidades e também para internação no hospital da cidade. Com relação à transferência de pacientes para outros locais isto é feito também pela Secretaria Municipal de Saúde através de serviços de UTI Móvel que fica à disposição por 24 horas para as necessidades de conduzir pacientes em estado mais grave tanto a partir do Pronto Atendimento Municipal como a partir daqueles que estejam internados na instituição hospitalar local. Por meio de todas estas estruturas e pontos de atenção o atendimento à saúde na localidade de Formiga se configura da seguinte forma geral: FIGURA 3 – REDE DE ATENDIMENTO À SAÚDE NA CIDADE DE FORMIGA – MG 38 Laboratório PSF´s Centro de Imagens CEMAES CAPS TFD UTI Móvel PAM Hospital Fonte: Própria autora Além de ter que atender à população própria a cidade de Formiga é sede de uma microrregião de saúde devendo desta maneira atender em seus locais existentes para assistência à saúde a população de mais oito municípios que são: Bambuí, Córrego Fundo, Córrego Danta, Iguatama, Medeiros, Pains, Pimenta e Tapiraí. Dentro desta organização existente com base na vivência e resultados de indicadores de saúde presentes se configura um cenário o qual despertou o interesse para a pesquisa em decorrência da grande insatisfação tanto da população quanto dos profissionais com a condução dos processos de trabalho para proporcionar o atendimento em saúde. Existe ainda uma não coordenação da rede pela Atenção Primária à Saúde gerando uma excessiva busca pela atenção especializada e hospitalar determinando com isso muitas demoras para o acontecimento da assistência determinando a ocorrência do agravamento das situações existentes. 4.3 Sujeitos de Estudo Os sujeitos de estudo desta pesquisa são os atores sociais relacionados com as redes de atenção à saúde em Formiga-MG; estes atores são: gestores municipais de saúde, profissionais de saúde e população. A razão de se considerar e ressaltar neste trabalho todo o espectro mais amplo de atores é aqui feita para que se tenha, ao final deste estudo, uma dimensão global dos 39 determinantes e tendências das interações entre redes de atenção à saúde, empreendedorismo e as relações sociais em todos os âmbitos possíveis, a saber: a assistência, a gestão e a governança das mesmas. Os gestores municipais de saúde são os responsáveis pela condução do sistema de saúde em seus diferentes âmbitos na cidade de Formiga bem como pela resolução das diversas questões assistenciais e gerenciais relacionadas à saúde da população. A atuação dos gestores interfere sobremaneira na direção e melhorias a serem feitas nos sistemas de saúde, as quais ocorrem somente a partir de sua aprovação e pontos de vista. Deste modo, para a identificação e análise da situação e possibilidades das interações entre redes de atenção à saúde, empreendedorismo e relações sociais – que consiste no objetivo desta pesquisa – um dos atores sociais a serem escolhidos consiste nos gestores de saúde da localidade. Os gestores de saúde considerados para a abordagem desta pesquisa no sistema de saúde da cidade de Formiga se referem além do Secretário Municipal de Saúde, aos coordenadores de setor existentes, referências técnicas e o núcleo de gestão local em um total de 50 integrantes. De maneira mais detalhada os coordenadores de setor compreendem os funcionários locais responsáveis pela gestão e condução das diferentes áreas da saúde nesta cidade discriminados a seguir: -Coordenação da Atenção Primária à Saúde: gerencia a condução e melhoria em todas as Equipes de Saúde da Família e Programa de Agentes Comunitários de Saúde da localidade. -Coordenação de Epidemiologia: tem como responsabilidade o controle e direcionamento relacionado à ocorrência de diferentes doenças, controle de zoonoses, vacinação e outros. -Coordenação de Vigilância Sanitária: realiza a ação de vigilância em estabelecimentos, produtos e ambientes cuja inadequação possa levar à algum risco para a saúde da população humana. -Coordenação Tratamento Fora de Domicílio: executa o controle e distribuição dos pacientes de acordo com vagas para atendimentos e cirurgias em outros municípios bem como a escala de viagens para estes atendimentos específicos. 40 -Coordenação CEMAES: efetua a gestão e organização dos atendimentos especializados em seus diferentes tipos de profissionais como médicos, nutricionistas, fonoaudiólogos, nutricionistas e outros. -Coordenação Zona Rural: realiza o atendimento e organização específica para a atenção em saúde apenas para os moradores da zona rural da cidade de Formiga. -Ouvidoria -Advocacia -Coordenação de Compras/Contabilidade: é responsável por realizar todos os processos relacionados com a compra e prestação de contas com recursos financeiros existentes na secretaria municipal de saúde desta localidade. -Coordenação de Transporte: diz respeito à condução de toda a frota de veículos para o atendimento das demandas de saúde do município de Formiga. -Coordenação de Laboratório: realiza a organização dos funcionários e processos de trabalho para agendamento e execução de coletas de materiais para análises