Prévia do material em texto
8 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ H58 A história das barragens no Brasil, Séculos XIX, XX e XXI : cinquenta anos do Comitê Brasileiro de Barragens / [coordenador, supervisor, Flavio Miguez de Mello ; editor, Corrado Piasentin]. - Rio de Janeiro : CBDB, 2011. 524 p. : il. ; 29 cm Inclui índice ISBN 978-85-62967-04-7 1. Barragens e açudes - Brasil - História. 2. Comitê Brasileiro de Barragens - História. I. Mello, Flavio Miguez de. II. Piasentin, Corrado. III. Comitê Brasileiro de Barragens. III. Título: Cinquenta anos do Comitê Brasileiro de Barragens 11-6197. CDD: 627.80981 CDU: 627.82(81) 20.09.11 22.09.11 029752 Comitê Brasileiro de Barragens - CBDB Agradecimentos O Comitê Brasileiro de Barragens externa seus agradecimentos às empresas abaixo relacionadas pelo apoio que possibilitou a confecção deste livro que resume o desenrolar de importante segmento da História do Brasil. Arcadis Tetraplan S/A Banco Bradesco S/A Camargo Corrêa Energia e Construções S/A CEMIG - Companhia Energética de Minas Gerais CESP - Companhia Energética de São Paulo CHESF - Companhia Hidro Elétrica do São Francisco Construtora Norberto Odebrecht S/A Construtora Queiroz Galvão S/A Construtora Andrade Gutierrez S/A COPEL - Companhia Paranaense de Energia DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas Eletrobras - Centrais Elétricas Brasileiras S/A Eletronorte - Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A Engevix Engenharia S/A Furnas Centrais Elétricas S/A Geobrugg Ag - Protection Systems Grupo Energia Intertechne Consultores S/A. Itaipu Binacional Jeene Juntas Impermeabilizações Ltda. Light S/A Mc Bauchemie Brasil Mendes Júnior Trading e Engenharia S/A Norte Energia S/A Pires Giovanetti Engenharia e Arquitetura Ltda. Sto Antonio Energia DIRETORIA CBDB Presidente: Erton Carvalho Vice-Presidente: Fabio De Gennaro Castro Diretor Secretário: Paulo Coreixas Junior Diretor Técnico: Brasil Pinheiro Machado Diretor de Comunicações: Miguel Augusto Z. Sória Diretor Adjunto: Marcos Luiz Vasconcellos Diretor Adjunto: Ademar Sérgio Fiorini FICHA TÉCNICA Coordenador / Supervisor: Flavio Miguez de Mello Editor: Corrado Piasentin Projeto Gráfico: Modonovo Design - Marina Hochman Diagramação: Modonovo Design - Marina Hochman / Natália Seiblitz Revisão de texto: Margarida Corção Gráfica: Impressul Indústria Gráfica índiceíndice Prefácio Apresentação Síntese do Desenvolvimento da Implantação das Barragens no Brasil A Comissão Internacional de Grandes Barragens - Oitenta e Três Anos de Excelência História do Comitê Brasileiro de Barragens Um Século de Obras contra as Secas As Barragens Construídas pelo DNOCS Resumo da História Remota da Hidroeletricidade no Brasil Usina Hidroelétrica de Marmelos Usina Hidroelétrica de Angiquinho Usina Hidroelétrica de Itapecuruzinho A Light no Rio de Janeiro, a Cidade Luz Sulamericana A São Paulo Light, Fomentadora de Progresso As Barragens do Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS A História da CHESF, Indutora do Progresso do Nordeste Furnas no Século XX A Eletronorte e as Barragens da Região Amazônica A História das Barragens no Paraná Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG 98 112 124 88 9 12 16 48 56 66 76 130 142 150 166 188 206 226 250 Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul - CEEE Companhia Energética de São Paulo - CESP Companhia Força e Luz Cataguazes-Leopoldina - Energisa Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL Breve Memória sobre a Usina de Itaipu 1966 - 2010 As Pequenas Centrais Hidroelétricas no Brasil A Nova Face das Empresas Estatais frente à Expansão da Oferta de Energia Hidroelétrica no País As Barragens de Rejeitos no Brasil: Sua evolução nos últimos anos A Evolução do Licenciamento Ambiental de Barragens no Brasil A Evolução da Legislação Aplicada às Barragens Centros de Pesquisas Tecnológicas Aplicadas a Barragens - Introdução CEHPAR - 50 Anos de muito Trabalho Centro de Tecnologia de Furnas em Goiânia O Laboratório de Hidráulica HIDROESB - Saturnino de Brito SA O Instituto de Pesquisas Hidráulicas - IPH O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - IPT 272 284 292 304 308 346 354 368 396 406 412 414 426 432 436 446 Laboratório de Hidráulica Experimental e Recursos Hídricos de Furnas - LAHE O Laboratório CESP de Engenharia Civil - LCEC Anexos Anexo 1 - Entrevistas Eduardo Larrosa Bequio Guy Maria Villela Paschoal Hélio Mendes de Amorim João Camilo Penna José Candido Capistrano de Castro Pessoa Luiz Carlos Queiroz Mario Santos Murillo Dondici Ruiz Olavo Augusto Vieira Anexo 2 - Depoimentos José Gelazio da Rocha e Antônio Dias Leite Anexo 3 - Diretorias do CBDB Anexo 4 - Seminários Nacionais de Grandes Barragens Anexo 5 - Simpósios sobre Pequenas e Médias Centrais Hidroelétricas Anexo 6 - Congressos Internacionais e Reuniões Anuais e Executivas Anexo 7 - Sócios Coletivos e Mantenedores 454 464 474 477 483 485 488 491 493 506 509 512 514 516 519 520 522 A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 9 Prefácio Prefácio Em comemoração aos 50 anos de existência do Comitê Brasileiro de Barragens – CBDB – filiado à International Commission on Large Dams (ICOLD), apresentamos o livro “A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI”. Pretendemos, assim, registrar a história das barragens brasileiras, resgatando os principais personagens que contribuíram para o desenvolvimento da nossa engenharia, envolvendo não só homens públicos, mas também empreendedores do setor privado e pesquisadores. As barragens surgiram em decorrência da necessidade de se usufruir dos benefícios do uso múltiplo dos recursos hídricos para a população brasileira. O livro retrata as primeiras barragens construídas no Nordeste, a partir de 1887, onde o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) teve um papel importante com a construção de açudes para irrigação, abastecimento de água das cidades e pequenos núcleos populacionais. Essa política, que previa a formação de reservatórios no semi-árido nordestino, teve como uma das principais finalidades a permanência do sertanejo no seu ambiente natural, amenizando os processos migratórios para a Região Sudeste do País. Além da contribuição nos métodos construtivos das barragens, principalmente as de maciços de terra, houve um grande desenvolvimento nas áreas de hidrologia e meteorologia. A SUDENE, dirigida pelo economista Celso Furtado na década de 1960, implementou um plano de desenvolvimento regional embasado em estudos dos recursos naturais, envolvendo mapeamentos pedológicos, águas de superfície e subterrânea, climatologia, hidrologia, piscicultura, entre outras ciências que serviram de suporte para projetos de irrigação e construção de barragens. O livro aborda com abrangência o desenvolvimento tecnológico para a construção das barragens brasileiras a partir de 1950, quando se iniciou o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro. O primeiro trabalho de inventário dos rios da Região Sudeste foi elaborado pela Canambra Engineering Consultants Limited, grupo de grande competência, que colaborou, juntamente com algumas empresas brasileiras, na formação dos nossos engenheiros na área de recursos hídricos e projetos de barragens. No Brasil foram iniciadas as construções de grandes barragens, apoiadas em estudos e projetos de alta qualidade. Os técnicosbrasileiros foram influenciados principalmente pelas organizações americanas United States Bureau of Reclamation e US Army Corps of Engineers. Paralelamente, para suporte tecnológico desses empreendimentos, foram criados vários centros de pesquisas, os quais fazem parte dos pontos importantes abordados nesta publicação. O aparecimento e o desenvolvimento das empresas construtoras de barragens constituem fatos de grande relevância. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 10 Este livro registra as primeiras hidroelétricas construídas no país, selecionadas por região. Apresenta, também, uma significativa documentação sobre o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) extinto no inicio da década de 1990, o qual realizou vários trabalhos apreciáveis nas áreas de abastecimento de água, irrigação e geração de energia elétrica, sendo também responsável pelas obras de controle de cheias em todo país. As empresas subsidiárias da ELETROBRAS: FURNAS, CHESF, ELETRONORTE e ELETROSUL, bem como as dos estados de Minas Gerais (CEMIG), São Paulo (CESP), Rio Grande do Sul (CEEE) e Paraná (COPEL), aparecem documentadas com a história de suas formações, incluindo os empreendimentos realizados e as respectivas estratégias de desenvolvimento. A usina de Itaipu Binacional, pertencente ao Brasil e ao Paraguai, está retratada com a sua história e importância, não só para a geração de energia elétrica, como também para a integração dos dois países. Destaca-se na Região Amazônica o relato do projeto e construção da usina de Tucuruí, a maior hidroelétrica brasileira, dotada de eclusas para a navegação do rio Tocantins, realçando a importância da Região Amazônica como continuidade do uso dos nossos recursos hídricos. A preocupação do CBDB em defesa do desenvolvimento sustentável do País está comentada nos tópicos sobre a evolução do licenciamento ambiental para os empreendimentos hidráulicos, no que se refere à construção das barragens e seus impactos. A legislação sobre a segurança das barragens, que faz parte do programa de trabalho do CBDB, é também citada nesta publicação. Finalmente, este livro é dirigido a um público abrangente, visando, principalmente, o leitor interessado na história contemporânea do desenvolvimento brasileiro, sem a exigência de que ele seja possuidor de conhecimentos técnicos sobre o tema. Erton Carvalho PREsIDENTE DO CBDB A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI Reservatório de Tucuruí 13 Apresentação Flavio Miguez de Mello “Águas são muitas, infi nitas... E em tal maneira é grandiosa que, querendo, a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.” Pero Vaz de Caminha, 1500. Apresentação Com a proximidade do cinquentenário do Comitê Brasileiro de Barragens CBDB surgiu, em reunião do Conselho Deliberativo, a proposta do engenheiro Manuel de Almeida Martins de que se editasse um livro comemorativo versando sobre a história da engenharia de barragens no Brasil. A proposição foi aceita com entusiasmo, cabendo a mim a tarefa de produzir o livro e publicá-lo no aniversário de cinquenta anos do CBDB, em outubro de 2011. Outras entidades publicaram livros de escopo semelhante: a ABMS publicou Cinquenta Anos de Geotecnia em 2000 e a ABGE publicou a Edição Comemorativa dos Trinta Anos, em 1998. Este livro é lançado em difícil momento para os investidores, estatais e privados, em empreendimentos para qualquer das di- versas fi nalidades de barragens dadas às vigentes difi culdades de aprovação, licenciamento e distorções legais que propiciam prio- rização soluções mais poluentes, de questionável segurança e de menor economicidade. A propósito, cabe realçar as palavras de Paulo Skaff, presidente da FIESP ao analisar as tendências atuais (2011) do setor elétrico: “O Brasil assiste a desqualifi cação de suas fontes de energia mais competitivas e abundantemente disponíveis. Essa distorção já contaminou a legislação ambiental brasileira e, mais recentemente, comprometeu o planejamento energético. O Brasil está desperdiçando impor- tantes potenciais hídricos ao limitar, emocionalmente, o dimensionamento dos reservatórios das barragens.” No mesmo sentido, a ministra Miriam Belchior, do Planejamento alertou (2011): “Acreditamos que será possível, de fato, Belo Monte ser um exemplo de implantação de usina hi- droelétrica na Região Amazônica ... exceto os que tenham uma posição ideológica e não técnica (sobre meio ambiente), os demais serão convencidos de que está sendo feito todo o esforço, envolvendo todos os atores, para que a implantação de Belo Monte seja um sucesso de sustentabilidade social e ambiental.” No início dos trabalhos, a Diretoria do CBDB emitiu uma circular a todos os sócios comunicando a intenção de publicar este livro e incentivou os associados a se apresentarem como voluntários na preparação dos diversos capítulos que haviam sido programados. Como voluntários não apareceram, e como o assunto a ser abor- dado no livro é demasiadamente extenso no tempo, superando um século, e no espaço, por abranger o vasto território nacional, tive que selecionar alguns voluntários que gentilmente aceitaram a tarefa e desempenharam a função de redatores com maestria e objetividade. Entretanto, mesmo assim, como são muitos os aspec- tos enfocados, o livro acabou apresentando uma certa concentração de capítulos em um autor. Ao iniciar a tarefa me deparei com grandes difi culdades provenien- tes das importantes perdas para a Profi ssão de inúmeros expoen- tes da engenharia nesses pouco mais de dez anos que separam as publicações das outras associações da edição do livro do CBDB. Essas perdas de quase uma geração inteira de notáveis pioneiros dos tempos das mais importantes conquistas tecnológicas e da fase pioneira da implantação de grandes barragens para as mais diversas fi nalidades bem como da época das grandes difi culdades para identifi cação, planejamento, projeto, construção e operação de barragens e reservatórios, fi zeram com que a tarefa se tornas- se árdua em função da busca de documentos, relatórios, foto- C I N Q U E N T A A N O S D O C O M I T Ê B R A S I L E I R O D E B A R R A G E N S 14 grafias e depoimentos que formassem as bases para o relato de uma história de mais de um século de conquistas que merecem registro. Os que atualmente atuam em implantação de barragens podem não imaginar que, por exemplo, para visitar pela primei- ra vez o local da hidroelétrica de Salto Grande em Minas Gerais, o engenheiro John Cotrim gastou duas semanas a cavalo. Por sorte tive o privilégio de conviver profissionalmente com alguns dos mais destacados atores daquele período e que já nos abandonaram. Estive com alguns desses atores com frequên- cia em certas longas fases do exercício profissional tais como os engenheiros Flavio H. Lyra, John R. Cotrim, Léo A. Penna, Arthur Crocchi, E. Von Ranke, Victor F.B. de Mello, Carlos Al- berto Pádua Amarante, Epaminondas Mello do Amaral Filho, Theophilo Benedicto Ottoni Netto, Antônio José da Costa Nunes, Francisco de Assis Basílio, José Machado e José Cândido Castro Parente Pessoa com os quais tive oportunidades de angariar va- liosos depoimentos sobre aspectos de vivências profissionais pas- sadas. Com vários outros atores do passado tive contatos menos extensos, mas de elevado interesse no relato de experiências pro- fissionais tais como Mário Penna Bhering, César Cals de Oliveira Filho e consultores como Manuel Rocha e Porland Port Fox. Usina hidroelétrica Serra do Facão A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 15 Desses contatos pude extrair há anos, informações de elevado conteúdo histórico, algumas das quais relato neste livro. Esses contatos, dos quais guardorecordações as mais preciosas, foram em parte devidos à minha atuação profissional na engenharia, à minha atuação na Universidade e às minhas atividades no CBDB e em outras entidades técnicas. No CBDB, embora não seja o mais velho, devo certamente ser o mais antigo por ter sido chamado muito jovem a apoiar as atividades em sua sede. Prova- velmente foram esses fatores que levaram o Conselho do CBDB a me indicar como responsável pela edição desse livro. Alguns relatos apresentados em capítulos deste livro foram obtidos diretamente desses contatos dos que nos precederam na Profissão. O livro foi enriquecido com textos, entrevistas e informações de al- guns dos mais destacados profissionais que atuam na engenharia de barragens em nosso País. Procurei congregar neste livro narrativas sucintas, porém objetivas, de todas as principais atividades que resultaram na implantação de tantas barragens que trouxeram progresso e bem estar ao nosso povo desde o Século XIX. Considerando que a história recente é mais conhecida por aqueles que acessarem esse livro, é de se notar que há, em quase todos os capítulos, uma ênfase maior na história remota, de mais difícil caracterização. Dessa forma há uma ênfase nas primeiras barragens para saneamento, para controle de cheias e, principalmente, para combate às trágicas consequências ocasionadas pelas secas e para produção de energia elétrica. Sobre esse aspecto há um capítulo resumindo as primei- ras hidroelétricas nas diversas regiões do País, com destaque para as primeiras usinas hidráulicas para fornecimento público de energia elétrica: Marmelos no Sul-Sudeste, construída ainda no Século XIX por Bernardo Mascarenhas, Angiquinho implantada no Nordeste por Delmiro Gouveia e Itapecuruzinho, implementada na Re- gião Amazônica por Newton Carvalho, pai do atual presidente do CBDB, engenheiro Erton Carvalho. O relato mais detalhado dessas barragens pioneiras retrata a imagem das imensas dificul- dades logísticas de acesso, de obtenção de materiais e de aqui- sição de equipamentos. Mesmo assim, os que nos precederam conseguiram, nas mais adversas condições, implantar barragens e hidroelétricas em até menos de um ano, prazos presentemente ina- creditáveis dadas as atuais delongas e dificuldades legais, de aprova- ção, de concessão e de licenciamento ambiental, além de oposições dos auto-proclamados ambientalistas nacionais e estrangeiros. Com uma longa história tão rica a ser resumida num espaço tão curto, o livro inevitavelmente contém omissões pelas quais des- de já peço desculpas. Não foi possível mencionar todos os atores e relatar todas as inúmeras atividades de implantação de barragens que ocorreram por mais de um século nesse tão vasto território nacional. Presentemente, só considerando as grandes barragens, no Brasil há bem mais de mil dessas estruturas em operação e, se consideradas as barragens de rejeitos, ultrapassa-se a casa das duas mil grandes barragens. O presente livro é resultado do apoio e do incentivo de muitas pes- soas entre as quais cabe destacar especialmente a constante com- preensão e apoio de minha esposa, das quatro filhas que passaram mais de um ano sem minha participação em atividades de fins de semana. Agradeço também aos dirigentes e funcionários do CBDB, o editor Corrado Piasentin, a revisora de texto Margarida Corção e o conselheiro Aurélio Alves de Vasconcelos, presentes e atuantes desde a primeira hora. Agradecimentos são devidos aos autores dos capítulos e aos entrevistados que contribuíram decisivamente para a viabilização do livro. Cabe ainda agradecer os importantes apoios recebidos de diversos profissionais entre eles Alberto Jorge C. T. Cavalcanti, Alberto Sayão, Ana Teresa Ponte, André Luiz Fa- biani, Carlos Henrique Medeiros, Carlos Mazzaro, Cleber José de Carvalho, Delphim Mazon Fernandes, Flavio Pilz, Fernando Pires de Camargo, Gisele Miranda Gomes Reis, Gualter Pupo, Gustavo Nasser Moreira, Heloisa Ottoni, Henrique Frade, Hilton Ahiran da Silveira, John Denys Cadman, José Carlos de Miranda Reis Neto, Jerson Kelman, João Paulo Maranhão Aguiar, José Gelazio da Rocha, José João Rocha Afonso, Julia Ferrer Leal de Araujo, Leila Lobo de Mendonça, Mair Melo Andrade, Margaret Rose Mendes Fernandes, Nicole Schauner, Og Pozzoli, Paulo Coreixas Jr., Ricardo Ivan Bicu- do, Rosana Libânio, Sandra Pereira, Sérgio Pimenta, Simone Idalgo Machado, Talvani Hipólito Nolasco Filho, Teresa Malveira, Vânia Rosa Costa, Viviani Siqueira Vecchi e Walton Pacelli de Andrade. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 16 17 Síntese do Desenvolvimento da Implantação das Barragens no Brasil Flavio Miguez de Mello Síntese do Desenvolvimento da Implantação das Barragens no Brasil O País e seus recursos hídricos O Brasil é um território contínuo de forma quase quadrada, a maior parte do qual se situa no hemisfério sul, desde 4° de latitude norte a 33º de latitude sul e de 40 º a 75º de longitude oeste, compre- endendo 8,5x106 km². Esse grande território tem uma longa fron- teira com todos os países da América do Sul à exceção do Equador e do Chile, com uma extensa costa banhada pelo Oceano Atlân- tico ao longo de 8.500 km. O País abriga a quinta maior popula- ção do mundo. A maior parte dos seus 190 milhões de habitantes vive na Região Sudeste onde as maiores cidades estão localizadas. Como o País é de tão grande superfície, há diferentes aspectos natu- rais tais como, por exemplo, a quantidade e frequência de precipita- ções, os recursos hídricos, o clima, a geologia, o relevo e a vegetação. O ambiente varia das planícies alagadas da Amazônia Equatorial e do Pantanal ao Planalto Central, da cadeia de montanhas próximas à costa no Sudeste até as planícies do Sul e do Meio Oeste, variando de áreas úmidas ao vasto semi-árido do interior do Nordeste. “We trust that the results of the study will help the power industry of South Central Brazil to develop on a sound basis in the years that lie ahead.” “Acreditamos que os resultados do estudo auxiliarão nos anos vindouros o desenvolvimento da indústria de geração do Centro-Sul do Brasil sobre uma base sólida” John K. Sexton, engenheiro chefe da Canambra, 1966. A parte central da Região Amazônica é cortada de oeste para leste pelo rio Amazonas, o mais caudaloso e mais longo rio do mun- do, com uma descarga média superior a 200.000 m³/s, formado por dois grandes rios, o Solimões que drena os Andes peruanos e bolivianos e o Negro. Os mais importantes tributários desses rios e os rios da bacia do rio Tocantins que flui de sul para norte, constituem-se nos grandes recursos hídricos do norte do Brasil, apresentando descarga específica média de 35 l/s.km². A leste desta região encontra-se a região semi-árida do nordeste brasileiro cujos rios são em geral intermitentes, podendo apre- sentar descargas específicas médias tão baixas quanto 3 l/s.km². Nessa área, denominada Polígono das Secas, a incidência solar supera as 3000 horas por ano, a precipitação média anual pode ser de 400 mm ou menos. Nessa área a evaporação média pode atingir 2000 mm/ano e, juntamente com evapotranspiração, pode ser responsável pelo consumo de até 92% das precipitações. A pe- quena espessura da cobertura de solo faz com que haja dificuldade em reter a umidade e, como o substrato cristalino é pouco permeável, só é possível acumular águas subterrâneas em regiões de rochas com fraturas profundas, sendo geralmente esta água insuficiente e de baixa qualidade. Quase todos os rios do Nordeste, com exceção dos rios São Francisco (que é proveniente do Sudeste) e Parnaí- ba, têm regime intermitente em pelo menos parte de seus cursos. Barragem de finalidades múltiplas de Pedra do Cavalo no rio Paraguaçu naBahia C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 18 Nesses rios intermitentes, no caso de barragens não muito altas, o tratamento de fundação pode ser feito na primeira estação seca du- rante a construção e a barragem construída durante a estação seca seguinte, muitas vezes sem requerer estruturas de desvio e ensecadeiras. No resto do País as descargas específicas variam de 12 l/s.km² a 30 l/s.km². Nos últimos 40 anos o País tem participado intensamente da econo- mia internacional, variando entre a oitava e a décima maior econo- mia do mundo. As secas no Nordeste e o desenvolvimento do País foram os fatores determinantes para a implantação do grande nú- mero de barragens construídas desde a última década do século XIX. Um olhar para o passado remoto A mais antiga barragem que se tem notícia em território bra- sileiro foi construída onde hoje é área urbana do Recife, PE, possivelmente no final do Século XVI, antes mesmo da invasão holandesa. Conhecida presentemente como açude Apipucos, aparece em um mapa holandês de 1577. Apipucos na língua tupi significa onde os caminhos se encontram. A barragem original foi alargada e reforçada para permitir a construção de uma im- portante via de acesso ao centro do Recife. Há referências tam- bém ao dique Afogados construído no rio Afogados, um braço do rio Capiberibe, por Harman Agenau por 6000 florins para acesso a um forte também na atual região urbana do Recife. O dique tinha três metros de altura e cerca de 2 km de extensão, tendo sido concluído em dezembro de 1644; em 1650 sofreu transbordamento por ocasião de uma grande cheia, tendo cola- psado em vários pontos. Figuras 1a e 1b - Barragem de Apipucos na cidade do Recife. A mais antiga barragem que se tem registro no Brasil A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 19 As obras contra as secas O ano de 1877 foi o início da maior tragédia nacional devido a fenômeno natural: A Grande Seca no Nordeste com duração superior a três anos deixou cicatrizes que até hoje são nítidas. O estado do Ceará, uma das áreas mais atingidas, na época com 1,5 milhão de habitantes, perdeu mais de um terço da sua popula- ção de maneira trágica, tendo sido palco de migrações em massa de fl agelados. Somente a partir de meados dos anos oitenta do século passado passou-se a saber que as secas são devidas ao fenômeno conhecido por El Niño no Pacífi co Sul. Muitos anos antes, outro intenso El Niño foi responsável pela retirada dos invasores holandeses de onde é hoje a costa do Ceará. Em 1880, logo após a Grande Seca, o Imperador D. Pedro II que esteve na área atingida, nomeou uma comissão para recomendar uma solução para o problema das secas no Nordeste. As principais recomendações foram a construção de estradas para que a popu- lação pudesse atingir o litoral e a construção de barragens para suprimento de água e irrigação no Polígono das Secas cuja área é superior a 950.000 km². Isso marcou o início do planejamen- to e projeto de grandes barragens no Brasil. A primeira dessas barragens foi Cedros, situada no Ceará e concluída em 1906. Centenas de barragens foram construídas desde a Grande Seca no Nordeste. Na primeira década do século XX uma membrana de alvenaria ou de concreto era usualmente usada como elemento impermeabilizante interno de barragens de terra. A pequena al- tura das barragens e a rocha sã nos leitos dos rios minimizavam a necessidade de tratamento de fundação. A rocha sã em geral en- contrada nas ombreiras, em vários projetos, conduziu à adoção de vertedouros de superfície simplesmente escavados em rocha sã. Os anos 50 e 60 do século passado foram os anos dourados na cons- trução de barragens para combate às secas. No fi nal do Século XX o DNOCS executou sua última barragem, Castanhão cuja fi nalidade principal foi o abastecimento de água da cidade de Fortaleza. Recentemente foi lançado o projeto de derivação de parte das des- cargas do rio São Francisco para o Polígono das Secas. Esse gran- de rio que nasce na Região Sudeste em Minas Gerais, tem no seu trecho inferior uma descarga média de longo termo de cerca de 2000 m³/s. No seu estágio fi nal a derivação será de 3,2% desta des- carga para as regiões de seca. Serão construídas diversas barragens, diques, canais, estações de bombeamento e casas de força para Figura 2 - Barragem de Cedros, uma das duas mais antigas grandes barragens do Brasil (1906) Figura 3 – Barragem de Castanhão para abastecimento de água à cidade de Fortaleza, CE C I N Q U E N T A A N O S D O C O M I T Ê B R A S I L E I R O D E B A R R A G E N S 20 geração de energia. Serão bombeados 63,5 m³/s do rio São Fran- cisco. Durante as estações chuvosas na bacia do rio São Francisco poderão ser bombeadas até 127 m³/s . A maioria das grandes barragens do Brasil (pela classificação da CIGB) encontra-se na Região Nordeste, a maior parte delas em aterro compactado, sem serem muito altas. As primeiras barragens para produção de energia elétrica Nas regiões Sul e Sudeste a implantação de barragens foi prin- cipalmente direcionada para produção de energia elétrica. No final do Século XIX começaram a ser implantadas pequenas usinas para suprimento de cargas modestas e localizadas, to- das com barragens de dimensões discretas. A primeira usina da Light entrou em operação em 1901, no rio Tietê, para su- primento de energia elétrica à cidade de São Paulo. Inicialmen- te denominada Parnaíba e depois Edgard de Souza, a usina, quando inaugurada, tinha 2 MW instalados; sua barragem ori- ginal com 12,5 m de altura, era de alvenaria de pedra consti- tuída por grandes blocos de rocha gnáissica solidarizados com argamassa, sendo, em grande parte de sua extensão, um verte- douro de soleira livre. Em 1954 a antiga usina foi substituída por unidades de recalque e a barragem alteada para 18,5 m através de reforços em contrafortes e com vertedouro com três compor- tas de segmento de capacidade conjunta de 800 m³/s. No final do século passado, em função das intensas alterações nos co- eficientes hidráulicos de sua área de drenagem devido à ur- banização da cidade de São Paulo e das cidades vizinhas, o vertedouro foi redimensionado com considerável acréscimo de capacidade. Até os anos cinquenta todas as empresas de energia elétrica eram privadas e as suas usinas eram situadas principal- mente nas regiões Sul e Sudeste. A maior parte das barragens eram estruturas de concreto gravidade ou de alvenaria de pe- dra, não muito altas. Presentemente (2011) há 1206 MW ins- talados em hidroelétricas de mais de 50 anos de idade. Muitas dessas unidades estão sendo agora reabilitadas e repotencia- das. As primeiras grandes barragens do País foram Cedros acima mencionada e Lajes, que entrou em operação em 1906 no estado do Rio de Janeiro com o objetivo de derivar as águas do ribeirão das Lajes para da usina de Fontes no Rio de Janeiro, na época uma das maiores do mundo. Em 1934 o decreto federal nº 24643 conhecido como Código de Águas e o cancelamento da cláusula ouro que protegia as empre- sas concessionárias dos efeitos da desvalorização da moeda nacio- nal, passaram a desencorajar diretamente os investidores do setor elétrico. Devido à contenção tarifária e à fragilidade do capital nacional, passou a haver insuficiência de oferta de energia nas décadas seguintes. Os danos ao progresso da Nação foram inten- sos e irrecuperáveis, tendo sido causado intenso estrangulamento na expansão de oferta de energia elétrica. Esse estrangulamen- to fez com que o governo federal e alguns governos estaduais criassem empresas de energia elétrica. Assim, o setor elétrico foi aos poucos sendo estatizado. Logo após a II Guerra Mundial, a Light, concessionária da mais desenvolvida região doPaís, construiu diversas barragens e grandes casas de forças subterrâneas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para esses empreendimentos consultores individu- ais prestaram importante apoio tais como Karl Terzaghi, Arthur Casagrande e Portland Port Fox. Desde o início dos anos cinquenta as concessionárias estatais pas- saram a se concentrar em empreendimentos de grandes vultos. Por esse motivo as mais importantes contribuições no sentido de desenvolvimento de tecnologias de projeto, construção e opera- ção de barragens são principalmente devidas à implantação de hidroelétricas. Em 1960, devido à desastrosa e desastrada políti- ca de restrição tarifária iniciada pelo Código de Águas que incluiu o não reconhecimento de remuneração de capital empregado em obras de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a capacidade instalada no território nacional era de apenas 5.000 MW, dos quais 3.700 MW provinham de hidroelétricas. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 21 A evolução do conhecimento dos recursos hidroenergéticos. O legado da Canambra Na primeira metade do século passado, dada a escassez de mapea- mento e as dificuldades logísticas, os recursos hídricos em território brasileiro eram pouco conhecidos e não tinha havido ainda estudos sistemáticos que posteriormente, a partir dos anos sessenta, passaram a ser designados por estudos de inventário. A Light, responsável pelo suprimento de energia elétrica às mais importantes regiões no Rio de Janeiro e em São Paulo, efetuava estudos dispersos, tendo inclusive atingido as Sete Quedas, sem o conhecimento dos potenciais do rio Grande e do rio Paranaíba, muito mais próximos. Nessa época, John Cotrim, diretor técnico da Cemig, organizou uma expedição pelo rio Grande entre dois potenciais conhecidos: os locais das usinas de Itu- tinga e de Peixoto. Nessa expedição foi identificado o local de Furnas Figura 4 – Barragem e reservatório de Lajes, uma das duas grandes barragens mais antigas do Brasil (1906) C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 22 que posteriormente deu origem à empresa de mesmo nome. A desco- berta desse potencial causou espanto no meio técnico da época. Como reflexo desse levantamento veio o objetivo da Cemig de efetuar um levantamento dos recursos hidroenergéticos de Minas Gerais. A Cemig solicitou apoio financeiro ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP sigla em inglês). Ao abrigo desse recurso financeiro, Cemig assinou, em 2 de novembro de 1962, um con- trato com a Canambra Engineering Consultants, um consórcio entre as empresas consultoras canadenses, Montreal Engineering Company Ltd. e G.E. Crippen & Associates Ltd. e a americana Gibbs & Hill Inc., para que fosse realizado o inventário dos recursos hidroenergéticos em Minas Gerais. Com a sugestão do Banco Mundial que atuou nesse inven- tário como agente executivo do UNDP, de estender os estudos à toda Região Sudeste considerando a importância desses estudos para a otimização dos investimentos em geração de energia elétrica e como todos os rios que nascem em Minas Gerais atravessam outros estados, o governo federal se interessou vivamente pela iniciativa da Cemig e, em 3 de junho do ano seguinte, os estudos foram estendidos à toda a Região Sudeste através de um contrato assinado entre a Canambra e Furnas. Para tanto, o ministro Gabriel Passos das Minas e Energia e os governadores dos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Guanabara assinaram em 1 de março de 1963 o Plano de Opera- ção. Inicialmente conhecido como ONU-Cemig, os estudos passaram a ser conhecidos como Canambra. Com esse propósito, o UNDP disponibilizou recursos da ordem de US$ 2,7 milhões, havendo a contra- partida em moeda nacional no equivalente a US$ 3,8 milhões. Três grupos foram formados, um em Belo Horizonte, um em São Paulo e um no Rio de Janeiro. Os dois primeiros grupos acima mencio- nados desenvolveram o inventário dos recursos hidroenergéticos em relatórios independentes e o grupo sediado no Rio de Janeiro usou os resultados obtidos adicionados a investigações de outras possíveis fontes geradoras, inclusive termoelétricas a carvão, a óleo e usinas nucleares, para formatar o programa final de desenvolvimento ener- gético da Região Sudeste. A área total investigada foi de 1,1 milhão de quilômetros quadrados cobrindo 28.000 km de rios, usando 3.700 horas de voos de reconhecimento, englobando 510 locais de barragem dos quais 264 foram levantados com melhor precisão, o que demandou aerofotografias de uma área de 516.000 km². Fo- ram identificados como viáveis potenciais que somados atingiram 40.000 MW. Os estudos de inventário constituíram-se em atividade sem precedente, tendo direcionado o desenvolvimento hidroener- gético da região. Nas fases posteriores de implantação das usinas, a maioria esmagadora dos estudos realizados pela Canambra foi posteriormente aprofundada nas etapas sucessivas de projeto den- tro das diretrizes inicialmente estabelecidas. O relatório final foi entregue por J.K. Sexton, diretor da Canambra, a John Cotrim, chefe do Comitê de Direção dos Estudos, em dezembro de 1966. Considerando o sucesso dos estudos desenvolvidos na Região Su- deste, a Canambra foi contratada para efetuar estudo de mesmo es- copo para a Região Sul. Posteriormente, nos anos setenta, empresas nacionais realizaram estudos de inventário hidroenergéticos nas regi- ões Norte e Nordeste. A partir dos anos oitenta os estudos anteriores começaram a ser revisados e densificados em quase todo o território nacional. Progressivamente as condicionantes ambientais foram ganhando espaço nas definições de projetos em inventários. Um exemplo típico foi a revisão do inventário do rio Paraibuna em Minas Gerais que havia sido feito nos anos oitenta. A partir de poucos anos Figura 5 – Grupo de Minas Gerais da Canambra trabalhando no escritório central da Cemig A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 23 após seu término, os projetos que pelas exageradas dimensões de seus reservatórios inundariam centros urbanos e grandes extensões de obras de infraestrutura viária, foram progressivamente alterados para reservatórios de menores dimensões, maior número de usinas com quedas mais modestas e pequenos trechos inaproveitados. Fo- ram definidos os aproveitamentos de Picada, Sobragy, Cabuy, Monte Serrat, Bonfante e Santa Fé com pequenas áreas inundadas. Apesar de pequena perda energética em relação à partição de queda proposta nos anos oitenta, os empreendimentos passaram a ser econômica e ambientalmente viáveis, tendo sido implantados a partir do início dos anos noventa. Na usina que fica mais a jusante foi possível a compati- bilização inédita do aproveitamento energético com a canoagem, qua- se sempre objetivos antagônicos. Durante os dias de fim de semana, feriados e noites de lua cheia, são liberados para a canoagem pela bar- ragem de derivação a descarga de 50 m³/s, ideal para a prática da cano- agem, garantindo melhores condições do que as condições naturais. 7a 7b 7c 7d Figura 6 - John Cadman fotografado por John Cabrera, atolados na beira do rio, mostrando as dificuldades logísticas durante os levantamentos de campo efetuados pela Canambra Figura 7a - PCH Monte Serrat no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais Figura 7b - PCH Bonfante no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais Figura 7c - PCH Santa Fé no rio Paraibuna, Rio de Janeiro e Minas Gerais Figura 7d – Rafting no rio Paraibuna sobre a soleira vertedora da barragem de derivação de Santa Fé C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 24 Influenciada por essasalterações, a ANEEL contratou a Es- cola Politécnica da UFRJ em 2000 para reestudar toda a bacia do rio Paraíba do Sul com atenção especial aos impactos am- bientais, a menos das usinas existentes ou aprovadas entre as quais o complexo de Simplício. Dessa revisão dos inventários existentes resultou o projeto de mais de cinquenta novos apro- veitamentos, em sua maioria esquemas de baixa queda para torná-los ambientalmente viáveis. Dentre os aproveitamentos de baixa queda destacam-se as PCHs gêmeas Queluz e Lavri- nhas, assim denominadas por terem todos os equipamentos idênticos. Essas PCHs, com 30 MW cada, construídas no rio Paraíba do Sul a montante do reservatório do Funil, foram concluídas em 2011 e tiveram seus reservatórios condicionados pela infraestrutura viária do local. Figuras 8a e 8b – PCH Queluz antes e depois do enchimento do reservatório. Em primeiro plano a ferrovia de concessão da MRS e ao fundo a ponte da rodovia Presidente Dutra BR-116 Figuras 9a e 9b - PCH Lavrinhas antes e depois do enchimento do reservatório. Em primeiro plano a ferrovia de concessão da MRS e ao fundo a rodovia Presidente Dutra BR-116 A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 25 Alterações nos critérios tarifários e a consequente ampliação de implantação de hidroelétricas Nos anos sessenta e setenta, devido ao estabelecimento do cri- tério da verdade tarifária introduzido no início do governo Cas- telo Branco por Bulhões de Carvalho e Roberto Campos, um impressionante número de grandes hidroelétricas foram constru- ídas e entraram em operação, algumas das quais entre as maiores do mundo na época. Nos anos oitenta e noventa um menor número de hidroelétricas entra- ram em operação devido à carência de recursos financeiros das estatais causada principalmente pelos impactos na economia nacional devi- dos aos dois choques do petróleo e a crescente inflação. Entretanto, a concentração de investimentos em poucos, mas grandes empreendi- mentos, continuou, resultando no que mostra a tabela a seguir. Figura 10 – Local da usina hidroelétrica de Furnas no início de sua construção. A partir da esquerda Flavio H.Lyra, Juscelino Kubitschek de Oliveira, John R. Cotrim, Benedito Dutra e outros. Todos olhando para o fotografo a menos de Flavio H. Lyra preocupado com a concepção do projeto C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 26 Figura 11 – Casa de força e vertedouro da usina hidroelétrica de Tucuruí Figura 12 – Usina hidroelétrica de Salto Santiago no rio Iguaçu Figura 13 – Usina hidroelétrica de Itá em final de construção A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI Legenda: N Região Norte S Região Sul SE Região Sudeste NE Região Nordeste CO Região Centroeste TE barragem de terra ER barragem de enrocamento com núcleo de terra BEFC barragem de enrocamento com face de concreto CG barragem de concreto gravidade CCR barragem de concreto compactado com rolo GA barragem de concreto em gravidade aliviada CF barragem de concreto em contrafortes TABELA 1 Maiores Hidroelétricas em Operação em 2011 Hidroelétrica Potência Região Tipo de Barragem (MW) Tucuruí 8.370 N TE/CG Itaipu (Brasil) 7.000 S GA/CG/CT/ER/TE Ilha Solteira 3.444 SE/CO TE/CG Xingó 3.162 NE BEFC Paulo Afonso IV 2.462 NE TE/CG Itumbiara 2.082 SE/CO TE/CG São Simão 1.710 SE/CO TE/CG Foz do Areia 1.676 S BEFC Jupiá 1.551 SE/CO TE/ER/CG Porto Primavera 1.540 SE/CO TE/CG Itá 1.450 S BEFC Itaparica 1.479 NE TE/CG Marimbondo 1.440 SE TE/CG Salto Santiago 1.420 S ER Água Vermelha 1.396 SE TE/CG Segredo 1.260 S BEFC Salto Caxias 1.240 S CCR Furnas 1.216 SE ER Emborcação 1.192 SE/CO ER Salto Osório 1.078 S ER Sobradinho 1.050 NE TE/CG Estreito 1.050 SE ER 27 Extensos reservatórios foram criados para algumas dessas grandes hidroelétricas. Tais reservatórios passaram a propiciar benefícios de regularização de vazões e, consequentemente, otimização de operação e confiabilidade no suprimento de energia elétrica. Figura 14 – Usina hidroelétrica de Sobradinho. Reservatório de maior área do Brasil Figura 15 – Reservatório da usina hidroelétrica de Serra da Mesa, o de maior volume do Brasil C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s TABELA 2 Maiores Reservatórios Barragem Área (km²) Volume (km³) Extensão (km) Sobradinho 4.214 34 350 Tucuruí 3.007 50 170 Balbina 2.360 17 225 Porto Primavera 2.250 20 250 Serra da Mesa 1.784 54 116 Itaipu* 1.350 29 170 *Incluindo a parte do reservatório sobre território paraguaio. 28 Desde pouco antes do início dos anos oitenta o governo federal e os governos estaduais passaram a enfrentar grandes dificulda- des para prover recursos necessários para a implantação de novas usinas e de sistemas de transmissão. Um dos casos extremos ocor- reu na implantação da hidroelétrica de Emborcação que, perante à reiterada ameaça da Eletrobras em não cumprir o contrato de fi- nanciamento com a Cemig, esta denunciou a Eletrobras ao Banco Mundial. Considerando as funestas e intensas consequências ao País em outros empreendimentos financiados pelo Banco Mundial, a Eletrobras foi obrigada a cumprir o contrato. Nas obras federais houve intensa concentração de recursos na construção das maiores usinas, nomeadamente em Itaipu e Tucuruí, e depois em Xingó, ficando as demais obras federais sujeitas às verbas de desmobili- zação. Essas verbas correspondiam aos valores que seriam des- pendidos caso as obras viessem a ser paralisadas. Como esses valores eram insuficientes para manter o ritmo ideal de constru- ção, essas obras ficaram sujeitas a vultosos dispêndios devido aos acréscimos de custo de construção e à maior incidência de juros durante a construção, tendo afetado negativamente as empresas contratadas para fornecimento de serviços e de bens de capital. A hidroeletricidade nos anos recentes Em 1996, através da Lei 9427, uma importante modificação ocor- reu no setor elétrico com a criação da Agência Nacional de Ener- gia Elétrica. Pouco depois foi instituída a Agência Nacional de Águas e o Operador Nacional do Sistema, entidade, teoricamente privada, que atua na coordenação e no controle da operação das geradoras e dos sistemas de transmissão. Uma segunda alteração na legislação ocorreu em 2004 mantendo o processo de licitação para novos projetos, mas tornando-se vencedor aquele que apre- sentasse a menor tarifa, ficando assim concessionário da usina ou do sistema de transmissão. As transações de compra e venda de blocos de energia no sistema interligado de transmissão são fei- tas sob os auspícios do Mercado Atacadista de Energia através de contratos bi-laterais de curta duração. Todo o planejamento concernente a privatização, alterações operacionais e licitações para concessões têm sido processado pela ANEEL. Uma em- presa federal (EPE - Empresa de Pesquisa Energética) foi criada para o desenvolvimento do planejamento do setor elétrico. Presen- temente empresas de geração, de transmissão, de distribuição, de comercialização e outros investidores são encorajados a im- plantar usinas de geração e sistemas de transmissão, bem como comercializar a energia produzida ou transmitida. Devido ao sistema ser interligado em grande parte do territó- rio nacional, as novas hidroelétricas, além de suprirem energia na sua região, promovem benefícios para outras áreas. Como resulta- do, um vasto sistema de transmissão em alta tensão e em extra alta tensão promove a interligação de várias regiões do País ao sul do rio Amazonas unindo os dois maiores sistemas nacionais: o Norte/ Nordesteao Sul/Sudeste/Centroeste. Está programada para fu- turo próximo a interligação entre a margem sul e a margem norte do rio Amazonas. Em 2008 mais de 95% da população tinha aces- so a serviço público de eletricidade compreendendo mais de 99% dos municípios. Uma grande parte do território brasileiro, com exceção de sistemas isolados na Região Norte, é servido por mais de 90.000 km de sistemas de transmissão interconectados em 230 kV, 345 kV, 440 kV, 500 kV e 750 kV. Em novembro de 2008 a capacidade instalada no País era de 104.816 MW em 1768 usinas geradoras das quais 706 eram hidroelé- tricas, 1042 termoelétricas e duas termonucleares. Nos últimos 10 anos a média anual do aumento da capacidade instalada foi de 3652 MW. Há poucos anos atrás bem mais de 90% da capacidade instalada provinha de usinas hidroelétricas. Ao final de 2008 essa proporção caiu para 74% devido ao planejamento para a diversificação de fontes geradoras e às dificuldades de obtenção de licenciamentos ambientais para barra- gens e reservatórios. Em abril de 2011 a capacidade total instalada no País passou a ser de 112.398 MW. Entretanto, a carga de impostos na geração de energia elétrica é de cerca de 45% da tarifa cheia, o que faz com que, apesar do grande número das grandes usinas hidroelétri- cas que operam há mais de 30 anos estarem teoricamente depreciadas, a energia elétrica disponibilizada no Brasil possa ser a mais cara do mundo devido principalmente a essa elevada carga tributária. Impostos, A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 29 taxas e contribuições mandatórias em uma conta de consumo de ener- gia elétrica em residência de classe média quando comparada ao custo direto da energia fornecida, se situam no entorno de 85%. Presente- mente (meados de 2011) a tarifa média para a indústria no Brasil é de R$ 329/MWh, 134% superior à média das tarifas industriais nos ou- tros países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que se situam em R$140,7/MWh. Em estudo recente a FIRJAN considerou críticos os níveis dos quatorze encargos cobrados sobre a energia elétrica. Entre 2015 e 2017 muitas das concessões das maiores hidroelétricas e dos sistemas de transmissão estarão vencidas. Pela legislação em vi- gor essas concessões retornarão à União que deverá efetuar licitações para definição de novos concessionários. As hidroelétricas a serem licitadas já estarão totalmente depreciadas, o que, pelo espírito da Lei, deverá fazer com que as tarifas venham a ser consideravelmente reduzidas. As atuais concessionárias terão que se adaptar à nova realidade. Prevê-se que em 2015 cerca de 20% do parque gerador, 70.000 km de linhas de transmissão e 33% dos contratos de distri- buição deverão ter suas concessões licitadas. Em abril de 2011 as grandes concessionárias como CESP, CEMIG e COPEL forma- ram um grupo para discutir o problema e tentar influenciar uma alteração na legislação visando prorrogações das concessões. Fur- nas, por exemplo, poderá perder até 52% do seu atual faturamento caso as concessões que vencem no período acima mencionado, não venham a ser renovadas. Essas concessões, no caso de Furnas, compreendem a 5000 MW em seis usinas, além de ativos em siste- mas de transmissão. Tem havido por parte das atuais concessionárias e de governos estaduais, intenso lobby para a manutenção das atu- ais concessões. Por outro lado a FIESP defende que a legislação não venha ser alterada ou violentada e que as licitações sejam feitas; considera que com as licitações as tarifas despencarão a níveis de 20% dos atuais, pois os investimentos na construção das usinas e nos sistemas de transmissão já foram amortizados há muito tempo. Para tanto, a FIESP entrou com representação no TCU solicitando intervenção para que providências sejam tomadas no sentido de garantir a execução das licitações de concessão. Entretanto, um dos principais problemas é que, com o elevadíssimo nível dos encargos sobre o fornecimento da energia elétrica, a intensa redução das tarifas que beneficiaria os contribuintes e recolocaria a competitividade da in- dústria nacional no mercado externo, faria com que o governo perdesse arrecadação o que não costuma ser aceito pelos políticos da situação. Desde a última década do século XX, um grande número de in- vestidores têm atuado na implementação de pequenas centrais hidroelétricas até o limite de 30 MW instalados. A esmagado- ra maioria dessas pequenas usinas tem modestos reservatórios, pequenas barragens, vertedouros de superfície em lâmina livre e casas de força em posição remota em relação às barragens. Figura 17 – Barragem da PCH Ivan Botelho II (Palestina) em Minas Gerais Figura 16 - PCH Calheiros 19 MW no rio Itabapoana, entre os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 30 Hidroelétricas de porte médio são também atraentes a investido- res privados por apresentarem, em relação às empresas estatais, menores custos internos. Grandes hidroelétricas estão presentemente sendo construídas. As hidroelétricas de Jirau e Santo Antônio, situadas no rio Ma- deira a montante de Porto Velho terão, no seu conjunto, cerca de 6900 MW instalados. O rio Madeira drena uma extensa área da Cordilheira dos Andes na Bolívia. Os vertedouros dessas duas barragens foram dimensionados para as descargas de- camilenares de 82.600 m³/s e 84.000 m³/s, sendo cada um equipado com 20 comportas de segmento de 20 m x 25,2 m. Ambas casas de força abrigarão unidades bulbo operando pra- ticamente a fio d’água. Os reservatórios com área de 258 km² e 271,3 km², inundarão terrenos da Floresta Amazônica. Entre- tanto, a relação entre área inundada em km² e a capacidade instalada em MW é de cerca de 0,08, extremamente baixa em comparação com a média nacional. Encontra-se em início de construção a hidroelétrica de Belo Monte que terá a capacidade instalada de 11.233 MW no rio Xingu, um dos maiores tributários do rio Amazonas. Esse apro- veitamento está sendo estudado há trinta anos. Por restrições ambientais e com a finalidade de se conseguir o licenciamento ambiental, a barragem de Babaquara que regularizaria o rio Xingu a montante de Belo Monte, teve seu projeto abando- nado e a área do reservatório de Belo Monte que inicialmente era de 1225 km², passou para 516 km². O empreendimento afetará 4300 famílias urbanas e 800 famílias rurais. A hidroe- létrica de Belo Monte terá baixa relação entre a área do reser- vatório e a capacidade instalada: 0,05 km²/MW. A média na- cional é de 0,49 km²/MW. Outras grandes hidroelétricas como Tucuruí (0,29 km²/MW), Itaipu (0,10 km²/MW) e Serra da Mesa (1,40 km²/MW) embora com relações modestas, apre- sentam índices mais elevados. A ausência de reservatórios de regularização no rio Xingu faz com que o fator de capacidade seja muito baixo. Localizada nas proximidades de Altamira, no Pará, a usina aproveitará a queda na grande curva do Xingu. Pelo projeto em processo de licenciamento, serão implanta- das duas casas de força, uma com 11.000 MW com unidades Francis sob 87,5 m de queda líquida e outra, denominada casa de força complementar, com 233 MW com unidades bulbo sob 11,5 m de queda l íquida. A descarga remanescente é a maior que se tem notícia, 700 m³/s, que fluirão pela casa de força complementar. 18 – PCH Cachoeira em Rondônia, pequena estrutura (barragem) de derivação Figura 19 – Usina hidroelétrica de Monjolinho com vertedouro do tipo lateral A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 31 Figura 20 – Usina hidroelétrica de Santa Clara em Minas Gerais Figura 21 – Barragem vertedoura da hidroelétrica de Picada em Minas Gerais Figura 22 – Obras da usina hidroelétrica de Santo Antônio no rio MadeiraC i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 32 A hidroelétrica de Estreito, também situada na Amazônia, projeta- da para 1087 MW instalados encontra-se (maio de 2011) em início de operação comercial após quatro anos de atrasos devido a demo- ras no licenciamento ambiental e a paralisações referentes a ações judiciais e a atos de ocupação indevida de seu canteiro de obra. A auto-produção de energia elétrica tem movimentado em anos re- centes várias empresas de grande vulto como a Vale, a Petrobrás, a CSN, a Votorantim e muitas outras. Um exemplo marcante é a Companhia Brasileira de Alumínio CBA que por longo período foi o maior auto-produtor de energia elétrica do País. No início dos anos quarenta a família Carvalho Dias e o empresário, engenheiro e político José Ermírio de Moraes fundaram a CBA para exploração da jazida de bauxita que havia sido identificada nas terras dos Carvalho Dias nas proximidades de Poços de Caldas, MG, e montar uma fábrica de alumínio, indústria eletrointensiva. Em 1942 o DNAEE determi- nou que a São Paulo Light suprisse de energia elétrica a fábrica que estava projetada para ser construída no município de Mairinque, SP. Como a São Paulo Light não dispunha de energia para garantir o fornecimento à CBA, esta requereu a concessão do rio Juquiá-Guaçu e do seu afluente Assungi. A concessão só foi outorgada em 1952. Em conversa com o autor, o engenheiro Antônio Ermírio de Mo- raes externou as dificuldades que encontrou, sendo um empreen- dedor privado, para a obtenção da concessão. Afirmou ainda que considerava estratégico ter a garantia de produção de pelo menos 50% da energia necessária à sua indústria. Assim, a CBA deu início à implantação de uma série de usinas no rio Juquiá-Guaçu: em 1958 entrou em operação a hidroelétrica de França com 24 MW, em 1963 Fumaça com 36,4 MW, em 1974 Alecrim com 72 MW, em 1978 Serraria com 24 MW, em 1982 Porto Raso com 28,4 MW, em 1986 Barra com 40,4 MW e, finalmente, em 1989 Iporanga com 36,87 MW. Nesse período, em 1974, a CBA adquiriu da São Paulo Light a hidroelétrica de Itupararanga com 55 MW. Com os principais po- tenciais do rio Juquiá-Guaçu explorados, a CBA partiu para o médio rio Paranapanema, tendo construído as hidroelétricas de Piraju com 80 MW que entrou em operação em 2002 e Ourinhos em operação desde 2006. Figura 23 – Barragem da usina hidroelétrica de Barra no rio Juquiá, em São Paulo A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 33 Figura 24 - Barragem da usina hidroelétrica de Fumaça, no rio Juquiá, em São Paulo Figura 25 – Projeto da barragem da usina hidroelétrica de Barra Figura 26 – Projeto da barragem da usina hidroelétrica de Fumaça C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 34 Os projetos das hidroelétricas da CBA no rio Juquiá-Guaçu fo- ram todos de concepção italiana, com barragens de concreto de gravidade aliviada. Além do acompanhamento constante do en- genheiro Antônio Ermírio de Moraes, o executivo da empresa era o médico Miguel Carvalho Dias que contava com a importan- te colaboração de vários engenheiros de destaque na profi ssão entre eles Carlos Mazzaro, Newton Sady Busetti, Edilberto Mau- rer e Valério Mortara para o qual o autor teve o privilégio de entregar o título de engenheiro eminente pela Associação dos Antigos Alunos da Politécnica em 2000. Barragens de rejeitos Atividades de mineração representam um importante segmen- to na economia nacional. Devido à legislação ambiental, um grande número de barragens de rejeitos foram construídas ou estão presentemente em construção. A barragem do Germano, a maior do País, que atualmente (maio de 2011) está com 155 m de altura é projetada para atingir 170 m de altura no seu estágio fi nal. Embora não haja um registro de barragens de rejeitos no País, são conhecidas mais de 700 barragens em Minas Gerais e pelo menos 150 outras nos demais estados da Federação. O método de construção mais empregado é o método de mon- Figura 27 – Antônio Ermirio de Moraes principal executivo do Grupo Votorantim, detentor da CBA Figura 28 - Usina hidroelétrica de Piraju no rio Paranapanema entre São Paulo e Paraná A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 35 tante. Entretanto, para rejeitos finos a muito finos como na mi- neração de ouro, o método de jusante é empregado. Um projeto não usual foi adotado para a disposição de rejeitos em mina de urânio em Poços de Caldas. Foi adotada uma barragem de terra e enrocamento compactados, com três filtros chaminé internos, para ser construída em três fases. Para impedir que a água de chuva se misturasse com a água percolada pelo ma- ciço da barragem e pela sua fundação, água esta que tem que ser tratada, o talude de jusante da barragem foi projetado para ser coberto com uma face de concreto. Controle de cheias Por muitos anos desde 1944, o Departamento Nacional de Sa- neamento, órgão do Ministério do Interior, foi ativo em empre- endimentos de controle de cheias envolvendo a construção de barragens, polders e drenagens. As barragens foram construídas principalmente com o objetivo de evitar cheias em áreas populosas. Os dois mais destacados empreendimentos foram o sistema de controle de cheias do rio Itajaí em Santa Catarina, que inclui três barragens que são somente usadas para controlar as des- cargas afluentes, o sistema de proteção de cheias da cidade de Recife em Pernambuco, que compreende três barragens de ter- ra. O critério de projeto que em geral era adotado objetivava o controle das cheias de período de recorrência de 100 anos ou a maior cheia que tivesse sido registrada. Em 1990 as ativida- des desse Departamento foram abruptamente encerradas e o Departamento extinto. Nos primeiros anos dos anos noventa diversas barragens que antes eram controladas pelo DNOS fi- caram sem qualquer controle e sem responsável pela operação e segurança. Durante a estação chuvosa de 2009 uma grande cheia ocorreu na bacia do rio Itajaí e as três barragens não foram su- ficientes para controlar toda a descarga afluente. Severas con- sequências em grande área alagada no baixo vale do Itajaí com- preenderam impressionantes perdas de propriedades. Presente- mente estados e prefeituras que, em geral, não são capacitados técnica e financeiramente, têm de enfrentar por conta própria os problemas de controle de cheias. Vias navegáveis A navegação interior permanece sendo o método de transporte mais usual na Região Amazônica onde há longos e caudalosos rios que podem ser usados ao longo do ano todo. Nesse grupo de rios se encontram todo o rio Amazonas, seus formadores os rios Solimões e Negro, bem como extensos trechos inferiores dos seus afluentes, principalmente nos trechos sobre terrenos sedimentares recentes. Nas outras regiões, os poucos empreendimentos de navegação interior existentes são em geral anexos a hidroelétricas. As duas principais bacias com eclusas instaladas em hidroelétricas são as dos rios Tietê e Paraná, em São Paulo e do São Francisco, no Nordeste. Paisagismo Desde a construção, em 1958, da barragem de Pampulha em que criou um belo espelho d’água na cidade de Belo Horizonte, algu- mas pequenas barragens foram construídas no coração de outras cidades para criação de lagos artificiais como elemento paisagístico. O maior e mais famoso desses lagos artificiais é o reservatório de Paranoá, na capital federal. Figura 29 - Eclusas da barragem de Três Irmãos sobre o rio Tietê C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 36 Obras de abastecimento de água Barragens têm sido construídas como parte de sistema de abaste- cimento de água para zonas urbanas eindustriais. O mais destaca- do desses sistemas é o sistema de Cantareira para abastecimento de água da grande São Paulo e cidades do vale do Piracicaba. Esse sistema foi construído nos anos setenta e compreende sete gran- des barragens de terra, sete túneis escavados em rochas gnaíssicas e graníticas numa extensão total de 29 km e uma grande estação de recalque subterrânea com capacidade de 33 m³/s. Os dois maio- res sistemas do Rio de Janeiro aproveitam as barragens da Light construídas entre o início do século (sistema Lajes), e as barragens do sistema de derivação dos rios Piraí e Paraíba do Sul (siste- ma PPD). Outro sistema importante é o de Belo Horizonte compreendendo obras hidráulicas de vulto, com captações em barragens no rio das Velhas e no rio Manso. Um sistema que me- rece menção é o sistema para o abastecimento d’água da cidade de Fortaleza. O sistema inclui a barragem de terra do Castanhão com trecho em concreto compactado com rolo, concluída em 1999 com 72 m de altura, represando 4,46 bilhões de metros cúbicos de água sob uma superfície de 325 km² no nível d’água máximo nor- mal. O sistema necessitou da construção de 256 km de canais para suprimento de 22 m³/s para a cidade e para projetos de irrigação, descarga essa que corresponde a 90% de permanência. O mais recente empreendimento de vulto para abastecimento de água é a barra- gem João Leite construida em concreto compactado com rolo, com 53,5 m de altura e vertedouro de soleira livre sobre a barra- gem. A barragem possibilita o acréscimo de 5,33 m³/s de reforço ao abastecimento das principais cidades do estado de Goiás. Merece menção a barragem do Ribeirão João Leite, concluida em 2009, a qual é destinada ao abastecimento de água da cidade de Goiânia. O artigo técnico sobre o projeto e a construção desta barragem de CCR com 53,50 m de altura e alas de terra faz parte da publicação do CBDB Main Brazilian Dams III. Figura 30 – Barragem do Ribeirão João Leite para o abastecimento d’água da cidade de Goiânia Figura 31 - Barragem de Pindobaçu na Bahia, aproveitamento de finalidades múltiplas A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 37 Entretanto, um estudo recentemente concluído pela Agência Nacio- nal de Águas revelou que a situação do abastecimento de água em 55% dos 5565 municípios brasileiros está se agravando e deve- rá estar insuficiente em 2015. Serão necessários investimentos de R$ 22 bilhões para garantir a oferta de água de qualidade adequa- da até o ano de 2025. O maior problema da área de saneamento básico, entretanto, se concentra na coleta e tratamento de esgoto uma vez que são poucas as cidades que dispõem de estações com capacidade de tratamento de porcentagens consideráveis dos es- gotos coletados. Esse estudo da Agência prevê a necessidade de investimentos superiores a R$ 50 bilhões até 2025 tendo em vista o precário estado dos sistemas de esgoto sanitário de quase todos os municípios brasileiros. A esmagadora maioria dos esgotos é lançada em corpos d’água (rios, lagos e oceano) sem tratamento. Finalidades múltiplas Barragens com finalidades múltiplas eram raras no cenário na- cional devido à estanqueidade dos órgãos federais e estaduais na definição dos empreendimentos hidráulicos. O primeiro gran- de exemplo de barragem implantada com finalidades múlti- plas foi Três Marias com objetivos de regularização do rio São Francisco, beneficiamento à navegação interior e geração de energia elétrica. Dessa forma, premido por necessidade de ini- ciar as obras de Três Marias e de Furnas, o governo Juscelino Kubitschek foi forçado a definir recursos federais para a implan- tação da barragem, do vertedouro e do reservatório, enquanto a Cemig arcou com a casa de força. Figura 32 - Barragem de Mirorós na Bahia, aproveitamento para irrigação e abastecimento de água C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 38 Reservatórios interligados de Paraibuna e Paraitinga Outro exemplo é a barragem de Pedra do Cavalo na Bahia que con- tribui para o controle de cheias, o abastecimento de água, a produção de energia, a regularização e a irrigação. Importantes empreendi- mentos de finalidades múltiplas são as barragens do alto e médio rio Paraíba do Sul, Paraitinga, Paraibuna, Santa Branca, Jaguari e Fu- nil que contribuem para a regularização de descargas, controle de cheias, geração de energia elétrica e possibilitam o abastecimento do Grande Rio de Janeiro. A evolução dos segmentos de bens de capital e de prestação de serviços Toda essa atividade em projeto, construção e operação de barragens, bem como em fabricação e montagem de equipamentos, incentivou a engenharia brasileira, tão dependente de apoio estrangeiro na primei- ra metade do século XX, a se tornar uma das líderes mundiais nesse setor. Muitas empresas brasileiras de projeto e construção se ex- pandiram durante a segunda metade do século XX e presentemente ocupam relevante posição no cenário internacional. Neste mesmo período diversas fábricas de equipamentos mecânicos, elétricos e ele- trônicos se estabeleceram no País e têm suprido a demanda interna e exportado equipamentos para diversos outros países. Nos últimos 20 anos do século passado o País atravessou um perío- do de severa estagnação econômica quando vinte empreendimentos com barragens do setor elétrico tiveram sua construção suspensa por falta de recursos financeiros. Durante esses anos muitas em- presas brasileiras desenvolveram com sucesso atividades no ex- terior em países de todos os continentes. Depois de passado esse período, a engenharia brasileira voltou a ter um mercado interno robusto com alguns dos maiores projetos do mundo atual tais como as hidroelétricas de Jirau, Santo Antonio, Estreito e Belo Monte, além de diversas hidroelétricas de pequeno e médio porte. Figura 33b – Barragem e casa de força de Paraibuna Figura 33a – Barragem de Paraitinga no final de sua construção Figura 33c – Diques durante o primeiro enchimento do reservatório A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 39 O desenvolvimento e o desmonte da engenharia consultiva Os estudos e projetos de barragens no País tiveram duas origens distintas. No Nordeste, tanto no DNOCS quanto na CHESF, havia predominância da engenharia nacional com grandes contingentes de engenheiros formados em nossas escolas, mes- mo que inicialmente carentes de experiência. Nota-se que os projetos do DNOCS eram feitos na sua sede no Rio de Janei- ro antes da mudança para Fortaleza, com influência de eventuais consultores provenientes do U.S. Bureau of Reclamation. Os projetos da CHESF, principalmente na sua primeira hi- droelétrica, Paulo Afonso I, foram feitos no canteiro de obra por equipe nacional com influência de alguns engenheiros es- trangeiros recrutados como imigrantes após o término da Se- gunda Grande Guerra Mundial e de outros que trouxeram marcante influência francesa. Entretanto, nesses dois casos, a força de trabalho e a responsabilidade técnica eram essencialmente nacionais. Na Região Sudeste, os projetos da Light e da AMFORP eram ni- tidamente comandados, no início do Século XX, por americanos. A organização da AMFORP veio influenciar na organização da CEMIG, em Minas Gerais, através do engenheiro John Cotrim que também trouxe, em seguida, essa experiência organizacional para Furnas. Tanto a CEMIG quanto Furnas tiveram seus primeiros grandes projetos elaborados por empresas consultoras americanas. Aos pou- cos, foram se formando importantes e bem estruturadas empresas consultoras nacionais que passaram a atuar nas linhas de frente dos grandes empreendimentos hidroelétricos dessas duas em- presas concessionárias.Outras empresas do setor elétrico con- tavam com projetos desenvolvidos por consultoras suíça, alemã, portuguesa e italiana. Em São Paulo, o governo estadual orientava os projetos dos anos cinquenta para empresas brasileiras ou para um conjunto de consultores individuais, por bacias hidrográficas. Quando finalmente foi enfrentado um projeto de grandes propor- ções, a equipe do contratante, especialmente o engenheiro José Gelazio da Rocha, incentivou os consultores independentes das barragens do rio Pardo a formar uma empresa que pudesse desen- volver a contento o projeto da hidroelétrica de Jupiá, no rio Paraná, de dimensões inusitadas para a época. Figura 34 - Barragem de finalidades múltiplas de Funil Figura 35 - John Reginald Cotrim jovem na EBASCO 1942-44 C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 40 As hidroelétricas projetadas pelo DNOS no Sul e na Bahia, também já contavam com expressivo contingente de engenheiros brasileiros. Os anos setenta se caracterizaram por um enorme desenvolvimen- to da consultoria brasileira. Nessa época as empresas de projeto assumiam crescentes responsabilidades em um grande número de projetos de envergadura, principalmente no setor elétrico. Esse desenvolvimento acelerado foi em parte condicionado por lei de proteção ao mercado de consultoria e projeto, conseguida durante o governo de Costa e Silva. A Associação Brasileira de Consul- tores de Engenharia - ABCE analisava cada contratação de con- sultoria externa para detectar se havia similar nacional. Essa lei só foi cancelada sem alarde e sem anúncio no governo Sarney para os projetos do programa de irrigação de um milhão de hectares. Nos anos setenta quase dez consultoras brasileiras figuravam en- tre as maiores do mundo. Por outro lado, as consultoras brasileiras tinham como obstáculo a lei da informática que prejudicou so- bremodo o desenvolvimento da produção de projetos e, de acordo com o então senador Roberto Campos, tornou o contra- bandista um herói nacional. Quase todo esse desenvolvimento era calcado em contratos cost plus com empresas estatais do setor elétrico. Essa modalidade con- tratual foi introduzida pelas empresas americanas de consultoria na segunda metade dos anos cinquenta. Por esse tipo de contrato a consultora era remunerada pelo custo do serviço baseado nos salários de suas equipes técnicas multiplicados por um fator que representava os impostos, os encargos sociais e as despesas diretas, com a adição do seu lucro em função do trabalho efetivamente de- senvolvido. As consultoras a cada mês recebiam antecipadamente de acordo com a programação aprovada e prestava conta ao final de cada mês. Dessa forma passou a haver elevada segurança con- tratual mesmo em regime inflacionário que se acentuou a partir do governo JK. Dessa forma praticamente não havia necessidade de capital de giro, a inflação não era sentida e o risco de inadimplência era muito reduzido. Entretanto, esse tipo de contrato veio causar o desmanche das empresas consultoras na década seguinte. Em 1979 foi instituído o teto salarial nas empresas estatais, teto este que era o salário direto nominal do Presidente da República, na época o general Figueiredo. Como o salário direto nominal do Presidente não era muito elevado, os salários nas estatais passaram Figura 36 - Usina hidroelétrica de Volta Grande no rio Grande Figura 37 - Usina hidroelétrica de Itapebí no rio Jequitinhonha, na Bahia A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 41 a ser achatados. Por terem salários achatados, os funcionários das estatais federais contratantes de serviços de consultoria passaram a não aprovar nos contratos reajustes salariais dos empregados das empresas contratadas. Como a inflação era intensa, as consul- toras passaram a sofrer pressões dos dois lados: as suas equipes demandando reajustes salariais corretos e os clientes não apro- vando esses reajustes nos contratos. O equilíbrio financeiro dos contratos das consultoras foi rapidamente corroído. A letra desse tipo de contrato pelo custo significava que deveria haver reembolso pelos acréscimos de custos devido à inflação. A inflação se intensificava a cada período, tendo chegado a um pico de mais de 80% ao mês e ao impressionante e quase ina- creditável, para os que não vivenciaram, índice de 13 trilhões e 342 bilhões por cento no período de apenas quinze anos que an- tecederam ao Plano Real. As consultoras, através da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia - ABCE, pleiteavam in- cessantemente fórmulas de reajustes sem encontrar eco em mui- tas das empresas contratantes. Nessas empresas uma posição de clarividência foi assumida pelo engenheiro João Alberto Ban- deira de Mello que atuava na Eletrobras e que propunha que, além do correto reajustamento, houvesse também o justo reem- bolso dos elevados juros que as consultoras já estavam pagando ao sistema financeiro. Essa proposição sequer foi considerada e só após muito tempo, já com as consultoras descapitalizadas e endividadas, é que uma correção parcial foi admitida nos contra- tos, mesmo assim após 45 dias da entrega da respectiva fatura, ou seja, até 75 dias da execução dos serviços. Adicionando a esses aspectos deletérios, sobreveio, nos anos oiten- ta, a crise financeira das estatais, principalmente das federais, no- meadamente as que não tinham grandes gerações de energia como era o caso da Light e de FURNAS. Essas outras empresas passa- ram a atrasar sistematicamente o pagamento das faturas, em várias ocasiões por mais de cinco meses. Como para as consultoras, nos contratos pelo custo, os seus técnicos não podiam acumular horas trabalhadas para somente faturá-las quando houvesse recursos nas caixas das contratantes, os faturamentos tinham que ser mensais. Incrivelmente neste País os impostos incidem no ato do faturamen- to, mesmo que não venha haver pagamento. As consultoras tinham que recolher impostos por serviços que não eram pagos ou que seriam pagos meses depois, corroídos por uma inflação galopante. No advento do governo Sarney houve um dos muitos planos he- terodoxos no qual teoricamente a inflação seria nula. Foram cria- dos os “fiscais do Sarney” que acusavam às autoridades eventuais aumentos de preços. As contratantes do setor elétricos viraram “fiscais do Sarney” e unilateralmente abateram os multiplica- dores dos contratos alegando que a partir daquele instante não mais haveria inflação. Entretanto, esses multiplicadores haviam sido estabelecidos nos anos cinquenta quando a inflação antes do governo Juscelino ainda era muito baixa. Finalmente, no auge da crise das contratantes estatais federais, as consultoras foram chamadas para receber parte de alguns atra- sados pagos em títulos que eram chamados de moeda podre, pois valiam no mercado apenas uma pequena fração de seu valor de face, em geral cerca de 25%, mesmo assim quando e só quando eram usados nos programas de privatização. Dessa for- ma, o governo federal desovou empresas nos programas de privatização ganhando dos dois lados. Daquelas grandes empresas de consultoria de engenharia que fi- guravam como das maiores do mundo, algumas foram reduzidas a níveis pequenos e várias fecharam, tendo originado forte de- semprego no ramo da engenharia e tendo sido criado o termo “o engenheiro que virou suco.” Mas outros profissionais se reuniram em pequenas empresas, algu- mas delas atuando em segmentos específicos. Algumas dessas em- presas foram gradativamente crescendo e hoje já apresentam grande número de profissionais engajados. Os contratos, entretanto, devido a essa experiência desastrosa, não mais foram de remuneração pelo custo; presentemente a esmaga- dora maioria dos contratos por prestação deserviços de consultoria C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 42 é por preço fixo, o que transfere para a consultora um risco que deveria ser do empreendedor. A partir dos anos oitenta as consultoras menos atingidas pelos im- pactos acima relatados voltaram-se para o mercado externo com o objetivo de substituir os contratos nacionais. Algumas empresas tiveram sucesso e hoje estão presentes em vários continentes. O desenvolvimento das empresas de construção Semelhantemente ao que ocorreu nas atividades de estudos e projetos, a construção de barragens no Nordeste foi efetivada principalmente com equipes do próprio empreendedor, seja o DNOCS ou a CHESF. No caso do DNOCS, apenas em algumas poucas barragens consideradas de grande vulto na época, empre- sas estrangeiras foram contratadas para executar as obras civis. O DNOCS construiu mais de duas centenas de grandes barra- gens com recursos humanos e equipamentos próprios. Entretanto, as obras mais recentes que datam do final do século passado, foram implantadas por empresas privadas de construção. A partir de sua fundação até a conclusão da hidroelétrica de Moxo- tó, a CHESF construiu com equipe própria suas barragens e usinas. A partir dessa época, dado o desenvolvimento das construtoras nacionais, estas passaram a ser contratadas para todas as demais obras. No Sudeste as construtoras estrangeiras foram utilizadas pela Light e pela AMFORP em suas hidroelétricas que são mais antigas, todas com construções compreendidas do início até meados do século passado. Da mesma maneira, ainda nos anos cinquenta, Furnas contratou para a usina que deu nome à empresa, uma construtora britânica associada a uma empreiteira brasileira. Para essa usina, na época uma das maiores do mundo em capacidade instalada, em altura da bar- ragem e em potência dos seus equipamentos de geração, outra em- presa brasileira com experiência restrita à construção de estradas foi contratada para erguer a barragem auxiliar de Pium-I, tendo socorrido os empreiteiros principais na elevação rápida do núcleo da barragem de Furnas. Com a experiência adquirida essa empre- sa assim como outras que se capacitaram, já nas obras seguintes, assumiram a condução das construções. Figura 38 - Usina hidroelétrica de Xingó no rio São Francisco Figura 39 – Usina hidroelétrica de Furnas logo após o enchimento do reservatório A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 43 A CHEVAP, encarregada da implantação da barragem em abóbada de Funil, contratou uma empresa nacional para a bar- ragem principal e outra empresa nacional para a barragem de terra de Nhangapi, na época a segunda maior barragem desse tipo no País. Furnas, ao assumir a responsabilidade da cons- trução da usina do Funil, substituiu a empresa construtora da barragem principal por uma empresa dinamarquesa, hoje de controle nacional. A CEMIG, ao ser instituída, assumiu usinas de portes pequeno e médio que vinham sendo implantadas por empresas nacionais. Sua primeira grande obra, a usina de Três Marias, foi constru- ída por empreiteira americana, mas posteriormente, empresas brasileiras passaram a ser contratadas à exceção da hidroelétri- ca de São Simão que, após acirrada concorrência internacional, foi delegada a uma empresa italiana. As grandes empresas brasileiras atravessaram a recessão econô- mica e a desaceleração das obras no País nas décadas de oitenta e noventa, partindo com muito sucesso para empreendimentos no exterior. Com a intensificação dos investimentos em obras hidráu- licas no País, as empresas construtoras têm atuado com intensidade semelhante à do passado, nos anos setenta. A ampla dissemina- ção de pequenas e médias centrais hidroelétricas que ocorreu nas duas últimas décadas, fez com que surgisse considerável número de novas construtoras no País. Perspectivas para o futuro As dificuldades no licenciamento ambiental e as incertezas que sem- pre rondam os processos de aprovação de projetos hidroelétricos têm causado impressionante perda na matriz energética limpa que costumava orgulhar o País. São muitas novas centrais geradoras termoelétricas poluidoras, entretanto de muito mais fácil licencia- mento ambiental e aprovação na ANEEL, inclusive as térmicas a óleo e a carvão. Há duas usinas nucleares em operação e uma em construção. Essas usinas têm sofrido das indecisões políticas, todas elas tendo tido seus cronogramas de implantação constan- temente refeitos e suas obras se arrastado por duas a três décadas, Figura 40 - Barragem da usina hidroelétrica de Mascarenhas de Moraes, antiga Peixoto, concluída em 1956. Na margem esquerda o vertedouro complementar, construído em 2002 Figura 41 - Usina hidroelétrica de São Simão C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 44 onerando sobremaneira os seus custos pela forte incidência dos juros sobre os capitais investidos durante as suas prolongadas construções. Entretanto, Angra II que levou 24 anos em constru- ção, pode operar até hoje (maio de 2010) há mais de uma década sem licenciamento ambiental e sem licenciamento da CNEN. O acréscimo de capacidade de geração em empreendimentos sem possibilidade de armazenamento de energia, tais como usinas eólicas, térmicas, nucleares e hidroelétricas a fio d’água, sinali- zam para dificuldades de atendimento de demanda na ponta em diversos centros de carga no País. Para o bem da economia e do meio ambiente, há imperiosa necessidade de se ultrapas- sar as resistências dos que se dizem ambientalistas e se voltar à implantação de hidroelétricas com grandes volumes úteis de reservatório para se recuperar a capacidade de regularização de vazões e, consequentemente, de energia. O atual modelo do se- tor elétrico contribui para essas dificuldades por não contemplar qualquer remuneração para a regularização de descargas que beneficiem a operação do sistema interligado. Pelo atual planejamento energético o País enfrenta a necessi- dade de instalação de cerca de 5000 MW/ano. Tendo em vista esse desafio, as classes dirigentes têm pressionado licenciamen- tos ambientais de grandes centrais geradoras como ocorreu nas duas usinas em construção no rio Madeira e presente- mente na hidroelétrica de Belo Monte cujo licenciamento está sendo obtido por etapas, o que é no mínimo inusitado: o único licenciamento obtido até agora (maio de 2011) foi con- cedido em janeiro de 2011 para instalação do canteiro de obra. Isso, associado às interrupções provenientes de ações judiciais ou do Ministério Público ocorrendo na maior hidroelétrica em construção, comprova a incerteza dos empreendedores em assumir tais riscos. Embates entre membros do governo e do licenciamento ambiental têm provocado demissões em vá- rios níveis, até no nível ministerial. Eventuais paralisações, devidas à ação de vândalos em canteiros de obra e ao Ministé- rio Público que questiona licenças ambientais, contribuem para a elevação de prazos e de custos já que os juros reais no Brasil permanecem há décadas como o mais elevado do mundo, hoje em 6,8% a.a., quase três vezes superior ao do segundo colocado, a Hungria, com 2,4% a.a. As perdas de energia elétrica no sistema interligado e nos sis- temas de distribuição atingem em 2011 cifras elevadas, entre 15% e 17% da geração. Parcela expressiva dessa perda vem de ligações ilegais. Além de serem esperados acréscimos de consu- mo devido ao desenvolvimento industrial, verifica-se também que o consumo domiciliar médio no Brasil ainda é muito inferior ao de países desenvolvidos, sendo pouco mais de um décimo do americano, e pouco inferior ao verificado na Rússia e na África do Sul. Estima-se que o consumo total de energiaelétrica no País evolua em média com acréscimos de 4,8% ao ano, passan- do dos 456,5 TWh verificados em 2010 para 730 TWh em 2020. O consumo médio residencial deverá passar dos 154 kWh/mês em 2010 para 191 kWh/mês em 2020. Entretanto, o máximo histórico de 180 kWh/mês registrado antes do racionamento de 2001 só deverá ser ultrapassado em 2017. No passado recente (2000 a 2011) tem sido registrado im- pressionante número de apagões, vários dos quais abrangen- do extensas regiões densamente habitadas. Considerando a relativa fragilidade dos sistemas de transmissão e as cres- centes demandas na ponta de carga, prevê-se a continuidade e mesmo o agravamento dessa situação. O controle de cheias permanece nebuloso no futuro próximo. A falta de um órgão de âmbito nacional para controlar e implemen- tar obras hidráulicas com esse objetivo é imperioso já que os cursos d’água são em geral intermunicipais e mesmo inter estaduais. O setor elétrico através do ONS despacha algumas hidroelétri- cas levando em conta o controle de cheias. O exemplo mais ní- tido são as hidroelétricas do vale do rio Paraíba do Sul cujo rio principal, por atravessar uma sucessão de importantes cidades de médio porte e servir de abastecimento de água a grandes núcleos urbanos, tem uma regra operativa que privilegia a regularização de vazões e o controle de cheias. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 45 Historicamente a implantação de eclusas para navegação interior sempre vieram a reboque de algumas hidroelétricas ao contrário do que acontece em países europeus cuja tradição da navegação fluvial sempre esteve arraigada ao desenvolvimento viário, vindo como sub-produto a geração de energia elétrica. Consolidando essa deformação brasileira, tramita no Congresso um projeto de lei que obriga os investidores em hidroelétricas de implantar siste- mas de navegação onde possível, onerando ainda mais as novas usinas hidroelétricas. As constantes e recentes valorizações das commodities no mercado internacional indicam para o futuro a permanência das atividades em mineração e, consequentemente, da construção de barragens de rejeitos cada vez maiores e mais frequentes. As deficiências previstas no curto prazo para o abastecimento da crescente demanda por água nas cidades e distritos industriais, têm feito com que planejadores do setor considerem alternativas dispendiosas, incluindo a captação de água de baixa qualidade a grandes distâncias (médio Tietê para São Paulo e sub-médio Pa- raíba do Sul para o Rio de Janeiro), com grandes recalques (Ju- quiá para São Paulo) ou na regeneração de águas em estações de tratamento de esgotos (Alegria para o Rio de Janeiro), por exemplo, onerando sobremaneira as futuras captações, aduções e tratamentos de água. Homenagem aos membros de juntas de consultores Durante o projeto e construção das mais importantes barragens brasileiras, engenheiros e geólogos consultores de grande proje- ção na profissão, brasileiros e estrangeiros, participam de juntas de consultores. Depois de Karl Terzaghi, Arthur Casagrande e Figura 42 - A partir da esquerda os consultores da São Paulo Light: Samuel Chamecky, Karl Terzaghi, Othelo Machado e Casemiro Munarski (Foto do Acervo Paulo Chamecki) C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 46 Figura 43 - Arthur Casagrande, John Cabrera, Gurmukh Sarkaria e Flavio H. Lyra em inspeção de campo em Itaipu Figura 44 - Professor Manuel Rocha, pesquisador, fundador e diretor geral do Laboratório de Engenharia Civil sediado em Lisboa. Destacada atuação na CIGB e em consultoria de barragens em vários paises, inclusive no Brasil. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 47 Portland Fox mencionados acima, outros consultores participa- ram de juntas tais como Roy Carlson, Manuel Rocha, Charles Blanchet, James Libby, James Sherard, Barry Cooke, Don Deere, Victor F. B. de Mello e Flavio H. Lyra que são aqui mencionados como homenagem àqueles que já faleceram. Esses profissionais altamente qualificados deram valiosas contri- buições ao projeto e construção de grandes barragens e formaram engenheiros e geólogos brasileiros que presentemente trabalham como consultores no Brasil e no exterior. Figura 45 - Rubens Vianna de Andrade, Flavio H. Lyra, Arthur Casagrande e Julival de Moraes em inspeção nas obras de Itumbiara Figura 46 - Consultor Roy Carlson por ocasião da sua condecoração pelo governo brasileiro entre Carlos Alberto de Padua Amarante e Victor F. B. de Mello durante o XII SNGB, em São Paulo abril de 1978 C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s Os 5 primeiros presidentes da CIGB de 1931 a 1961 4 5 1. G. Mercier - França - 1931-1934 2. M. Giandotti - Itália - 1937-1940 3. A. Coyne - França - 1946-1952 4. G.A. Hathaway - EUA - 1952-1958 5. J.F.R. Pinto - Portugal - 1958-1961 1 2 3 49 A Comissão Internacional de Grandes Barragens - Oitenta e três anos de excelência Flavio Miguez de Mello A Comissão Internacional de Grandes Barragens - Oitenta e três anos de excelência A Comissão Internacional de Grandes Barragens CIGB nasceu na França, numa época em que havia intensa atividade em implantação de barragens, notadamente na Europa e nos Estados Unidos. Nos anos vinte muito havia que ser aprendido em projeto e construção de barragens e o intercâmbio de conhecimentos passou a ser de nítida importância. Na época, a mecânica dos solos e a geologia de engenharia não haviam ainda sido fundadas, os critérios de projeto de estruturas de concreto eram rudimentares e a hidráulica fluvial enfrentava pela primeira vez na maioria dos países que implantavam barragens e reservatórios, obras em rios muito caudalosos. Corria o ano de 1925 quando, em reunião da Associação Francesa para o Progresso da Ciência ocorrida em Grenoble, foi manifestada a importância do estabelecimento de uma comissão de caráter internacional voltada para grandes barragens. Em 1926, em assembléia da Conferência Mundial de Energia em Basel, a delegação francesa apresentou formalmente a proposta de criação da Comissão Internacional de Grandes Barragens. A proposição foi aceita, assim como o apoio ofertado pelo governo francês, tendo sido instituído o Comitê Francês de Grandes Barragens sob a Societé Hydrotechnique de France. A proposta foi formalmente aceita pela Conferência Mundial de Energia no ano seguinte, 1927, na assembléia de Cernobbio (Itália). Figura 1 - Reunião Executiva no Rio de Janeiro, 1966 - Flavio Lyra, presidente do CBGB e G. Brown, presidente CIGB Figura 2 - Reunião Executiva no Rio de Janeiro, 1966 - G. Brown, presidente CIGB, Flavio Lyra, presidente do CBGB, Mauro Thibau, ministro de Minas e Energia e John Cotrim, presidente de Furnas C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 50 A assembléia que constituiu a CIGB ocorreu no dia 6 de julho de 1928 com a participação de seis países: Estados Unidos, França, Itália, Reino Unido, Romênia e Suíça. A assembléia do Conselho Executivo da Conferência Mundial de Energia aprovou a CIGB por unanimidade em Londres no dia 3 de outubro de 1928. Desde então, reuniões executivas foram realizadas todos os anos a menos dos anos exceto durante a II Guerra Mundial, de 1940 a 1944. Já demonstrando seu dinamismo, a CIGB promoveu seu primei- ro congresso internacional em Estocolmo em 1933. Desde então a cada três anos a CIGB promove seus congressos que são, reco- nhecidamente, de elevado interesse técnico sobre assuntos os mais atuais. Seus anais são verdadeirasseções transversais da tecnologia de cada época que nos permitem visualizar o desenvolvimento dos conceitos e critérios de projeto e de construção de barragens. Como exemplos históricos pode-se mencionar os trabalhos de Karl Ter- zaghi de 1933 sobre as investigações das características dos solos quanto a sua viabilidade para a construção das barragens de terra e de Wolmar Fellenius sobre cálculo de estabilidade de barragens de terra. Em 1967, considerando seu já grande vulto, a CIGB passou a se tornar independente da Conferência Mundial de Energia. Do seu primeiro estatuto até o estatuto de 1967 poucas alterações signifi- cativas ocorreram. Encontra-se presentemente (2011) em propo- sição por um comitê ad hoc novo estatuto que vem corrigir lacunas do estatuto vigente. Desde sua fundação com apenas cinco países membros, a CIGB vem continuamente crescendo, tendo atingi- do 26 países antes da II Guerra, 56 países em 1967, 56 países em 1980, 72 países em 1990, 81 países em 2000 e 92 países em 2010, cifra esta que representa mais de 90% da população mundial. Além dos seus anais de congressos e simpósios, a CIGB publica boletins sobre temas específicos, fruto do trabalho dos seus comi- tês técnicos que congregam profissionais os mais destacados em diversos países do mundo, tornando, assim, esses documentos em relatórios do estado da arte sob o ponto de vista global. A CIGB mantém atualizado o registro mundial de grandes barragens (barragens com mais de 15 m de altura ou em condições especiais) contendo as principais características das barragens em todos os países membros e em alguns países não membros da CIGB. Desse registro não constam apenas as barragens de rejeitos. Apesar do re- gistro das barragens no Brasil estar incompleto, o registro da CIGB atualizado em 2010 revela a importante posição do Brasil relativa a outros países com mais de mil grandes barragens construídas: Figura 3 - 14° Congresso CIGB Rio de Janeiro 1982 – Pierre Londe (presidente) e Joannes Cotillon (secretário geral) A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 1 CHINA > 40 000 2 USA 9 265 3 íNDIA 5 101 4 JAPãO 3 076 5 CORéIA DO SUL 1 302 6 CANADá 1 166 7 áFRICA DO SUL 1 114 8 BRASIL 1 011 9 ESPANHA 987 10 TURQUIA 741 11 FRANçA 623 12 MéXICO 583 13 ITáLIA 542 14 REINO UNIDO 519 15 AUSTRáLIA 507 16 IRã 501 51 Desde a sua fundação a CIGB teve 22 presidentes, sendo dois brasileiros (F. Lyra e C. Viotti), 126 vice presidentes, sendo seis brasileiros (F. Lyra, D. Fernandes, F. Miguez, F. Budweg, C. Viotti e E. Maurer) e dez secretários gerais, todos franceses. A participação brasileira se fez sentir desde os anos sessenta em participações em diversos comitês da CIGB. Desses comitês foram coordenadores (chairmen) F. Lyra, F. Budweg, J.F. Silveira e F. Miguez. A CIGB sempre teve como foco a promoção e divulgação da tecnologia de planejamento, projeto, construção e operação de barragens. Nos anos sessenta a CIGB passou também a enfatizar a segurança e a reabilitação de barragens, nos anos setenta passou a ser grande divulgadora de progressos na engenharia ambiental, nos anos oitenta liderou a divulgação tecnológica aplicada a barra- gens de rejeitos de mineração, nos anos noventa também abriu os campos de compartilhamento dos recursos hídricos de rios transna- cionais e de gestão integrada da água, conscientização do público e na primeira década do Século XXI, abriu discussão sobre mudanças climáticas globais e planejamento de recursos hídricos escassos. Figura 4 - K. Höeg, ex-presidente da CIGB Figura 5 - Reunião do Comitê de Meio Ambiente da CIGB em Madrid, 1973. Desde o final dos anos 60 a CIGB dedica especial atenção aos temas socioambientais. Na foto os dois primeiros presidentes deste Comitê Flavio H. Lyra e Pierre Londe. Entre os dois, o autor C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 52 A CIGB fechou o ano de 2010 com 92 comitês nacionais que, no seu conjunto, congregam mais de 10.000 membros individu- ais dentre os mais destacados profissionais que presentemente atuam em empresas públicas e privadas, universidades, institui- ções de pesquisa, consultoras, construtoras, fabricantes, agências governamentais e organizações não governamentais. Figura 6 - 70° Reunião Anual CIGB - Foz do Iguaçu 2002 - Ospina (ex vice-presidente) recebendo homenagem do presidente Varma Figura 7 - Congresso de Brasília 23O CIGB 2009 – Mesa da Questão 90 - Arthur Walz, Flavio Miguez de Mello, Maria Bartsch, Margaret Rose Mendes Fernandes A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 53 Figura 9 - Homenagem ao professor Victor F. B. de Mello no 23O CIGB, Brasília 2009 Figura 8 - Congresso de Brasília 23o CIGB 2009 – Da esquerda para direita Edilberto Maurer (pres.CBDB), Pham Hong Giang (pres. Comitê do Vietnam), Luis Berga (pres. CIGB), Jia Jinsheng (pres.eleito CIGB) C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 54 Figura 10 - Presidente Varma, secretário geral J. Lecornu e a secretária Nicole Schauner Figura 12 - A secretária Margarite Chapelle recebendo homenagem em 1967, uma placa entregue por sua filha Nicole Schauner (ao microfone) que a substituiu após 25 anos de serviço desde 1948. Nicole assumiu a secretaria da CIGB em 1967 permanecendo até o presente (2011). As duas foram responsáveis pelo eficiente suporte à CIGB ao longo dos últimos 63 anos Figura 11 - Congresso de Brasília 23O CIGB 2009 - Michel de Vivo secretário geral e Luis Berga presidente da CIGB A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 6. C. Marcello - Itália - 1961-1964 7. J. Guthrie Brown - Reino Unido - 1964-1967 8. G.T. McCarthy - EUA - 1967-1670 9. J. Toran - Espanha - 1970-1973 10. C.F. Gröner - Noruega - 1973-1976 11. F.H. Lyra - Brasil - 1976-1979 12. P. Londe - França - 1979-1982 13. C.A. Dagenais - Canadá - 1982-1985 14. G. Lombardi - Suíça - 1985-1988 15. J.A. Veltrop - EUA - 1988-1991 16. W. Pircher - áustria - 1991-1994 17. T.P.C. van Robbreck - áfrica do Sul - 1994-1997 18. K. Höeg - Noruega - 1997-2000 19. C.V.J. Varma - índia - 2000-2003 20. C.B. Viotti - Brasil - 2003-2006 21. L. Berga - Espanha - 2006-2009 CIGB - Presidentes de 1961 a 2009 6 10 14 18 7 11 15 19 8 12 16 20 9 13 17 21 C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 56 A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 56 Flavio H. Lyra e Delphim M. Fernandes. Os responsáveis pela consolidação e pelos primeiros anos de sucesso do CBDB 57 História do Comitê Brasileiro de Barragens Flavio Miguez de Mello História do Comitê Brasileiro de Barragens A pré-história Em 1936, o engenheiro Francisco Saturnino de Brito Filho, ao regressar do Segundo Congresso Internacional de Grandes Barragens realizado pela Comissão Internacional de Grandes Bar- ragens CIGB em Washington, USA, trouxe consigo o firme propó- sito de criar em nosso País uma entidade filiada à CIGB. Na época a CIGB tinha apenas 26 comitês nacionais e havia intensa ativida- de de projeto e construção de barragens em todos os países mais evoluídos. Saturnino de Brito, maravilhado com as perspectivas dos benefícios para o Brasil que eram decorrentes da ampla di- vulgação de experiências de outros países, conseguiu encontrar receptividade do engenheiro Luiz Vieira que conduziu a então instituída Comissão Brasileira de Grandes Barragens. Entretanto, após poucos anos e ainda nos anos trinta, com o afastamento do engenheiro Luiz Vieira do Departamento Na- cional de Obras Contraas Secas DNOCS, a Comissão Brasileira de Grandes Barragens teve suas atividades paralisadas, não mais tendo contato com a CIGB e acumulando seguidos débi- tos financeiros não cobertos por mais de vinte anos referentes às contribuições anuais à CIGB. Somente em 1957, por iniciativa do engenheiro José Cândido Cas- tro Parente Pessoa, então diretor geral do DNOCS, a Comissão Brasileira de Grandes Barragens veio a ser reativada. Foi indicado para presidente da Comissão o engenheiro Casemiro José Munar- ski que na época estava fazendo o projeto da barragem de Orós, empreendimento de maior destaque no País. O engenheiro Antônio Alves de Noronha, que presidia a Associação Brasileira de Pontes e Grandes Estruturas, convocou um grupo para reorganizar a Comissão, tendo convidado a Associação Brasileira de Mecânica dos Solos para integrar esse grupo. O engenheiro Chamenski, que presidia a Associação Brasileira de Mecânica dos Solos, envidou esforços para conjugar essa associação com a Comissão. Nesse período de cinco anos a Comissão ficou vinculada ao Ministério de Viação e Obras Públicas. Por esse motivo havia dificuldades da Figura 1 – Saturnino de Brito Filho e Theophilo Benedicto Ottoni Netto C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 58 manutenção das obrigações financeiras da Comissão com a CIGB, obrigações estas que novamente não vinham sendo cumpridas. Os primeiros anos da história O grupo constituído pelas associações de Pontes e Grandes Estruturas e de Mecânica dos Solos elaborou os estatutos do Comitê Brasileiro de Grandes Barragens CBGB e trabalhou para que fossem arreca- dados recursos financeiros que cobrissem os débitos com a CIGB. Dessa forma, na última hora, os recursos levantados junto a em- presas privadas foram entregues à CIGB no dia anterior à abertura da reunião executiva de 1961. Constava da pauta da reunião executiva a nova exclusão da representação brasileira dos quadros da CIGB. A CIGB retirou da pauta a nova exclusão da representação brasileira e o CBGB pode participar dessa reunião executiva e do VII Con- gresso Internacional, ambos realizados em Roma, época em que a CIGB apresentava crescente participação de comitês nacionais que naquele ano já eram 48. O estatuto do CBGB foi aprovado em assembléia realizada no Clube de Engenharia no dia 25 de outubro de 1961. Pelo estatuto o conselho era composto por 12 membros, três indicados pela ABMS, três indicados pela APGE e seis eleitos em assembléia pelos sócios individuais. A diretoria, composta pelo presidente, dois vice-presidentes, um diretor secretário e dois diretores tesoureiros era eleita pelo conselho, sendo os membros da diretoria partici- pantes do conselho. Nessa primeira assembléia foi eleita por aclama- ção uma diretoria presidida por Antônio Alves de Noronha que teve como secretário o engenheiro Lucio Washington. A assembléia seguinte foi convocada para o dia 24 de janeiro de 1962. Nessa segunda assembléia foi eleita a diretoria presidida pelo engenheiro Flavio Henrique Lyra da Silva, tendo como diretor secretário Sydney Gomes dos Santos que foi substituído por Delphim Mazon Fernandes a partir de 25 de março de 1963. Figura 2 – Casemiro José Munarski ao lado de João Alberto Bandeira de Mello Figura 3 - Antônio Alves de Noronha, primeiro presidente do CBDB de outubro de 1961 a início de 1962 A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 59 O grande impulso que estava ocorrendo no Brasil no campo da implantação de barragens no pós-guerra e principalmente nos anos cinqüenta, notadamente no Nordeste com a construção de açudes com dimensões sensivelmente superiores aos anteriormente cons- truídos e com a necessidade de promover a instalação de grandes hidroelétricas, tornou-se necessária a difusão de conhecimentos na área da engenharia de barragens e de tecnologias correlatas. Dessa forma, uma atuação efetiva junto à CIGB foi encarada como uma necessidade premente. Antes dessa fase, as barragens eram de dimensões mais modestas (a primeira barragem com altura superior a 50 m foi Boqueirão das Cabaceiras, na Paraíba, em 1956) e as hidroelétricas eram de pequeno e médio portes para os padrões atuais. Foi nessa época que, com parcos recursos humanos, grandes açudes começaram a ser construídos como Orós e Banabuiú (Arrojado Lisboa), ambos no Ceará, e hidroelétricas de grandes proje- ções a nível internacional estavam começando a ser projetadas e construídas como Furnas, Três Marias, Jupiá e Paulo Afonso. O País estava entrando em uma era de realizações de grande vulto. A necessidade de uma associação técnica ativa no campo das bar- ragens era indispensável para a evolução da tecnologia nacional. O CBGB passou a ter importante suporte de Furnas já que o presidente do CBGB era diretor técnico de Furnas e seu diretor secretário no CBGB era seu principal assistente na diretoria técnica de Furnas. A sede do CBGB passou a ser parte de uma sala da diretoria técnica de Furnas. Os engenheiros Flavio Lyra e Delphim Fernandes, presidente e diretor secretário respectiva- mente, permaneceram nesses cargos por quatro diretorias até 1976 quando o engenheiro Flavio Lyra, por ter sido eleito presidente da CIGB, se afastou da presidência do CBGB. Os eventos nacionais Desde 1962 o CBGB passou a atuar nos moldes da CIGB, promovendo seminários nacionais de grandes barragens e apoian- do atividades de comissões técnicas. Os trabalhos apresentados nos seminários são o perfil do desenvolvimento da tecnologia apli- cada a projeto e construção de barragens no País. Nos primeiros seminários o número de trabalhos era modesto mas, a partir do Sexto Seminário em 1970, o número de trabalhos passou a ser expressivo, constituindo uma importante contribuição para a divulgação de experiências profissionais. Em cada sessão técnica sempre houve um relato do respectivo tema feito por um profis- sional de reconhecida experiência e destaque no âmbito nacional. Nos primeiros cinco seminários os temas eram li- mitados a apenas três. A partir do VI Seminário realizado no Rio de Janeiro em novembro de 1970 e até a presente data, os seminários passaram a ter quatro temas. Interessante notar pelo temário do primeiro seminário realizado em julho de 1962, o estágio inicial da tecnologia no País. Os temas foram: Métodos de investigação de fundações de barragens; Disponibilidade, no Brasil de organizações e de equipamentos para construção de grandes barragens; Disponibilidade, no Brasil, de laboratórios para ensaios e experiências, ligados ao projeto e à construção de barragens. Figura 4 – Antônio José da Costa Nunes, vice-presidente do CBGB em vários mandatos C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 60 Já no Segundo Seminár io , rea l izado em São Paulo em junho de 1963 aparece a dedicação do CBGB à segurança de barragens com o tema Acidentes em barragens. Essa dedicação passou a ser manifestada em diversos seminários posteriores assim como temas relativos à tecnologia de estu- dos, concepção, cálculo e construção de barragens e operação de reservatórios. A auscultação de barragens apareceu a partir do IV Seminário realizado no Rio de Janeiro em outubro de 1985. Temas sobre meio ambiente passaram a ser freqüentes já a partir do VIII Seminário, realizado em São Paulo em novembro de 1972. A partir de 1980, no XIII Seminário realizado no Rio de Janeiro, barragens de rejeitos passaram a freqüentar os temários. Considerando a importância da maximização de benefícios propiciados pelas barragens, desde o XIV Seminário realizado em Olinda os usos múltiplos de reservatórios passaram a ser realçados. Análises derisco começaram a ser discutidas desde 1987 no XVII Seminário Nacional realizado em Brasília. Como reflexo das altera- ções no modelo do setor elétrico, a partir de 1997 passaram a serem discutidos temas institucionais e o retorno com maior intensidade de investimentos privados na implantação e operação de barra- gens hidroelétricas. Os esforços do CBDB pelo estabelecimento de uma legislação sobre a segurança de barragens e das interfaces com órgãos concedentes e de licenciamento ambiental passaram a ser debatidos nos seminários mais recentes já no Século XXI. Após os nove primeiros seminários realizados no eixo Rio de Janeiro e São Paulo, a diretoria do CBGB passou a realizar seminá- Figura 5 – Mesa de abertura do XIII SNGB – Rio de Janeiro 1980 – Flavio H. Lyra, Carlos A. P. Amarante, Delphim M. Fernandes, Licinio M. Seabra A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 61 rios em diversos outros centros, com grande sucesso. Dessa forma foram realizados 10 seminários no Rio de Janeiro, 3 em São Paulo, dois em Curitiba, dois em Fortaleza, dois em Belo Horizonte, um em Olinda, um em Brasília, um em Aracajú, um em Foz do Iguaçu, um em Salvador e um em Belém. Considerando as crescentes atividades de implantação de pequenas centrais hidroelétricas, o CBGB passou a organizar simpósios sobre pequenas e médias centrais hidroelétricas a partir de 1998. Os eventos internacionais Consol idando sua projeção internacional , o CBGB tem colaborado efetivamente com a CIGB pela participação em diversos comitês técnicos desde os anos sessenta. Com esse mesmo objetivo, o CBGB editou importantes livros sobre barragens brasileiras: Topmost Dams of Brazil (1978), Dams in Brazil (1982), Dams in the Northeast of Brazil (1982), Main Brazilian Dams (1982), Large Brazilian Spillways (2002), Main Brazilian Dams II (2000), as duas edições de Highlights of Brazilian Dam Engineering (2000 e 2006), Diversion of Large Brazilian Rivers (2009), Main Brazilian Dams III (2009), Desvios de Grandes Rios Brasileiros (2009), Dicionário de Barragens (2010). Também foram publicadas diversas traduções dos boletins técnicos do CIGB. Quanto a eventos internacionais, o CBGB teve seu batismo em 1966 na reunião executiva da CIGB realizada no Rio de Janeiro com extremo sucesso. Na ocasião os participantes tiveram a oportunidade de visitar obras de grande vulto que estavam em construção no País. Em 1982 o CBGB foi novamente anfitrião de uma reunião executiva no Rio de Janeiro, seguida de um congresso internacional. Mais uma vez os participantes ficaram vivamente impressionados com o vulto das obras que foram incluídas nas diversas viagens de estudo. Nessa ocasião, pela primeira vez foi realizado um simpósio em reunião executiva da CIGB, o que se tornou prá- tica em reuniões posteriores. O Simpósio foi sobre arranjos de barragens em vales estreitos. Figura 6 - 34a Reunião Executiva - Rio de Janeiro 1966 Flavio Lyra e J. Guthrie Brown C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 62 Em 2002 novamente o CBDB promoveu uma reunião anual da CIGB, desta vez em Foz do Iguaçu com o Inter- nat ional Symposium on Reservoir Management in Tropical and Sub-Tropical Regions. Em 2009 novamente o Brasi l foi sede de reunião anual e do congresso internacional da CIGB, tendo também real izado o International Symposium on Dams and Reservoirs for Multiple Purposes. Figura 7 – Simpósio Internacional sobre Arranjos de Barragens em Vales Estreitos – Rio de Janeiro 1982 – Marcos Schwab e Leo Penna Figura 8 - 14o Congresso Internacional CIGB – Rio de Janeiro 1982 – coronel Mauro Moreira, general Costa Cavalcanti, Delphim M. Fernandes, João Alberto Bandeira de Mello, Carlos Alberto de Padua Amarante, John Cotrim e Pierre Londe A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 63 A evolução institucional do Comitê Semelhantemente à CIGB que se separou da Conferência Mundial da Energia, no final dos anos sessenta, o Comitê deixou de ter os conselheiros indicados pela ABMS e pela ABPGE. Objetivando uma ampliação de suas atividades que demanda- riam maiores recursos financeiros, em 1976 o Comitê lançou a campanha de angariação de sócios coletivos e mantenedores que, pelo estatuto da época tinham tantos votos em assembléias quanto as cotas subscritas. Na primeira eleição de conselho realizada em Fortaleza em 1976, uma chapa montada pela Eletrobras colocou no conselho todos os membros menos o Flavio Lyra. Pouco depois houve nova alteração dos estatutos, passando os sócios coletivos e mantenedores serem restritos a elegerem seis membros do conselho. A partir dos anos noventa, com o objetivo de dinamizar a atuação do CBDB em todas as regiões, foram criados os núcleos regionais. Presentemente são os seguintes núcleos regionais: Núcleo Regional - Bahia Núcleo Regional - Ceará Núcleo Regional - Goiais/Distrito Federal Núcleo Regional - Minas Gerais Núcleo Regional - Paraná Núcleo Regional - Pernambuco Núcleo Regional - Rio De Janeiro Núcleo Regional - Rio Grande Do sul Núcleo Regional - santa Catarina Núcleo Regional - são Paulo Os núcleos têm mantido importantes atividades em suas regiões, destacando-se palestras e simpósios de elevado interesse. Em 1999 o nome do Comitê Brasileiro de Grandes Barragens CBGB foi alterado para Comitê Brasileiro de Barragens CBDB de forma a abranger também as barragens de menor porte inclusive aquelas da grande maioria das pequenas centrais hidroelétricas. Figura 9 - 70a Reunião Anual CIGB – Foz do Iguaçu 2002 – Cassio Viotti (presidente CBDB) C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 64 Em 1999 o nome do Comitê Brasileiro de Grandes Barragens CBGB foi alterado para Comitê Brasileiro de Barragens CBDB de forma a abranger também as barragens de menor porte inclusive aquelas da grande maioria das pequenas centrais hidroelétricas. A cada período de três anos, o CBDB, ao renovar seu conselho, tem seis de seus conselheiros eleitos pelos sócios mantenedores e coletivos e doze eleitos pelos sócios individuais. Os membros da diretoria saem desses conselheiros eleitos, havendo a possibilidade de serem nomeados até dois diretores adjuntos com funções específicas. Os ex-presidentes são membros do conselho. Presentemente (março de 2011) o CBDB conta com um quadro social composto por 1088 sócios individuais, 18 sócios coletivos e 35 sócios mantenedores. Figura 10 - Sessão de abertura do XXVI Seminário Nacional de Grandes Barragens - Goiânia 2005. Da esquerda para direita: José Pedro Rodrigues de Oliveira presidente de Furnas, Dilma Roussef ministra de Minas e Energia, Marconi Perillo governador de Goiás, Edilberto Maurer presidente do CBDB Figura 11 - Como sempre realizado em eventos do CBDB, visita técnica a obras ( barragem de Itaipu) Figura 12 - Homenagem ao dr. Flavio H. Lyra – Rio de Janeiro 2004 – Maria Lyra e Heloi José Fernandes Moreira (diretor da Escola Politécnica da UFRJ, onde Flávio H. Lyra se formou em engenharia) A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 65 Figura 15 - Dirigentes e ex-dirigentes do CBDB em exposição técnica. Nos eventos nacionais e internacionais o CBDB promove sempre exposições técnicas de elevado interesse Figura 13 - Homenagem ao dr. Flavio H. Lyra – Rio de Janeiro 2004 – Erton Carvalho (diretor CBDB), Cassio Viotti (presidente da CIGB) e Delphim Fernandes (ex-presidente do CBGB) Figura 14 - Conselheiros do CBDB com familiares em um dos eventos sociais que são sempre realizados em seminários, simpósios e congressos C i n q u e n t a a n o s d o C o m it ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 66 Açude de Cedros, no Ceará. Vista da barragem, do seu dique e de seu sangradouro. Primeira obra de barragem para combate às secas no País. Em operação desde 1906, a barragem é, juntamente com Lajes, no estado do Rio de Janeiro, a mais antiga grande barragem construida no Brasil 67 Um Século de Obras contra as Secas Flavio Miguez de Mello Um Século de Obras contra as Secas “O sertanejo é, antes de tudo, um forte” Engenheiro Euclides da Cunha O Nordeste é uma região com 1.548.672 km² que corresponde a 18,2% do território nacional, incluindo a totalidade dos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Per- nambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Em função de características climáticas, áreas do norte do estado de Minas Gerais e leste do estado de Tocantins são assemelhadas ao Nordeste. Em números redon- dos, o Nordeste pode ser dividido em três partes: O semi-árido com cerca de 800.000 km², o semi-úmido com cerca de 600.000 km² e o úmido com os restantes 200.000 km². O semi-árido é com- preendido pelo Polígono das Secas que tem 936.933 km² e onde chove em média menos do que 800 mm/ano. As secas são registradas desde o descobrimento. A primeira seca historicamente constatada foi em Pernambuco em 1583. Seguiram- se quatorze secas no Século XVIII, doze no Século XIX e dezoito no Século XX. Uma das secas remotas foi responsável pela expul- são dos holandeses que tentaram se estabelecer no Ceará. Uma curiosa tentativa de minorar o sofrimento dos sertanejos com as secas ocorreu em julho de 1859 quando, por encomenda do Governo Imperial, o navio francês Splendide desembarcou no por- to de Fortaleza 14 camelos que vieram para procriarem e apoiar as populações no transporte pela caatinga do semi-árido. Entretanto, essa tentativa fracassou pela falta de adaptação dos camelos ao solo duro e pedregulhoso. As secas deixaram marcas que não se apagam por mais que os anos passem. A Grande Seca que ocorreu de 1877 a 1879 ceifou a vida de mais da metade das 1.754.000 pessoas que residiam na área atingida pela tragédia. Esse foi de longe a maior catástrofe gerada por fenômenos naturais que ocorreu no País. A tentativa de de- bandada da população interiorana redundou na morte pelos caminhos e na proliferação de doenças como o tifo, o paratifo e a varíola. Na seca de 1915 pereceram 27 mil cearenses e 75 mil emigraram para a Amazônia. Em 1856 o Governo Imperial instalou a Comissão Científica de Exploração para coordenar os estudos e analisar as soluções para o problema das secas. A Comissão recomendou que fossem efetuadas a melhoria do sistema de transportes, a construção de açudes, a instalação de estações meteorológicas e a transposição das águas do rio São Francisco para a bacia do rio Jaguaribe. Antes dessa Comissão havia apenas um posto pluviométrico em Recife operando desde 1842 e outro em Fortaleza desde 1849. Esses pos- tos em áreas litorâneas não eram referências para a região do semi- árido. O primeiro posto no interior já sob influência da Comissão foi o de Quixeramobim, no Ceará, instalado em 1896. As melhorias nos sistemas de transporte foram discretas em função inicialmente da precária situação financeira ocasionada pela Guerra da Tríplice Aliança e, posteriormente, pelo governo republicano. Quanto à cons- trução de açudes, foram iniciadas apenas as obras da barragem de Cedro em 1884 que só foram concluídas em 1906. As obras de transposição das águas do rio São Francisco só agora, no início do Século XXI, mais de cem anos depois, estão sendo iniciadas, mes- mo assim sob forte oposição ambiental. Dessa forma, quando a mais intensa e prolongada seca atingiu o semi-árido, em 1877, não havia meios de transporte eficientes para a retirada das popula- C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 68 ções interioranas, o primeiro açude não estava concluído e não havia registros pluviométricos no semi-árido. A população do inte- rior, depois de meses de seca, não mais conseguiu se retirar para o litoral, ocasionando mortes em larga escala. A Grande Seca (1877-1879) de devastadoras conseqüências im- pactou o Governo Imperial, tendo o próprio imperador Pedro II estado no local assolado pela seca. Importante consignar que em sessões sob o comando do Conde D’Eu no Instituto Politécnico situado na Corte, foi debatido amplamente o problema das se- cas no Nordeste. Cabe aqui realçar algumas posições decorrentes desses debates. Os debates retroagiram à proposta de Gabaglia de 1861 que compreendia a perfuração de poços artesianos e a implantação de barragens. O professor André Rebouças havia escrito em 1877 o trabalho “As Secas nas Províncias do Norte”. Rebouças reconhe- cia a necessidade de ações imediatas, principalmente naquela época de início de mais uma seca; defendia a construção de obras estrutu- rais, integradas e definitivas, incluindo poços artesianos, residências cujos telhados captassem águas de chuva direcionadas para cister- nas, construção de barragens e canais, implantação de ferrovias e até dessalinização de água do mar. O engenheiro e escritor Manuel Buarque de Macedo preconizou que o tesouro imperial não dispunha de recursos para implantar tantos projetos, defendendo a implantação de açudes menores e estradas distritais. O engenhei- ro Zózimo Barroso propôs a construção de uma rede de grandes açudes. O geólogo Silva Coutinho também defendeu a construção de grandes barragens. O senador Pompeu e o engenheiro Henri- que de Beaurepaire Rohan salientaram a importância do refloresta- mento extensivo da região. O professor André Rebouças destacou também a importância da instalação de rede telegráfica e melhorias nos portos da província do Ceará para possibilitar a implantação de vias férreas; enfatizou também a necessidade de construção de abrigos e de alimentação para os flagelados. O Século XX foi iniciado com outra seca no Nordeste. Como de costume, só em época de calamidades é que obras e organismos governamentais são efetivados. Assim, a partir de 1904, foram criadas três comissões: a Comissão de Açudes e Irrigação, a Co- missão de Perfuração de Poços, e a Comissão de Estudos e Obras Contra as Secas. Essas comissões foram aglutinadas em 1906 na Superintendência de Obras Contra os Efeitos das Secas. Os pre- cários resultados observados levaram, em 21 de outubro de 1909, pela idealização de Francisco Sá, Pires do Rio e Arrojado Lisboa, à criação pelo governo de Nilo Peçanha, da Inspetoria de Obras Contra as Secas IOCS, embrião do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas DNOCS. O primeiro inspetor chefe da IOCS foi o dinâmico engenheiro Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa que, devida à carência de recursos humanos na época, convocou renomados profissionais do Sudeste e do exterior para o desenvolvimento de estudos bastante completos, abrangendo a hidrologia, a geologia, a pedologia, a botânica, a sociologia, a antropologia e a economia. Durante dez anos a IOCS se dedicou a obras de infra-estrutura e promovia apoio aos flagelados assolados pelas secas. Em 1919, no governo de Epitácio Pessoa, esse órgão passou a se denominar Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas IFOCS. A IFOCS manteve a construção de açudes, tendo implantado mais de vinte açudes públicos com destaque para Forquilha e Quixeramobim, ambos no Ceará, complementando alguns dos açudes com piscicultura incipiente e mesmo irrigação que já havia sido iniciada no açude de Cedro. Com a eleição de Artur Bernardes à presidência da República em 1922, houve a suspensão de todas as obras e a IFOCS qua- se desaparece; seu sucessor, Washington Luiz, eleito em 1926, dá prosseguimento ao processo de inanição da IFOCS. Registra-seque durante os oito anos desses dois mandatos, a soma dos recursos des- tinados à IFOCS representou apenas 20% dos recursos despendidos nos dois últimos anos do governo de Epitácio Pessoa que os antecedeu. Nesse período de carência de recursos sobressai-se, em desenvolvi- mento tecnológico, o aparecimento da “Formula de Aguiar” que serviu de base aos estudos posteriores de hidrologia e dimensionamento de açudes por muitas décadas ao longo do Século XX. Processando dados hidrológicos principalmente das bacias hidrográficas dos rios Quixeramobim e Jaguaribe, o engenheiro Gonçalves Aguiar elabo- rou notável análise hidrológica de caráter determinístico publicada em trabalho intitulado Estudo Hidrométrico do Nordeste Brasileiro. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 69 Figura 1 - Barragem Lima Campos em construção em 1932 Figura 2 - Barragem do Choró em construção em 1933. Face de montante com lajes de concreto C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 70 Figura 3 - Inauguração do Açude Público Boqueirão em 1957 com a presença do pres. Juscelino Kubitschek e do ministro Lúcio Meira da viação e obras públicas Figura 4 - Açude Choró – Vista do talude de montante ao final da construção em 1934 A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 71 Com o golpe de estado de 1930, assume a presidência Getúlio Vargas que nomeia José Américo de Almeida para o Ministério de Viação e Obras Públicas que, por sua vez nomeia o engenheiro Artur Fragoso de Lima Campos inspetor geral da IFOCS. Em 1932 Lima Campos faleceu em acidente aéreo, tendo sido substituí- do pelo engenheiro Augusto da Silva Vieira. Em 1932 ocorreu uma seca severa e o canteiro de obra da barragem de Patu que havia sido paralisada em 1923, se transformou em um campo de concentração, um cemitério de quinze mil mortos-vivos. A barragem foi concluída em 1986, 65 anos após o início de suas obras. Seu reservatório, com 71,8 milhões de metros cúbicos de capacidade daria para atender 60% da atual população de Senador Pompeu mas, segundo Fran- cisco Luís de Araújo, residente da Empresa de Assistência Agro- pecuária do Ceará, a irrigação se devidamente implantada po- deria beneficiar três mil famílias, quando apenas 36 famílias são presentemente beneficiadas com a irrigação. A seca de 1932 marcou profundamente os que sobreviveram aos campos de concentração. Os campos foram criados pela IFOCS em Fortaleza, Quixadá, Quixeramobim, Cariús, Ipu, Patu e Crato, no Ceará, para evitar que os flagelados inchassem as cidades. Cerca- dos por muros e por arames farpados, os flagelados se espremiam como uma massa esquálida e faminta; morriam de desnutrição e de doenças diversas nos “currais de fome”. Propositalmente ignora- dos pela historiografia oficial, os campos de concentração ainda estão vivos na memória dos poucos sobreviventes. Hoje há esfor- ços para que seja tombado o conjunto de edificações na barragem de Patu, onde a empresa inglesa Dwight P. Robinson implantou um canteiro de obra, uma usina termoelétrica, escritório, depósito de explosivos e casas para seus executivos. Os ingleses se retiraram com a paralisação das obras ordenada pelo governo de Artur Ber- nardes. O maior campo de concentração era o de Crato que chegou a ter 65 mil flagelados. Entretanto, o primeiro campo de concentração que se tem notícia foi o campo de Urubu que foi instalado na seca de 1915. Naquela época Fortaleza era conhecida por “loura despo- jada pelo sol” e como ninguém gostaria de visitar a cidade inundada por flagelados, foi formado o campo de concentração do Urubu. Há relatos de mortes por febre tifóide de mil pessoas em uma só noite no campo do Urubu. Raquel de Queiroz usou a expres- são campo de concentração em seu romance “O Quinze” escri- to em 1930, portanto, antes da seca de 1932, o que comprova a prática nos primeiros anos da República. No livro “Barragem do Patu, os Descaminhos de uma Obra”, Adriano Bezerra relata o ocorrido em 1932 no campo de concentração em Senador Pompeu onde os corpos das vítimas da sede e da fome eram jo- gados em valas coletivas após a extração dos fígados que eram destinados a exames médicos. Os guardas só davam um farelo amarelo, sangue de boi e carne da cabeça de gado como comi- da. Uma epidemia de piolho levou o governo a ordenar que as cabeças fossem raspadas. Era comum passarem em redes mais de trinta mortos por dia cujos corpos eram jogados em valas comuns. Os flagelados que reclamavam das condições a que eram sujeitos, eram classificados como infratores, sendo vio- lentamente penalizados e recolhidos ao sebo, uma pequena gaiola de varas. Os detentos nos campos de concentração eram reduzidos a pele e osso como os filmados pelas tropas americanas ao chegarem aos campos de concentração nazistas na II Guerra Mundial. Em dezembro de 1945 o presidente José Linhares e seu ministro Maurício Joppert da Silva transformam a Inspetoria no Departa- mento Nacional de Obras Contra as Secas DNOCS que, a partir do ano seguinte sob o governo Dutra se mantém com recursos exíguos e praticamente limitados às obras de construção de açu- des, sem dar seguimento a obras de irrigação e de piscicultura, não havendo recursos para formação de mão de obra, não houve fi- nanciamento para a mecanização para a lavoura e a pecuária, não aconteceu a difusão de insumos, não foram criadas estruturas de estocagem, não houve meios suficientes para a expansão de obser- vações e estudos hidrológicos, não se promoveu acesso a crédito, não se promoveu a monetarização do mercado interiorano que fun- cionava à base de escambo. Nesse período de penúrias o Departa- mento foi dirigido por Luiz Vieira e Vinícius Berrêdo. Com o retorno de Getúlio Vargas à presidência, desta vez eleito, o orçamento do DNOCS, ainda que insuficiente, foi duplicado em relação ao orçamento deixado pelo seu antecessor. Dessa maneira C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 72 foram retomadas ou iniciadas as obras de diversas barragens tais como Orós, Araras, Banabuiu, Boqueirão das Cabaceiras e Cocorobó. Nesse período tiveram início os estudos da hidroelétrica de Boa Esperança, posteriormente transferida para a COEBE e, depois incorporada à CHESF. Ao assumir o governo federal, Juscelino Kubitschek, obcecado pela sua meta síntese de construção de Brasília, drenou de todos os lados recursos necessários para a implantação da nova capital. O DNOCS não ficou isento a essa insaciável drenagem de recursos e algumas de suas obras ficaram sem recursos e sem crédito. A mais notável delas, Orós, teve o seu colapso anunciado com meses de antecedência pelos dirigentes do DNOCS dada a inca- pacidade financeira e de crédito para concluir a barragem antes do período de chuvas. Figura 5 - Barragem Quixeramobim A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 73 rompeu em 1961 a concessão de subsídios à construção de açudes particulares por regime de cooperação e desacelerou a implanta- ção de açudes públicos. No governo de João Goulart o DNOCS passa à categoria de autarquia em junho de 1963 e passa a trabalhar sob a coordenação da SUDENE em ocasiões de emergência. Após a deposição do governo Goulart, o DNOCS passa a ser gerido por sucessivos coronéis do Exército pouco versados nos problemas do semi-árido. A modalidade tradicionalmente adota- da de executar os empreendimentos por administração direta foi abolida e o efetivo do Departamento passou a entrar em ociosi- dade. Nos governos seguintes a maior atribuição do DNOCS foi a de implantar perímetros irrigados. Em 1999 assumiu o governo o general João Batista Figueiredoe, em seguida, em paralelo ao segundo choque do petróleo, ocorreu a severa seca entre os anos de 1980 a 1983. A mais importante obra desse período foi a construção da barragem de Açu no Rio Gran- de do Norte, com a capacidade de 2,4 bilhões de metros cúbicos de acumulação. Durante a construção, apesar das advertên- cias da empresa encarregada da fiscalização e de seu consultor Mr. Holtz, engenheiro de carreira no U.S. Bureau of Reclamation, uma argila de baixa resistência foi colocada anexa ao núcleo da barragem se prolongando para montante em forma de tapete im- permeabilizante. Ao final da construção, antes do enchimento do reservatório, houve o colapso do talude de montante da barragem por falta de resistência da camada de solo do tapete impermeabilizante. As autoridades tentaram culpar o consultor, mas o engenheiro José Candido Castro Parente Pessoa logrou provar na delegacia perante a um juiz de direito, a inocência do referido consultor que havia desaconselhado a execução do tapete. Com a chegada de José Sarney à presidência da República é lançado o programa de irrigação de um milhão de hectares. Para esse pro- grama foi sorrateiramente e oficiosamente quebrada a proteção à engenharia brasileira conseguida por lei no governo Costa e Sil- va. Diversas empresas consultoras estrangeiras desembarcaram no País para surpresa da Associação Brasileira de Consultores A SUDENE concorreu com eficiência para a divulgação leviana da idéia de que a capacidade dos açudes então existentes seria sufi- ciente para atender à demanda de água do semi-árido para qualquer seca que viesse a acontecer. A política de implantação de açudes foi, então, brecada até que as secas intensas ocorridas no início dos anos oitenta demonstraram o equívoco dessa postura. O governo Jânio Quadros, além de praticar uma injustificada caça às bruxas com relação aos dirigentes do período anterior, inter- Figura 7 - Açude Banabuiu Figura 6 - Açude Mãe d’água C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 74 de Engenharia. Nesta época o autor desse capítulo era o diretor da ABCE encarregado da proteção à engenharia nacional. A viabilidade da existência do DNOCS passou a ser agenda do governo Fernando Collor de Mello que se instaurou em 1991. Foi instalada uma comissão parlamentar mista tendo resultado daí o relatório de Beni Veras que recomendava a manutenção do DNOCS, mas sujeito a profundas modernizações. As moderniza- ções foram estudadas, mas não foram implantadas no curto governo Itamar Franco nem no primeiro governo de Fernando Henri- que Cardoso, apesar de neste governo ter ocorrida significativa redução de diretores e cargos gratificados. No primeiro dia do se- gundo governo Fernando Henrique Cardoso, 1 de janeiro de 1999, o DNOCS é finalmente extinto por medida provisória, acabando longa agonia. Entretanto, devido a impressionante mobilização de diversos setores da sociedade civil do Nordeste, e do peso do Nor- deste no parlamento, o DNOCS foi ressuscitado em maio de 1999, mas sem dotações orçamentárias suficientes, ficando o órgão nos limites da sobrevivência. A única obra importante foi conseguida pela bancada cearense no congresso: o açude Castanhão inaugurado ao apagar das luzes do segundo governo de Fernando Henrique. Esse açude e o longo canal de adução das águas à cidade de Forta- leza executado em tempo recorde de acordo com o planejamento do engenheiro José Cândido Pessoa, fortaleceu politicamente o então governador Ciro Gomes e o lançou na política Federal. Assim, a era FHC deixou duas grandes marcas na Autarquia: a sua traumática dissolução com seu posterior ressurgimento e a construção da maior barragem do semi-árido brasileiro que incluiu a utilização rara em nosso País, de diques fusíveis. Nos dois governos Lula houve reestruturação do DNOCS, mas não houve obras de barragens. A SUDENE que havia sido extinta por medida provisória em maio de 2001, foi novamente criada em janeiro de 2007 com o objetivo de reassumir o planejamento regional. A diretoria do DNOCS alertou em 2008 que eram urgentes as obras de recuperação dos açudes Estevam Marinho e Mãe D’Água sob o risco de se tornarem inoperantes e causarem danos irrepará- veis a bens e a vidas humanas, pois há mais de 40 anos não eram feitas manutenções nessas barragens. Dois anos depois as obras foram feitas com dispensa de licitação. Ao ser lançado o PAC – Plano de Aceleração do Crescimento com uma verba de um bilhão de reais em 2010, os recursos humanos da instituição não puderam acompanhar a disponibilidade financeira pela sua carência de es- trutura e de pessoal. Na sua época mais ativa, entre 1940 a 1960, o órgão chegou a ter dezessete mil funcionários e fazia as obras por administração direta, com equipe própria. Hoje os funcionários da ativa não passam de mil e oitocentos, havendo mais de doze mil apo- sentados e pensionistas. Depois de passar trinta anos sem renovar seus quadros, a DNOCS pediu abertura de concurso para seiscentas vagas, mas o Ministério do Planejamento limitou a 92. Essa medida não substituiu devidamente os terceirizados, que tiveram que ser demitidos, pois vinham prestando serviços para a atividade fim do órgão, o que é vedado pela legislação em vigor. O diretor geral Elias Fernandes lamenta: “todos os meus funcionários têm cabeça branca”. Da falta de condições do DNOCS e dos perversos cenários das secas surgiram construções de açudes particulares e por outros órgãos federais e estaduais. Implantados em condições questioná- veis, bastou que as precipitações em 2009 fossem 59% superiores à média anual para que houvesse o colapso de 50 açudes só em Canindé, no sertão central do Ceará. Em Targinos, Ceará, 14 barragens colapsaram, muitas delas do INCRA. Cabe realçar a influência do United States Bureau of Reclamation USBR no combate às secas do Nordeste brasileiro. O USBR foi a primeira instituição americana dedicada ao estudo e desenvolvi- mento de recursos hídricos. Sua missão é o desenvolvimento de projetos de barragens de regularização e irrigação do árido oeste dos Estados Unidos. Ao longo do Século XX o USBR implantou centenas de barragens e mais de duzentos projetos de irrigação no oeste americano. Seu criador em 1898, John Wesley Powell deu origem a uma das mais destacadas instituições de engenharia já formada. Engenheiros do DNOCS e de outras instituições bra- sileiras, inclusive o autor, foram treinar nos seus escritórios, labora- tórios e obras. Alguns dos mais destacados profissionais do USBR, tais como Jack Hilf, W. Holtz e Hoffmann, estiveram dando assistência técnica às obras de barragem do DNOCS. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 75 As causas das secas no Nordeste ficaram desconhecidas até a primeira metade dos anos 80 quando foi detectada a influência da permanência de temperaturas mais elevadas da água no oceano Pacífico na latitude do Peru, fenômeno conhecido desde os tem- pos coloniais como El Niño. Um El Niño mais prolongado causa no território brasileiro secas no Norte e Nordeste e cheias no Sul. A partir dessa época as secas passaram a ser previsíveis. Ao analisar as atividades realizadas no combate às secas verifica-se que a descontinuidade na administração das agências de fomento e a alternância dos recursos disponibilizados fazem com que obras iniciadas há várias décadas são descontinuadas ou retardadas. Barra- gens iniciadas ou projetadas no governo de Epitácio Pessoa como Pedra Branca e Patu foram concluídas muitas décadas depois. A barragem de Orós cuja proposição é dessa época, teve suas obras interrompidas. Quando da primeira fase de construção que eram para ser uma barragem de alvenaria, nasceu no canteiro de obrao Theophilo Benedicto Ottoni Netto que, como engenheiro sênior, viria projetar o vertedouro da barragem. A barragem de Castanhão teve sua construção proposta em 1910 e só foi executada quase 100 anos depois. Entretanto, nas fases em que o governo federal propiciou condições financeiras adequadas, a IFOCS e seu sucessor DNOCS mostrou intensa atividade, sendo responsável pela implantação de mais de 220 grandes barragens (de acordo com a classificação da CIGB), o que significa cerca de 20% das grandes barragens brasileiras. Figura 8 - Jack Hilf e José Candido Pessoa. Exemplo de colaboração do US Bureau of Reclamation para o DNOCS C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 7676 77 As Barragens Construídas pelo DNOCS Flavio Miguez de Mello“Em 1896 há de haver mil rebanhos correndo da praia para o sertão; então o sertão virará praia e a praia virará sertão.” Antônio Conselheiro O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e as inspetorias que o antecederam foram os órgãos que mais barragens implanta- ram no Brasil. Com o objetivo de promover condições de fixação dos nordestinos cultivando o semi-árido, 214 grandes barragens (de acordo com a classificação da Comissão Internacional de Grandes Barragens) foram implantadas até 1982. Essa cifra mos- tra intensas fases de elevada atividade e outras fases de estagnação, em função do maior ou menor interesse do governo federal. Nos cento e vinte anos de atividades no combate aos malefícios das secas, atividades que foram originadas das drásticas conse- qüências da Grande Seca que ocorreu de 1877 a 1889, muitas barragens com características extremamente interessantes foram construídas. Nos primeiros anos do século passado as barragens eram de alvenaria de pedra, chamadas na época de barragens de peso, ou maciços baixos de terra cujo elemento impermeabilizante era um diafragma central de alvenaria. No caso de haver ombreira em rocha sã, o sangradouro podia ser simplesmente escavado numa das ombreiras, dispensando-se revestimentos. Considerando que apenas os rios São Francisco, que flui desde Minas Gerais e o rio Parnaíba que divide os estados do Piauí do Ceará são perenes, os demais cursos d’água do Nordeste são de regime intermitente, a construção de barragens era, em geral, feita em duas etapas: no primeiro ano se procedia a limpeza e o tratamento de fundação e, no segundo ano, após o recuo das águas, se fazia as obras no leito do rio e nas margens. Até meados do século passado as barragens eram de alturas modestas, sendo que só nos anos 50, em Boqueirão das Cabaceiras, foi implantada a primeira barragem de altura superior a 50 m. Como são muitas barragens, para o presente livro o autor selecionou as barragens do açude de Cedro por terem sido as primeiras grandes barragens do Nordeste e as mais bonitas até hoje, a barragem de Orós por ter tido impressio- nante acidente durante sua construção, a barragem de Engenheiro Ávidos pelo seu arrojado projeto original, a barragem de Cocorobó pelos motivos que determinaram a sua implantação e a barragem do Castanhão por ser a última grande barragem construída pelo DNOCS antes da publicação deste livro. As barragens do açude de Cedro Logo após o término da Grande Seca, em 1880, o Governo Impe- rial encomendou ao engenheiro Jules Revy uma seleção de locais para implantação de barragens com o objetivo da formação de açudes. Dentre os locais selecionados sobressaiu-se o sítio onde foi implantado o açude de Cedro. Já em 1882 o primeiro projeto estava pronto. Esse projeto, entretanto, foi modificado pelo enge- nheiro Ulrico Mursa, da Comissão de Açudes e Irrigação. As obras foram iniciadas em novembro de 1890 e foram concluídas em 1906, As Barragens Construídas pelo DNOCS Sangradouro de Castanhão C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 78 sob a direção do engenheiro Bernardo Piquet Carneiro, após para- lisações. O açude só foi verter (sangrar) pela primeira vez em 1924 o que demonstra que, pela falta de dados hidrológicos na época do projeto, o açude ficou super-dimensionado. O açude se localiza no rio Sitiá do sistema Jaguaribe, controlando uma área de drenagem de 224 km², com uma superfície de 17,45 km², uma capacidade de acumulação de 126.000.000 m³ e uma profundidade média pouco superior a 7 m. A barragem principal é em arco gravidade de alvenaria, de longo raio de curvatura de 254 m; sua altura é de 18 m sobre as funda- ções em sienito são, sua extensão de crista é de 415 m, seu vo- lume é de 60.000 m³. O vertedouro (sangradouro) é também em alvenaria, de gravidade, com 7,5 m de altura e com lâmina livre pela crista; seu comprimento é de 209 m e seu volume é de 9.925 m³. Há ainda dois diques de terra, um em cada margem do rio, deno- minados Barragem Sul com altura de 17 m, comprimento de crista de 243 m e volume de 40.724 m³ e Barragem da Lagoa do Forbes com 4 m de altura, 464 m de extensão e 8.473 m³ de volume. A alvenaria de pedra em sua crista, seu eixo curvo e os peque- nos pilares com as grossas correntes aliados à Pedra da Galinha Choca na margem direita da barragem e à esquerda do vertedouro formam um conjunto arquitetônico de rara beleza. Figura 1 – Açude de Cedro A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 79 A barragem de Engenheiro Avidos, antiga São José de Piranhas A barragem é localizada no rio Piranhas, no município de Cajazeiras, Paraíba, controlando uma área de drenagem de 1124 km². O projeto foi concebido pelos engenheiros Luis Vieira e Vinícius Berrêdo, com a colaboração de Moacyr Avidos, Regis Bittencourt e Lohengrin Chaves. tando muitos matacões e elevada permeabilidade e a margem direita é constituída por um gnaisse intemperizado. O projeto original da barragem compreende um maciço de terra a montante com talude variável de cima para baixo de 2:1, de 2,5:1 e de 3:1, um núcleo de concreto sob a linha de centro da barragem constituindo-se o prin- cipal elemento de impermeabilização, e um maciço de enrocamento no espaldar de jusante com talude de 1,6:1. A barragem tem 44 m de altura e 340 m de extensão. Na ombreira esquerda as escavações atingiram a 14 m de profundidade. O vertedouro era de crista livre, com ogiva de concreto de 160 m de extensão e cuja calha era constituída por um revestimento do talude jusante em lajes articuladas de concreto armado projetado para um pico de cheia da ordem de 800 m³/s e situ- ado na parte central do corpo da barragem. As tomadas d’água são em duas torres cilíndricas controladas por comportas que aduzem a água para duas tubulações em células de concreto armado. Consta que o padre Cícero havia dito que a barragem iria colapsar. Realmente, o reservatório era mantido em nível baixo a maior parte do tempo. A barragem havia sofrido recalques e os movimentos provocaram a abertura de juntas na laje do vertedouro. Esses deslocamen- tos se acentuaram após a passagem da cheia de 1963 que chegou, no seu pico, a uma sobre-elevação de cerca de 0,30 m sobre a crista do vertedouro, o que correspondeu a uma hidrógrafa defluente com pico de apenas 55 m³/s. Nesse ano, após a cheia, o engenheiro O. Rice do US Bureau of Reclamation, em inspeção à barragem, recomendou que fosse cons- truído um novo vertedouro na ombreia direita. Foi efetuado um novo estudo hidrológico para verificação da hidrógrafa de projeto, tendo sido definida uma hidrógrafa com pico de 1610 m³/s. Como esta era, nos países ocidentais, uma das quatro barragens com vertedouro sobre o aterro e a única das quatro que sobreviveu durante quase 30 anos de uso, como as sondagens no aterro da barragem revelaram graus de compactação ina- dequados, comoa descarga de projeto deveria ser o dobro da descarga original e como essa descarga de projeto era quase 30 vezes superior à descar- ga ocorrida em 1963, foi decidido que o vertedouro sobre a barragem seria substituído por um vertedouro lateral provido de duas comportas de segmen- to de 9 m x 10 m que descarregam as descargas vertidas em uma calha em concreto armado e dissipação em salto de esqui, o que correspondeu a uma escavação de 300.000 m³ e a um volume de concreto de 16.000 m³. As principais condicionantes do projeto eram: não exigir fundação em rocha sã e o elevado custo devido às dificuldades logísticas para suprimento de cimento ao local da barragem. No local da barragem a margem esquerda é composta por um quartzito decomposto, apresen- Figura 2 – O engenheiro Moacyr Monteiro Avidos C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 80 Figura 5 - Açude Piranhas durante sua construção em 1936. Vista do talude de jusante Figura 3 - Açude Piranhas durante sua construção em 1936. Vista do talude de montante Figura 4 - Açude Piranhas – Saída das galerias da tomada de água A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 81 A barragem de Orós A barragem de Orós é situada no rio Jaguaribe, conhecido como o maior rio intermitente do mundo, no interior do estado do Ceará, a 450 km da capital Fortaleza. Sua principal finalidade é perenizar o rio e promover a irrigação nos trechos médio e baixo de seu vale. Como finalidades secundárias há a piscicultura e aproveitamento hidroelétrico. Desde os tempos do Império e nos primeiros anos da república uma barragem no boqueirão de Orós vinha sendo considerada. Houve um primeiro anteprojeto desenvolvido no início da Inspetoria de Obras Contra as Secas do qual não se tem notícia por ter se perdido em incêndio ocorrido em dezembro de 1912 na Primeira Seção dessa Inspetoria. A idéia inicial de uma barragem de eixo reto situada na entrada do boqueirão foi abando- nada em 1913, em vista dos resultados das sondagens executadas pelo engenheiro britânico Louis Philips e pelo engenheiro José Gomes Parente. Essas sondagens indicaram no leito do rio uma cavidade no seu topo rochoso de 40 m preenchida por aluviões. A cerca de 200 m a jusante do eixo retilíneo original essa cavidade apresenta profundidades de até 80 m. Para fugir da cavidade duas alternativas de eixo foram indicadas: eixo reto na parte jusante do boqueirão ou eixo acentuadamente curvo na entrada do boqueirão. Em 1919, motivado pela intensa seca que impactou a região, o governo federal contratou a empreiteira americana Dwight P. Ro- binson & Co. para elaborar um novo projeto e implantar a obra sob a supervisão dos engenheiros Charles W. Comstock e J. A. Sargent. A barragem seria em alvenaria de concreto ciclópico execu- tada com apoio de cabo aéreo cujas torres foram instaladas nas duas ombreiras. Todos os trabalhos de levantamentos e prospecções e de projetos de infra-estrutura tais como as instalações das resi- dências e escritórios, acessos rodoviários, ferrovia, eletrificação e canteiro de obra, foram feitos pelos engenheiros A. Pyles, José Visetti, C. P. Cunha, José Wright e George Shobinger. Nessa fase inicial de construção participava da equipe o enge- nheiro Augusto Benedicto Ottoni. Durante essa fase, no interior do Ceará, nasceu seu filho, Theophilo Benedicto Ottoni Netto, que viria a ser destacado engenheiro hidráulico e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, formando um sem número de engenheiros, incluindo seus filhos, uma neta e o autor desse capítulo. Curiosamente, como será mencio- nado adiante, o engenheiro Theophilo teria atuação de destaque no projeto do vertedouro da barragem de Orós quase cinqüenta anos depois do seu nascimento. A excepcional cheia ocorrida em 1924 destruiu ensecadeiras e parte do canteiro de obra, tendo havido, no janeiro seguinte, drástico corte de verbas e a conseqüente paralisação das obras no governo de Arthur Bernardes. Em 1930 estudos adicionais foram realizados sob a orientação do engenheiro Luis Augusto Vieira. Em 1932 materiais e equipamentos foram retirados de Orós para as construções dos açudes de Pilões, Piranhas e São Gonçalo. A barragem de Orós deixou de ser prioridade mesmo com a intensa seca de 1932. Posteriormente equipe do engenheiro Luiz Vieira elaborou dois estudos, um com barragem de terra e outro com barragem de concreto gravidade, ambos com eixo retilíneo a jusante do boqueirão para evitar a espessa camada de aluvião que havia sido detectada nos estudos iniciais. Em 1940 foi concluído um túnel com 1600 m de extensão ligan- do Orós ao açude de Lima Campos cuja capacidade de irrigação estava esgotada. Estudos e investigações geotécnicas efetuadas pelo engenheiro Arthur W. Schneider levaram a professor Casemiro José Munarski a conceber o projeto de uma barragem de terra zonada com grande curvatura em planta para montante com o objetivo de fugir da espessa camada de aluvião. Em outubro de 1958 as fundações da barragem estavam escavadas e tratadas. O maciço da barragem seria erguido após a estação chuvosa seguinte, no decorrer de 1959. Apesar de dispor de um túnel de desvio, Orós foi programada para ter seu maciço totalmente construído em um período seco, como C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 82 era comum nos rios intermitentes do Nordeste. O próprio DNOCS construía a barragem com equipamentos provenientes da recém concluída construção da barragem de Araras. A barragem, projetada com 54 m de altura e taludes de 2,5:1 e 2:1 respectivamente a montante e a jusante, ambos abrandados em cotas inferiores, foi executada com espesso núcleo de argila arenosa com- pactada em camadas de 15 cm e taludes externos em enrocamento que envelopava, nos espaldares de montante e de jusante, zonas de solo arenoso compactados em camadas de 30 cm de espessura. O túnel de desvio situado na ombreira esquerda, tornou-se a tomada d’água e foi revestido posteriormente com chapa de aço, apresentando a jusante uma bifurcação para um descarregador de fundo e para a instalação de uma pequena hidroelétrica que só foi licenciada cinqüenta anos depois. Como mencionado acima, na margem direita do reservatório havia sido construído um túnel que conduz descargas do rio Jaguaribe ao açude de Lima Campos com o objetivo de reforçar as vazões para irrigação das áreas a jusante desse açude. Entretanto, devido à incrível concentração de recursos federais para a construção de Brasília, denominada pelo presidente Juscelino Kubitschek de meta síntese, os demais empreendimentos governa- mentais ficaram com desmedidas carências de recursos. O DNOCS passou a ter sérios problemas na manutenção do ritmo de cons- trução por falta de recursos financeiros para concluir a barragem a tempo, tendo perdido também o crédito junto a fornecedores. Debalde foram os alertas da direção do DNOCS e de seu diretor geral, engenheiro José Cândido Castro Parente Pessoa, quanto ao perigo da não conclusão da barragem antes do período chuvoso. No final do período chuvoso, com a barragem ainda incompleta e sem ser possível as águas afluentes atingirem a cota da soleira do vertedouro ainda em escavação, a barragem começou a ser galga- da. Era nos primeiros minutos da madrugada do dia 26 de março de 1960. Os esforços para conter o colapso da barragem foram inúteis. Cerca de 40% do volume do maciço já executado foi erodido. Várias cidades situadas a jusante foram invadidas pelas águas oriundas do colapso da barragem. Destaca-se a eficiente atuação das forças armadas no resgate das populações residentes a jusante da barragem.As informações disponíveis dão conta de que apenas um óbito foi registrado, tendo sido por infarto. O acidente e suas conseqüências impactaram a opinião pública e muitos recursos foram angariados de populares e remetidos às vítimas do acidente. A campanha em muitas cidades do País tinha o lema “Orós precisa de nós”. No âmbito externo, real- çam-se as atitudes de países no apoio às vítimas do rompimento Figura 6 - Galgamento da barragem de Orós Figura 7 - Barragem de Orós após a ruptura A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 83 da barragem de Orós: Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha Ocidental, União Soviética e Vaticano. A barragem foi rapidamente reconstruída entre julho de 1960 e janeiro de 1961, tendo sido inaugurada pelo presidente Juscelino Kubitscheck. Apesar de ter sido o responsável pela carência de recursos que ocasionou o colapso da barragem com graves consequências para as populações de jusante, há um monumento em bronze com a estátua do presidente em tamanho natural. Entretanto, o sangradouro permaneceu sem ser revestido de concreto. A rocha local é composta por xistos da série Ceará, destacando-se quartzitos xistosos dobrados e extremamente fraturados. Pouco após a reconstrução da barragem, o ver- tedouro apenas escavado, era protegido por uma pequena ensecadeira. Em visita ao local em época em que o reservatório estava com elevado nível d’água, uma alta autoridade federal mandou abrir a ensecadeira. A água escoando a elevadas ve- locidades sobre a rocha altamente fissurada, provocou grande erosão regressiva que quase comprometeu a estabilidade da ombreira esquerda. Mais uma vez, após a emergência, recursos foram destinados a concluir a obra do vertedouro. O projeto foi encomendado ao Laboratório Hidrotécnico Saturnino de Brito – HIDROESB e idealizado pelo Professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto aproveitando em parte a configuração da encosta erodida e desenvolvendo uma concepção de elogiável arquitetura hidráulica, testada em modelo reduzido. Figura 8 - Erosão na área do vertedouro antes do revestimento de concreto Figura 9 – Saturnino de Brito Filho, Juarez Távora, Theophilo Benedicto Ottoni Netto e José Cândido Parente Pessoa em visita ao modelo hidráulico reduzido do vertedouro de Orós C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 84 Figura 11 – Vertedouro de Orós em operação Figura 10 – Açude de Orós A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 85 A barragem de Cocorobó Na última década do Século XIX foram travados vários combates entre forças militares do estado da Bahia e, posteriormente, do Exército Brasileiro contra jagunços seguidores da figura mística de Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido por Antônio Conse- lheiro. Inicialmente pacíficos, desarmados e militarmente despre- parados, os seguidores de Antônio Conselheiro rechaçaram quatro investidas e expedições das forças armadas, tendo sido finalmente aniquilados em seu arraial denominado Belo Monte. Esse terrível episódio de nossa história é magistralmente narrado por Euclides da Cunha que foi testemunha ocular da terceira expedição coman- dada pelo sanguinário coronel Antônio Moreira César, o corta cabeças, que já havia assassinado mais de cem habitantes de Nossa Senhora do Desterro, cidade posteriormente denominada Floria- nópolis em homenagem ao ditador da ocasião, e, cem anos após, também descrita com maestria por Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de literatura em 2010. Consta que o pedido da construção da barragem de Cocorobó partiu do chefe político local durante a visita, em 1940, do presidente Getúlio Vargas à região e ao segundo Arraial de Canudos, cons- truído em 1909 por parentes e sobreviventes do massacre. Getúlio teria perguntado a Isaias Canário o que poderia ser feito por Canudos e recebeu como resposta: “Um açude Senhor Presidente.” Os estudos do DNOCS indicaram o boqueirão Cocorobó como o sítio mais indicado para a construção da barragem. Na época, em ne- nhum momento foi cogitado que o sítio selecionado iria submergir o que havia restado de Belo Monte, incontestavelmente de elevado va- lor histórico. Principalmente após a construção, a seleção do local foi questionada por diversos pesquisadores e historiadores, havendo duas correntes distintas: a primeira acusa o governo federal de tentar apa- gar da memória nacional o triste incidente de Canudos, escondendo sob as águas a participação do Exército no conflito. A segunda de- fende a idéia de que o boqueirão era o local mais apropriado para a implantação do açude. Mesmo no local selecionado, o volume d’água acumulado pelo açude não é suficiente para atender a exploração de todo potencial de solo agricultável a jusante, como ficou evidenciado nas estiagens ocorridas entre 1994 e 2000 quando as demandas fizeram com que o espelho d’água atingisse níveis muito baixos, aparecendo as antigas construções, principalmente a parte superior da igreja de Antônio Conselheiro bombardeada por canhões do Exército. A barragem, concluída em 1968, é uma estrutura de terra compac- tada, com 34 m de altura, 643 m de extensão de crista e volume de reservatório de 245,3 milhões de metros cúbicos. Na realidade, há Figura 12 – Prisoneiros da guerra de Canudos Figura 13 – Estátua de Antônio Conselheiro, tendo ao fundo o açude de Cocorobó C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 86 pareceres de engenheiros e mesmo de arqueólogos como Paulo Zanettini e Erica Gonzáles, que certificam que o local selecionado é na realidade o mais apropriado para a implantação da barragem: a jusante o vale é muito aberto e com espessas camadas de sedimentos e a montante não havia local tão propício para um reservatório. Entretanto, houve um depoimento do diretor geral do DNOCS no início da construção da barragem ao autor deste capítulo, que justifica a interpretação de que a barragem teria sido construída para afogar a me- mória da Guerra de Canudos concluída em 5 de outubro de 1897. Era mesmo tentador tentar apagar qualquer registro do massacre dos habi- tantes de Belo Monte. Ao final da guerra, mesmo aqueles que se rende- ram com a promessa de não serem mortos, homens, mulheres e crianças foram cruelmente degolados pelas tropas do Exército sob o comando do general Artur Oscar de Andrade Guimarães no incidente conhecido por gravata vermelha. Segundo o engenheiro Euclides da Cunha que esteve no teatro da guerra, “aquela campanha (do Exército) foi o maior crime praticado em território brasileiro.” O engenheiro José Cândido Castro Parente Pessoa contou que no início das obras da barragem conversou muitas vezes com o Pedrão, principal jagunço de Antônio Conselheiro na fase final dos confrontos com o Exército. Após o aniquilamento do arraial e de seus ocupantes, Pedrão que havia saído para combater a quinta expedição que chegava com soldados do Rio Grande do Sul, se refugiou nos limites do Piauí com o Maranhão até que uma anistia permitiu que ele retornasse a Canudos. Pedrão faleceu e inaugurou o modesto cemitério que havia sido feito como um dos equipamentos urbanos necessários para a construção da barragem. Como havia sido o primeiro a falecer após a conclusão do cemitério, o engenheiro José Cândido candidamente indicou a cova número um para acolher o falecido. Pouco tempo depois aden- tra um coronel do Exército no escritório do referido engenheiro e passa uma descompostura nele por ter enterrado na primeira cova do longínquo cemitério da obra “um inimigo da república”. Barragem do Castanhão Os primeiros estudos do Castanhão datam de 1910 quando o geólogo americano Roderic Crandall realizou paraa Inspetoria de Obras Contra as Secas, estudos de locais para implanta- ção de açudes no Nordeste. Nesse trabalho ele identificou o boqueirão do Cunha como sendo um local para implantação de uma barragem que promovesse alguma regularização e que Figura 14 – Açude de Castanhão A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 87 derivasse as águas do rio Jaguaribe. Oitenta anos após, nos anos noventa, o projeto da barragem foi concluído e sub- metido a intensas e extensas discussões para a obtenção do licenciamento ambiental. Além da extensa área do reservatório, o principal impacto foi a necessidade de reassentamento de quinze mil pessoas que eram residentes na área a ser ala- gada, incluindo a totalidade da sede municipal de Jaguaribara. O projeto foi aprovado no Conselho Estadual do Meio Ambiente em dezembro de 1992 por doze votos a favor e oito contra. Em novembro de 1995 foi expedida a ordem de serviço autorizando o início da construção. A descrença e a desconfiança permaneciam na população local e os opositores mantinham todas as ações possíveis para evitar que a obra fosse iniciada. Para contornar essas dificuldades foi constituído um colegiado que funcionou como um parlamento, acompanhando as obras com reuniões públicas mensais em que as manifestações eram livres. As discussões que foram mantidas no colegiado se transforma- ram em um documento de importância histórica com 6000 páginas de transcrições de debates, 300 páginas de atas de reunião e 360 fitas gravadas. As principais decisões do colegiado foram relativas ao estabelecimento de uma tabela para indenizações de proprieda- des, à seqüência de pagamentos e às prioridades no processo de transferência da população, incluindo a seleção do local de cada nova moradia, além do redesenho do município de Jaguaribara que teve cerca de 60% de sua área alagada. Nesse aspecto foi importante a transferência de áreas dos municípios vizinhos de Alto Santo, Morada Nova e Jaguaretama para o município de Jaguaribara. A barragem do Castanhão foi concluída em 1999. A barragem é uma longa estrutura de terra compactada com um trecho em concreto compactado com rolo, com 3.450 m de extensão e 72 m de altura. O vertedouro em concreto gravidade é provido de 12 comportas de segmento de 10 m por 11,55 m, tendo capacidade de escoar a descarga de projeto de 12.345 m³/s com sobre-elevação de 6 m. O reservatório na El. 100 (nível máximo normal de regularização) pos- sui uma área de 325 km² e represa 4,46x109 m³. O canal de derivação se estende por 256 km com a capacidade adução de 22 m³/s. Agradecimento O autor agradece à engenheira Ana Teresa Ponte pelas foto- grafias e informações. Referências Cunha, E. – Os Sertões – Editora Record, nona edição, 2007 Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – Barragens no Nordeste do Brasil, 1982 Llosa, M. V. – La Guerra del Fin del Mundo – Seix Barral, 1991 Miguez de Mello, F. – A Century of Dam Construction in Brazil – Topmost Dams of Brazil, 1978 Monteiro, H. P. – Cocorobó, uma Barragem Projetada para Reacender as Esperanças no Futuro ou Apagar o Passado, Conviver, 2009 Lima, P. F. – Castanhão – Conviver, 2009 Paulino, M. A. – Orós, Histórico sobre a Construção do Açude, Conviver, 2009 Sola J. A. – Canudos, uma Utopia no Sertão – Editora Con- texto, 1989 Figura 15 – Açude de Castanhão C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 88 89 Resumo da História Remota da Hidroeletricidade no Brasil Flavio Miguez de Mello blico, pela primeira vez no País, uma experiência de geração e utili- zação de energia elétrica que se tem notícia em território nacional. A energia gerada foi utilizada para acender uma lâmpada, demons- trando que a eletricidade poderia trazer benefícios inestimáveis à sociedade. Os que presenciaram a experiência, embora surpresos, certamente não poderiam imaginar a dependência que a socieda- de viria a ter da eletricidade nos dias atuais. Cinco anos depois, em 1862, ocorreu na Praça da Proclamação, hoje Praça Tiradentes, próxima ao prédio da Escola Central, uma nova demonstração pública de iluminação baseada em energia elétrica, por ocasião da inauguração da estátua eqüestre de Dom Pedro I. Em 1879 foi efetuado o primeiro emprego comercial do dínamo pela Edison Electric Light Co. em Nova York. Nesse mesmo ano, Dom Pedro II concedeu a Thomas Alva Edison a concessão para introduzir no Brasil os equipamentos de sua revolucionária invenção e inaugurou a iluminação elétrica da estação da Estrada de Ferro Pedro II, atual estação ferroviária situada na Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, na época sob a direção de Francisco Pereira Passos. Essa foi a primeira instalação de iluminação elétrica de caráter permanente que foi instalada no País. Em 1881, por ocasião da viagem de Dom Pedro II a Minas Gerais, o diretor Claude Henry Gorceix da Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto, fez acender uma lâmpada com energia proveniente de um dínamo acionado pelos detentos da cadeia local. A primeira instalação no País de iluminação com base em energia elétrica em área externa foi efetivada em 1881 no Jardim do Campo da Aclamação, atualmente Praça da República, no Rio de Janeiro, Os primeiros tempos - Século XIX Recuamos à distante época dos meados do Século XIX quando não havia ainda exploração econômica de energia elétrica no mundo. Nessa época o Brasil vivia no segundo reinado sob um impera- dor extremamente interessado em todos os domínios da cultura, da ciência e da tecnologia. Não raro Dom Pedro II freqüentava eventos técnicos na Faculdade de Medicina e na Escola Central, esta precursora das atuais Academia Militar das Agulhas Negras e Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. A Escola Central era situada no Largo de São Francisco de Paula, no coração da cidade do Rio de Janeiro, prédio da UFRJ hoje tombado pelo seu valor histórico e conhecido como Alma Mater da Engenharia Brasileira. É do conhecimento de historiadores o intenso interesse do Imperador pelos desenvolvimentos tecnológi- cos que na época encontravam ampla divulgação na Escola Central. Por ocasião de eventos no prédio, o Imperador chegava a ocupar a sala frontal do segundo pavimento (na época o prédio era de dois pavimentos), até hoje conhecida como a sala do trono, de onde despachava com sua equipe de governo. No ano de 1857, por ocasião de uma homenagem ao Imperador Dom Pedro II no prédio da Escola Central, foi realizada em pú- Resumo da História Remota da Hidroeletricidade no Brasil Usina hidroelétrica de Tombos em Minas Gerais. Vista do canal de adução para a casa de força. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 90 pela Diretoria Geral dos Telégrafos, através de 16 lâmpadas de arco voltáico supridas por dois dínamos acionados por um locomóvel. Em 1883, o Professor Armand de Bovet, da Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto, contratado na Europa diretamente pelo governo imperial como um dos docentes para aquela Escola, instalou no ribeirão do Inferno, na bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha, no município de Diamantina, Minas Gerais, a mais antiga usina hidroelétrica do País e uma das mais antigas do mundo. A usina dispunha de uma barragem que criava uma queda de cerca de 5 m, casa de força abrigando duas máquinas Gramme de 8 CV cada, com 1500 rpm, gerando em corrente contínua, acionadas por uma roda d’água de madeira com 3,25 m de diâmetro. A transmissão era a mais longa do mundo na época, com 2 km de extensão (a trans- missão da primeira usina de Niagara Falls tinha 1,5 km). A energia gerada movimentava duas bombas de desmonte a jatod’água para exploração de diamante e, após pouco tempo, passou a ser utilizada também em iluminação. Essa foi a primeira usina hidroelétrica no Brasil, pioneira de um desenvolvimento impar no século seguinte. No dia 24 de junho de 1883, Dom Pedro II inaugurou, em Campos dos Goytacazes, uma usina termoelétrica dotada de três dínamos, com capacidade total de 52 kW. A iluminação pública contava com 39 lâmpadas de 2000 velas cada. Ao longo de todo Século XIX a iluminação não sofreu sequer uma paralisação noturna, sendo a primeira verificada nas noites de 10 e 11 de junho de 1901. No dia 15 de novembro de 1884, a empresa Real & Portella colocava em funcionamento a iluminação pública da cidade de Rio Claro no Estado de São Paulo, através de 10 lâmpadas de arco voltaico de 2000 velas cada. Em 1887 a empresa Companhia Fiat Lux iniciou um serviço de ilumi- nação pública em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, com energia elétrica gerada por uma termoelétrica com capacidade instalada de 160 kW. Em 1887 foi instalada uma pequena usina termoelétrica no Largo de São Francisco de Paula, no Rio de Janeiro, de propriedade da Companhia Força e Luz. Essa usina manteve uma centena de lâm- padas na região central da cidade com energia produzida por um dínamo de 50 CV. Entretanto, a operação dessa usina teve vida efêmera, não chegando a durar um ano sequer. Também em 1887 entrou em operação a usina hidroelétrica do ribeirão dos Macacos, localizada em Honório Bicalho, atual mu- nicípio de Nova Lima, Minas Gerais. A usina, de propriedade da Compagnie des Mines d’Or du Faria, aproveitava uma queda de cerca de 40 m acionando uma roda d’água de 20 pás que movimentava dois dínamos Gramme com potência total de 500 CV. A energia era destinada às atividades de mineração, iluminação e esgotamento de água nos túneis da mina de ouro e, posteriormente, à iluminação das residências do acampamento da empresa. Ainda em 1887, Dom Pedro II acionou a ligação de 60 lâmpadas da Edison Electric Co. na Exposição Industrial que foi instalada no edifício do Paço, então ocupado pelo Ministério da Viação, na atual Praça 15 de Novembro, no Rio de Janeiro. No dia 7 de setembro de 1889 teve início o emprego da hidroele- tricidade para serviço público no País pela iniciativa de Bernardo Mascarenhas, industrial estabelecido em Juiz de Fora. Nessa data foi colocada em operação no rio Paraibuna, a usina hidroelétrica Marmelos com 252 kW de capacidade em duas unidades gerado- ras acionadas por duas rodas d’água. A barragem, hoje substituída por uma estrutura de concreto gravidade, era um maciço de enro- camento impermeabilizado na face de montante por uma laje de madeira composta de pranchas aparelhadas. A usina encontra-se desativada há décadas, sendo hoje um pequeno museu mantido pela CEMIG à beira da rodovia União Indústria, outro marco histórico do progresso nacional, este devido a Mariano Procópio que obteve do governo imperial concessão para construir e explorar a rodovia inicialmente utilizada por viaturas de tração animal. Em 1893 era colocada em operação a hidroelétrica Luiz Queiroz no rio Piracicaba, na zona urbana da cidade de Piracicaba, São Paulo. Não havia barragem. A adução era feita por um desvio no A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 91 curso do rio próximo à sua margem esquerda. A casa de força abriga quatro unidades de potências e procedências diversas somando 2,88 MW. Em 1895 entrou em operação a hidroelétrica de Corumbataí, no município de Rio Claro, São Paulo. Duas barragens, uma no ribeirão Claro e outra no rio Corumbataí, tinham seus pequenos reservatórios unidos por um túnel escavado em rocha. A casa de força abriga duas unidades de capacidades distintas que somam 1,7 MW. Até a virada do Século XIX para o Século XX as primeiras cidades por unidades da Federação que tiveram serviços públi- cos contínuos de força e luz foram, pela ordem cronológica, Campos dos Goytaca- zes, no Rio de Janeiro (1883), Rio Claro, em São Paulo (1884), Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (1887), Juiz de Fora, em Minas Gerais (1889), Curitiba, no Para- ná (1892), Maceió, em Alagoas (1895) e Estância, em Sergipe (1900). O início do Século XX (até 1913) Na virada do Século XIX para o Século XX a população brasileira de 17 milhões de habitantes era predominantemente ru- ral, situada não muito afastada do extenso litoral nacional e servida por uma rede ferroviária de 14.000 km, uma das mais extensas do mundo na época. A energia representava pouco na economia nacional retratada pelas importações de carvão e de querosene que atingiam a apenas 6% e 2% do total das importações do País. A abundância de lenha e a aparente ausência de reivindicações populares para universalização dos serviços de eletricidade faziam com que não houvesse, por parte do poder público, preocupações com o suprimento de energia. Com uma atividade de exploração puramente extrativista dos recursos florestais com base em desma- tamento da Mata Atlântica de forma dispersa e sem registros oficiais, não se desenvolvia a mineração de carvão e nem se considerava possibilidades da existência de reservas de petróleo. O ambiente político era favorável a concessão a empresas privadas, independente da nacio- nalidade, para serviços públicos e exploração de recursos naturais. Como não havia legislação específica, as concessões de serviços de energia elétrica eram dadas pelo governo central, por governos estaduais e mesmo por governos municipais. Nessa época estavam sendo iniciadas várias atividades de implantação de novos serviços de energia elétrica principalmente no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais por empreendedores nacionais e estrangeiros. Destes últimos, destaque é devido ao grupo que se tornou a São Paulo Light e a Rio Light. A primeira concessão do grupo foi dada pela Câmara Municipal de São Paulo para serviços de transporte urbano em veículos movidos a eletricidade. Essa concessão da São Paulo Railway Light and Power Co. Ltd., formada em Toronto, Canadá, propiciou a vinda do principal executivo Frederick Pearson que trouxe o advogado e empreendedor Figura 1 – Usina hidroelétrica de Marmelos C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 92 canadense Alexander Mackenzie e os engenheiros Hugh Cooper e Robert Brown. A empresa passou a operar no País ao abrigo da autorização concedida em 1895 pelo presidente Campos Sales. Nos últimos anos do Século XIX foram iniciadas as obras da primeira usina hidroelétrica da empresa no Brasil, no rio Tietê, a jusante da cidade de São Paulo, denominada na época Parnaíba, hoje Edgard de Souza, que teria inicialmente 2.000 kW instalados. Essa usina foi sucessivamente ampliada até atingir 16 MW instalados. Seu objetivo inicial era atender às necessidades da rede de transportes urbanos e iluminação da cidade de São Paulo. No Rio de Janeiro a primeira hidroelétrica foi Fontes, instalada pela Light em 1905 com a finalidade de proporcionar iluminação pública e residencial bem como tração para os bondes da capital federal. Em 1908 a usina já tinha 12 MW instalados, sendo ampliada para 24 MW em 1909, tornando-se uma das maiores hidroelétricas do mundo. A barragem era em arco-gravidade situada no alto Ribeirão Das Lajes, com vertedouro de lâmina livre em sua crista. As hidroelétricas que eram instaladas no início do Século XX eram destinadas a suprir de energia elétrica centros isolados, tendo sido instaladas por prefeituras ou por pequenos empresários para atendi- mento às demandas das suas fábricas. Nesses casos, o excesso de energia era destinado à iluminação pública e domiciliar. Desta maneira surgiram os primeiros concessionários privadosnacionais de energia elétrica nas regiões Sul e Sudeste. Com esse perfil de consumo e com os elevados custos da época em que todos os equipamentos eram im- portados, as hidroelétricas eram em geral de portes muito modestos e tinham casas de força em posição remota em relação às barragens. A quase totalidade delas e suas áreas de concessão foram sendo incorporadas por empresas maiores, tendo sido, na quase totalidade, desativadas anos depois. No Estado do Rio de Janeiro nesse início do Século XX destacam- se, a de Lajes, a implantação das hidroelétricas de Piabanha, Hans e Coronel Fagundes. A segunda hidroelétrica instalada no estado foi Piabanha, construída no rio Piabanha pelos Guinle em 1908. A barragem é uma soleira vertedoura de gravidade em pedra arga- Figura 2 - Barragem e Reservatório de Lajes A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 93 massada com 25 m de extensão e altura de 6,7 m. A casa de força abriga duas unidades Francis duplas gêmeas de 3 MW cada. Em 1911 os Arp instalaram a hidroelétrica de Hans no ribeirão Santo Antônio, em Muri, município de Friburgo com o objetivo de suprir a fábrica de linhas de energia, tendo assumido em seguida a concessão de serviço público do município. A barragem é em con- creto gravidade com soleira vertente livre e a casa de força abriga uma unidade Francis horizontal de 294 kW. Em 1912 os Guinle implantaram a hidroelétrica de Coronel Fagundes no rio Fagundes, município de Paraíba do Sul, muito próxima à hidroelétrica de Piabanha. Nessa obra trabalhou o en- genheiro Flavio Lyra, pai do então menino Flavio Henrique Lyra que brincava no canteiro de obra e já se familiarizava com barra- gens e hidroelétricas, campo de conhecimento em que se tornaria uma das mais altas expressões mundiais a partir da segunda metade do Século XX. A barragem é em gravidade de pedra ar- gamassada e concreto, com altura de 13 m e 80 m de extensão. Figura 3 - Casa de Força de Fontes C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 94 Nos 30 m centrais a barragem é vertedoura em crista livre. A casa de força abriga duas unidades Francis de eixo horizontal de 2,4 MW cada. No início do Século XX em Minas Gerais destacam-se as hidroelétricas de Maurício e Tombos. A hidroelétri- ca de Maurício foi implantada em 1908 no rio Novo, município de Leopoldina pela Cia. Força e Luz Cataguazes-Leopoldina. A construção foi supervisio- nada pelo engenheiro Otávio Carneiro, assessorado pelos engenheiros Pedro Leivas, Alfredo do Paço, Osvaldo Lynch e Henrique Fox Drumond. A barragem com 6 m de altura era vertedoura com crista livre situada na crista da cachoeira da Fumaça. A potência instalada era de 1,3 MW. Em 1912 foi instalada a usina hidroelétrica de Tombos no rio Carangola, município de Tombos. A barragem, situada na crista da cachoeira de Tombos, é em concreto gravidade de peque- na altura, constituindo-se em vertedouro de soleira livre. A casa de força abriga dois grupos geradores num total de 2,88 MW instalados. No estado do Paraná há referência à hidroelé- trica Serra da Prata, instalada por ingleses em 1910 na vertente da Serra do Mar em Paranaguá. Com capacidade de 510 kW, a hidroelétri- ca passou em 1932 da Cia Melhoramentos Urbanos de Paranaguá para a Cia Melho- ramentos Paulistas, para a prefeitura de Paranaguá, para o Departamento de Águas e Energia Elétrica e para a COPEL, sendo desativada em 1970. Em 1911 foi inaugurada a hidroelétrica de Pitangui para suprir de energia elétrica a cidade de Ponta Grossa. Figura 4 - Barragem de Piabanha. Os contrafortes em primeiro plano são reforços recentes Figura 5 - Barragem de Coronel Fagundes A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 95 Em Santa Catarina, para suprimento de Blumenau, entrou em operação em 1913 a primeira unidade da hidroelétrica de Salto Weissbach no rio Itajaí Açú. A barragem é uma soleira vertedoura de altura apenas suficiente para promover a derivação de parte das descargas para a tomada d’água que conduz as águas captadas para as turbinas que são alojadas em casa de força abrigada na margem direita. As turbinas de fabricação J.M. Voith são Francis gêmeas de eixo vertical com potência de 1470 kW cada sob a queda nominal de 10,5m com engoli- mento de 19,4 m³/s. No estado do Rio Grande do Sul as primeiras barragens que se tem notícia para produção de energia elétrica foram construídas a partir de 1911 e entraram em operação em 1912. A barragem Inglês com 4 m de altura e 55 m de extensão, em alvenaria de pedra e concreto ciclópico foi implantada no município de Cruz Alta tendo sua casa de força a potência instalada de 268 kW e a barragem Picada 48, com apenas 2,7 m de altura e 41,5 m de comprimento, em alvenaria de pedra, foi construída no município de Dois Irmãos tendo sua usina a capacidade de 200 kW. O Estado de São Paulo se destaca nos primeiros anos do Século XX por um expressivo números de pequenas hidroelétricas como as usinas de Santa Alice que começou a operar a partir de 1907, as usinas de Socorro, Rio Novo e Monjolinho, em 1909, Itatinga, São Valentim e Marmelos II em 1910, Capitão Preto, Macaco Branco, Salto Pinhal, San Juan, São Joaquim e Brotas, em 1911, Salto Grande, Bocaina, Votorantim, Chibarro, Esmeril, Turvinho Batista e Sodré, em 1912, Gavião Peixoto, Boa Vista e Quilombo, em 1913. As barragens dessas usinas eram de altura modesta, em geral de gravi- dade em alvenaria de pedra, poucas com contrafortes localizados. A maioria dos vertedouros era sem controle, sendo soleiras li- vres implantadas nos leitos dos rios. A maioria dessas usinas tinha menos do que 1000 kW instalados em sua primeira etapa, a metade delas tive ampliações de capacidade instalada em etapas poste- riores, mas sempre ficando com potências inferiores a 6 MW. Desse conjunto de usinas pioneiras, as hidroelétricas de Monjolinho, Marmelos II, Salto Pinhal e Bocaina foram desativadas nos anos oitenta e noventa do século passado. O destaque dentre essas usinas é Itatinga, com cinco unidades Pelton com potência nominal de 3 MW cada sob 640 m de queda bruta, mas apresentando no conjunto, 10 MW de potência efetiva. A usina encontra-se implantada na vertente oceânica da Serra do Mar, envolvida por densa floresta da Mata Atlântica, no município de Figura 6 - Barragem vertedoura e canal de adução de Tombos Figura 7 – Usina hidroelétrica de São Valentim C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 96 Figura 8 – Usina hidroelétrica de Brotas Figura 9 – Usina hidroelétrica de Gavião Peixoto Figura 10 – Usina hidroelétrica de Boa Vista A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 97 Bertioga, SP. O reservatório é formado por duas barragens de alvenaria de pedra argamassada com vertedouro de so- leira l ivre. O conjunto arquitetônico da casa de força é majestoso, sendo o acesso o mesmo utilizado desde o início das obras em 1890, feito por via férrea a partir da margem direita do rio Itapanhau, próximo à rodovia BR-101. A usina foi implantada com o objetivo principal de suprir o porto de Santos de energia elétrica. Em 1913 entra em operação a primeira hidroelétrica do Nordeste Angiquinho, construída por Delmiro Gouveia na margem alagoa- na da cachoeira de Paulo Afonso, com 1,1 MW instalados. A casa de força foi implantada no trecho médio da escarpa granítica da margem esquerda do salto principal. A energia produzida era dire- cionada para a fábrica de linhas e para a vila residencial na localidade de Pedra, hoje Delmiro Gouveia. Essas pequenas hidroelétricas aproveitando quedas d’água naturais e operandoseus reservatórios a fio d’água, tiveram expressivo desenvolvimento nos primeiros anos do Século XX, tendo passado de 306 em 1920 para 1009 em 1930. Referências Dias Leite, A. – A Energia do Brasil, 1997. Memória da Eletricidade - Reflexos da Cidade, 1999. Miguez de Mello, F. – A Century of Dam Construction in Brazil – Comitê Brasileiro de Grandes Barragens, 1979. Miguez de Mello, F. – Brazilian Development in Engineering for Dams – Comitê Brasileiro de Grandes Barragens, 1982. Miguez de Mello, F. – The Development of the Brazilian Dam Engineering - Main Brazilian Dams III, Comitê Brasileiro de Barragens, 2009. Prado Junior F.A.A. Ee Amaral C.A. – Pequenas Centrais Hi- drelétricas no Estado de São Paulo Governo do Estado de São Paulo, 2000 Prado Jr., F. A. A. e Amaral, C. A. – Pequenas Centrais Hidrelé- tricas no Estado de São Paulo – Comissão de Serviços Públicos de Energia, 2000. Saveli, M. - Sinopse Histórica da Eletricidade no Brasil, 1976. Figura 11 – Usina hidroelétrica de Angiquinho C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 9898 99 Usina Hidroelétrica de Marmelos Adelaide Linhares de Carvalho Carim Introdução O Brasil foi um dos pioneiros na exploração da energia elétrica. Essa história iniciou-se no final do século XIX, quando Dom Pedro II inaugura, em 1879, na Estação Central da Estrada de Ferro D. Pedro II, atual Estrada de Ferro Central do Brasil no Rio de Janeiro, a primeira instalação de iluminação elétrica permanente do país, em substituição aos 46 bicos de gás existentes. Neste mesmo ano Thomas Alva Edison havia construído a primeira central elétrica para utilização na iluminação pública na cidade de Nova Iorque. Em 1881, foi instalada pela Diretoria Geral dos Telégrafos a primei- ra iluminação externa pública do país, em trecho da atual Praça da República, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1883 o imperador Dom D. Pedro II inaugurou, na cidade de Campos (RJ), o primeiro serviço público municipal de iluminação elétrica do Brasil e da América do Sul. A energia era fornecida por uma usina termoelétrica. Em Minas Gerais, o interesse pela nova fonte de energia intensificou- se. Empresas de mineração e fábricas têxteis promoveram, nesse período, a construção de unidades de produção de energia hidroelétrica visando a autoprodução. No ano de 1883 entrou em operação a primeira usina hidroelétrica no país, localizada no Ribeirão do Inferno, afluente do rio Jequitinhonha, na cidade de Diamantina, destinada à extração de minério na região. Esta usina foi desativada cento e quatro anos mais tarde em 1987. Posterior- mente mais algumas usinas entram em operação; em 1885 a Usina Hidroelétrica da Companhia Fiação e Tecidos São Silvestre, no município de Viçosa, a Usina Hidroelétrica Ribeirão dos Macacos, em 1887, ambas em Minas Gerais e a Usina Termoelétrica Velha Porto Alegre, em 1887, no Rio Grande do Sul. Mas a primeira hidroelétrica de maior porte construída na América do Sul, destinada à produção de energia para utilidade pública, foi a Usina Hidroelétrica Marmelos no rio Paraibuna, às margens da estrada União e Indústria, na cidade de Juiz de Fora (MG). A usina de Marmelos, hoje Marmelos-Zero, entrou em operação em Usina Hidroelétrica de Marmelos Figura 1 - “Marmelos Zero” - Primeira Usina Hidroelétrica da América do Sul destinada à produção de energia para utilidade pública C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 100 5 de setembro de 1889, por iniciativa do industrial Bernardo Mascarenhas, dois meses antes da proclamação da república e apenas 7 anos depois da hidroelétrica de Appleton em Wisconsin na America do Norte. Bernardo Mascarenhas foi o responsável pela instalação de Marmelos, marco zero da energia hidroelétrica no Brasil, e fundador da já extinta CME - Companhia Mineira de Eletri- cidade em 1888. A Companhia Mineira de Eletricidade foi de extrema importância para a industrialização de Juiz de Fora. A cidade de Juiz de Fora no final do século XIX A inauguração da usina de Marmelos veio se somar ao pioneiris- mo desta cidade, que começou a ser escrito quando o bandeirante Garcia Dias Paes traçou o chamado Caminho Novo que passava pela margem do Rio Paraibuna, para ligar o porto do Rio de Janeiro até a principal região mineradora (Vila Rica, Sabará, Mariana, Diamantina e tantas outras). Ao longo deste caminho, às margens do Paraibuna, foram erguidos pequenos povoados, como Matias Barbosa, Santo Antônio do Paraibuna - que em 1965 se tornava Juiz de Fora - Barbacena e outras. Estes eram locais de descanso dos tropeiros que passavam pela região. Por meio deste caminho que efetivamente a história de Juiz de Fora se inicia. Juiz de Fora prosperou grandemente devido à cafeicultura; havia grandes fazendas de café que eram as bases da economia local. Com a cafeicultura, novos investimentos foram trazidos para a ci- dade, como a Rodovia União Indústria, construída pelo engenheiro Mariano Procópio Ferreira Lage e pela Companhia União Indús- tria, em 1861. Neste ano, Dom Pedro II e representantes ilustres da Corte e da Companhia União Indústria percorreram em di- ligência os 144 quilômetros da primeira rodovia macadamizada brasileira, entre as cidades de Petrópolis e Juiz de Fora. Sua inau- guração trouxe a mão de obra qualificada dos imigrantes alemães, que iniciaram o processo industrial da cidade, com a inserção de Figura 2 - Juiz de Fora em 1875 A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 101 algumas fábricas. Mais tarde vieram os italianos e com eles am- pliaram outros setores como o comércio e a prestação de servi- ços. A estrada deu origem também ao primeiro guia de viagens do Brasil, escrito pelo alemão Revert Henrique Klumb, fotógrafo do imperador, e intitulado “Doze Horas em Diligência - Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora”. A Estrada União Indústria existe até hoje em vários e extensos trechos, tendo sido substituída como ligação rodoviária entre Petrópolis e Juiz de Fora pela BR-040. Posteriormente, a construção da ferrovia Dom Pedro II em 1875, promoveu a comunicação entre a cidade e a corte, que ficava neste momento no Rio de Janeiro. Outro beneficio da estrada foi a melhoria no escoamento da produção cafeeira da Zona da Mata Mineira até o Rio de Janeiro. Em 1878 funcionavam seis estabelecimentos de ensino, em 1881 ganhava telégrafo, fórum e jornais. Em 1980 os serviços urbanos foram ampliados com bondes de tração animal, telefones urbanos, em 1883, e em 1884, o telégrafo. Em 1888 Juiz de Fora ganhava a Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas e o Banco de Crédito Real, e em 1889 a primeira usina hidroelétrica para iluminação pública da América do Sul. Todos estes empreendimentos foram realizados por iniciativa do industrial Bernardo Mascarenhas. A cidade de Juiz de Fora se ilu- minava para o mundo, antes mesmo até que algumas importantes cidades européias. As figuras a seguir mostram Juiz de Fora em 1893 e a Av. Barão de Rio Branco em 1903 ambas pertencentes ao acervo do Museu Mariano Procópio. Figura 3 - Panorâmica de Juiz de Fora – 1893 Figura 4 - Av. Barão de Rio Branco -1903 C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 102 Bernardo Mascarenhas Bernardo Mascarenhas nasceu em 1846, na fazenda São Sebastião, região de Curvelo, filho de Antônio Gonçalves da Silva Masca- renhas e de Policena Moreira da Silva Mascarenhas, é o décimo filho dentre os 13 filhos do casal. Aos 12 anos iniciou seus estudos no colégio Caraça, considerado à época, um dos melhores de Minas Gerais. Com 18 anos, recebeu de seu pai 26contos de reis, como fazia com os demais filhos ao completar esta idade, dinheiro para iniciar a vida como criador de gado e comércio de sal. A partir da experiência adquirida com os teares de madeira, tocados a mão na fazenda de seu pai, convida dois irmãos para montarem em sociedade uma indústria têxtil, utilizando as mais novas tecnologias da época. Para aprender sobre tecelagem, viajou para os Estados Unidos onde ficou por 1 ano e meio. Neste período estudou idiomas, mecânica, física, visitou fábricas, adquiriu os maquinários desejados e voltou para o Brasil e, no ano de 1872 em Sete Lagoas, inaugurou as instalações da fábrica têxtil da companhia Cerdo. Alguns anos mais tarde, viaja para a Europa e Estados Unidos com a incumbên- cia de atualizar-se, adquirir novos equipamentos e conhecer a utili- zação da eletricidade na indústria textil. É criada então em Curvelo a companhia Cachoeira (1877). Em 1882 foi aprovada a lei das sociedades anônimas no Brasil e em 1883 fez-se a fusão das empresas (Cedro e Cachoeira), constituindo a primeira S.A. privada no país. Figura 5 - Bernardo Mascarenhas Figura 6 - Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas inaugurada em maio de 1888 A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 103 Bernardo Mascarenhas mudou-se para Juiz de Fora em 1886 e ad- quiriu o terreno próximo do Rio Paraibuna e da Rodovia União Indústria, onde pretendia montar uma indústria de tecidos. Neste local, mais tarde, seria erguida a primeira usina hidroelétrica da Amé- rica do Sul. O empresário adquiriu outro terreno perto da estação ferroviária, local mais propício para o escoamento da produção de tecidos. A antiga Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas apre- senta rigorosa simetria com um corpo central em três pavimentos e ladeado por suas extensas alas horizontais em dois pavimentos. Bernardo Mascarenhas buscava outras fontes de energia em substituição à energia usada que até então era à base de que- rosene. Em 1886, Mascarenhas e o banqueiro Francisco Batista de Oliveira recebem aprovação junto à câmara muni- cipal para explorar a Cachoeira dos Marmelos para produção elétrica e a concessão para a iluminação da cidade e obteve a revisão do contrato original, tendo em vista o uso da iluminação elétrica, em substituição à iluminação a gás. “Me conside- rarei muito feliz se for o primeiro a transmitir força elétrica, pratica- mente utilizável, no Brasil ou talvez na América do Sul” (trecho da carta de Mascarenhas em 1887). Bernardo Mascarenhas projetou e especificou a usina, fazendo um esboço de próprio punho de como ela seria, aproveitando os recursos naturais de seu terreno, que se localizava próximo à cachoeira de Marmelos. Doou este terreno para a CME Compa- nhia Mineira de Eletricidade, também fundada por ele em janeiro de 1888. A CME foi a responsável pela construção da usina de Marmelos Zero e foi presidida por Mascarenhas até seu falecimento. No dia 22 de agosto de 1889, foi realizada a primeira experiência com a eletricidade e em 5 de setembro de 1889 ocorreu a inaugu- ração oficial. A nova usina além de atender à iluminação pública da cidade atenderia as máquinas da Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas, inaugurada em maio de 1888. Bernardo Mascarenhas faleceu no dia 9 de outubro de 1899 de um ataque cardíaco fulminante. “A fábrica de eletricidade será provida de dois excelentes dína- mos movidos por duas turbinas verticais ou de eixos horizontais, devendo ter força bastante para alimentar 50 lâmpadas de arco de 1000 velas e quinhentas ditas incandescentes de 16 velas.” (Trecho de memorial de Bernardo Mascarenhas para Max Nothman & Co., encomendando o material para a usina) Figura 7 - Esboço da hidroelétrica Marmelos Zero por Bernardo Mascarenhas C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 104 Posteriormente, foram montadas outras usinas no mesmo local para atender inteiramente à crescente demanda de consumo, como será descrito em seguida. O edifício da Cia. Mineira de Eletricidade, denominado “Castelinho”, foi construído em 1890, quando ocorreu a inauguração do motor elétrico, que iria ser colocado na fábrica Bernardo Mascarenhas como força propulsora. A edificação, em dois pavimentos, lembra a arquitetura medieval . Descrição geral da usina Geologia A geologia ao longo do rio e suas margens é constituída por afloramentos de rochas charnockíticas, gnáissicas, granulitos e anfibolitos do Complexo Juiz de Fora e parte do embasamento Pré-Cambriano indiferenciado, ambos de idade Pré-Cambriana. As rochas charnockíticas são gnaisses que sofreram desidratação e descalcinação durante metamorfismo de alta temperatura e pressão média a alta (fácies granulito). Este complexo charno- ckítico acha-se intercalado por faixas com espessuras variádas de granulitos, migmatito, quartzito e entrecortados por diques de anfibolito, gabro e outras rochas básicas e ultrabásicas. As rochas do complexo charnockítico e do embasamento crista- lino possuem sistemas de fraturas, planos de fraqueza e a típica esfoliação esferoidal que se interceptam originando blocos de rocha sã de dimensões variadas, disseminados no manto intempe- rizado ao longo das encostas e principalmente soltos no leito do rio Paraibuna. Nas ombreiras e encostas da barragem é comum um manto de solo de 5 a 10 m de espessura. O solo residual é constituído de areia siltosa, de cor amarelada com alto grau de erodibilidade. De modo geral, o relevo nas proximidades das usinas caracteriza-se por altas colinas de topos arredondados, vertentes concavo-convexo e drenagem dentrítica. Figura 8 - Usina de Marmelos - Primeira usina hidroelétrica da América do Sul destinada à produção de energia para utilidade pública e força motriz para indústria Figuras 9 e 10 - Edifício da Cia. Mineira de Eletricidade, denominado “Castelinho”. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 105 Localização e dados técnicos históricos A usina hidroelétrica de Marmelos está localizada no rio Paraíbuna, afluente do rio Paraíba do Sul a 7 km de Juiz de Fora e a 290 km de Belo Horizonte MG, tem como coordenadas geográficas Latitude 21º 43’ Sul e Longitude 43° 19’ Oeste. A usina foi projetada inicialmente com uma capacidade de geração de 250 kW distribuída em dois grupos geradores monofásicos de 125 kW, fabricados pela Westinghouse, operada sob tensão de 1000 Volts, na frequência de 60 Hz. Um terceiro grupo gerador com a capacidade de 125 kW foi ins- talado em 1892, quando Juiz de Fora possuia 180 lâmpadas na iluminação pública e 700 para uso particular. Esta usina, denomi- nada Usina Zero, foi desativada em 1896, após a inauguração de Marmelos 1, construída pouco abaixo da usina desativada. Marmelos 1 contou inicialmente com duas unidades geradoras bifásicas de 300 kW cada, acionadas por turbinas Francis. Em 1898, a usina iniciou o fornecimento de energia para a fábrica de Mascarenhas após a aquisição do primeiro motor elétrico instalado no Brasil. Este motor de 30 HP de potência era de fabricação da Westinghouse. Outro motor elétrico de 20 HP, de fabricação ital iana, foi adquirido na ocasião pela f irma Pantaleone Arcuri & Timponi. O acionamento elétrico dessas fábricas representou à época outro marco histórico, pois a maioria das indústr ias têxteis era movida a vapor com complicados sistemas de transmissão para as máquinas e muitas ainda eram acionadas por rodas d’água. Nesta época, a cidade de Juiz de Fora passou a viver um intenso desen- volvimento industrial o que demandava aumento na oferta de energia. Em 1905 foi instalada a terceira unidade com capacidade de 300 kW, no momento em que a CME adquiria a companhia debondes de tração animal de Juiz de Fora, visando transformá-la em linhas elétricas. Em 1910, Marmelos atinge a potência de 1200 kW com a entrada em operação da quarta máquina de fabricação da Westinghouse, como as demais. Em 1915 o engenheiro Asdrúbal Teixeiras de Souza projetou a segunda usina Marmelos 2, que foi inaugurada inicialmente com dois grupos geradores de 600 kW de potência cada, fabricados pela empresa americana General Electric e turbinas tipo Francis de 1000 HP, fabricadas pela alemã J. M. Voith. A casa de força foi construída em prédio contíguo ao da usina Marmelos 1. Com o aumento da geração a CME ampliou sua área de influência na Zona da Mata Mineira, tornando-se concessionária dos serviços de eletricidade de Matias Barbosa, Mar de Espanha, Bicas e Guarará. Em 1921 e 1922, ampliou-se a potência da usina de Marmelos 2 com a instalação da terceira e quarta unidades geradoras, com capacidade de 600 kW cada uma com as mesmas características técnicas das duas anteriores. Em 1948, foi construída a quinta unidade, com capacidade de 1600 kW, instalada em uma casa de força adjacente à Usina 1, sendo denominada Usina 1-A. Esta unidade geradora era composta por uma turbina tipo Francis dupla, fabricada pela empresa americana James Leffel e um gerador de fabricação da General Electric. Marmelos 2 passou então a dispor de capacidade instalada de 4.000 kW. Em 1952, dois anos após a construção da usina de Joasal, também em Juiz de Fora, última usina construída pela CME, a usina de Marmelos 1 foi desativada. A usina de Marmelos como é denominada atualmente é com- posta pelas antigas Usinas 2 e 1-A e passou a ser operada pela CEMIG em 1980, quando obteve a sua concessão através do decreto MME 700725 de 08/07/80. As figuras a seguir ilustram os equipamentos eletromecânicos da usina de Marmelos. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 106 Figura 12 -Turbina e gerador da unidade 5 da antiga Usina 1 A Figura 11 - Interior da casa de força da antiga Usina 2 de Marmelos Figura 13 - Gerador da unidade 1 a 4 da antiga Usina 2 A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 107 Figura 15 - Regulador de velocidade da excitatriz Usina 2 Figura 14 - Excitatriz nº 2 semelhante a uma unidade geradora hidráulica - Usina 2 Figura 16 - Painel original das unidades 1 a 4 e excitatrizes 1 e 2, inoperante C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 108 Arranjo geral atual A barragem para a formação do reservatório operado a fio d’água é constituida por uma estrutura do tipo gravidade em alvenaria de pedra com 51 m de extensão e altura máxima de 7,5 m, fundada em rocha sã pouco fraturada. O arranjo da barragem partindo da ombreira esquerda para a direita se constitui por uma descarga de fundo de acionamento motorizado (2,5 x 2,5 m), seguida por um vertedouro de crista livre com 20 m de comprimento, e por um trecho, tam- bém em alvenaria de pedra, onde estão localizadas a antiga tomada de água para o canal de adução da usina Zero e a tomada de água do túnel de adução da usina de Marmelos. O circuito hidráulico de geração, localizado na margem direita, é composto por um túnel escavado em rocha, seguido por um canal de adução e duas tubulações forçadas que conduzem a água até as unidades geradoras, vencendo um desnível de 51 m entre o nível máximo do reservatório e o eixo das tubulações forçadas na entrada das turbinas. Barragem e vertedouro A barragem é do tipo gravidade, de alvenaria de pedra, com um trecho em crista livre vertente com comprimento de 20 m e vazão de 134 m³/s. Possui uma descarga de fundo motorizada (2,5 x 2,5m), com capacidade de 58 m³/s, localizada na margem esquerda. Sobre o vertedouro existe uma passarela que possibili- ta a colocação de flash-boards de até 2,5 m de altura divididos em 10 vãos ao longo de todo o comprimento da estrutura, que permitem o aumento da capacidade do reservatório em períodos secos. Tomada de água A tomada de água do túnel adutor, localizada na margem direita, é uma estrutura em alvenaria de pedra possuindo uma comporta moto- Figura 17 – Vista aérea de montante da usina Figura 18 - Vista de jusante da barragem e do descarregador de fundo na margem esquerda. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 109 rizada tipo deslizante (4,50 x 4,20 m) formada por painéis de madeira. Próximo a essa estrutura existe um descarregador de fundo. Canal de adução desativado Localizado e incorporado à barragem, na sua margem direita e junto à tomada de água do túnel adutor, possui uma comporta de madeira acionada manualmente e muro em alvenaria de pedra. Túnel e canal de adução O túnel adutor tem extensão de 215,80 m e seção em ferradura com 10 m², totalmente escavado em rocha e revestido lateralmente com concreto. Na continuação do túnel existe um canal de adução com 283,40 m de extensão, dos quais 94,40 m são a céu aberto. O trecho coberto, 189 m, situado sob a rodovia, tem seção em ferra- dura semelhante à do túnel. O trecho a céu aberto, em alvenaria de pedra, tem seção de 3,60 x 3,20 m. Câmara de carga Entre o canal de adução e as tubulações forçadas, o circuito hi- dráulico de geração conta com uma câmara de carga em alvenaria de pedra. Possui duas comportas na tomada de água, operadas manualmente, e uma terceira comporta para a regularização do nível de água. Na parte direita da estrutura existe um vertedouro complementar, cujas vazões são absorvidas por um canal de concreto. Tubulações forçadas Existem duas linhas de tubulações forçadas partindo da câmara de carga, uma com diâmetro de 1,30 m (tubulação 1) e outra com diâmetro de 1,50 m (tubulação 2). O comprimento de cada uma delas é de 125,40 m, em planta. Na tubulação nº 2 existe uma bi- furcação com diâmetro de 1,30 m e 81,44 m de comprimento, que alimenta a unidade geradora nº 5, situada na Casa de Força 1-A. Casa de força As estruturas da usina de Marmelos (Marmelos Zero, Marmelos 1, Marmelos 1A e Marmelos 2) estão localizadas ao longo do rio Pa raibuna e foram assentadas em maciços rochosos sãos. A casa de força da usina de Marmelos, em alvenaria de pedra, é formada por dois blocos distintos: um deles, com área total de 273 m², abriga quatro unidades geradoras de 600 kW cada e casa de força da antiga Usina 2. As turbinas são tipo Francis, de eixo horizontal e engolimento de 1,9 m³/s. O outro bloco, que foi a casa de força da Usina 1-A, possui uma área total de 201,76 m², abriga uma unidade geradora de 1600 kW. A turbina é tipo Francis, de eixo horizontal e engolimento de 4,67 m³/s. A casa de força da antiga Usina 1, também em alvenaria de pedra, hoje é utilizada como almoxarifado. A casa de força de Marmelos Zero foi edificada em nível abaixo da Estrada União e Indústria. Suas paredes são em alvenaria de tijolos maciços aparentes, sobre embasamento de pedra, sendo vazadas por vãos com vergas em arcos abatidos em seqüência ritmada. A cobertura de duas águas é recoberta por telhas francesas e tem os beirais ornamentados por lambrequim. Uma pequena torre de seção quadrada e telhado de quatro águas marca a construção. Hoje é Museu da Usina de Marmelos. Canal de fuga As paredes do canal de fuga das antigas Usina 1-A e Usina 2 são em alvenaria de pedra. A Figura 19 a seguir é uma vista geral da usina de Marmelos (casas de força e tubulações forçadas). O Museu Usina de Marmelos Zero A CEMIG (na época Centrais Elétricas de Minas Gerais) adquiriu a usina em 1980. A usina de Marmelos Zero se transformou em C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 110 1983 num espaçocultural e museu, após seu tombamento, neste mesmo ano, pelo Patrimônio Histórico Artístico e Cul- tural do município de Juiz de Fora. Em 2005, a usina ganhou um segundo tombamento, desta vez, concedido pelo Insti- tuto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA). Esses tombamentos demonstram a suma rele- vância de sua preservação como um prédio histórico. O acervo do museu é composto por objetos particulares de Mascare- nhas, livros de ata e contabilidade dos primeiros acionistas da CME, contas de luz, rascunho da planta da usina, máquina de escrever e de calcular, teodolito, tripés de madeira, painel de controle de energia e uma réplica de um gerador utilizado na época, cuja fabricação era da Westinghouse, além de várias fo- tografias que mostram a construção da usina, assim como fotos de Bernardo e sua família e painéis com pequenos textos informativos. O museu tem como propósito preservar a memória tecnológica e científica da cidade, assim como desta- car a figura importante de Bernardo como sendo o precursor desta idealização e realização deste sonho, no qual a cidade de Juiz de Fora foi escolhida para ser a primeira a se iluminar. Desde o ano 2000, a administração do museu está a cargo da Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF. O convênio firmado entre a UFJF e CEMIG (atualmente Companhia Energética de Minas Gerais) tem como meta aprimorar o atendimento ao público que visita o museu, mantendo-o aberto diariamente. O Museu Usina Marmelos Zero encontra-se localizado às mar- gens da Rodovia União-Indústria, no bairro Retiro, próximo ao trevo da cidade de Bicas. Está aberto das 8:30 h às 17:00 h, in- clusive nos finais de semana e feriados. De segunda a sexta-feira podem ser agendadas visitas monitoradas por acadêmicos da UFJF, por meio do telefone (31) 3229-7606. O prédio da fábrica de tecidos de Mascarenhas também se encon- tra preservado. Após a morte de Mascarenhas o prédio passou por Figura 19 – Vista geral das casas de força da usina hidroelétrica de Marmelos: antigas casa de força 1, 2 e 1A. Figura 20 - Museu de Marmelos Zero (antiga casa de força Marmelos Zero) A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 111 ampliações e modernizações. A fábrica encerrou suas atividades em janeiro de 1984, deixando como patrimônio sua sede, que foi utilizada para pagamento de dívidas junto ao governo. A mo- bilização de artistas, jornalistas e intelectuais fizeram com que o imponente prédio, localizado na Avenida Getúlio Vargas 200, fosse transformado em um centro cultural em 1987. Referências CEMIG – Inventário civil – SR/SE Usina Hidrelétrica de Marmelos Relatório Final Novembro 1983. CEMIG - Usina de Marmelos - Estudo de Viabilidade de Recapacitação e Modernização - 1ª Etapa : Diagnóstico da Situação Atual da Instalação - Setembro 1993. Cemig Notícia – Mais Energia Para uma Grande Cidade Juiz de Fora - Edição Especial Junho de 1980. Umada, Fernanda Borges Ferreira Murilo Keith - História das Hidrelétricas no Brasil - Universidade Tecnológica Federal do Paraná Campo Mourão, 2009. Lima, Silvânia Duarte – Educação e Turismo uma Forma de Conhecer a História da Usina de Marmelos – Departamento de Geociências – UFJF, 2001 http://www.memoria.eletrobras.com/index.asp http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da- eletricidade-no-brasil/historia-da-eletricidade-no-brasil-5.php http://www.ebah.com.br/historia-das-hidreletricas-no-br- pdf-a91646.html www.pjf.mg.gov.br/patrimonio/usina_marmelos.htm www.ufjf.br/centrodeciencias/museu-usina-marmelos-zero/ http://wikimapia.org/701437/pt/Usina-Marmelos http://www.conotec.com.br/juizdefora.html http://www.asminasgerais.com.br Figura 22 - Canal de adução desativado Figura 21 - CCBM - Centro Cultural Bernardo Mascarenhas C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s Usina hidroelétrica de Angiquinho na cachoeira de Paulo Afonso em diferentes regimes do rio São Francisco 113 Usina Hidroelétrica de Angiquinho Aurélio Alves de Vasconcelos Usina Hidroelétrica de Angiquinho Introdução Inaugurada em 26 de janeiro de 1913, Angiquinho foi a primeira usina hidroelétrica do Nordeste, localizada na margem alagoana da cachoeira de Paulo Afonso, no Rio São Francisco, próximo ao atual Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, operado pela Chesf. A Usina Hidroelétrica de Angiquinho tinha capacidade de gerar 1.500 HP (1.102 KW), constituída por três grupos geradores sendo o primeiro de 175 kVA, o segundo de 450 kVA e, o último, de 625 kVA, aproveitando uma queda d’água de uma altura de 42 metros, com tensão de saída em 3.000 Volts. Tinha como objetivo fornecer energia elétrica a indústria têxtil Companhia Agro Fabril Mercantil de propriedade do industrial Delmiro Gouveia, localizada na cidade de Pedra, no estado de Alagoas, atual Delmiro Gouveia em sua homenagem. Sua energia era suficiente para suprir, além da indústria, a bomba d’água que abastecia a cidade, distante aproximadamente 24 km da cachoeira, e também a Vila Operária da fábrica. A usina ocupa- va uma área de 253 hectares e possuía dois conjuntos de instalações, um com 11 casas e 1 escola, e outro com 2 casas, almoxarifado, subestação elevadora, casa de bomba e escada de acesso à casa de força. A partir de 30 de novembro de 2006, as edificações com o acervo interno e externo e toda a área do Complexo de Angiquinho foi tombado e integrado ao Patrimônio Histórico Artístico e Natu- ral do Estado de Alagoas. O ousado projeto, que continua de pé no meio da caatinga, com sua casa de força encravada nas rochas Figura 1 – Vista geral da Usina Hidroelétrica de Angiquinho C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 114 íngremes nas margens do cânion do rio São Francisco, levou o desenvolvimento para a região que até então só conhecia a luz tênue de candeeiro. Hoje, Angiquinho, além de ser área de preservação cultural, é um pólo de turismo histórico, educacional, ambiental e cultural. Resgata e cria uma grande oportunidade para todos que desejam conhecer a história da eletricidade do Brasil. Figura 2 – Casa de força da Usina Hidroelétrica de Angiquinho Figura 3 - Guindaste usado na fase de construção e montagem da casa de força A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 115 História No início do século XX, coube ao capitalista Delmiro Gouveia (1863- 1917), com sua proeza de transformar as idéias em realidade, construir o empreendimento pioneiro no campo da hidroeletricidade em pleno sertão nordestino, a Usina Angiquinho, cuja finalidade seria fornecer energia para a fábrica têxtil produtora das linhas Estrela, bem como iluminar sua Vila Operária, ambas da Pedra, no sertão alagoano. Fugido do Recife por desavenças políticas, ele buscou refúgio em Alagoas, onde foi bem recebido pela oligarquia local. Delmiro Gouveia refugiou-se no sertão alagoano, precisamente em 1903, quando fixou residência no vilarejo denominado Pedra, onde, em breve, seria instalado um curtume para armazenar peles. Logo, consegue recuperar a fortuna perdida no Recife, com investimentos no comércio exportador de “courinhos” (artigos de pele de bode e cabra) e com amparo financeiro de ricos financiadores norte- americanos. Tomado pelo ímpeto de realizar proezas, sua vida não seria senão uma conseqüência da prática de ousar. Inicialmente, Delmiro procurou sondar as potencialidades da região para poder colocar em ação a realização de seu sonho. Por volta de 1909, recebeu uma delegação de técnicos norte-americanos, em caráter sigiloso, para estudos no rio São Francisco e na cachoeira de Paulo Afonso, chefiada pelo capitalistaMr. Moore e sob a supervisão técnica do engenheiro Stewart. Sabe-se que os estudos contemplaram a viabilidade do aproveitamento hidrelétrico de um trecho do rio, em virtude do surgimento de condições técnicas e econômicas. Confirmadas as vantagens, restou acertar as condições comerciais, visando uma cooperação sob a forma de joint-venture, constituída com capital nacional e estrangeiro, cujo objetivo principal era “empreender, em grande escala, o aproveitamento e exploração do vale do rio São Francisco, ou seja, a industrialização da energia hidroelétrica da cachoeira de Paulo Afonso e um vasto plano agrícola-industrial conexo”. Assim, o referido projeto consistia em abastecer e iluminar ci- dades da região, além de mover indústrias próximas à cachoeira e a outros planos de irrigação de terras locais. Apesar dessas conside- rações, os norte-americanos só participariam, de fato, com a expressa autorização dos estados fronteiriços ao rio. Essa foi a condição para a participação do capital norte-americano no projeto. Contudo, não contava Delmiro com a recusa do Governador de Pernambuco, Dantas Barreto. Diante da negativa, Delmiro chegou até a justificar a proposta do projeto de eletrificação Figura 4 - Fruto de um caso extraconjugal, Delmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu em Ipu, hoje distrito de Pires Ferreira, no Ceará, em 5 de junho de 1863. Era descrito como um homem sempre disposto a assumir grandes compromissos. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 116 do Recife, mas não foi suficiente, já que o Governador cate- goricamente relutou: “O negócio que o senhor propõe é tão vantajoso para o Estado que deve envolver alguma velhacaria”. Em decorrência, os estrangeiros pularam fora. Superada a recusa, Delmiro resolveu, então, encabeçar outro projeto ousado. Então, voltou-se para um projeto de construção de uma usina hidroelétrica, para alimentar uma fábrica de linhas em pleno sertão. Delmiro conseguiu obter vários privilégios do Governo do Estado de Alagoas, entre os quais o direito de explorar as terras improdu- tivas na cidade de Água Branca, Alagoas; a concessão para captar o potencial hidrelétrico da cachoeira de Paulo Afonso e produzir eletricidade; e a isenção de impostos referentes à sua fábrica de linhas de costura Estrela, na localidade de Pedra, situada a 23 km da cachoeira. Entre 1910 e 1911, todas essas concessões foram transfor- madas em decretos-lei pelo Estado de Alagoas. A obra foi realizada mediante concessão do estado de Alagoas ao abrigo do decreto nº 520 de 12/08/1911 de acordo com a Constituição Federal de 1891. Após a morte por assassinato de Delmiro Gouveia, a produção de linha de coser foi prejudicada, mas a usina permaneceu intacta, não passando de lenda o lançamento dos equipamentos da fábrica e da usina, pelos ingleses, dentro da cachoeira de Paulo Afon- so. A usina permaneceu no local e os equipamentos da fábrica anos depois foram levados para São Paulo. O decreto nº 503, do mesmo ano, havia concedido a isenção de impostos pelo período de dez anos para a exploração de uma fábrica de linhas de costura. Houve reações contrárias à implantação desse aproveitamento hidrelétrico da cachoeira, sobretudo por parte das imprensas alago- ana e carioca que publicavam manchetes com veementes protestos sobre o assunto. Geralmente, o discurso girava em torno da responsa- bilidade jurídica sobre a exploração do Rio São Francisco, bem como dos consequentes impactos ambientais e econômicos. A tribuna da Câmara Federal também foi palco de embaraçosos discursos, furiosos debates e fracassadas conclusões acerca da célebre conces- são de aproveitamento da maravilhosa queda d’água. No entanto, coube a Delmiro, através da firma Iona & Cia., concretizar o so- nho da eletrificação. Boa parte desse aval deve-se aos esforços e à petulância de dois alagoanos, o deputado federal Demócrito Gracindo e o consultor jurídico do Estado Alfredo de Maya, os quais souberam como poucos resistir às críticas e fundamentar seus argumentos na Câmara e na Imprensa. Para construir Angiquinho, Delmiro foi à Europa adquirir o maqui- nário necessário, e acabou por contratar um engenheiro italiano, Luigi Borella, para projetar a empreitada. Também foram contratados engenheiros e técnicos franceses para montar a usina. Como a casa de máquinas da usina ficaria no paredão do cânion do São Francisco, local de difícil acesso, houve quem duvidasse do sucesso da obra. Contrataram-se, junto à firma inglesa W. R. Bland & Co. os proje- tos iniciais das obras. A parte hidráulica com a alemã J. M. Worth e a suíça Piccard Pictet & Co. Equipamentos elétricos ficaram a car- go da empresa alemã Bergmann & Co. e da suíça Brown Boveri & Co. As turbinas foram encomendadas às casas Bromberg e Siemens Schukert & Co. As tubulações foram fabricadas pela competen- te empresa alemã Mannesmann. Já o maquinismo da fábrica veio da companhia Dobson & Barlow, da Inglaterra. Para a montagem dos equipamentos da usina, Delmiro requisitou a experiência estrangeira do técnico Anton Wer, da Alemanha, e do engenheiro Emilio Levermann. Em 1912, o engenheiro italiano Luigi Borella veio treinar o corpo técnico e dirigir o complexo hi- drelétrico. Por conseguinte, as caixas com as máquinas e equipamen- tos, vindos da Europa, cruzaram o Atlântico até o porto da cidade de Penedo (AL). Em seguida, foram colocadas em uma barca que subiu o rio São Francisco até atracar na lapinha do sertão, Piranhas. Na etapa seguinte, os equipamentos foram transportados de trem através da Estrada de Ferro Paulo Afonso até chegar na estação da Vila da Pedra. Por fim, para a conclusão da longa travessia, o maqui- nário da usina percorreu os 24 quilômetros que os separavam até a Cachoeira de Paulo Afonso, em carroções puxados por juntas de bois, com a necessária construção de pontes e estradas adequadas para permitir sua passagem. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 117 Quem foi Delmiro Gouveia (1863-1817) Delmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu no dia 5 de junho de 1863, na fazenda Boa Vista, município de Ipu, Ceará, filho natural de Delmiro Porfírio de Farias e Leonilda Flora da Cruz Gouveia. Em 1868, transferiu-se com sua mãe para a cidade de Goiana, em Pernambuco e depois para o Recife, tangidos pelas secas que periodicamente ocorrem no sertão nordestino e pela morte do pai, quando ele tinha apenas quatro anos de idade. Em 1872 muda-se para Recife. Em 1875, quando tinha apenas 12 anos de idade abando- na o lar materno e se lança no mundo à procura de emprego que lhe permitisse sobreviver com o mínimo de folga para proporcionar o seu aprendizado, base de sua capacitação necessária a vencer os diversos desafios com que sonhava e que nele tinham a firmeza das idéias-fixas. De família pobre, teve que trabalhar cedo para se manter e ajudar a mãe. Foi bilheteiro da estação Olinda do trem urbano chamado maxambomba, trabalhando também na estação de Apipucos, bairro do Recife, onde adquiriu posteriormente, quando já acu- mulava riqueza suficiente, um palacete que hoje é propriedade da Fundação Joaquim Nabuco, onde funciona o Instituto de Documentação. Trabalhou ainda como despachante de barcaças. Interessado na compra e venda de couro e peles de cabras e ovelhas vai para o interior de Pernambuco, casando-se, em 1883, com Anunciada Cândida de Melo Falcão, na cidade de Pesqueira. Dedicou-se ao comércio e exportação de couro e peles, inicial- mente como empregado da família Lundgren e depois por conta própria, mantendo um grande número de compradores por toda a região Nordeste do Brasil. Fundou, em 1896, a Casa Delmiro Gouveia & Cia, passando a destruir a concorrência no setor e ficando conhecido comoo Rei das Peles. Dispondo de capital, se engajou politicamente e partiu para outros empreendimentos. Foi o responsável pela urbanização do bairro do Derby, no Recife, onde só havia manguezais: abriu estradas, ruas, construiu casas e um grande mercado modelo sem similar no Brasil, o Mercado Coelho Cintra, com 264 compartimentos alugados a comerciantes de alimentos e de outros tipos de mercadoria, inaugurado no dia 7 de setembro de 1899. Os baixos preços praticados no mercado incomodaram a concorrência, havendo por isso desentendimentos com o então prefei- to do Recife, Esmeraldino Bandeira e em decorrência, conflitos com o poderoso Rosa e Silva, presidente do Senado Federal e vice- presidente da República, o que culminou com o incêndio do mercado, no início de 1900. Figura 5 - Delmiro da Cruz Gouveia C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 118 Hoje, após a reforma realizada em 1924, o prédio do antigo mercado abriga o quartel general da Polícia Militar de Pernam- buco (Figura 6). Autoritário e de temperamento difícil, à medida que enriquecia criava mais inimigos. Em 1901, perseguido e com problemas no casamento refugiou-se durante um ano na Europa. Separado da esposa, em 1902, aos 39 anos, raptou a adolescente Carmela Eulina do Amaral Gusmão, fugindo para Alagoas e fixando-se na Vila da Pedra, uma localidade a cerca de 280 km de Maceió e que na época só possuía seis casas. Passou a comprar e exportar couro e peles, utilizando o Porto de Jaraguá, em Maceió. Em 1909, inicia os estudos para aproveitamento econômico da cachoeira de Paulo Afonso. Em 26 de janeiro de 1913, capta energia elétrica na queda do Angiquinho, no lado alagoano, através de uma pequena usina geradora de eletricidade, puxando a rede elétrica até a sua fazenda. Inaugurou, em 1914, uma pequena fábrica têxtil para produção de linha, com a marca Estrela, que logo dominou o mercado nacional, impondo-se também nos mercados da Argentina, Chile, Peru, depois Bolívia, Barbados e até nas Antilhas e Terra Nova. A fábrica era um modelo de organização, com diversos pavilhões onde ficavam os teares, uma vila operária, ambulatório médico, cinema e ringue de patinação. Não querendo ficar isolado e para ajudar no desenvolvimento das suas atividades industriais, construiu cerca de 520 km de estradas carroçáveis e introduziu o automóvel no sertão. Embarcava sua produção através de porto de Piranhas, utilizan- do a ferrovia que ligava Jatobá (atual Itaparica) a Piranhas para transportá-la. Levou a energia elétrica para a povoação onde ficava a fábrica e depois até a Vila da Pedra. Passou a idealizar e desenvolver projetos para a implantação de uma hidroelétrica que abastecesse o Recife de energia, o que cau- sou desentendimentos com o então governador de Pernambuco, Dantas Barreto, que o acusava de estar procurando aproveitar-se do seu governo e, por isso, rompeu relações com o industrial. Seu temperamento sempre difícil, além da tensão em que vivia, e da falta de apoio governamental, produziram uma série de atritos e inimizades, que culminaram com o seu assassinato à bala, no dia 10 de outubro de 1917, aos 54 anos de idade, no terraço da sua casa na Vila da Pedra, hoje município de Delmiro Gouveia. Angiquinho atualmente Em outubro de 1958 a usina Angiquinho perdeu a concessão do aproveitamento parcial da cachoeira de Paulo Afonso, mas con- Figura 6 - Prédio do antigo mercado que agora abriga o quartel general da Polícia Militar de Pernambuco A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 119 tinuou a distribuir eletricidade para a cidade de Delmiro Gouveia (antiga vila da Pedra) até 1960, quando foi por fim desativada. Por intermédio da CHESF e da prefeitura de Delmiro Gouveia, foi elaborado um projeto de recuperação histórica que inclui a restau- ração da usina, da Furna dos Morcegos, onde dizem que Lampião se escondeu, contudo a presença dos cangaceiros na área de Angi- quinho já foi praticamente desmentida, pois não se encontrou qual- quer indício dessa passagem. Depoimentos de cangaceiros do bando afirmaram que estiveram naquela área, mas nunca se esconderam na Furna dos Morcegos. Além disso, seria incoerente um bando tão articulado como o de Lampião se esconder em um local que tem apenas uma única entrada. Segundo o projeto de recuperação denominado “Projeto de gestão de Angiquinho”, a usina foi transformada em um ponto de visita- ção turística, que além de proporcionar ao turista comum uma vista diferenciada da cachoeira, bem como atrair profissionais e leigos com interesse de conhecer a história das hidreléricas no Brasil. Figura 7 - A casa força de Angiquinho localizada à margem alagoana da cachoeira de Paulo Afonso Figura 8 - Escada de acesso à casa de força C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 120 A Chesf, que investiu R$ 1,5 milhão na recuperação da usina, passou a gestão de Angiquinho à Fundação Delmiro Gouveia (FDG), que liderou o movimento pelo resgate do acervo. “A luta agora é para que Angiquinho de ixe a f i la de espera pelo decr eto do gover no f ederal e Minis- tério da Cultura para o tombamento nacio- nal” , assinala Edvaldo Nascimento, coordenador da FDG. Passear no sítio histórico de Angiquinho é mover as rodas da história. Nas entra- nhas da usina saem paisagens lunáticas, águas muito limpa mostram o fundo translúcido do Velho Chico. São pedras e rochas e tocas de rio para todos os lados (Figura 13). Figura 9 – Prédios da usina recuperados Figura 10 – Interior da casa de força A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 121 Figura 11 – Gerador Figura 12 – Turbina de eixo horizontal C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 122 Figura 13 - Vista do cânion a partir da casa de força A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 123 O coração começa a bater mesmo na escadaria de metal, que desce 45 metros abaixo das rochas, no caminho da velha casa das má- quinas, que abriga os três geradores Brown Boveri e as turbinas Piccard Pictet, que alimentavam a usina, fruto da cabeça do cearense Delmiro Gouveia. A descida é adrenalina pura, escadas em espiral, com plataforma para mirante, de onde os olhos captam uma imagem inesquecível do que resta da cachoeira de Paulo Afonso, ou parte dela. A visão do Velho Chico cercado por cânions e corredeiras é colossal, e uma cachoeira transborda na entrada do lago da usina, que iluminou boa parte da região até nos anos 60. A casa de máquinas continua presa às rochas e é o ponto culminante do passeio. Entrar naquele prédio arrojado e quase secular é sen- tir segurança e êxtase. Principalmente ao abrir as janelas da casa e correr o olho nas rochas, no rio e na bela cachoeira. Referências 1. Governador de Alagoas assina decreto de tombamento do complexo Angiquinho (HTML). Folha Sertaneja (03 de dezembro de 2006). Página visitada em 6 de janeiro de 2008. 2. Projeto Gestão de Angiquinho (HTML) (2008). Página visitada em 6 de janeiro de 2008. 3. Galdino, Antônio – Mascarenhas, Sávio. Paulo Afonso: de pouso de boiadas a redenção do Nordeste - Câmara Municipal de Paulo Afonso, Paulo Afonso-BA, 1995. 4. Revista Continente Documento – Ano I, nº 11 – 2003. 5. Jornal Chesf – CER – Ano IV – nº 235 – junho a novembro/2006. 6. Cachapuz, Paulo B. de Barros – Dalla Costa, Armando. Paulo Afonso I: Imagens de uma epopéia. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, 2008. 7. Fernandes, Adriana Sbicca; Szmrecsányi, Tamás (orgs.). Empresas, empresários e desenvolvimentoeconômico no Brasil. São Paulo: hucitec/Abphe, 2008. 8. Magalhães, Gildo. Força e luz: eletricidade e modernização na República Velha. São Paulo: ed. Unesp, 2000. 9. Sant’ana, Moacir Medeiros de. Pequena história de Delmiro Gouveia, o “Rei do Sertão”. Maceió: imprensa oficial, 1961. 10. Silva, Davi Roberto Bandeira. Ousadia no Nordeste: A Saga Empreendedora de Delmiro Gouveia. Maceió: Fiea/ Gijs, 2007. 11. Site www.controvérsia.com.br 12. http://www.turismo.al.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/ noticias-2008/angiquinho-atrai-turismo-de-aventuras- em-delmiro-gouveia/(Texto de Mário Lima) acessado em 17/02/2011). 13. http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index. php?option=com content&vieu=article&id=6068Itemid =195(Texto de Semira Adler Vainsencher pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco) Acessado em 17/02/2011. Figura 14 - Subestação Elevadora de Angiquinho C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 125 Usina do Itapecuruzinho - A primeira hidroelétrica da Amazônia Erton Carvalho Usina do Itapecuruzinho - A primeira hidroelétrica da Amazônia Esta usina está localizada no rio Itapecuruzinho, afluente do rio Manoel Alves Grande, que desemboca no rio Tocantins pela margem direita, no município de Carolina, estado do Maranhão. Foi concebida e projetada no período de 1937/1938 e teve a sua construção realizada no período de 1939/1940. A usina foi constru- ída aproveitando uma queda de 11,50 m (Figura 1). As obras civis foram constituídas por um canal lateral de forma trapezoidal, com 88 m de comprimento e um desnível de 0,30 m, dimensionado para aduzir uma vazão de 2,44 m3/s, que terminava com uma pequena tomada d’água seguida de um conduto forçado com capacidade de 1,22 m3/s. No local foi implantada uma casa de força que abri- gava uma turbina Francis de 110 kW, com rendimento de 75%, acionando, através de um sistema de polias, um gerador de 120 kVA, 380/220 V, freqüência de 50 Hz e com a velocidade de 750 rota- ções por minuto. As Figuras 2, 3, 4 e 5 mostram a casa de força e seu interior, hoje completamente abandonada e em péssimo estado de conservação. O quadro de comando era de ferro perfilado com painel de mármore polido. Contava, também, com uma pequena subestação que tinha um único transformador trifásico de 11.000 V. A linha de transmissão da usina para a cidade de Carolina tinha Figura 1 - Cachoeira do Itapecuruzinho C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 126 Figura 2 - Casa de força Figura 3 - Turbina Francis 110Kw A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 127 28,5 km, sendo que as perdas no transporte da energia foram estimadas em 5,2%. A linha foi implantada com postes de aroeira a uma distância média de 50 m. Na cidade, através de uma subestação abaixadora, a rede pública de distribuição de energia era de 220/110 V. História A cidade de Carolina, situada no extremo sul do Maranhão, à margem direita do rio Tocantins, conheceu, nos anos quarenta, sua fase áurea, como a maioria das cidades ribeirinhas banhadas pelo grande rio, único meio de transporte existente na região. Em 1937, Newton Carvalho, homem de idéias progressistas, iniciou sua luta para convencer um grupo de conterrâneos da necessidade de construir em Carolina uma usina hidroelétrica, aproveitando a bela cachoeira existente no rio Itapecuruzinho, situada a 33 km da cidade. Naquela época (1937), o Brasil possuia apenas uma potência insta- lada de 847 MW, correspondendo a 0,75% da atual, sendo 192 MW em usinas térmicas e 755 MW em hidroelétricas. Excluindo os grandes centros urbanos, na maioria das cidades, o fornecimento de energia era restrito ao período das 18 às 21 horas. Tratava-se, portanto, para aquela sociedade local de uma obra bastante audacio- sa. Mesmo assim, Newton Carvalho colocou esse empreendimento como a grande meta de sua vida. Vale ressaltar aqui que Carolina era uma das cidades consideradas de oposição ao interventor do estado, Paulo Ramos, e sua classe política bastante temerária quanto às atitudes do citado interventor. Os sócios pretenden- tes exigiram que Newton Carvalho obtivesse do interventor uma autorização para que a usina fornecesse energia para a cidade. A partir daí, ele fez várias viagens a São Luiz, capital do estado, não tendo conseguido ser recebido por aquela autoridade. Por interferência de Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, arcebispo do Maranhão, a audiência acabou sendo realizada com sucesso, o que permitiu dar andamento ao início dos trabalhos. Figura 4 - Gerador de 120 KVA Figura 5 - Gerador e painel de controle C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 128 Em 1938, Newton Carvalho foi ao Rio de Janeiro, então capital federal, para estudar junto à companhia alemã Siemens a viabilida- de do empreendimento. Viajou às próprias custas e contou com a ajuda de um comerciante alemão, proprietário da Casa Beckgis, para negociar com a empresa a consolidação do projeto e a compra dos equipamentos necessários para a construção da usina. Retornando do Rio de Janeiro com os dados da usina nas mãos, organizou a firma em 1939, registrando-a no dia 11 de julho do mesmo ano, na Junta Comercial do Maranhão. A empresa de nome Hidroelétrica Itapecuru Ltda., foi então organizada para fornecer energia elétrica ao município de Carolina, com o aproveitamento da referida cachoeira. O capital inicial de 340 contos de réis, dividido inicialmente entre oito sócios, teve, posteriormente, a cooperação de mais seis sócios, cada um contribuindo com 10 contos de réis, totalizando 14 sócios. A concessão para o empreendimento ocorreu em 16 de novembro de 1939, quando o presidente Getúlio Vargas e seu ministro Fernando Costa assinaram o decreto no 4.888, publicado no Diário Oficial do dia 8 de fevereiro de 1940, que outorgou à sociedade o direito de explorar o referido aproveitamento até a po- tência de 285 kW. O projeto previa a colocação de duas unidades de 143 kW, mas inicialmente só foi instalada uma unidade de 110 kW. Voltando novamente à capital federal, Newton Carvalho adquiriu da Siemens todos os equipamentos para a instalação da usina. Trans- portados por via marítima até o porto de Belém, seguiram através do rio Tocantins até Carolina, tendo as embarcações atravessado várias cachoeiras, dentre elas a de Itaboca, onde hoje está localizada a usina de Tucuruí. Quando passava pela cachoeira de Itaguatins, perto da cidade de Porto Franco, um dos pesados transformado- res da subestação caiu no rio. Desprovido de equipamentos para içá-lo, foi empreendida uma luta titânica para retirá-lo da água. O sucesso dessa operação só foi possível pelo fato de Newton Carvalho conhecer e fazer uso do princípio de Arquimedes. Com auxilio de mais uma embarcação, esvaziava-as e enchendo-as de água até chegar ao limite de transbordamento tracionava o transforma- dor e, em seguida, esvaziava a embarcação, permitindo, assim, que o equipamento subisse pelo empuxo a que era submetido. Após verdadeira epopéia, finalmente o maquinário chegou a Carolina. Para alcançar o lugar escolhido, travou-se outra batalha com o transporte dos equipamentos em pequenos caminhões através de caminhos intricados, utilizados pelos sertanejos locais. Foi assim instalada, às margens do pequeno rio Itapecuruzinho, a primeira usina hidroelétrica da Amazônia. Para a construção da linha de transmissão foi aberta uma picada da cidade até o local da usina, com o auxílio de um velho teodolito de propriedade do professor José Queiroz, utilizado em um trabalho de topografia para a ferroviaPirapora-Belém, a qual nunca saiu do papel. O rumo da linha de transmissão foi definido por um piloto da Condor, companhia aérea alemã, que fazia voos entre Carolina e Belém. Foram lançados sacos de areia com bandeiras vermelhas para demarcar o referido caminho. Em sua grande maioria esses marcadores não foram encontrados. Newton Carvalho, ele mes- mo, elaborou a planta da cidade e implantou a rede pública e o sistema de distribuição de energia residencial. O Decreto nº 15.790, de novembro de 1941, autorizou o funcio- namento da usina e a sua inauguração se deu em 15/11/1941, com uma linha de transmissão de aproximadamente 30 km. Biografia Por detrás desta pequena central hidroelétrica, se esconde um episódio heróico que bem reflete a época e o momento histórico em que foi construída. Seu idealizador e executor (Figura 6) teve que vencer obstáculos quase intransponíveis para implantar na Região Amazônica a primeira usina hidroelétrica, em plena ditadura do então presidente Getúlio Vargas. Newton Alcides de Carvalho provinha de família numerosa. Nasceu em Carolina, em 26 de julho de 1900. Era um dos onze filhos do casal Alípio Alcides de Carvalho e Rosa Sardinha de Carvalho. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 129 Seu pai era originário da cidade de Caxias do Maranhão e sua mãe era oriunda de berço português, nascida em Vianna do Castelo, norte de Portugal. A formação do homem visionário, que pensa- va adiante do seu tempo, não era comum à época: tinha conclu- ído apenas o curso ginasial, o qual lhe proporcionou sólida base cultural voltada para as ciências exatas. Autodidata, dedicou-se com afinco ao estudo da matemática, da física e da engenharia, tendo adquirido por conta própria noções de inglês e alemão. Em sua cidade natal, lecionou matemática e escrituração mercantil a jovens conterrâneos. Ali, participou, também, da construção de uma usina açucareira, ao mesmo tempo em que desenvolvia ativi- dades comerciais. Ainda não havia atingido quarenta anos quando resolveu vender todos os seus bens para conseguir tornar real o sonho de executar o projeto da construção da pequena usina hidroelétrica em Carolina. Não tendo sido ressarcido de seus investimentos, Newton Carva- lho, decepcionado com a alta inadimplência dos consumidores de energia, principalmente com a da iluminação pública, em 1944, resolveu transferir-se com a família, a esposa Eliza Ayres de Carvalho e seus filhos, para o interior do estado de Goiás. Ali, construiu as usinas hidroelétricas das cidades de Anicuns (1948/1949) e de Santa Cruz de Goiás. Elaborou, ainda, projetos para as usinas de Campos Belos e Babaçulândia, obras porém não realizadas. Em 1949, já radicado em Goiânia, trabalhou na Secretaria de Educação no planejamento e construção de 248 prédios escolares na zona rural. Diversificando suas atividades, elaborou, também, um projeto para a exploração industrial do babaçu. No período de 1961 a 1965 exerceu a função de chefe-geral da limpeza pública da capital do estado. Estruturou o serviço de coleta e destino do lixo, apresentando um estudo sobre o aproveitamento do mesmo, através de tratamento mecânico e biológico, baseado no método di- namarquês, conhecido por “Dano”, altamente avançado para a época. Faleceu em 25 de outubro de 1969, vít ima de acidente automobilístico, antes mesmo de completar 70 anos. Deixou para a posteridade um exemplo de homem probo, determinado, corajoso e realizador. Referências 1. Notas da família Carvalho 2. Artigo do jornalista Waldir Braga no jornal “Folha do Maranhão do Sul” (25/Julho a 03/Agosto de 1996) 3. Revista Século XX “Gente que fez Carolina” de Paulo Noleto Queiroz, Outubro de 2000. 4. Memória Técnica da Usina de Itapecuruzinho, cópia datada de 1939. Figura 5 - Newton Alcides de Carvalho C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 130 131 A Light no Rio de Janeiro, a Cidade Luz Sulamericana Armando José da Silva Neto e Flavio Miguez de Mello O desenvolvimento da construção, operação e manutenção de usinas hidroelétricas no Brasil tem um dos capítulos mais im- portantes na criação de uma empresa chamada The Rio de Janeiro Light and Power Co. Ltd, em 30 de maio de 1905. Liderada pelo advogado canadense Alexandre Mackenzie e pelo engenheiro americano Frederick Stark Pearson, residen- tes no Brasil havia cinco anos, coube a tarefa de implantar e por em funcionamento no Brasil a empresa que seria referên- cia no desenvolvimento da engenharia brasileira de barragens e usinas hidroelétricas. Em 1908 foi lançado o primeiro grande desafio: a construção no Ribeirão das Lajes, da usina de Fontes, no Município de Piraí, no Estado do Rio de Janeiro. Essa usina, na época de sua instalação era a maior hidroelétrica da América Latina e a segunda maior do mundo. A barragem era uma estrutura de concreto gravidade em arco de 100 m de raio, com 32 m de altura e crista com 234 m dos quais 134 m eram vertedouro de lâmina livre. A potência instalada era de 12 MW, mas podendo chegar a 15 MW. Em 1909 foi ampliada com a instalação de mais três unidades geradoras, elevando sua capacidade para 24 MW. O gerente do empreendimento foi o engenheiro Clint H. Kearny, recomendado pelo engenheiro Pearson. A Light no Rio de Janeiro, a Cidade Luz Sulamericana “Ter-se-á de reconhecer a importância da contribuição da Light, que deu grandeza ao sistema elétrico brasileiro com projetos ousados, mesmo em comparações internacionais.” Antonio Dias Leite, 2007 Figura 2 - Frederick Stark Pearson, primeiro presidente (1904-15) Figura 1 - Alexander Mackenzie, fundador e segundo presidente (1915-28) Casa de força de Fontes. Concepção artística do engenheiro José Carlos de Miranda Reis Neto C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 132 Em 1914 foi concluída a barragem de Tócos no rio Pirai e um túnel com 8,4 km de extensão, na época o mais lon- go túnel hidráulico do mundo. Esse túnel passou a derivar as águas do rio Pirai para o reservatório de Lajes, possibilitando o aumento de capacidade de Fontes para 55 MW. Os dois escritórios da LIGHT nas cidades do Rio de Ja- neiro e de São Paulo foram reunidos em um só visando a ampliação da geração de energia hidráulica já que a demanda naquela época não parava de aumentar em função do desenvolvimento que estava ocorrendo no País. Figura 3 - Barragem de Lajes construída em 1906 Figura 5 – Saída do túnel de Tócos Figura 4 - Barragem de Tócos vista de montante A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 133 Em 1921 a LIGHT foi autorizada a construir uma nova usina hidroelétrica nos municípios de Carmo, RJ e Além Paraíba, MG no rio Paraíba do Sul a 150 km da cidade do Rio de Janeiro. A cons- trução da usina ficou a cargo do engenheiro Asa W. Kenney Billings, que era especializado em obras hidráulicas e seus equipamentos. Inaugurada em julho de 1924, a usina tem um canal de adução com 2,5 km de extensão constituído por diques de terra compactada e trechos em concreto, do lado norte. Com três comportas tipo setor que até hoje são as maiores do mundo, o vertedouro principal é localizado na margem esquerda. As comportas se encontram em operação até os dias de hoje. Há vertedouros de menores capaci- dades equipados com comportas Stoney. Figura 6 - Engenheiro Asa White Kenney Billings Figura 7 - Construção da usina hidroelétrica Ilha dos Pombos em 1924 C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 134 Com as ampliações realizadas em setembro de 1937, a usina de Ilha dos Pombos atingiu a potência instaladade 167 MW sob 31 m de queda bruta. Após mais de 55 anos de operação, nos anos 90, foi executada uma reabilitação completa da barragem e de suas comportas, bem como uma repotenciação da usina com aumento da capacidade instalada. Em março de 1940, a LIGHT foi autorizada a ampliar a Usina de Fontes. Figura 8 - Usina hidroelétrica de Ilha dos Pombos – Uma das três comportas setor, as maiores do mundo Figura 9 - Usina hidroelétrica de Ilha dos Pombos tendo seus vertedouros reabilitados. Vista de montante. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 135 O projeto do engenheiro Billings elevou em 26 m a Barragem de La- jes, aumentando a capacidade de armazenamento do reservatório para 1.052 milhões de metros cúbicos. A ampliação constou de três novas unidades, cada uma com 39 MW, elevando a potência instalada para 172 MW. O alteamento da barragem que passou da soleira vertedora livre em arco gravidade para uma barragem em contrafortes de 63 m de altura, implicou também na construção da barragem e do dique de Cacaria, na barragem do Rio da Prata, no Dique 4 e no Dique 5. A obra foi concluída em 1958. Para permitir a construção foi neces- sário desocupar a pequena cidade tombada de São João Marcos no município de Rio Claro. O reser- vatório havia sido idealizado para ser utilizado para regularizar as descargas que seriam derivadas do rio Paraíba do Sul. Entretanto, o re- servatório jamais foi completamente cheio por dois motivos: o abaste- cimento de água para a cidade do Rio de Janeiro havia passado a depender das descargas efluentes da casa de força de Fontes sem outro tratamento que não a clo- ração e a necessidade de obras adicionais para garantir a estabi- lidade da barragem de Cacaria e do Dique 4. Essas obras foram finalmente executadas nos anos 80. Figura 10 - Início do alteamento da barragem de Lajes Figura 11 - Barragem de Lajes após a conclusão do alteamento 136 Apesar dos bons serviços prestados e do estrangulamento das tarifas a partir do Código de Águas em 1934, a Light enfrentava opositores de todas as correntes políticas, desde extremados esquerdistas que se intitulavam de nacionalistas, até o líder da UDN, Carlos Lacerda, que se referia a ela como “o Polvo Canadense”. Nesse cenário, à Light não eram concedidas novas concessões, embora ela tenha estudado em detalhe potenciais no médio rio Paraíba do Sul (Funil, Sapucaia e Simplício) e efetuado estudos que cobriram extensas áreas do território nacional, desde a vertente oceâ- nica da Serra do Mar até as Sete Quedas. Esse cerceamento de novas concessões e a necessidade de ampliação da geração determinaram a adoção do artifício de se conceber uma ampliação da usina de Fontes pela derivação de descargas dos rios Pirai e Paraíba do Sul. Essa foi a obra de engenharia mais importante no final dos anos 40 e início dos anos cinqüenta. Inaugurada em 1953, resultou na am- pliação de geração em Fontes com a instalação de três unidades Francis de 39 MW cada, denominada Fontes Nova e na implantação da casa de força subterrânea de Nilo Peçanha que, sob a queda bruta de 310 m, aumentou em 378 MW o Complexo de Lajes. Presentemen- te as antigas unidades Pelton de Fontes estão desativadas, restando apenas as três unidades Francis de Fontes Nova e as seis unidades de Nilo Peçanha, todas Francis de eixo vertical. Figura 12 - Casa de força de Fontes A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 137 Para esta fase da ampliação uma série de obras foram executadas, destacando-se a elevatória de Santa Cecília, a barragem de Sant’Ana, no rio Pirai construída em apenas dois meses, a elevatória de Vigário que dis- põe de unidades reversíveis, as terceiras instaladas no mundo depois das unidades de Traição e Pedreira em São Paulo, também instaladas pela Light, a construção da barragem Terzaghi e do dique Vigário, projeto em que Karl Terzaghi introduziu filtros chaminés em barragens de terra, e a casa de força subterrânea de Nilo Peçanha, de grandes dimensões para a época, que contou com a importante colaboração do geólogo Portland Port Fox. Embora constasse do projeto ori- ginal, a segunda casa de força de Nilo Peçanha ainda não foi construída, ficando as usinas de Fontes Nova e Nilo Peçanha com elevado fator de capacidade. Figura 13 - Barragem de Santa Cecília Figura 14 - Barragem Santana C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 138 Em fevereiro de 1967 intensa precipitação provocou inúmeros deslizamentos nas encostas da Serra das Araras na área das usi- nas, bloqueando os canais de fuga de Fontes e de Nilo Peçanha. O refluxo de lama inundou a casa de força de Nilo Peçanha causando a paralisação da usina por vários meses para a recuperação dos equipamentos totalmente feita pelos técnicos da Light. Realça-se a coragem dos operadores e a tenacidade da equipe da Light na recuperação das instalações cuja operação era comandada pelos engenheiros Walter Stukembruk e Henrique Smoka, ambos de elevada competência e dedicação. Para que a derivação das águas do rio Paraíba do Sul fosse licen- ciada, a Light teve que promover a regularização do rio pela im- plantação da barragem de Santa Branca e contribuído com 40% do Figura 15 - Desvio Paraíba-Piraí - Elevatória de Vigário, ao fundo dique do Vigário e a barragem Terzaghi A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 139 investimento na construção das barragens de Paraitinga e Paraibuna, no trecho paulista da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. Somente nos anos 90 a Light instalou as unidades geradoras em Santa Branca. Em 1961 foi concluída a usina de Ponte Coberta, posteriormen- te denominada de Pereira Passos, com 99 MW instalados sob 36 m de queda bruta, aproveitando as águas turbinadas do Complexo de Lajes. A barragem de terra tem 52 m de altura e 231 m de crista. As estruturas de concreto da tomada d’água e do vertedouro, este com 330 m³/s de capacidade de descarga, são situadas na margem esquerda do reservatório. Curiosamente a Light esperou a posse do presidente Castelo Branco em 1964 para oficialmente inaugurar a usina. Considerando as dificuldades acima mencionadas na obtenção de novas concessões, essa usina foi inicialmente denominada Lajes Auxiliar. Figura 16 - Presença do Terzaghi (ao fundo) no campo durante a construção da barragem que tem o nome em sua homenagem Foto 18 - Inauguração da hidroelétrica Nilo Peçanha, Ministro Apolonio Salles, J.R. Nicholson, João Monteiro Figura 17 - Canal de fuga de Nilo Peçanha em 1967 C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 140 No final do século passado foi desenvolvido o projeto da PCH Paracambi, mais uma hidroelétrica no leito do ribei- rão Das Lajes que presentemente (2011) encontra-se em construção. Essa hidroelétrica terá 25 MW instalados com elevado fator de capacidade. A Light foi estatizada em 1966 e privatizada em maio de 1996, tendo passado de grupos francês, americano e nacional para, presentemente, ser de controle integral- mente nacional. Figura 20 - Pres. Castelo Branco e Gallotti, presidente da Light, em visita de inspeção após o acidente de 1967 Figura 19 - João Gonçalves de Sousa, ministro extraordinário para coordenação dos órgãos regionais, General Ernesto Geisel, chefe da casa militar, Marechal Castelo Branco, presidente da República, Antônio Gallotti, presidente da Light e Geremias Fontes, governador do Estado do Rio de Janeiro em inspeção nas usinas geradoras da Light no dia4 de fevereiro de 1967, após os acidentes ocasionados pelas intensas precipitações. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 141 Figura 22 - Inundação da casa de força de Nilo Peçanha, inspeção de barco Figura 23 - O atual presidente da Light após ter dirigido a ANA e a ANEEL, professor da UFRJ, Dr. Jerson Kelman, ao ser agraciado com o título de Engenheiro Eminente pela Associação dos Antigos Alunos da Politécnica, em 2010 Figura 21 - Construção da barragem de terra de Ponte Coberta, parte da hidroelétrica Pereira Passos C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 142 Alexander Mackenzie, fundador e segundo presidente (1915-28) Armando José da Silva Neto e Flavio Miguez de MelloArmando José da Silva Neto e Flavio Miguez de Mello 143 Flavio Miguez de Mello A São Paulo Light, Fomentadora de Progresso “They (Light) say now that they could deliver half a million more horse-power from this place alone (Cubatão); and this is but one of the several places that stand around São Paulo and sell more power to its elbow” Rudyard Kipling* * “Eles (Light) afirmam agora que podem fornecer meio milhão de cavalos-vapor somente deste local (Cubatão); e esse é apenas um dos diversos lugares que se situam no entorno de São Paulo e que poderão vender mais energia para todos seus cantos.” Em 1899 o advogado canadense Alexander Mackenzie fundou a The São Paulo Railway, Light & Power Company e iniciou imediata- mente a construção da hidroelétrica de Parnaíba, posteriormente denominada Edgard de Souza, situada na cachoeira do Inferno, no rio Tietê e inaugurada em 1901. A barragem foi construída em alvenaria de pedra com verte- douro de superfície livre em quase toda a extensão de sua crista. A capacidade instalada inicial era de 2 MW. Em 1954 a antiga casa de força foi substituída por uma estação de recalque com unida- des reversíveis e a barragem foi alteada em seis metros através de contrafortes e lajes planas, passando a ter 18,5 m de altura. Foram introduzidas três comportas de segmento com capacidade de 800 m³/s. Nos anos 80, considerando a extrema alteração nos coeficientes de escoamento da área de drenagem devida à inten- sa ocupação urbana da cidade de São Paulo e de cidades vizinhas, nova importante reabilitação foi feita, tendo sida aumentada a capacidade de descarga do vertedouro. Edgard de Souza foi a primeira de uma série de obras hidráulicas executadas nas pro- ximidades da cidade de São Paulo dos últimos dois anos do século XIX até meados do Século XX. A São Paulo Light, Fomentadora de Progresso Figuras 1a e 1b - Desde os primeiros anos a Light constituiu diversas outras empresas de serviços em São Paulo e no Rio de Janeiro, incluindo fornecimento de gás, telefonia, serviços de bondes e ônibus. Nas fotografias L.H. Anderson, superintendente geral da São Paulo Gas Company e G.E. Seylaz, tesoureiro presidente da Companhia Telefônica Brasileira. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 144 Com o objetivo de regularizar as afluências à usina de Edgard de Souza, foi construída em 1906 a barragem de Guarapiranga situada no principal afluente do rio Pinheiros, tributário do rio Tie- tê. A barragem é de terra com 15,6 m de altura e 1500 m de crista. Seu volume de 505.000 m³ foi proveniente de área de empréstimo escavada à mão, o solo foi transportado por tração animal e com- pactado apenas com a passagem das carroças. Como elemento de impermeabilização foi executada uma cortina de estacas prancha na linha de centro da barragem. Uma cheia extraordinária nos anos oitenta fez com que fosse executado um vertedouro adicional na ombreira esquerda. No início da segunda década do século passado, a Light adquiriu da Empresa de Eletricidade de Sorocaba a concessão da hidroelétrica de Itupararanga e concluiu as obras em 1914 com três unidades de 11,1 MW cada. A intensa estiagem de 1924 fez com que Asa White Kenney Billings, engenheiro americano de elevada competência que vinha de obras na Espanha e no México, construísse, em apenas onze meses, a hidroelétrica de Rasgão, com duas unidades de 9,3 MW, aprovei- tando canal escavado pelos escravos de um proprietário de terras na região de nome Fernão Paes de Barros quase um século antes com a esperança nunca concretizada de achar ouro no leito do rio Tietê. O canal ficou sendo conhecido por Rasgão, tendo posteriormente dado nome à barragem e à usina. A Light descobriu duas unidades Francis de 9 MVA em fabricação no exterior, as comprou e as trouxe para São Paulo. A logística era muito difícil, a maior carroça transportava no máximo 15 toneladas e as estradas eram de tráfego precário. A época era convulsionada por movimentos revolucioná- rios tenentistas como o de 5 de julho que ocupou São Paulo por semanas. O País entrava em estado de sítio. A coluna Miguel Costa – Prestes iniciava a sua longa marcha. O canal aberto à mão teve que ser ampliado e as fundações escavadas, o que demandava explosivos nessa época tão explosiva. A barragem, com 20 m de altura é em arco gravidade. A usina, inaugurada em 1925, tinha o caráter provi- sório, mas operou até 1961 quando foi paralisada devido a excesso de percolação sob a tomada d’água da usina. Nos anos oitenta as estruturas civis da barragem e das duas tomadas d’água do canal de adução e da casa de força foram reabilitadas tendo em vista o elevado estado de deterioração e os preocupantes resultados das análises de estabilidade que foram realizadas. A barragem teve trata- mento de concreto projetado no paramento de montante, injeções de calda de cimento sob a laje executada no pé de montante e teve reforço por atirantamento, a tomada d’água do canal de adução teve reforço em seus contrafortes e a tomada d’água da casa de força teve tratamento de sua fundação por injeção de calda de cimento a alta pressão com cracagem do solo, tratamento este que só havia sido feito na fundação da barragem de Balbina. A casa de força foi também reabilitada e voltou a operar em 1989. O maior empreendimento foi conduzido por Billings: o chamado Pro- jeto da Serra que aproveitava descargas derivadas da bacia do rio Tietê para a baixada Santista. O empreendimento foi feito em duas etapas: a usina de Cubatão e a usina de Henry Borden que operavam em pa- ralelo. De montante para jusante, o circuito inicia-se pela barragem de Figura 2 – Ferdinand M.G. Budweg A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 145 Pirapora no rio Tietê a montante do reservatório de Rasgão. Essa barragem represa as águas até a estação de recalque de Edgard de Souza, reverten- do o curso do rio Tietê. Essa barragem de 43 m de altura em concreto gravidade, concluída em 1956, é provida de um vertedouro de superfície com duas comportas de segmento de 830 m³/s de capacidade. Com as expressivas alterações dos coeficientes de escoamento que ocorreram em sua área de drenagem devido à intensa ocupação urbana que passou de 3,6 milhões de habitantes em 1955 para 15 milhões em 1990, houve a necessidade de ampliação da capacidade de descarga vertida e a proteção à cidade de Pirapora do Bom Jesus que se situa logo a jusante da bar- ragem. Essa cidade era inundada a partir de descargas de 480 m³/s. A condicionante de projeto era conseguir um esquema que permitisse o deplecionamento do reservatório antes da chegada do pico da cheia, sendo esta amortecida no reservatório previamente rebaixado. Conside- rando a impossibilidade do deplecionamento do reservatório durante a construção por serem baixas (6,40 m) as duas comportas de segmen- to que ocupam quase toda extensão da crista dabarragem, a solução Figura 3 – Esquema do lake piercing Figura 4 – Execução da ensecadeira dentro do túnel Figura 5 – Instante da detonação do septo de rocha C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 146146 encontrada pelo engenheiro Ferdinand M.G. Budweg foi a execução de um lake piercing, solução única no País. As obras foram realizadas no início dos anos noventa, tendo sido escavado um túnel de jusante para montante com extensão de 168 m e seção de 48 m² pela ombreira direita até bem próximo ao fundo rochoso do reserva- tório onde, de acordo com o projeto original, deveria ter sido escavada uma depressão (rock trap) para receber a rocha quando da abertura final. Em seguida foram insta- ladas duas comportas de segmento no interior do túnel, foi construída uma ensecadeira de terra no interior Figura 6 – Saída do túnel em operação Figura 7 - Vertedouro da barragem de Pirapora A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 147 do túnel para proteção das comportas quando da detonação final e detonada uma carga que abriu a entrada do túnel pelo fundo do reservatório. A obra que incluiu também alargamento da calha natural do rio a jusante da barragem, foi concluída com sucesso em 1993, não mais ocorrendo inundações na cidade de Pirapora do Bom Jesus. A capacidade de descarga da barragem passou para 1450 m³/s. O circuito hidráulico do Projeto da Serra inclui a barragem e a estação de recalque de Edgard de Souza, situada a montante de Pirapora. Essas duas barragens fazem com que o rio Tie- tê flua de jusante para montante, penetrando no rio Pinhei- Figura 8 – A estação de recalque de Edgard de Souza Figura 9 - Barragem de Pedreira ou do Rio Grande Figura 10 – Miller Lash, presidente de 1925 a 1941 C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 148 ros que também flui de jusante para montante pela ação das elevatórias de Traição e Pedreira implantadas no período 1938-1940, alimentando a represa de Billings e daí o reservatório da barragem de Rio Das Pedras. A barragem de Pedreira ou do Rio Grande é constituída por dois aterros hidráulicos, um em cada lado das estruturas de concreto da estação de recalque, com 25 m de altura e contendo um diafragma de concreto armado central que vai das fundações até o nível d’água má- ximo normal do reservatório de Billings. O diafragma, além de ser um elemento impermeabilizante, foi também concebido como “protec- tion against burrowing animals and ants” (proteção contra roedores e formigas) como afirmou Billings em palestra realizada em Lon- dres em 1936. Além dessa barragem, o reservatório de Billings é fechado por outras 13 barragens ou diques, quatro dos quais feitos como aterros hidráulicos e os restantes por transporte animal e com- pactação apenas pelo tráfego das carroças. As águas estocadas na represa de Billings acessam o reservatório da barragem de Pedras situada na crista da serra do Mar onde o rio das Pedras inicia uma sucessão de cachoeiras e corredeiras em direção à Baixada Santista. A barragem de Pedras é uma estrutura de concreto em arco gravida- de com 35 m de altura concluída em 1926, represando as águas na elevação 728,50 m. O Projeto da Serra era concluído pela condução das vazões com 710 m de queda bruta para as casas de força de Cubatão, a céu aberto com oito unidades no total de 661 MW, e Henry Borden, subterrânea, com seis unidades idênticas de 88 MW Figura 11 – Sir Herbert Couzens, presidente de 1941 a 1944 Figura 13 - A. Gallotti, último presidente da Light envolvendo Rio de Janeiro e São Paulo (1965 a 1974) A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 149 cada. Todas unidades são com turbinas Pelton. A usina de Henry Borden era a ampliação da usina de Cubatão. A instabilidade natural das encostas da Serra do Mar foi um dos fatores para que Karl Terzaghi recomendasse que a casa de força de Henry Borden fosse subterrânea. Dignas de nota são as unidades das elevatórias de Traição e Pedreira que foram as primeiras unidades reversíveis a serem instaladas no mun- do, seguidas pelas quatro unidades da elevatória de Vigário, instaladas pela Rio Light em 1953. Nos anos recentes, por imposições ambientais, o bombeamen- to para o reservatório de Billings foi praticamente suprimido, sendo restrito a ocasiões de ocorrência de precipitações intensas com o objetivo de minimizar as consequências das enchentes na cidade de São Paulo e no vale do rio Tietê. Houve, portanto, perda de geração do Projeto da Serra que tanto progresso garantiu a São Paulo. Figura 12 - Seção transversal da elevatória de Traição C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 150 151 Figura 1 – Barragem de Macabú As Barragens do Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS Paulo Poggi Pereira A origem O Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS foi um órgão federal que, entre 1940 e 1990, construiu obras hidráu- licas para diversos fins em todo o Brasil, incluindo grande número de barragens. Ele originou-se de uma comissão, criada em 1933, para o saneamento da baixada fluminense, cujos extensos alagadi- ços formavam um ambiente favorável à procriação de mosquitos transmissores da malária, que na época era doença endêmica na região em torno da cidade do Rio de Janeiro. Os trabalhos se des- tinavam a drenar as terras e protegê-las contra inundações, prin- cipalmente mediante abertura de canais e construção de diques. A ênfase no objetivo sanitário levou, em certos casos, a dimensio- nar a drenagem apenas para escoar as águas da chuva em um prazo que impossibilitasse a reprodução dos mosquitos e permitisse a utilização da terra para criação de gado, que na época era a principal atividade econômica da região. Com a redução da população de mosquitos a malária foi erradicada a ponto de muitas pessoas não saberem hoje que ela existiu. Por outro lado, após a Segunda Guerra Mundial, os municípios da Baixada Fluminense permitiram a urbanização destas terras com loteamentos inadequados, que não levaram em conta a vulnerabili- dade a inundações de parte da área, o que faz com que hoje muitos logradouros, moradias e empresas sejam periodicamente inundados. Em 1940 a Comissão para o Saneamento da Baixada Fluminen- se, em grande parte devido à atuação de seu diretor, Engenheiro Hildebrando de Araujo Góes, foi transformada no Departamento As Barragens do Departamento Nacional de Obras de Saneamento - DNOS C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 152 Nacional de Obras de Saneamento, que continuou trabalhando ativamente na Baixada, mas estendeu sua atuação para todo o território nacional. A partir de 1944 o DNOS foi encarregado de construir barra- gens para usinas hidroelétricas, apoiando programas de eletrifi- cação dos estados; naquela época ainda não existia a Eletrobras nem outro organismo com a atribuição de aplicar recursos federais em eletrifi cação. Depois foram sendo atendidas solicitações para construção de bar- ragens de outras fi nalidades, o que fez do DNOS, ao longo de seus 50 anos de existência, a entidade nacional que construiu barragens com a maior diversidade de funções. Nos itens seguintes são apresentadas informações sobre estas barra- gens, reunidas de acordo com suas fi nalidades, e ao fi nal será descrita sumariamente a sistemática utilizada para realizar os trabalhos de construção e a atuação dos engenheiros que lideraram o DNOS. Hidroeletricidade Quando acabou a Segunda Guerra Mundial o DNOS começou a construir barragens do programade eletrificação do estado do Rio Grande do Sul, passando depois a atuar em outros estados. O Quadro 1 apresenta a localização e as características principais destas obras. Com uma única exceção todas elas foram feitas de con creto, aproveitando o fato de que os locais de implantação eram ro chosos, com boas condições de fundação para barragens deste tipo. A primeira barragem de grande porte foi a de Capingui, concluída em 1949; é do tipo arco-gravidade, construída em concreto sim- ples com relativamente pouco cimento. Não se dispunha de areia adequada no local nem muita experiência neste tipo de concreto na época; face à necessidade de cumprir prazos, o concreto desta primeira obra não foi feito com a necessária impermeabilidade, tendo sido impermeabilizado posteriormente mediante injeções de calda de cimento. Duas destas barragens foram feitas com concreto ciclópico, con- feccionado com brita de granulometria pouco mais graúda do que o normal no qual, logo após seu lançamento e durante sua vibração, os operários colocavam manualmente pedras de mão. Era difícil fi scalizar os trabalhos de modo a garantir a correta colocação das pedras de mão; por este motivo, em todas as outras obras foi utilizado equipamento capaz de preparar e colocar concreto feito com agregados maiores, e não foram adicionadas as pedras de mão. Uma vez que as tensões que ocorrem numa barragem tipo gravida- de, não muito alta, são pequenas, não exigindo grande resistência, adotou-se dosagens modestas, não mais que 200 kg de cimento por m3, para fazer frente ao alto custo do cimento na época, e evitar que o aquecimento que ocorre durante sua hidratação aquecesse o concreto além do limite aceitável, o que poderia resultar na abertura de trincas no maciço; com este mesmo objetivo limita- va-se a espessura de cada camada de concreto colocada durante a construção, havendo casos em que foi de apenas um metro. Uma providência necessária nas obras feitas no planalto do Rio Grande do Sul foi interromper a concretagem quando a temperatura ambiente ficava muito próxima de zero graus centígrados, porque o cimento poderia ter sua pega prejudi- cada pelas temperaturas excessivamente baixas. Como de costume, ocorreram problemas técnicos imprevistos nas obras, os quais foram sendo resolvidos pelos engenheiros do órgão. Uma solução interessante foi a estabilização provisória do teto de um túnel que tinha 1200 m de extensão e seção circular com 9,00 m de diâmetro após ser revestido. A rocha local era basalto, bastante resistente, mas com fi ssuras. Alguns dias após a escavação de alguns metros do túnel, soltavam-se blocos de rocha do teto, o que eventualmente acidentou alguns operários. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 153 Figura 2 – Barragem de Glicério A solução encontrada foi implantar uma abóbada de concreto simples bombeado, apoiando o teto nas paredes laterais, algumas horas após a abertura de cada trecho de túnel. Nos Estados Unidos eram realizadas estabilizações deste tipo perfurando a rocha do teto do túnel e introduzindo nos furos hastes metálicas especiais, chamadas roof bolts, que prendiam os blocos de rocha superficiais à rocha mais distante da superfície da escavação. O sistema emprega- do evitou colocar os operários em risco perfurando o teto do túnel, dispensou a importação de roof bolts, foi executado com equipamento e material disponível na obra, e funcionou perfeitamente, impedindo quaisquer outros desabamentos. Uma novidade tecnológica que o DNOS precisou enfrentar foi a construção da barragem de Ernestina, que consistia em um muro vertical de concreto protendido, engastado na rocha de fundação. O projeto foi proposto como variante, na concorrência para execução da obra, pela empresa Estacas Franki, cujo diretor técnico C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 154 Figura 3 - Seção transversal da barragem de Pedra à época era o professor Costa Nunes, que foi ao longo de toda a vida um grande engenheiro entusiasta de tecnologia de ponta. A barragem foi construída pela empresa proponente e funcionou adequadamente, mas este tipo de obra nunca mais foi adotado, preferindo-se sempre soluções mais simples e menos ousadas. Com exceção da barragem de Canastra, que foi construída em contrafortes sustentando lajes planas de concreto armado, todas as demais obras para hidroeletricidade foram do tipo gravidade, construídas em concreto simples. A única barragem mais sofisticada foi a de Pedra, no Rio de Contas, na Bahia, uma estrutura tipo gravidade aliviada, com uma altura máxima de 65 m a partir da fundação rochosa. O projeto original desta obra previa um maciço de enrocamen- to apoiado em fundação de areia, com uma delgada camada de britas e pedras arrumadas separando o enrocamento da areia da fundação. O diretor geral do DNOS na época, Engenheiro Camilo de Menezes, ficou compreensivelmente apreensivo com relação à solução dada para a fundação; comentou que só ficaria tranqüilo se o projeto previsse a remoção da areia e a colocação do enrocamento diretamente sobre a rocha subjacente. Como não havia condições para alterar o projeto, foi admitida a apresentação de variantes na concorrência para execução da obra, e venceu a barragem tipo gravidade aliviada. Em 1973 o DNOS encerrou suas atividades na construção de barragens destinadas a hidroeletricidade, uma vez que já existia entidade federal com a incumbência específica de promover a ele- trificação do país. Na última obra de que participou, barragem de Passo Fundo, o DNOS ficou encarregado apenas da orientação técnica e da fiscalização das obras, provindo os recursos da Eletrobras e do governo do estado do Rio Grande do Sul. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 155 Figura 4 – Barragem de Pedra Abastecimento de água a cidades O Quadro 2 relaciona as barragens construídas pelo DNOS para abastecer cidades, informando a localização das mesmas, suas características e os anos de conclusão das obras; algumas delas têm características interessantes. A Barragem do Rio das Velhas, integrante da tomada d’água do sistema adutor construído pelo DNOS para abastecer Belo Horizonte, Minas Gerais, é de concreto armado, dotada de comportas, e tem fundação em terra. Sua característica mais marcante é a calha do rio ter sido bifurcada em duas alças mediante dragagem; a duplicação destina-se a ter uma alça conduzindo lentamente água para ser captada, enquanto na outra alça vão sendo removidos os sedimentos que se depositaram enquanto ela esteve em operação, e escoam para jusante as vazões excedentes do rio. As barragens de Riachão e Pacoti formam um único reservatório, que regulariza a contribuição do Rio Pacoti, a qual é depois aduzida por gravidade, através de um túnel, ao reservatório que abastece Fortaleza, Ceará. O sangradouro é do tipo labirinto, formado por um muro vertical engastado em uma laje horizontal ancorada na rocha de fundação; o sangradouro foi localizado, no único local da área onde existe rocha a profundidade adequada, ponto este C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 156 Figura 5b – Usina hidroelétrica de Passo Fundo - condutos forçados Figura 5a – Usina hidroelétrica de Passo Fundo - casa de força e adução encontrado através de uma extensa, porém simples, pesquisa realizada por sondagens a percussão. Aproveitando a existência de rocha de boa qualidade no local, dispensou-se o revestimento do canal de restituição, deixando-se a água escoar pelo terreno após seu vertimento, só tomando precauções para impedir que a água se aproximasse do maciço da barragemdo Pacoti. A barragem de Juturnaíba, no rio São João, fornece água para abastecimento das cidades da Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro. Da mesma forma que a barragem acima mencio nada, ela foi projetada após uma campanha de furos de sondagem a percussão, realizados ao longo do eixo previsto para a obra, com o objetivo de conhecer os locais onde havia rocha subjacente. Só foi encontrada rocha em uma pequena ilha, na qual foi então implantado o sangradouro em labirinto, a tomada d’água e a descarga de fundo, obras estas realizadas em concreto, com fun- dação em rocha. O restante da barragem foi construído em terra, sobre fundação de argila mole. Irrigação O grande sucesso do DNOS em matéria de irrigação foi o projeto que irriga aproximadamente 15.000 hectares de arroz no município de Camaquã, no Rio Grande do Sul. A barragem do Arroio Duro fornece água para essa irrigação; com base no volume acumulado, é avaliada, em cada ano, a área que pode ser irrigada, autorizando- se então o respectivo plantio. A barragem é de terra, com funda- A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 157 ção também em terra. Para controlar as infiltrações na fundação, além de outros cuidados habituais, o projeto previu uma cortina delgada de solo-cimento para vedação e um filtro instalado em uma trincheira situada no pé do talude de jusante, que recolhe- ria as infiltrações, caso a cortina não funcionasse adequadamente. Algumas medições de pressão intersticial na fundação, realizadas após a entrada em operação da obra, não indicaram funcionamento adequado da cortina de vedação, mas a barragem não apresentou nenhum problema, graças ao bom funcionamento do filtro. Quando foi projetada a barragem de Juturnaíba, mencionada no ítem sobre abastecimento urbano, planejou-se implantar irrigação de hortigranjeiros em uma área localizada na margem esquerda do canal do rio São João, imediatamente a jusante da barragem. Esta área podia ser abastecida de água por gravidade, a partir da barra- gem, e sua cota era suficientemente alta para ter boa drenagem, o que é indispensável para evitar a salinização do solo. Quando estavam termi- nando as negociações com uma cooperativa, para implantar o projeto, foi desapropriada uma área de mais de 20.000 ha para formar a reserva de mico-leão dourado de Poço d’Antas; esta desapropriação incluiu a área onde se previa o projeto de irrigação. Foi solicitada a sua liberação, mediante substituição por outra área equivalente para compor a reserva, mas este pedido não foi atendido, abortando assim o proje- to de irrigação. Alguns anos depois os jornais noticiaram a chegada de mico-leões dourados importados da Flórida, Estados Unidos, para povoar a reserva de Poço D’Antas. A atual contribuição da barragem para irrigação resume-se em disponibilizar água para os fazendeiros que quiserem irrigar suas plantações captando água no rio São João, a jusante da barragem. Entretanto, com o crescente desenvolvimento de Cabo Frio e outras cidades litorâneas, o reservatório de Juturnaíba tornou-se fundamental para abastecimento urbano de água na denominada Região dos Lagos do Estado do Rio. O Quadro 3 relaciona as barragens construídas pelo DNOS para irrigação, e informa suas localizações, características e ano de conclusão. Controle de cheias As primeiras barragens para controle de cheias do DNOS foram construídas no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, para proteger Blumenau e outras cidades do Vale. Iniciou-se pela Barragem Oeste, em concreto gravidade, para depois construir em terra a Barragem Sul e finalmente a Barragem Norte; o DNOS não terminou a construção desta última, mas o Estado de Santa Catarina a concluiu em 1992 e ela está funcionando a contento. Infelizmente os locais onde podiam ser construídas barragens naquele vale não possibilitavam controlar a maior parte da bacia contribuinte. Terminou sendo necessário complementar as barragens com dragagem do rio Itajaí a jusante de Blumenau, para abaixar satisfatoriamente o nível d’água naquela cidade. Infelizmente o DNOS foi extinto antes de completar esta dragagem, que só foi executada entre as cidades de Blumenau e Gaspar, sem beneficiar esta última cidade nem a área a jusante da mesma. Outras barragens para controle de cheias foram as de Tapacurá, Goitá e Carpina, na bacia do Rio Capibaribe, no Estado de Pernambuco. Tapacurá é utilizada também para fornecer água destinada ao abastecimento de Recife, e Goitá é utilizada para reter vinhoto, sub-produto malcheiroso da indústria de cana de açúcar, que é liberado somente quando as vazões do rio Capibaribe aumentam a ponto de serem capazes de diluir e dar escoamento ao vinhoto sem criar problemas ambientais. O controle de cheias de Recife incluiu, além das barragens, a cana- lização do rio Capibaribe na área urbana daquela cidade; o rio teve sua capacidade aumentada mediante regularização e alargamento de sua calha, e substituição de duas pontes, relativamente curtas, por outras de maior vão. Estas obras aumentaram a capacidade da calha, possibilitando não só escoar sem extravasamento as vazões provenientes da área da bacia contribuinte não controlada pelas barragens, como também operar as mesmas liberando vazões C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 158 Figura 6 – Barragem e diques de Tapacurá relativamente grandes, retendo em seus reservatórios apenas uma fração da cheia condizente com a capacidade dos mesmos. Algumas outras barragens do DNOS fazem controle de cheias como objetivo secundário, sendo o caso das barragens de Pedra, Pampulha, Flores, Passaúna e Juturnaíba. A última barragem de controle de inundações construída pelo DNOS foi Arroio Gontam, na cidade de Bagé, RS, concluída em 1982. Trata-se de uma barragem de concreto simples tipo gravi- dade, cujo reservatório só enche quando ocorrem chuvas fortes, retendo os deflúvios e liberando-os aos poucos, evitando assim, inundações a jusante. A característica especial desta obra é o fato do reservatório estar situado em terras do Exército, que permitiu sua eventual inundação, para evitar enchentes na cidade. O Quadro 4 relaciona as barragens construídas pelo DNOS para controle de cheias e informa suas localizações, características e ano de conclusão. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 159 Figura 7 – Barragem e Sangradouro de Arroio Duro Figura 8 – Barragem de Carpina Finalidades diversas O Quadro 5 relaciona barragens construídas com finalidades diversas, informando suas localizações, características técnicas e ano de conclusão; nos parágrafos abaixo menciona-se a fi nalidade das mesmas e acrescenta-se alguns detalhes. A mais importante destas barragens é a do Canal São Gonçalo, o qual drena a Lagoa Mirim, situada no extremo sul do Brasil e é partilhada com o Uruguai. Esta lagoa é usada intensivamente como fonte de água para irrigação de arroz em ambos os países, e, du- rante a estiagem, frequentemente entrava água salgada do oceano na lagoa, pelo Canal de São Gonçalo, prejudicando a irrigação. C I N Q U E N T A A N O S D O C O M I T Ê B R A S I L E I R O D E B A R R A G E N S 160 Após entendimentos com a República do Uruguai, o Governo incumbiu o DNOS de construir uma barragem para impedir a entrada de água salgada na Lagoa. A barragem foi localizada a montante da cidade de Pelotas, de modo a não interferir no acesso marítimo àquela cidade, mas a curta distância, para permitir fácil captação e adução de água doce para abastecimento de Pelotas e do porto de Rio Grande; o grande desenvolvimento que aconte- ceu recentemente nesta última cidade aumentou a importânciada disponibilidade garantida de água doce criada pela barragem. O projeto previu uma eclusa, para permitir a continuação da navegação fluvial; uma fábrica de cimento situada em Porto Alegre é abastecida com matéria prima vinda do Uruguai em barcaças que passam pelo Canal. O barramento é de pequena altura, e atravessa o canal, com 231 m de comprimento. A barragem é constituída por uma estrutura de concreto com uma cortina profunda de concreto armado, engastada em fundação de areia e cascalho, no topo da qual foram instaladas comportas basculantes. Em cota um pouco mais alta há uma passarela onde estão instalados mecanismos de comando das comportas. Quando necessário, as comportas são abertas para deixarem escoar o eventual excesso de água da Lagoa Mirim, e são fechadas na estiagem para impedir que a água salgada do Oceano Atlântico penetre na Lagoa. Para executar a obra foi aberto um canal de desvio com 120 m de largura e a calha do rio foi inteiramente aterrada no local previsto para a barragem. Após a conclusão dos trabalhos a areia usada para o aterramento foi retirada completamente e o canal de desvio foi reaterrado. A região é aluvionar, e, por causa disso, houve empenho em construir a obra exatamente na calha do rio, uma vez que qualquer mudança de posição poderia provocar divagações do leito do rio com graves conseqüências. Outra barragem que impede a salinização de manancial de água doce é a do rio Pericumã, ao lado da cidade de Pinheiro, Maranhão; existe ali uma área alagada, onde é obtida água para o abasteci- mento da cidade, criação de gado e irrigação; o alagado também é utilizado para navegação. Periodicamente ocorrem grandes estiagens, que resultam em retração da lâmina d’água do alagado e intrusão de língua salina proveniente do oceano, prejudicando ou interrompendo as utilizações de água acima mencionadas. A barragem possui comportas que são fechadas por ocasião das estiagens, mantendo o espelho d’água, impedindo a penetra- ção da língua salina e garantindo a disponibilidade de água doce. Para manter a navegação, um dos dissipadores de energia das comportas funciona também como eclusa, possibilitando o acesso de embarcações vindas do mar até a cidade de Pinheiro. A barragem do Canal da Flecha tem como finalidade controlar o nível da água na Lagoa Feia, que recebe a contribuição de grande parte dos rios e canais da planície existente entre a margem direita do rio Paraíba do Sul e o mar, na região de Campos – Rio de Janeiro; esta lagoa integra a drenagem da área, mas serve também como fonte de água para irrigação, o que torna importante controlar seu nível. A barragem de Chapéu D’Úvas controla parcialmente as cheias do rio Paraibuna e aumenta a vazão de estiagem do rio, o que propor- ciona um acréscimo de energia firme em cinco usinas hidroelétricas existentes a jusante, além de aumentar a disponibilidade de água para o abastecimento de água de Juiz de Fora, MG. A pequena Barragem de Santa Lucia foi construída na zona urbana de Belo Horizonte, com a dupla finalidade de controlar as cheias do rio Leitão e reter seus sedimentos. Os movimentos de terra realizados na bacia do rio Leitão, durante a urbanização da mesma, produziam muitos sedimentos que assoreavam a calha do rio, prejudicando seu escoamento. Esses sedimentos passaram a ficar retidos no reservató- rio da barragem de Santa Lúcia; depois de alguns anos, o reservató- rio da referida barragem ficou completamente assoreado. Por outro lado, ao longo destes anos a urbanização ficou mais consolidada e diminuiu a produção de sedimentos que causavam problemas. A barragem que existia na Pampulha, em Belo Horizonte, MG, rompeu por erosão interna em 1954, e o DNOS a reconstruiu. Suas A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 161 finalidades são recreação, lazer e paisagismo, e realiza também con- trole de cheias, amortecendo as vazões do rio Pampulha, que correm paralelamente à pista do aeroporto da cidade a jusante da barragem. A Barragem Mãe D’Água foi construída para fornecer água para o laboratório do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A barragem do Flores, que é um afluente do rio Mearim, controla parte das vazões que escoam pelo rio Mearim, ajudando a diminuir as enchentes que inundam a cidade de Bacabal e pode ser usada para aumentar a vazão do rio Mearim durante a estiagem, facilitando assim a navegação; além disso, fornece água para irrigação. A organização dos trabalhos A construção das barragens sempre foi realizada por empresas em- preiteiras, mas nos primeiros 25 anos de construção de barragens os trabalhos de fiscalização, incluindo a locação, medição e controle de qua- lidade das obras, foram realizados por funcionários do próprio DNOS. As instalações para construção de cada barragem incluíam um conjunto de casas onde ficavam alojados o engenheiro residente, o topógrafo, o laboratorista e os demais funcionários. Tendo em vista que as atividades do DNOS se desenvolviam em pra- ticamente todos os estados da Federação, e face à precariedade do Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) e do sistema telefô- nico, existentes na época, o DNOS montou uma rede de rádio que chegou a ter 50 estações, para comunicação entre seus escritórios. Havia estações de rádio nas barragens e outras obras importantes, que tinham assim possibilidade de comunicação diária com os escritórios regionais e mesmo com a sede do órgão, no Rio de Janeiro. Sempre foi uma preocupação dos dirigentes promover a capa- citação dos engenheiros do órgão, para que pudessem cumprir adequadamente suas tarefas. Neste sentido recorreram, entre ou- tras entidades, ao IPT de São Paulo, para proporcionar estágios em seus laboratórios de solos e concreto, ao US Bureau of Reclamation dos Estados Unidos e até mesmo à UNESCO. Nos seus últimos 15 anos de atividade o DNOS passou a con- tratar empresas para realizar os trabalhos técnicos de controle da construção de barragens. Os engenheiros do órgão passaram a fiscalizar o trabalho das consultoras que realizavam os trabalhos topográficos, de laboratório, de controle dos serviços, etc. Em pelo menos duas obras, a empresa consultora procurou evitar relacionamento entre seus engenheiros e os engenheiros da empre- sa construtora, proibindo inclusive que fizessem refeições juntos. Não se sabe se esses cuidados eram realmente necessários, mas ambas as barragens ficaram em excelentes condições. A orientação técnica do DNOS foi muito influenciada pelo Engenheiro Otto Pfafstetter, funcionário do órgão, autor de muitos projetos de obras importantes, podendo-se citar as barragens En- genheiro José Batista Pereira, Tapacurá e São Gonçalo. Foi autor de importantes trabalhos técnicos, como o livro “Chuvas Intensas no Brasil”. Outro trabalho muito interessante dele foi um sistema para de- signação de número de registro de trechos de cursos d’água, destinado à organização de cadastro nacional de cursos d’água; esta numeração parte da foz dos rios e segue para montante, ao invés de partir das cabeceiras, as quais, muitas vezes, são de difícil definição. Este sistema não é utilizado no Brasil, mas meia dúzia de outros países o adotaram. Sendo o DNOS um órgão nacional, seus engenheiros tinham que viajar com freqüência, quase sempre de avião, face às grandes distâncias a percorrer e à deficiência das estradas. Antes da adoção de motores a jato e equipamentos modernos para voo por instrumentos aconteciam muitos acidentes. O primeiro deles foi com José Maia Filho, morto em 1950 ao regressar de uma viagem para contato com a Administração Central do DNOS, em um avião Constellation da VARIG, que bateu em um morro tentando pousar em Porto Alegre com pouca visibi-lidade. Ele dirigia o Distrito do Rio Grande do Sul, e seu nome foi dado a uma barragem que o DNOS construiu naquele estado. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 162 Figura 9 - Hildebrando de Araújo Góes, primeiro Diretor do DNOS Figura 10 - Engenheiro Camilo de Menezes, Diretor-Geral do DNOS de 1946 a 1961 Muitos anos depois houve um abaixo assinado pedindo para dar o nome do Diretor de Obras do DNOS na época, engenheiro Raimundo Cláudio Correia Leitão a uma barragem que ia ser constru- ída no estado onde ele havia nascido. O Diretor Geral encaminhou o assunto ao homenageado, que respondeu escrevendo que prefe- ria continuar vivo, uma vez que há uma lei proibindo dar nome de pessoas vivas a obras do governo. O Diretor-Geral solicitou que o arquivo lhe remetesse os documentos referentes a este assunto de volta, após passado um ano, como às vezes fazia. Antes de trans- correr um ano o engenheiro Leitão, a quem se queria homenagear, morreu num desastre de avião em serviço. Foi então dado o seu nome à barragem, conforme havia sido solicitado. Os Gestores O primeiro Diretor do DNOS foi Hildebrando de Araújo Góes, que assumiu a chefia da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense na sua fundação em 1933, e promoveu sua transfor- mação em Departamento Nacional de Obras de Saneamento em 1940, quando Getúlio Vargas era Presidente da República. Dirigiu o órgão até o ano de 1946, quando foi ser prefeito do Rio de Janeiro, que na época era a capital federal. Ele estabeleceu o sistema de trabalho pelo qual as obras eram executadas por empresas, em vez de serem construídas por administração direta, como fazia o Departamento Nacional de Obras contra as Secas naquela época. Os funcionários do DNOS orientavam e fiscalizavam os trabalhos, fazendo inclusive os levantamentos topográficos necessários para isto. Como a grande maioria das empresas não dispunha de esca- vadeiras para abertura de canais, o DNOS começou a adquirir este equipamento e contratar sua operação com empreiteiros. Camilo de Menezes, engenheiro do órgão, foi o Diretor-Geral seguinte, tendo ficado 15 anos no cargo. Expandiu as atividades do DNOS para quase todos os Estados e enfrentou com sucesso o desafio da construção de grande número de barragens, com problemas tecnológicos ainda pouco conhecidos no país. Após deixar a direção do DNOS, foi presidente da CHEVAP e diretor da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense. Uma característica comum aos dois primeiros diretores foi continuar estudando assuntos de engenharia enquanto exerciam a direção do órgão. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 163 Figura 11 - Geraldo Bastos da Costa Reis, Diretor Geral do DNOS Em 1961 o presidente Jânio Quadros nomeou Diretor Geral do DNOS o engenheiro do DNER Geraldo Bastos da Costa Reis, com a missão de transformar o órgão em autarquia, o que conseguiu fazer apesar da renúncia de Jânio Quadros. Um aspecto interessante de sua gestão foi a compra de 200 esca- vadeiras marca Nobas, da Alemanha Oriental, ao preço total de sete milhões de dólares, pagos em café. Faziam parte da compra peças sobressalentes no valor de um milhão de dólares. Estas máquinas prestaram bons serviços de 1964 até a extinção do DNOS em 1990, necessitando como grandes reparos apenas a substituição periódica dos motores quando acabava sua vida útil e a recomposição da mesa sobre a qual girava o conjunto formado pela cabine e a lança. Provavelmente o fabricante das máquinas não empregava técnicas de obsolescência programada. Após a revolução de 1964 sucederam-se na direção do órgão qua- tro diretores que ficaram pouco tempo, sendo três deles militares. Em 1967 assumiu o cargo Carlos Krebs Filho, engenheiro do DNOS que imprimiu notável organização aos trabalhos. Fez com que as obras e serviços executados para o órgão fossem pagos na ordem cronológica da apresentação das respectivas medições e faturas na tesouraria. Na sua gestão foram concluídas dez barragens, incluindo a Barragem de Pedra, no rio de Contas, estado da Bahia e a Barragem de Tapacurá, no estado de Pernambuco; inaugurou as obras da adutora do rio das Velhas, que aumentou substancialmente o abastecimento de água a Belo Horizonte. Em 1974 outro engenheiro da casa, Harry Amorim Costa, assumiu a direção do DNOS e manteve a mesma sistemática de trabalho. Na sua gestão foi concluída a construção da Barragem do São Gonçalo. Deixou o cargo para assumir o governo do estado de Mato Grosso do Sul. Assumiu então Jefferson de Almeida, que seria o último engenheiro da casa a dirigir o DNOS, o que fez com grande competência, ajudado por sua longa experiência como Diretor Geral Substituto. Na sua gestão foram concluídas as barragens de Carpina, Goitá, Pacoti e Riachão acima mencionadas. Nos governos dos presidentes João Figueiredo e José Sarney sucederam-se no DNOS diretores que não eram engenheiros do serviço público federal, mas que se dedicaram ao trabalho com afinco e realizaram excelentes administrações. Foram eles: - José Reinaldo Carneiro Tavares, em cuja gestão foram execu- tados aterros para saneamento de favelas no Rio de Janeiro, foram realizadas obras de defesa contra inundações em cidades às mar- gens do rio São Francisco e tiveram início os estudos do governo federal para transposição do rio São Francisco para o Nordeste semi-árido; saiu para ser superintendente da Sudene, depois ministro dos Transportes e, mais tarde, governador do estado do Maranhão; - Vicente Fialho, que desenvolveu atividades voltadas para irrigação no Nordeste e deixou a direção para ser ministro da Irrigação, depois ministro de Minas e Energia e deputado federal; - Paulo Baier, que deu prosseguimento às atividades relacionadas à irrigação no Nordeste e deu grande impulso às obras de controle de cheias no Vale do Itajaí; dirigiu o DNOS até sua extinção. Ao tomar posse em 1990 o presidente Collor, determinou a extinção do DNOS. As obras e os serviços que o órgão estava executando C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 164 Figura 12 - Inauguração de uma barragem no Nordeste, vendo-se da esquerda para a direita o Gen. José Costa Cavalcanti, Ministro do Interior, o engenheiro Carlos Krebs Filho, Diretor-Geral do DNOS de 1967 a 1974 e o engenheiro Jefferson de Almeida, que viria a ser Diretor-Geral do DNOS em 1978-1979 foram paralisados. Mais de cem escavadeiras de propriedade do DNOS ficaram paradas no campo, até enferrujar completamente no lugar onde se encontravam. O arquivo técnico do DNOS, que tinha perto de 40.000 desenhos de projeto de obras, foi entregue ao Arquivo Nacional, ficando sem condições de ser consultado. Muitas empresas de engenharia que estavam prestando serviços ou executando obras ficaram numa situação financeira dificílima. Resumindo, foi destruída uma organização que produzia obras e serviços extremamente benéficos e necessários, sem que fos- se criada uma alternativa. Por sorte, somente duas barragens estavam em construção naquele momento: a Barragem de Chapéu D’Uvas, em Minas Gerais e a Barragem Norte, em Santa Catarina. Esta última chegou a ter sua vila residencial do canteiro de obras inva- dida por índios naquela ocasião. Entretanto, graças à atuação dos estados mencionados, a construção dessas duas barragens foi concluída alguns anos mais tarde. QUADRO 1 - BARRAGENS PARA HIDROELETRICIDADE A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI IVAÍ Ivaí Julio Castilhos 3.000 155 3,50 38.000 1948 IJUIZINHO Ijuizinho Santo Ângelo 1.900 150 3 58.000 1948 CAPINGUÍ Capinguí 18.800 220 22 40.000.000 1949 GUARITA Guarita 2.000 100 4,50 51.0001949 FORQUILHA Forquilha Marc. Ramos 4.275 125 3 4.250 1949 DIVISA Divisa 22.000 239 25 20.000.000 1950 SALTO / BUGRES Santa Cruz 31.500 600 11,50 15.000.000 1951 ERNESTINA Jacuí Passo Fundo Passo Fundo Muro de Concreto Protendido 8.500 400 15 250.000.000 1954 CANASTRA Canela Contrafortes / Concreto Armado 11.500 174 24 370.000 1956 SANCHURI Sanchuri Uruguaiana Terra 119.900 896 6 61.000.000 1956 JOÃO AMADO Guarita Passo Missões Passo Missões 5.800 200 11 10.000.000 1957 BLANG Santa Cruz S. F. Paula S. F. Paula S. F. Paula 76.500 507 17 50.000.000 1957 PASSO DO AJURICABA Ijuí Ijuí 2.800/14.000 164 9 5.000.000 1960 JOSÉ MAIA FILHO Jacuí Espumoso 57.600 432 24 10.000.000 1961 BORTOLAN Antas Poços Caldas 9.000 200 11 15.000.000 1956 ANIL Jacaré Oliveira MG MG MG 800 113 8 400.000 1959 PAI JOAQUIM Araguari Sacramento 10.500 188 15 390.000 1960 MACABU Macabu Glicério RJ Gravidade / Concreto Ciclópico Gravidade / Concreto Ciclópico 80.000 256 539.000.000 1960 GARCIA Garcia Angelina 16.300 100 19 20 6.500.000 1962 LARANJEIRAS Santa Maria Santa Maria Canela 24.000 193 24,50 26.000.000 1965 PEDRA Contas Jequié BA Gravidade Aliviada / Concr. Simples 350.000 440 65 1.750.000.000 1970 FURNAS DO SEGREDO Jaguarí Jaguarí 30.000 582 3.000.000 1972 PASSO FUNDO Passo Fundo São Valentim Gravidade / Concreto / Terra Gravidade / Concreto / Terra 130.00/511.30 646 40 15 22 1.560.000.000 1973 XANXERÊ Chapecozinho Xanxerê SC SC Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples Gravidade / Concreto Simples 42.700 505 17.700.000 ......ITÚ ItaquíItaquí RS RS RS RS RS RS RS RS RS RS RS RS RS RS RS RS RS RS 35.000 582 22 80.000.000 ...... NOME LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS CURSO D'ÁGUA MUNICIPIO UF TIPO / MATERIAL VOLUME DO MACIÇO(m³) EXTENSÃO COROAMENTO (m) ALTURA MÁXIMA (m) ACUMULAÇÃO RESERVATÓRIO (m³) Nº ANO DE CONCLUSÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 165 QUADRO 2 - BARRAGENS PARA ABASTECIMENTO URBANO QUADRO 3 - BARRAGENS PARA IRRIGAçãO QUADRO 4 - BARRAGENS PARA CONTROLE DE CHEIAS QUADRO 5 - BARRAGENS COM FINALIDADES DIVERSAS C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s BATATÃ Batatã São Luís MA 390.000 485 17 4.500.000 PRETO DO CRICIUMA Rio Preto Jequié BA Arco Gravid. / Concreto Ciclópico 104 SANTA BÁRBARA Santa Bárbara Pelotas RS Terra Homogênea 196.000 715 10 10 16.000.000 RIO DAS VELHAS Velhas Nova Lima MG Enrocamento 500 100 1,5 RIO DAS VELHAS II Velhas Nova Lima MG Concreto Armado 12.000 42 9 165.000 MAESTRA Maestra Caxias do Sul RS Terra Zoneada 430.000 295 28 5.500.000 VACACAÍ MIRIM Vacacaí Mirim Santa Maria RS Terra Homogênea 1.350.000 300 28,3 5.450.000 VAL DE SERRA Ibicuí Santa Maria RS Concreto Armado 3.340 438 15 2.800.000 TAPACURÁ Tapacurá São Lourenço PE Gravidade / Concreto Simples 105.000 320 35 167.000.000 RIO DAS VELHAS III Velhas Nova Lima MG Concreto Armado 7.000 42 9 186.000 PACOTI Pacotí Pacatuba Terra Terra Terra 2.950.360 1595 30 370.000.000 RIACHÃO Riachão Pacatuba CE CE Terra 1.264.440 650 30 70.000.000 JUTURNAIBA São João Silva Jardim RJ Terra 1.900.000 3.800 12 126.000.000 XARÉU Água Pluvial Fern. Noronha PE Gravidade / Concreto Simples **** **** **** **** **** **** **** **** **** **** **** **** **** PASSAÚNA Passúna Araúcária PR 1 1957 2 3 1969 4 1970 5 1970 6 1971 7 1972 8 1972 9 1973 10 1977 11 1979 12 1979 13 1979 14 15 1989 NOME LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS CURSO D'ÁGUA MUNICIPIO UF TIPO / MATERIAL VOLUME DO MACIÇO(m³) EXTENSÃO COROAMENTO (m) ALTURA MÁXIMA (m) ACUMULAÇÃO RESERVATÓRIO (m³) Nº ANO DE CONCLUSÃO 1 CEDRO Truçu Acopiara CE Gravidade / Concreto Simples 7.000 150 12 4.000.000 1955 2 CARNAUBA Carnauba Acopiara CE Gravidade / Concreto Simples 3.500 40 14 8.000.000 1956 3 RIVALDO CARVALHO Condado Catarina CE Gravidade / Concreto Simples 41.500 390 17 30.000.000 1965 4 ARROIO DURO Duro Camaquã RS Terra Homogênea 2.053.000 1.450 21 148.000.000 1965 5 JOSÉ BATISTA PEREIRA Ceará Mirim Poço Branco RN Terra Zoneada 1.940.000 920 45 135.000.000 1970 NOME LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS CURSO D'ÁGUA MUNICIPIO UF TIPO / MATERIAL VOLUME DO MACIÇO(m³) EXTENSÃO COROAMENTO (m) ALTURA MÁXIMA (m) ACUMULAÇÃO RESERVATÓRIO (m³) Nº ANO DE CONCLUSÃO 1 OESTE Itajai Oeste Taió SC Gravidade / Concreto simples 93.000 422 25 78.500.000 1972 2 SUL Itajai Sul Ituporanga SC Terra 758.000 438 43,50 97.500.000 1975 3 CARPINA Capibaribe Carpina PE Terra / Zoneada 2.887.000 1720 42 270.000.000 1978 4 GOITÁ Goitá Gloria do Goitá PE Gravidade / Concreto Simples 108.000 220 38 52.000.000 1978 5 GONTAN Gontan Bagé RS Gravidade / Concreto Simples 93.000 150 16 290.000 1982 6 NORTE Hercilio Ibirama SC Terra 1.580.000 365 63 263.000.000 1992 NOME LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS CURSO D'ÁGUA MUNICIPIO UF TIPO / MATERIAL VOLUME DO MACIÇO(m³) EXTENSÃO COROAMENTO (m) ALTURA MÁXIMA (m) ACUMULAÇÃO RESERVATÓRIO (m³) Nº ANO DE CONCLUSÃO 1 SANTA LÚCIA Leitão Belo Horizonte MG Terra Homogênea 60.000 115 20 700.000 1956 2 PAMPULHA Pampulha Belo Horizonte MG Terra Homogênea 570.000 400 15 16.000.000 1958 3 MÃE D'ÁGUA Afl. Dilúvio Viamão RS Terra Homogênea 27.000 200 9 500.000 1962 4 SÃO GONÇALO São Gonçalo Pelotas RS Concreto Armado 13.500 218 6,20 **** 1977 5 FLEXA Canal Flexa Campos RJ Concreto Armado 3.400 130 3 **** 1980 6 PERICUMÃ Pericumã Pinheiro MA Concreto Armado 16.800 137,5 29,4 63.000.000 1982 7 FLORES Flores Joselandia MA Terra Homogênea 775.000.000 1988 8 CHAPÉU D'UVAS Paraibuna Juiz de Fora MG Terra Homogênea 2.000.000 400 43 153.000.000 1994 NOME LOCALIZAÇÃO CARACTERÍSTICAS CURSO D'ÁGUA MUNICIPIO UF TIPO / MATERIAL VOLUME DO MACIÇO(m³) EXTENSÃO COROAMENTO (m) ALTURA MÁXIMA (m) ACUMULAÇÃO RESERVATÓRIO (m³) Nº ANO DE CONCLUSÃO 166 167 Flavio Miguez de Mello A História da CHESF, Indutora do Progresso do Nordeste O Nordeste na primeira metade do século XX Até a entrada dos anos 50 do século XX o Brasil permanecia sendo um arquipélago de regiões economicamente ativas com parcas conexões entre si a menos da malha ferroviária que integrava a Região Sudeste, escassas rodovias rudimentares regionais e o trans- porte de cabotagem que atingia o litoral mais povoado e penetrava pelos rios amazônicos. Neste contexto, a exemplo das diversas bitolas das ferrovias implantadas no país, os sistemas elétricos operavam em 60 Hz e 50 Hz. Nessa época, castigado pelas freqüentes secas resultantes de extensas estiagens o desenvolvimento do Nordeste era incipiente. As geradoras de energia elétrica na primeira metade do Século XX eram de pequeno porte e de operação precária. Na virada do Século XIX para o Século XX já se destacava o potencial hidroenergético da cachoeira de Paulo Afonso na qual o rio São Francisco despencava com uma vazão média plurianu- al superior a 2000 m³/s em vários braços porsobre uma espessa camada de rocha granítica sã. Anos antes, ainda no Século XIX, a imponente e magnífica queda d’água chamava atenção dos visitantes que para lá se deslocavam enfrentando grandes distân- cias dos centros urbanos, atravessando com dificuldades o sertão nordestino. Dentre esses visitantes o de maior destaque foi o Imperador D. Pedro II, no dia 20 de outubro de 1859. Em meados do século passado a cachoeira ainda despertava admiração. O jornalista Alceu Amoroso Lima relatou no periódico “O Jornal” declarações de três estrangeiros que estiveram a admirar a pujança da queda d’água: um francês disse “C’est très chic”, um hindu exclamava “I t i s ju s t wonder fu l” e um americano perguntou “How much hydropower is lost here every day?”. Essa visão do americano foi percebida bem antes, nos primeiros anos do Século XX pelo inglês Richard George Reidy que requereu ao governo federal a concessão para exploração do potencial da cachoeira de Paulo Afonso para instalação progressiva de indústrias e serviços. O requerimento foi indeferido em 1910. Pouco após o engenheiro Francisco Pinto Brandão solicitou a concessão do apro- veitamento da cachoeira para produção de energia elétrica para uma empresa sua a ser implantada na região com a denominação de Em- presa Hidro Elétrica Agrícola Industrial do Brasil. O requerimento foi também indeferido pelo governo federal em 1913. Foi nesse contexto que também em 1913, o cearense Delmiro Gouveia colocou em operação a pequena usina hidroelétrica de Angiquinho, com 1.500 HP (1.102 KW) para gerar energia para A História da CHESF, Indutora do Progresso do Nordeste “O rio São Francisco é o mais brasileiro dos rios” Engenheiro Euclides da Cunha Figura 1 – Usina de Angiquinho C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 168 sua fábrica de linhas de costuras situada na localidade de Pedra, nas proximidades da cachoeira de Paulo Afonso. A usina, erguida na cachoeira, aproveitava uma queda parcial e uma pequena parcela da vazão afluente. A obra foi realizada mediante concessão do estado de Alagoas ao abrigo do Decreto nº. 520 de 12/08/1911 de acordo com a Constituição Federal de 1891. Após a morte por assassinato de Del- miro Gouveia, a produção de linhas de costura foi prejudicada, mas a usina permaneceu intacta, não passando de lenda o lançamento dos equipamentos da fábrica e da usina, pelos ingleses da Machine Cotton, dentro da cachoeira de Paulo Afonso. A usina permaneceu no local e os equipamentos da fábrica, anos depois, foram levados para São Paulo. Antes disso, mesmo na monarquia, não houve nenhuma idéia de aproveitamento do potencial da cachoeira. O Imperador quando a visitou, não havia tecnologia para a implantação de geração de energia hidroelétrica. Na República, com a conhecida pobreza de combustíveis fósseis da época, a omissão passou a ser pouco compreensível. No início dos anos vinte do século passado o Serviço Geológico e Mineralógico do Ministério da Agricultura efetuou um levantamento preliminar do potencial hidroenergético do rio São Francisco entre Juazeiro e Paulo Afonso que concluiu com a possibilidade de implan- tação de grandes centrais hidroelétricas, maiores do que as existentes na época, mesmo em países mais evoluídos. Isto possibilitaria a irrigação das áreas ribeirinhas e também o início de industrialização do Nordes- te, o que ainda não havia em outras partes do território nacional cuja economia era essencialmente agrícola. A equipe era constituída pelos enge- nheiros Antonio José Alves de Souza, Jorge de Menezes Werneck, Jayme Martins de Souza, Mário Barbosa de Moura e Mengalvio da Silva Rodrigues. O levantamento foi um marco para o desenvolvimento do Nordeste, tendo sido efetuado em região agreste no tempo do cangaço, inclusive do bando de Virgulino Ferreira, o Lampião. O Serviço Geoló- gico e Mineralógico deu origem mais tarde à Divisão de Águas, precur- sora do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica DNAEE que por sua vez, foi substituído em passado recente pelas Agências, Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e Nacional de Águas (ANA). No início dos anos quarenta a tendência era a de promover a construção de uma grande usina em Itaparica (que só se tornou rea- lidade nos anos setenta). A partir de 1943 o ministro da Agricultura, Apolônio Sales, cujo Ministério incluía o Setor Elétrico comandou a campanha para a construção de uma hidroelétrica na cachoeira de Paulo Afonso. Forte oposição a essa idéia veio de diferentes áreas, uma das mais importantes, a capitaneada pelo engenheiro civil e eco- nomista por vocação Eugênio Gudin com a justificativa de que os parcos recursos federais deveriam ser concentrados no Sudeste onde já havia grande demanda reprimida de energia elétrica. Apolônio Sa- les esteve, em 1944, no Tennessee Valley Authority, autarquia americana implantada pelo presidente Franklin D. Roosevelt como indutora de desenvolvimento para a saída da grande depressão econômica que ocorreu a partir de 1929 nos Estados Unidos, onde coletou subsídios para a entidade a ser criada para atuar no vale do São Francisco no Brasil. O desequilíbrio entre o Nordeste e o Sudeste do país passou a ser cada vez mais nítido, agravado pela dificuldade nos transportes que se faziam sobretudo por mar, mas que, durante a Segunda Grande Guerra, ficaram prejudicados devido aos ataques de submarinos alemães e italianos nas nossas águas costeiras, submarinos esses abastecidos por navios argentinos sob o manto de sua neutralidade. Esse abastecimento em alto mar foi confirmado em 1982 pelo oficial da marinha alemã que comandava as operações no Atlântico Sul, o contra almirante Jaigen Rohwer. O Nordeste ficou isolado do resto do país. Naquela época, após a Constituição de 1934, as concessões para geração de energia elétrica passaram a ser federais sob atribuição do Ministério da Agricultura. Em 1945, com o fim da II Grande Guerra, o Brasil questionava o regime de exceção do Estado Novo que havia marcado eleições para dezembro. O ministro Apolônio Sales, a cujo ministério a política de energia elétrica estava subordinada, procura- va sensibilizar as lideranças políticas para a idéia da exploração do potencial da cachoeira de Paulo Afonso. O Presidente Getúlio Vargas comandava o Estado Novo no qual Apolônio Sales era Ministro da Agricultura. Há versão que narra que Apolônio Sales havia solicitado a Getúlio Vargas a assinatura do Decreto de criação da CHESF em 30 de setembro por ser ele, Apolônio, devoto de Santa Terezinha, A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 169 na época, festejada naquela data (hoje é 01 de outubro). Já Apolônio Sales em conversa informal em 1976 com Eunápio Queiroz, então diretor superintendente de Sobradinho, narrou que, embora conhecedor de que Getúlio Vargas era agnóstico e que o dia de Santa Terezinha havia passado, usou o seguinte argumento – “Presidente, amanhã é dia de São Francisco. Ele ficará contente vendo que o senhor criou no Nordeste do Brasil uma companhia com o nome dele”. O Decreto Lei º 8.031 de criação da CHESF foi assinado no dia 4 de outubro de 1945, mas com data do dia anterior. A empresa podia ser formada, mas o Estado Novo estava próximo do fim. Getúlio Vargas foi deposto e tomou posse como Presidente da República o ministro José Linhares do Superior Tribunal Federal. Na seqüência ocorreram eleições gerais no país, sendo o General Eurico Gaspar Dutra, eleito e empossado Presidente da República. Com a posse do Gal. Dutra, o advogado Afrânio de Carvalho, chefe de gabinete do ministro da Agricultura, Daniel de Carvalho, procurou incluir como prioritários os aproveitamentos hidrelétricos de PauloAfonso, no Nordeste, e Cachoeira Dourada no rio Paranaíba, no Centro Oeste, este para suprimento do que seria a futura capital brasileira no Planalto Central. Entretanto, continuava a oposição ao empreendimento hidrelétrico no Nordeste e à empresa criada em 3 de outubro de 1945. O mi- nistro Souza Costa, por exemplo, afirmara que seria um desperdício gastar recurso no projeto. Diversos depoimentos dão conta de que um forte argumento que sensibilizou o general Dutra com relação a Paulo Afonso pode ter sido o que aventava a possibilidade de uma secessão do Nordeste das demais regiões do Brasil, dada a disparidade daquela região com as regiões Sul e Sudeste. Mantinha-se a oposição do agora ministro Eugênio Gudin por considerar que este tipo de empreendimento deveria ser feito pela iniciativa privada e que os investimentos em geração de energia elétrica deveriam priorizar a região Sudeste, que atravessava intenso racionamento e não o Nordeste onde nem mercado havia. Outros opositores combateram a idéia usando como argumento a reconhecida incapacidade gerencial do governo, o que seria agravado num tipo de empreendimento em que nunca antes havia se envolvido. Dificuldades adicionais também proviam do próprio ex-ministro Apolônio Sales a apoiar, no final de 1946, a idéia de considerar como projeto definitivo um estudo extre- mamente sumário da usina localizada no Braço da Velha. Esse fato originou a negativa do ministro da fazenda Correia e Castro do pedido de verbas para o Ministério da Agricultura para a execução do projeto. Superadas todas as dificuldades, no dia 15 de março de 1948, ou seja, quase três anos após sua criação, foi realizada a Assem- bléia Geral de Constituição da CHESF, depois de um árduo trabalho, também comandado por Apolônio Sales, obtendo a adesão de estados e municípios do Nordeste para a integralização do capital da empresa. O início da CHESF O Presidente Dutra entregou o comando da CHESF a um profissio- nal de reconhecida capacidade e idoneidade com total liberdade de indicar os demais membros da diretoria e dessa maneira, indicações de origem político partidárias ficaram afastadas. O Decreto 8.031 de 03/10/1945 concedia à CHESF a exploração de um trecho de cerca de 500 quilômetros entre Piranhas – Alagoas no baixo rio São Fran- cisco e Juazeiro – Bahia no sub-médio rio São Francisco. A concessão, também assinada no mesmo dia 3 de outubro de 1945, para transmitir e comercializar a energia hidroelétrica produzida em Paulo Afonso, definiu um círculo inicial de cerca de 450 quilômetros de raio no interior do qual se inseriam as capitais dos estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe. Posteriormente esse círculo expandiu-se até atingir Natal – capital do Rio Grande do Norte e finalmente Fortaleza – capital do Ceará. No final do século XX quando entrou em vigor o novo modelo do setor elétrico com concessões por usina, por linha de transmissão e por subestação a CHESF era responsável por produzir e transportar energia elétrica para 8 estados do Nordeste (Piauí , Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia). Ao trecho de concessão Piranhas – Juazeiro foram acrescentados em 1972 mais 350 quilômetros, ainda no submédio rio São Fran- C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 170 cisco entre as cidades de Juazeiro e Xique Xique, ambas na Bahia, onde a CHESF construiu e opera a hidroelétrica de Sobradinho, resultando que entre Xique Xique (limite montante) e Piranhas (limite jusante) se inserem as usinas hidroelétricas de Sobradinho, Luiz Gonzaga (Itaparica), Apolônio Sales (Moxotó), Piloto, Paulo Afonso I, II, III e IV e Xingó. Em 1948, obedecidas às orientações do Presidente Dutra, foi elei- to Presidente da CHESF o engenheiro Antônio José Alves de Sousa, do Ministério da Agricultura, onde tinha sido encarrega- do das concessões de energia elétrica. Esse engenheiro, formado na Escola de Minas de Ouro Preto, tinha, em 1921, no governo Epitácio Pessoa, efetuado um levantamento topográfico da Cachoeira de Paulo Afonso. Alves de Sousa assumiu o comando da empresa com o programa inicial de destinar o fornecimento de Figura 2 - Engenheiro Antônio Alves de Souza, primeiro presidente da CHESF Figura 3 - A cachoeira de Paulo Afonso antes das obras da CHESF. Na margem esquerda as instalações de Angiquinho e no cânion a casa de força A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 171 energia exclusivamente a Pernambuco e imediatamente propôs estender o fornecimento a outros pontos do nordeste inclusive a Salvador. Graças à vigilância do governador Otávio Mangabeira, da Bahia, e políticos como Luiz Vianna Filho, Clemente Mariani, Juraci Magalhães e Pereira Lira, além de Pernambuco, os estados da Bahia, Alagoas e Sergipe foram beneficiados com a energia elétrica gerada em Paulo Afonso, logo nos primeiros meses após o início de operação, em fins de 1954. Alves de Souza compôs a sua diretoria com o coronel engenheiro Carlos Berenhauser Junior (diretor comercial), Adozindo Magalhães de Oliveira (diretor de administração) e Octávio Marcondes Ferraz (diretor técnico) e como consultor jurídico Afrânio de Carvalho. O presidente Dutra manteve a sua palavra de não interferir na com- posição da diretoria, adotando essa postura até o final do seu manda- to. O diretor de administração, pelo seu falecimento, foi substituído pelo consultor jurídico. Somente após a posse do presidente Jânio Quadros, em 1961, a diretoria passaria a sofrer modificações. De início, sediada no Rio de Janeiro, a diretoria técnica, com a co- laboração dos engenheiros Domingos Marchetti, Gentil Norberto, José Villela e Júlio Miguel de Freitas, passou a atuar mais diretamente, a partir de 1949, no próprio local das obras. Ao longo do tempo outros engenheiros foram incorporados à diretoria técnica como Hernani Gusmão, Othon Soares, Dermeval Resende, Hilton Fiú- za de Castro, Hermínio Lorentz Kerr, Hélio Gadelha de Abreu e Nédio Lopes Marques. Entre as alternativas de projetos que foram consideradas para construção da usina de Paulo Afonso, foi selecionada a que previa uma extensa barragem de concreto de gravidade com um vertedouro de superfície incorporado e atravessando um arquipélago de ilhas a montante da cachoeira, uma adução em túneis, uma casa de força subterrânea e a restituição a jusante da cachoeira. A barragem Leste com 3117m de extensão tem sua ombreira na margem esquerda e atravessa o braço principal onde escoava cerca de 90% da descarga do rio, o braço do Quebra e o braço do Taquari, atingindo as pro- ximidades da cachoeira. A outra parte da barragem, com 1277m de comprimento, atinge a margem direita atravessando o braço Capuxu, formando um funil num comprimento total de 4394m. A tomada d’água fica situada no encontro desses dois trechos da barragem. A adução é feita por três túneis verticais de 4,8m de diâmetro com joelho de 90° para alimentar três turbinas Francis situadas em casa de força subterrânea. A barragem atravessa diversas ilhas e suas comportas assinalam os braços originais do rio. São 26 comportas de vertedouro, sendo 10 delas no braço principal, 8 no braço Quebra, 6 no Taquari e 2 no Capuxu. O reservatório assim formado tem apenas 11 km² de área. Um aspecto a destacar foi o fato do IPT ter prestado assistência tecnológica à construção dessa usina, realizando ensaios de defor- mação diametral sofrida por câmaras escavadas em rocha, quando submetidas a pressão interna. Estes ensaios, realizados em 1951, marcaram o nascimento da Mecânica das Rochas no Brasil. Dentro da concepção original foram posteriormente executadas outras duas casas de força também subterrâneas denominadasPaulo Afonso II e Paulo Afonso III, passando a original a ser denominada de Paulo Afonso I. Posteriormente, foi implantada mais uma usina denominada Paulo Afonso IV, cujo reservatório foi formado captando águas do reservatório de Moxotó, através de um canal artificial, transforman- do o centro da cidade de Paulo Afonso em uma ilha, cercada por usinas hidroelétricas. A Usina de Moxotó, construída no início dos anos 70 do século passado, foi implantada a montante da bacia de decantação (reservatório Delmiro Gouveia), que alimenta as usinas de Paulo Afonso I, II e III, e é constituída de barragem, uma casa de força e um descarregador de fundo provido de comportas de segmento, constituindo-se em uma barragem móvel. Para suprimento de energia ao acampamento e ao canteiro de obra da primeira usina, a CHESF contou com a geração da usina de Angiquinho com 1,1 MW que havia sido instalada por Delmiro Gouveia em 1913 e de outra pequena hidroelétrica denominada Usina Piloto, esta com operação iniciada em outubro de 1949, tendo C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 172 uma unidade geradora de 2,0 MW, com possibilidade de instalação de uma segunda máquina. A Usina Piloto foi projetada e construída pelos engenheiros J. Leal Corrêa e Leopoldo Schimmelpheng e passou a fornecer energia elétrica para a obra e seu acampamento, para a cidade de Glória e, complementando Angiquinho, para a fábrica de linhas que havia sido implantada por Delmiro Gouveia no povoado de Pedra (hoje cidade de Delmiro Gouveia, Alagoas). Em março de 1960, depois de quase 47 anos de operação, a usina de Angiquinho foi desativada pela CHESF, após seus equipamen- tos terem sido danificados por uma forte enchente. O sítio desta usina teve seu tombamento histórico decretado pelo estado de Alagoas e atualmente é ponto de visitação turística na região, sob a administração da Fundação Delmiro Gouveia. Ao longo de todo o projeto e construção de Paulo Afonso I e con- tinuando durante quatro décadas, permaneceu em operação no Cen- tro de Formação da CHESF em Paulo Afonso, um laboratório de modelos hidráulicos reduzidos, de inestimável valor para as defini- ções de projeto e construção. Atualmente, as instalações do modelo reduzido das usinas de Paulo Afonso podem ser vistas durante visitas turísticas e escolares agendadas previamente com a CHESF. Além do capital financeiro inicialmente subscrito para formação da CHESF e reconhecidamente insuficiente, foram efetuados aumentos de capital e conseguidos empréstimos junto ao Eximbank, no BIRD e no Banco Nacional de Desenvolvimento Industrial, para permitir a construção da usina e funcionamento da empresa. Além da previsão insuficiente de recursos por parte do governo federal, ocorreu ainda pronunciada inadimplên- cia de aportes financeiros que haviam sido assumidos por estados e municípios nordestinos por subscrição de ações da CHESF, apesar de serem esses estados e municípios os mais beneficia- dos com a implantação da primeira usina de Paulo Afonso. Esse desinteresse financeiro permaneceu mesmo após a entrada em operação da usina. No início da construção de Paulo Afonso I as escavações para a im- plantação da casa de força subterrânea foram comandadas pelo enge- Figura 4 - Usina piloto A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 173 nheiro Domingos Marchetti, especialista em túneis. As ensecadeiras propostas pelo engenheiro Gentil Norberto, foram executadas sob a supervisão dos engenheiros Roberto Montenegro e Reginaldo Sarcinelli. Importante contribuição para a concepção do projeto e para a execução das obras foi dada pelos que trabalharam no modelo reduzido sob a orientação do engenheiro francês André Balança, detentor de profundos conhecimentos de hidráulica adquiridos na sua formação em Grenoble. André Balança se fixaria no Brasil até seu falecimento, tendo contribuído em inúmeros empreendimentos hidrelétricos, princi- palmente através de empresas de consultoria. A construção de Paulo Afonso exigiu a presença de milhares de trabalhadores e também atraiu outros milhares de pessoas que afluíam ao local da usina à procura de trabalho, estabelecendo-se ao lado do acampamento da CHESF, um crescente conjunto de casebres, em parte cobertos por sacos de cimento vazios surgindo no linguajar popular a Vila Poty e a Vila Zebu, ambas marcas de cimento. A CHESF participou do apoio à melhoria de vida dos moradores das novas vilas, contribuindo com assistência social e a implantação de recursos básicos requeridos, dentro das realidades da época. A vila Poty é hoje o centro da cidade de Paulo Afonso, uma das mais prósperas do estado da Bahia, e a vila Zebu, povoado do município de Delmiro Gouveia. Os estudos hidráulicos para o barramento do rio determinaram a aplicação de ensecadeiras celulares de estacas prancha. A impossi- bilidade de execução de batimetria, devido à velocidade de escoa- mento (cerca de 3,5 m/s) e profundidade do rio nas imediações das cachoeiras (10 m a 12 m), além da irregularidade do fundo rocho- so, dificultavam a execução da ensecadeira como fora projetada. O modelo reduzido definiu a solução considerando a montagem de um flutuante chamado localmente de “Navio”, com 18 m de comprimento, 12 m de altura e peso de 350 t, construído na França e montado no local da obra. Esse flutuante foi imerso no rio em posição previamente definida através de controle por cabos de aço fixados nas margens, esquerda e direita. O flutuante afundado des- viou as correntes mais intensas e possibilitou a instalação das estacas prancha sem que essas vergassem, uma vez que foi bastante reduzida a velocidade das águas nestes locais. À medida que as células iam sendo Figura 5 - Início da obra em 1950 com Marcondes Ferraz e Alves de Souza (primeiro e segundo da esquerda) Figura 6 - Visita do pres. Dutra ao lado de Alves de Souza. De costas, Marcondes Ferraz C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 174 executadas barrando e estrangulando a seção do rio, a velocidade da água ia aumentando progressivamente, atingindo valores de 8,5 m/s. A solução do “Navio” que protegera a construção das células por montante não mais seria aplicável. Decidiu-se pela implantação de uma estrutura metálica em treliça semi-flexível, posicionada a jusante da linha de centro da ensecadeira celular em construção. Essa treliça passou a reter blocos de pedra de grandes dimensões lançados na cor- rente do rio e retidos por redes apoiadas na treliça. Com a diminuição da velocidade de escoamento, a ensecadeira de estacas prancha pôde então ser concluída. Em depoimento ao autor o engenheiro Rubens Vianna de Andrade que, quando jovem participou da construção de Paulo Afonso I, disse que o esquema de desvio tinha sido realmente muito ousado, e que uma escavação de canal com estrutura de desvio como feito em Itaipú teria sido um esquema mais garantido. O fecha- mento do rio São Francisco, com o término da ensecadeira foi divulgado para toda a nação e meio técnico de engenharia. Essa vitória da engenharia brasileira foi comunicada durante uma sessão do Clube de Engenharia no Rio de Janeiro, a qual foi interrompida para que a notícia fosse conhecida pelos presentes que vibraram com o êxito da solução de engenharia, com calorosos aplausos. Outra alternativa que havia sido estudada para fechamento desse trecho final do rio era a da construção de um obelisco com uma das Figura 9 - Construção da ensecadeira celular com apoio do navio defletor Figura 7 - Montagem do navio defletor Figura 8 - Montagem da guia das estacas prancha A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 175Figura 10 - Construção da ensecadeira celular Figura 11 - Construção da ensecadeira celular C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 176 Figura 12 - Construção da ensecadeira celular – Carga hidráulica de 9 m Figura 13 - Construção da ensecadeira celular Figura 14 - Ensecadeira celular concluída e fase inicial do fechamento do rio A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 177 Figura 15 - Início do lançamento da treliça para fechamento do rio Figura 16 - Treliça posicionada para fechamento do rio Figura 17 - Fase final do fechamento do rio C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 178 faces reproduzindo da melhor maneira possível, o fundo do rio e colo- cado em pé em uma das margens do rio. Ao ser derrubado espe rava-se que esse obelisco obstruísse quase totalmente o fl uxo de água. Importante realçar que o consultor do Banco Mundial, Mr. Dunn, da American Engineering Co., desaconselhara os dois métodos para o ensecamento do leito do rio. Essa posição fora transmitida ao ministro Oswaldo Aranha que tivera contato com Mr. Black, pre- sidente do banco, durante a visita a Washington do presidente da CHESF, engenheiro Alves de Souza, para atender a convocação feita pelo banco. Aproveitando o fato de que o banco havia chamado Alves de Souza a Washington sem dar conhecimento da pauta da reunião e sem a convocação do diretor técnico, engenheiro Marcondes Ferraz, o que foi caracterizado como deslize de ética, o esquema de desvio foi mantido. Esse fato gerou a substituição do representante do banco em Paulo Afonso, Mr. Adolph Ackermann que se opusera ao esquema de desvio do rio, por Mr. Bass, de elevada competência e distinto cavalheirismo. Cinquenta anos após o desvio do rio, o engenheiro Rubens Vianna de Andrade que, quando jovem na profi ssão, participou da epopéia do desvio em Paulo Afonso, com sua vasta experiência posterior- mente em diversos desvios de grandes rios inclusive o desvio do rio Paraná em Itaipú, admitiu ao autor que o esquema que foi em- pregado em Paulo Afonso não teria sido o mais recomendado nem o mais seguro. Pensava em esquema semelhante ao de Itaipú com escavação de canal de desvio com aplicação da rocha escavada na barragem e a construção de estrutura de fechamento nesse canal. No dia 4 de agosto de 1954, na fase final de construção e com o desvio já equacionado, a Conferência Mundial de Energia que na época ainda incluía a Comissão Internacional de Grandes Barragens, efetuou uma visita técnica a Paulo Afonso. Nessa visita, o diretor da CHESF, advogado Afranio de Carvalho, concluiu o discurso de recepção à delegação com as seguintes palavras, antecipando-se a John Lennon: “As the World Power Conference represents the triumph of cooperation over isolationism, we are pleased to note that, in a way, a common and generous inspiration is the source of both your and our success. Let us hope that in the passing of time the same ideal penetrates into the mind and heart of all men so that mankind may live in peace, decency and liberty.” No dia 20 de setembro de 1954 foi iniciado o enchimento do reservatório, com o fechamento das comportas. Quando, a jusante das comportas o leito do rio ficou seco, um dos muitos que estavam assistindo o evento atravessou a pé o leito do rio empu- nhando a bandeira nacional, demonstrando a importância daquele momento histórico. No dia 1° de dezembro era ligado o primeiro circuito que atenderia Recife e poucos dias após era energiza- da a linha de transmissão para Salvador. A inauguração de Paulo Afonso ocorreu no dia 15 de janeiro de 1955 em solenidade comandada pelo Presidente da República, João Café Filho. Além do francês André Balança que chegou com 29 anos e fi cou para sempre no Brasil, uma legião estrangeira prestou importan- tes serviços para a CHESF nos seus primeiros anos, formada principalmente por imigrantes europeus após a II Grande Guerra Mundial, requisitados na Ilha das Flores, reduto na baía da Guanabara onde os estrangeiros eram recebidos e triados. Dessa legião estrangeira participaram Cyrill Iwanow, Abdank Abzantovsky e Andre Bijnik. Além de sua vital importância econômica e social para todo o Nordeste, Paulo Afonso passou a ser visitado por vastos contingentes de pessoas para apreciar a grandeza das obras ali implantadas. Considerando essa afl uência de visitantes, o profes- sor Amauri Menezes que assumiu a diretoria técnica durante as ampliações de Paulo Afonso, iniciou uma grande transformação do entorno da usina em vasto ambiente de agradável paisagismo implantando dezenas de pequenos lagos, intensa arborização pública e jardim zoológico, além de preservar as realizações da dire- toria anterior, como o laboratório de modelo reduzido e a fazenda modelo, criada por Apolônio Sales para difusão de conhecimento e transferência de tecnologia para produtores rurais e pecuaristas do sertão do São Francisco. A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 179 A notável beleza da cachoeira com suas diferentes quedas em seu estado natural ainda hoje pode ser vista por ocasião de cheias extravasadas pelos vertedouros. A primeira imagem da cachoeira foi captada em 1647 pelos pincéis de Franz Post, notável pintor vindo na comitiva pessoal de Maurício de Nassau. Dom Pedro II quando esteve na cachoeira em 1859 reproduziu a imagem que vislumbrava a lápis em seu diário de viagens. A expansão da CHESF A partir de 1953 a CHESF iniciou as negociações para obtenção de recursos junto ao governo federal para o primeiro plano de expansão de Paulo Afonso que incluía a terceira unidade da primeira casa de força e a construção da segunda casa de força denominada Paulo Afonso II que, como as que se seguiriam, seria também subterrânea. Após doze anos na direção técnica da CHESF e sendo um dos principais artífices do que ficou sendo conhecida como a epopéia de Paulo Afonso, Marcondes Ferraz foi destituído em 1960 por Juscelino Kubitschek como presidente da república. O afastamen- to teve motivação política, por ter Marcondes Ferraz apoiado o presidente da República Carlos Luz, no seu efêmero governo de dois dias e participado da fuga no cruzador Tamandaré após o primeiro dos dois golpes desferidos pelo general Henrique D. T. Lott que depôs dois presidentes. Quando Jânio Quadros foi eleito em 1960, o ministro João Agripi- no, promoveu alterações na diretoria da CHESF, tendo convidado Marcondes Ferraz para a presidência, convite declinado com o argumento de que não se deveria deslocar um homem do gabarito de Alves de Souza. Ao saberem que haveria mudanças na direto- ria, todos os diretores se demitiram e realçaram a importância da Figura 18 - O aproveitamento de Paulo Afonso em seu estágio final C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 180 continuidade de gestão que seria garantida pela permanência de Alves de Souza na presidência. Ele foi mantido e os demais diretores foram substituídos por Amauri Menezes, na diretoria técnica, Fausto Alvim na diretoria administrativa e Ivan Macedo Melo na diretoria comercial. Com o rio São Francisco domado em 1954, as ampliações que se sucederam foram muito mais simples. Novas casas de força subterrâneas foram se sucedendo, Paulo Afonso II concluída em 1968, Paulo Afonso III inaugurada em 1972 pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, e concluída em 1974, Paulo Afonso IV cujas obras civis foram concluídas em 1979, e a usina inaugurada em 1980 pelo presidente João Batista Figueiredo, tendo a última das seis unidades geradoras entrado em operação em 1983. A usina de Paulo Afonso IV, situada a cerca de1,5 km a jusante das suas precursoras, difere destas por captar, por meio de um ca- nal, água no nível do reservatório da usina de Moxotó implantada a montante da bacia de decantação Paulo Afonso I, II e III. Ao se projetar a barragem de Paulo Afonso IV verificou-se que, devido principalmente às características torrenciais do rio Moxotó, afluente pela margem esquerda do rio São Francisco na região de Paulo Afonso, des- cargas de até 10.000 m³/s em hidrógrafas de cheia de pequenos volumes poderiam se somar ao pico de cheia afluente ao reservatório de Moxotó. Como essa condição excepcional não havia sido considerada no projeto da barragem de Paulo Afonso, o vertedouro de Moxotó foi dimensionado para a mesma descarga de projeto da barragem das usinas de Paulo Afon- so I, II e III (25.000 m³/s). Para garantir o escoamento da cheia máxima possível, o canal de adução entre os reservatórios de Moxotó e Figura 19 – A usina hidroelétrica de Moxotó A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 181 de Paulo Afonso IV foi ampliado para permitir o fluxo adicional de 10.000 m³/s, garantindo também o simultâneo escoamento de possível cheia gerada na bacia do rio Moxotó, sendo projetado e construído um vertedouro de 10 000 m³/s de capacidade na barragem de Paulo Afonso IV. Na ocasião da concepção do projeto não foi considerada a construção de um obra de barragem para o controle de cheias do rio Moxotó que teria trazido importan- tes benefícios econômicos à construção de Paulo Afonso IV e aos vertedouros de jusante, Xingó já em operação e Pão de Açucar, presen- temente em fase de inventário. O reservatório da barragem de Moxotó, situado a montante de Pau- lo Afonso I, II e III, foi construído para promover a regularização semanal das vazões e possibilitar através do canal de adução aci- ma descrito, a derivação do fluxo d’água para a tomada d’água e vertedouro da usina de Paulo Afonso IV. As obras civis da usina de Moxotó foram iniciadas em 1971 e concluídas em 1974. A usina é composta por duas barragens de enrocamento com núcleo de argi- la, separadas por uma ilha, uma das barragens contendo a tomada d’água e casa de força e a outra o descarregador de fundo (barragem móvel) controlado por comportas de segmento. As quatro unidades geradoras, de 100 MW cada, entraram em operação em 1977. Posteriormente foi constatada a presença de reação álcali-agregado ocasionando expansão do concreto, o que exigiu a execução de serviços para convivência com esse fenômeno e manutenções peri- ódica nas unidades geradoras, monitorando os efeitos da expansão e garantindo o aumento da vida útil da casa de força. Uma equipe de técnicos da CHESF e consultores (Aurélio Vasconcelos, Alberto Jorge Cavalcanti, Ricardo Barbosa e João Francisco Silveira), dedicaram-se aos estudos e acompanhamento, formando um apreciável acervo sobre a reação álcali-agregado, em empreendimentos de engenharia. A barragem de Moxotó se situa a cerca de 2 km a montante da barragem do Complexo Paulo Afonso I, II, III. Foi necessária a construção de um núcleo urbano para transferência da população da cidade de Glória-BA, inundada com a formação do reservatório. Em 1983 a usina de Moxotó passou a ser denominada oficialmente de Usina Apolônio Sales em homenagem ao criador da CHESF. As sucessivas ampliações em Paulo Afonso passaram a demandar descargas afluentes mais regularizadas. As alternativas seriam a construção das hidroelétricas e reservatórios de Itaparica (em cota elevada), mais econômica, ou de Sobradinho ambas no rio São Francisco e a montante de Paulo Afonso e Moxotó. A solução ado- tada pelo setor elétrico, a partir de relatório do Comitê de Estudos Energéticos do Nordeste foi a construção da barragem de Sobra- dinho inicialmente sem casa de força por ser a solução de menor investimento para a regularização do rio. O planejamento energético foi influenciado também pelo baixo custo do petróleo, época do chamado “milagre brasileiro“, quando o barril de petróleo foi co- tado a menos de US$ 2,00, estimulando a construção de usinas termoelétricas junto aos grandes centros de consumo. Essa opção não prosperou em função do aumento de preços pela OPEP e da deflagração da guerra do Yom Kippur. Em maio de 1974 a CHESF recebeu instruções para motorizar Sobradinho, recomendações plenamente atendidas, ocorrendo o enchimento do reservatório de Sobradinho em 1978 e início de geração de energia em 1979. Em meados de 1971 a Eletrobras havia determinado a estruturação de uma superintendência sob o comando do engenheiro Euná- pio Peltier de Queiroz que havia criado a Centrais Elétricas do Rio de Contas, na Bahia, e implantado com sucesso a hidroelétrica de Funil e que teria como missão implantar o empreendimento de Sobradinho. Essa decisão da Eletrobras, que entre outros motivos buscava tirar do comando da Diretoria Técnica da CHESF uma das duas obras gigantescas e simultâneas (Sobradinho e Paulo Afonso IV), causou constrangimentos na subsidiária. Os dirigentes da Eletrobras, Mário Bhering e Pinto Aguiar foram sensibilizados pelos argumentos de Apolônio Sales, então presidente da CHESF, e criaram, com apoio de Léo Amaral Penna, uma solução de compromisso: a concessão da hidroelétrica de Sobradinho seria da CHESF. Além disso, o trabalho conjunto de Apolônio Sales e Eunápio Queiroz, que haviam sido companheiros no Congresso Nacional, neutralizou as componentes negativas desta divisão. Eunápio Queiroz e Ernani Gusmão, além de João Paulo Maranhão de Aguiar, Norman Costa, Japhet Diniz, Gláu- cio Furtado, Hilton Silveira, Paulo Pacheco e Margarida Maria Dantas de Oliveira, conduziram a implantação da hidroelétrica de Sobradinho. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 182 Uma barragem de terra zoneada flanqueia as estruturas de con- creto gravidade da tomada d’água e dos vertedouros de fundo e superfície, num arranjo característico de hidroelétrica brasileira em vale aberto. No local da barragem de Sobradinho e em toda a área do seu reservatório o rio São Francisco apresentava margens abatidas em vale muito aberto, o que, mesmo limitando a altura da barragem e definindo a usina como de baixa queda, gerou um reservatório de grandes dimensões com volume acumulado de 34,1 bilhões de metros cúbicos e extensa área alagada de 4.214 km2 possibilitando, com uma depleção de até 12 metros, um significativo aumento de descargas garantidas para as usinas a jusante. A casa de força de Sobradinho teve a entrada de sua primeira máquina em operação em novembro de 1979 e a última unidade geradora em março de 1982, atingindo seus 1050 MW de capacidade instalada. Apesar de se situar a cerca de 50 km a montante de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), portos terminais do trecho navegá- vel entre Pirapora - Minas Gerais e o sub médio rio São Francisco, o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, sucedido pela Portobrás, exigiu e assumiu os custos de implantação de uma grande eclusa de navegação, concluída em 1980. O reservatório de Sobradinho, tão importante para a segurança do suprimento de energia ao Nordeste, que na época era um sistema isolado do resto do País, gerou impactos sócio-ambientais de porte. Foi necessário a relocação das cidades de Casa Nova, Remanso, Sento Sé e Pilão Arcado e de outros pequenos povoa- Figura 20 - A usina hidroelétrica Sobradinho A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 183 dos situados às margens do rio São Francisco, com a transferência das suas populações. Ao todo foram 11.400 famílias (cerca de 70.000 pessoas) reassentadas para formação do reservatório. O usina de Sobradinho permitiu a interligação das regiões Nordeste e Norte através de linha detransmissão entre Sobradinho e Tucuruí. Como Tucuruí ainda estava em construção quando Sobradinho iniciou sua operação, durante cerca de quatro anos, antecedendo à inauguração de Tucuruí, o canteiro e acampamento dessa hidroelétrica, a cidade de Belém do Pará e cidades vizinhas foram abastecidas com energia elétrica gerada em Sobradinho, proporcionando significativa economia de petróleo. A construção da barragem de Sobradinho trouxe importante contribuição para a engenharia nacional de barragens ao ter seu núcleo impermeável executado com argila dispersiva, única disponível na área em quantidades compatíveis com os volu- mes requeridos. Técnicos brasileiros da CHESF e da Projetista (Esmeraldino Pereira, Antonio Martins, Hilton Silveira, Hi- romito Nakao, Hamilton Oliveira, Guy Bordeaux e Pedro Tanajura) com a consultoria e acompanhamento de um dos mestres mundiais da engenharia de solos – James L. Sherard, no escritório e no campo, desenvolveram estudos, avaliações e tarefas de controle de laboratório e construção dos maciços, que garantiram todos os requisitos de qualidade e segurança na utilização de argila dispersiva. Além do papel importante na redução de piques de cheia e interliga- ção Norte – Nordeste, em Sobradinho foi construída a tomada d’água que abastece o mais bem sucedido projeto público de irrigação no Brasil – o Projeto Nilo Coelho, com área irrigável de 25.000 hectares. Com Sobradinho ainda em fase de construção a CHESF iniciou em 1975 no rio São Francisco e a cerca de 40 km a montante de Figura 21 - A usina hidroelétrica de Itaparica C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 184 Paulo Afonso as obras para implantação da hidroelétrica de Itaparica, sob comando de Eunápio Queiroz. Tendo em vista a extensa área de reservatório de 834 km², houve a necessidade do assentamento da população ribeirinha que teve que ser desaloja- da. Foram construídas as novas cidades de Petrolândia, Itacuruba, Rodelas e o povoado de Barra do Tarrachil, abrigando cerca de 36.000 pessoas. O Empreendimento Itaparica foi realizado num período de intensas dificuldades financeiras do setor elétrico estatal, motivo pelo qual as obras se prolongaram muito além do que fora previsto no planejamento de construção. O vale aberto do rio foi barrado por um extenso maciço de enrocamento com núcleo de saprolito compactado ladeando as estruturas de concreto gravidade da tomada d’água e do vertedou- ro. Somente em 1988 foi fechado o reservatório e entraram em operação as primeiras unidades. Nesse ano a usina foi inaugurada pelo presidente José Sarney e atingiu plena capacidade em 1990 com seis unidades geradoras de 246,6 MW cada, já com a denomi- nação de Usina Hidroelétrica Luiz Gonzaga, homenagem ao grande compositor e cantor nordestino. A jusante de Paulo Afonso o rio São Francisco escavou profun- do e estreito cânion de paredes rochosas de elevadas qualidades geomecânicas, que atingem até 200m de altura. No após guerra, em 1951, o engenheiro Gerdes, da Kaiser, vislumbrou a construção de uma hidroelétrica nesse cânion. A indústria americana Reynolds Metals propôs a construção dessa hidroelétrica numa das partes mais estreitas do cânion com uma barragem em arco. Essa usina teria como finalidade a geração de grandes blocos de energia para uma unidade fabril de produção de alumínio a ser implantada na região. A concessão teria sido para autoprodutor por 30 anos e reverteria à União no entorno de 1985. Houve forte resistência política dos que consideravam que essa concessão não atendia aos interesses do Brasil e do Nordeste, capitaneada pelo político baiano, Clemente Mariano e pelo industrial e político paulista José Ermírio de Moraes com os argumentos de que haveria prejuízo da incipiente indústria nacional e que absorveria grande consumo de energia com pequena utilização de mão de obra. Com tanta oposição, a usina e a indústria não foram adiante. Somente em 1975 foram contratados pela CHESF, sob a supervisão de Felício Limeira de França e a coordenação do engenheiro José Geraldo Araújo, os estudos preliminares para seleção de local e de alternativas de projeto. Os trabalhos foram apoiados por uma junta de consultores com- posta por James Libby, James Sherard, Manuel Rocha, Armando Lencastre e Don Deere que, com a empresa consultora, recomendou, por mais econômica, a construção de uma barragem em abóbada com casas de forças subterrâneas nas duas margens. Dada a carência de experiência nacional em barragens em abóbada e como o esque- ma com barragem de enrocamento no final do cânion era viável, foi decidida a implantação dessa segunda alternativa de projeto que se situa imediatamente a montante das sedes municipais de Piranhas – Alagoas e Canindé do São Francisco – Sergipe, a Usina de Xingó, constituída por uma barragem com 145 m de altura, de enrocamento com face de concreto e com desvio por túneis escavados na margem direita onde também foi localizada a casa de força, abrigando seis unidades de 527 MW cada que entraram em operação entre 1994 e 1997. O nível d’água do reservatório da hidroelétrica de Xingó foi definido pelo valor aceitável de afogamento do canal de fuga de Paulo Afonso IV com conseqüente redução de geração nessa usina. Ao lado da tomada d’água para geração de energia elétrica foram implantadas duas tomadas para os projetos de irrigação Califórnia e Jacaré Curituba, ambos no estado de Sergipe e viabilizados pela elevação de mais de 120 metros no nível d’água no cânion. Além das hidroelétricas acima mencionadas e implantadas pela CHESF, outras foram incorporadas à CHESF ao longo dos anos. Essas usinas, a menos de Angiquinho já mencionada, que teve sua operação iniciada em 1913 e desativada em 1960 devido a uma inundação, e da antiga pequena usina existente em Itaparica, que abastecia um núcleo agrícola e operou de 1945 até a década de 1970 e foi alagada pelo reservatório da nova hidroelétrica em 1988, todas as demais usinas incorporadas pela CHESF se situam em outros rios do Nordeste. Essas hidroelétricas foram: Bananeiras (inundada pela usina hidroelétrica Pedra de Cavalo, do Grupo Vo- torantim) no rio Paraguaçu na Bahia, Boa Esperança no rio Parna- A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 185 íba na divisa dos estados do Maranhão e Piauí, as Funil e Pedra no rio de Contas no sul da Bahia, Curemas a partir dos açudes públicos Estevam Marinho e Mãe-d’água do DNOCS nos rios Piancó e Aguiar na Paraíba e Araras no açude público Paulo Sarasate do DNOCS no rio Acaraú no Ceará. A hidroelétrica de Bananeiras, situada no rio Paraguaçu, a montante da cidade de Cachoeira, havia entrado em operação em 1920 e teve 9 MW instalados para suprir o Recôncavo Baiano. Essa usina foi transferida da COELBA para a CHESF em 1967 e desativada em 1981 por interferência com a hidroelétrica de Pedra do Cavalo, de maior potência, que foi implantada no local. A usina hidroelétrica de Boa Esperança, situada no rio Parnaíba entre os estados do Maranhão e do Piauí, teve origem na iniciativa do DNOCS de criar uma comissão para inventariar as possibilidades de implantação de hidroelétricas no rio Parnaíba. Dessa iniciativa nasceu a Companhia Hidro Elétrica de Boa Esperança COHEBE, a partir de Grupo de Trabalho formado pelo DNOCS e pela SUDENE, com a participação dos estados do Piauí e Maranhão e do Ministério de Minas e Energia, representado pela Eletrobras. Em julho de 1963 a COHEBE foi formalmente constituída e sua primeira diretoria foi composta por César Cals de Oliveira Filho, Walter Barros da Silva, Hilton Ahiran da Silveira e Ebenezer Gueiros. A usina de Boa Esperança teve suas obras iniciadas em 1964, e sua Figura 22 - Ausina hidroelétrica de Xingó C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 186 primeira etapa com duas unidades de 54 MW de potência unitária foi concluída em 1970 proporcionando energia abundante e confiável aos estados do Maranhão e Piauí . Em 1972 Alde de Castro Salgado, então vice presidente executivo da CHESF, assumiu a presidência da COHEBE avançando no processo de absorção dela pela CHESF, previsto no planejamento do setor elétrico e reforçado pela interli- gação elétrica CHESF – COHEBE, atingida com a energização de LT 230 kV Teresina – Sobral – Fortaleza. Para não onerar os consu- midores, o passivo da COHEBE foi coberto com recursos da reserva legal para desapropriação de empresas de energia elétrica, e com a passa- gem para o Patrimônio da União do imobilizado não ligado diretamente à geração. Ela encontrou apoio na Eletrobras através dos seus direto- res Mario Bhering, Pinto Aguiar e Antônio Carlos Bastos. Em 1973 a COHEBE foi então absorvida pela CHESF. Anteriormente, após a morte do ex-presidente Castelo Branco, a casa de força passara a ser denominada Presidente Castelo Branco, mantendo-se para o empreendimento a denominação Usina de Boa Esperança. Esse procedimento foi replicado quando da morte do deputado federal Milton Brandão, grande defensor desta usina, que foi homenageado com a denominação Barragem Milton Brandão. Somente em 1991 as duas últimas unidades geradoras de 63,65 MW cada, entraram em operação, complementando a necessidade de expansão da geração para a região, atendida pelas hidroelétricas do rio São Francisco através de linha de transmissão 500 kV Sobradinho – Boa Esperança. De modo semelhante ao que aconteceu com Paulo Afonso na década de 1940, a construção de Boa Esperança sofreu grande oposição dos que consideravam que a demanda dos estados do Nordeste Ocidental (Maranhão e Piauí) não justificava a implantação de um empreendimento desse vulto, o que explica a grande defasagem entre as instalações das unidades geradoras. Em oposição a esses, haviam os que a legavam que a us ina ser i a um inves t imento p ione i ro fomentador de progresso para a região. A usina hidroelétrica de Funil no rio de Contas, no sul da Bahia, foi implantada inicialmente com 20 MW em 1962 e posteriormente ampliada para 30 MW em 1970, composta por três unidades geradoras de 10 MW cada, sendo transferida da COELBA para a CHESF em 1980. A barragem é uma estrutura de concreto gravidade incluindo a tomada d‘água e o vertedouro em vale relativamente fechado. A usina de Pedra também no rio de Contas, a montante da usina de Funil , possui apenas uma unidade geradora de 20 MW cuja entrada em operação aconteceu em novembro de 1978, sendo suas obras civis iniciadas em setembro de 1976. A barragem tem múltipla finalidade e além de geração de energia, permite a regularização do rio para controle de enchentes, abastecimento d’água e ir r igação agrícola. A barragem é do tipo contrafortes de concreto com 24 blocos dos quais os sete blocos centrais são vertentes, dotados de comportas de segmento. A usina de Curemas com duas unidades geradoras totalizando 3,5 MW encontra-se situada a jusante da barragem dos açudes públicos Estevão Marinho e Mãe-d’Água, nos rios Piancó e Aguiar, no estado da Paraíba. Teve suas obras iniciadas pelo DNOCS em 1939. Em 1957 a hidroelétrica entrou em operação tendo sido incorporada pela CHESF em 1969. A hidroelétrica de Araras, com duas unidades geradoras totalizando 4 MW, encontra-se situada a jusante da barragem do açude público Paulo Sarasate, no rio Acaraú, no Ceará. As obras foram iniciadas pelo DNOCS em 1956. A usina só entrou em operação em 1967 e em 1969 foi incorporada à CHESF. Novos tempos – século XXI A partir de 2006, dentro do novo modelo do Setor Elétrico Brasileiro, a CHESF voltou a investir e participar de grandes em- preendimentos de geração de energia elétrica, sendo acionista minoritária nas usinas hidroelétricas de Dardanelos, Jirau e Belo Monte, todas na modalidade de consórcio privado, formando socie- dades de propósito específico (SPE). A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 187 Na usina hidroelétrica Dardanelos a CHESF participa em socie- dade com a Neoenergia e a Eletronorte. A usina está localizada na margem esquerda do rio Aripuanã, no noroeste do Mato Grosso, na Região Amazônica, tendo uma capacidade instalada de 261 MW, sendo composta de 5 unidades geradoras, quatro delas de 58 MW cada e uma de menor porte de 29 MW. Na usina hidroelétrica Jirau a CHESF participa em sociedade com a GDF Suez, a Eletrosul e a Camargo Corrêa. A usina está sendo construída no local denominado ilha do Padre, no rio Madeira, a 120 km de Porto Velho, em Rondônia, na região amazônica. Sua capacidade instalada é de 3.450 MW com 46 unidades Bulbo de 75 MW cada, dispostas em duas casas de força, uma na margem esquerda e outra na margem direita. Seu vertedouro possui 44 vãos e permite uma descarga de vazão de projeto de 85.800 m3/s. Finalmente, no Complexo Hidrelétrico de Belo Monte a CHESF se associou a outras 18 empresas. A usina será construída no rio Xingu, no Pará, na região amazônica, possuindo três sítios, um deles denominado Pimental onde ocorrerá o barramento do rio Xingu, composto de casa de força complementar e vertedouro, outro composto do canal de adução e interligação e o último com- posto do reservatório intermediário e sítio Belo Monte com a usina principal. A potência instalada total de Belo Monte é de 11.233 MW, com dezoito unidades geradoras de potência unitária 611,1 MW, com turbinas Francis na casa de força principal denominada Belo Monte e 6 unidades geradoras de potência unitária 38,85 MW, com unidades Bulbo na casa de força complementar. Figura 23 - Vista aérea da hidroelétrica de Xingó C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 188 189 Furnas no século XX Flavio Miguez de Mello Desde os primórdios da produção de energia elétrica no País até pouco depois da II Grande Guerra Mundial, a energia elétrica era praticamente só gerada por empresas privadas, a maioria delas nacio- nais, mas as duas maiores eram de capital canadense (Light) e ame- ricano (AMFORP American Foreign Power). Havia também inúmeros pequenos autoprodutores rurais. Esse cenário começou a se tornar crítico a partir do Código de Águas que, tendo sido adotado em 1934, criou desequilíbrio econômico nos contratos de concessão de fornecimento de energia elétrica, tirando o incentivo da iniciativa privada em promover acréscimos de investimento de geração, trans- missão e distribuição de energia elétrica. Nessa época o País começou a deixar de ser apenas essencialmente rural para iniciar a industria- lização que, por sua vez, gerou crescente aceleração urbana que passou a pressionar por demanda de energia elétrica. Com as restri- ções tarifárias, as companhias de energia elétrica passaram a enfren- tar problemas no atendimento da crescente demanda, fazendo com que, já nos anos 40, alguns estados como São Paulo e Minas Gerais principalmente, começassem a criar empresas estatais de energia elé- trica. A situação da Light, por exemplo, a maior concessionária do País na época, evidenciava esse cenário. Apesar de procurar aumen- tar sua oferta de energia elétrica, essa oferta era inferior à demanda que crescia acima da capacidade de investimento da concessionária. Furnas no século XX “No Brasil nunca se fez nada demasiadamente grande.” Leopoldo Miguez Reservatório de Serra da Mesa, o maior do País com capacidade de 54,4x 109 m3 C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 190 Desse modo, estimuladas pela própria Light e com perspectivas de racionamentos, as indústrias passaram largamente a instalar gru- pos geradores Diesel. Só em São Paulo, em 1954, havia cerca de 100 MW instalados pela indústria em grupos Diesel que represen- tavam quase 20% da capacidade instalada da São Paulo Light. As sinalizações de déficit passaram a ser evidentes, sendo agravadas pela inexistência de interligação dos sistemas das concessionárias. Mesmo na Light, os sistemas do Rio de Janeiro e de São Paulo eram em frequências diferentes. Havia apenas uma pequena conversora de muito baixa capacidade entre os dois sistemas. Nos anos cinquenta, o governo federal que havia criado a CHESF para explorar o potencial do rio São Francisco em Paulo Afonso, foi seguido pelas fundações da CEMIG (1951), COPEL (1953), USELPA (1953), EFE (1954), CHERP (1955) e Escelsa (1956). No início do governo Kubitschek, em 1956, ficou claro que a diferença entre a capacidade em construção e a demanda projeta- da exigia o início, em muito curto prazo, de obra que acrescentas- se cerca de 1000 MW na Região Sudeste. A solução estava no local recém descoberto pela CEMIG, em reconhecimento do potencial do rio Grande entre a hidroelétrica de Itutinga e o re- manso do reservatório de Peixoto. O local foi identificado por Francisco Noronha e Anton Rydland em viagem exploratória sugerida por John Cotrim, então diretor técnico da CEMIG. No local havia as corredeiras de Furnas que se situavam em vale apertado de encostas íngremes, em cujas margens o engenheiro José Mendes Júnior costumava pescar, nas proximidades de sua fazenda. Os dois engenheiros pernoitaram na fazenda e rece- beram de Mendes Júnior indicações sobre o local das corredeiras. Este se mostrou excepcional para uma grande usina com grande reservatório de regularização. Os estudos iniciais mostraram que a capacidade instalada seria quase um terço da capacidade instalada nacional. O vulto das obras que seriam necessárias para erguer uma das maiores hidroelétricas do mundo na época era muito superior à capacidade das empresas Figura 1 - Francisco Noronha e Anton Rydland no local de Furnas A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 191 estaduais na época. O mercado a atender era primeiramente São Paulo que se encontrava em situação mais crítica e depois os demais estados da Região Sudeste. Esses aspectos fizeram com que ficasse claro que a empresa a ser constituída deveria ser federal. Lucas Lopes, então presidente do BNDE, e John Cotrim, de dire- tor técnico da CEMIG para presidente de Furnas, selecionaram os principais membros da nova empresa, sem influências políticas e procurando não sacrificar a CEMIG, em cumprimento à promessa feita ao professor Cândido Holanda, sucessor de Lucas Lopes na presidência da CEMIG. Apesar de ser diretor da CEMIG, Flavio Lyra que residia no Rio de Janeiro, foi selecionado como diretor técnico. Para cuidar da administração, das finanças e dos supri- mentos, foi convidado o engenheiro Benedito Dutra. O famoso tripé de Furnas estava formado, sendo pessoas perfeitamente in- tercambiáveis dadas a formação e a experiência dos três. Os três constituiriam a diretoria executiva de Furnas. A primeira oposição a Furnas veio do governo de Minas Gerais, à época exercido por Bias Fortes. Ele queria garantir que Três Marias fosse feita antes de Furnas para ter certeza de que seria con- cluída. Além disso, ele era contra grandes áreas alagadas em Minas para gerar energia para outros estados: costumava dizer que que- riam “fazer de Minas a caixa d’água do Brasil”. Ele temia que o governo federal não tivesse recursos para as duas obras simultaneamente e criou toda sorte de obstáculos para atrasar o início de Furnas até que Três Marias estivesse em construção e em estágio irreversível. Lucas Lopes articulou um esquema de participação da Comissão do Vale do São Francisco em Três Marias, o que foi um presen- te do governo federal para a CEMIG. A Comissão pagaria pelo reservatório e pela barragem, enquanto que a CEMIG apenas aportaria recursos para a construção da casa de força situada ao pé da barragem. Isso tinha justificativa uma vez que Três Marias era um empreendimento de finalidades múltiplas. Mas a oposição do governador Bias Fortes continuava. Seu der- radeiro lance foi exigir que a sede de Furnas fosse localizada em Minas Gerais. No impasse, já que Belo Horizonte na época não dispunha da infra-estrutura adequada, veio a idéia de finalmente concordar com o governador que então parou de se opor e a em- presa pode ser finalmente constituída. Enquanto ele pensava que tinha trazido a empresa para Belo Horizonte, a sede foi para Passos, pequena cidade nas proximidades do local da usina, e o escritório central ficou instalado no Rio de Janeiro. As atas das assembléias eram referidas a Passos apenas nominalmente. Essa situação só foi normalizada cerca de vinte anos depois com a transferência oficial da sede para o Rio de Janeiro. As negociações políticas com São Paulo foram mais fáceis, mas também tiveram seu preço. Quando tudo estava pronto para a fundação da empresa, o governador Jânio Quadros disse que só autorizaria a participação de São Paulo na empresa se Lucas Lo- pes fosse falar com ele pessoalmente. Lopes e Cotrim foram a São Paulo e, depois de serem mostrados os benefícios para o estado que seriam trazidos por Furnas, Jânio disse que só entraria no projeto se houvesse garantias que o governo federal investisse também nos projetos do estado que eram os aproveitamentos hidroelétricos de Urubupungá e Caraguatatuba. Lucas Lopes teve que concordar. O aproveitamento de Urubupungá foi feito, tendo resultando nas usinas de Jupiá e Ilha Solteira. O aproveitamento de Caraguatatuba não saiu do papel por ser derivação de descargas Figura 2 – John Cotrim , Bias Fortes, Candido Holanda e Flavio H. Lyra C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 192 da bacia do rio Paraíba do Sul para o oceano, com graves impactos para as regiões a jusante no Vale do Paraíba. Resolvidas as participações estaduais, foram negociadas as par- ticipações da Light e da AMFORP que, para qualquer aumen- to de capital, necessitariam de alteração no gargalo tributário a que eram sujeitas. Essas alterações foram impedidas pelos parlamentares que se designavam como nacionalistas e a par- ticipação dessas duas empresas foi sendo diluída pela renúncia de investimentos adicionais. Uma reunião em Alfenas com a comunidade local foi a antevisão das atuais audiências públicas. Por Furnas participaram os enge- nheiros Cotrim, Lyra, L. C. Barreto de Carvalho e Julival de Moraes que encontraram um clima de hostilidade inédito até aquela época. Participaram da reunião que se estendeu até a madrugada muitos proprietários de terras da região e advogados que os incitavam com o objetivo de angariar clientes em ações contra a empresa que estava sendo constituída, bem como políticos que tinham suas bases na área, além do engenheiro Souza Dias, diretor da CELUSA, empresa de energia do estado de São Paulo, que defendia que era melhor para São Paulo que investimentos fossem feitos em obras estaduais e não em obras federais; pelas suas mãos, o advogado Noé Azevedo se tornou patrono de muitos proprietários e muni- cípios em uma ação cominatória que visava impedir a construção da barragem de Furnas. Menção é devida a outras pessoas que tiveram destaque na forma- ção da empresa, tais como João da Silva Monteiro, diretor da Light, Maurício Bicalho, diretor da CEMIG, Mário Lopes Leão, chefe do planejamentoelétrico do governo de São Paulo, José Luiz Bulhões Pedreira, Sérgio Otaviano de Almeida, Emerson Nunes Coelho, Carlos Mário Faveret, José Pilz Filho, Ernani da Motta Rezende, Delphim Mazon Fernandes e Jarbas Di Piero Novaes. Em reunião com o presidente JK realizada no palácio Rio Negro, em Petrópolis, foi apresentada por Lucas Lopes a estrutura orga- nizacional da empresa. A diretoria executiva seria composta por John Cotrim na presidência, Flavio H. Lyra na diretoria técnica e Benedito Dutra na diretoria de administração e finanças. Além desses diretores executivos, haveria diretores representando os ou- tros principais investidores: a Light, e os estados de Minas Gerais e São Paulo. Juscelino então perguntou: “E eu? Não sobrou nada para mim aí nessa diretoria?” Lucas Lopes esclareceu: “Não temos Figura 3 – JK e Lucas Lopes reunidos com os indicados para diretoria de Furnas por ocasião da constituição da companhia. Da esquerda João Monteiro, Lucas Lopes, Juscelino Kubitschek, John Cotrim, Flavio Lyra e Benedito Dutra A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 193 Figura 4 - Flavio H. Lyra, José Pilz Filho, piloto e convidado Figura 5 - Assis Chateaubriand e Flavio H. Lyra em solenidade no canteiro de obra de Furnas Figura 6 - Delphim Mazon Fernandes e senhora em 1966 C I N Q U E N T A A N O S D O C O M I T Ê B R A S I L E I R O D E B A R R A G E N S 194 como mexer na diretoria, mas você tem as vagas do conselho de admi- nistração e do conselho fiscal.” Disse então o presidente Jusceli- no: “Ah bom, então Lucas, quero você na presidência do Conselho de administração.” E indicou alguns nomes para compor os dois conselhos respeitando os que, representando os investidores, já constavam das duas relações. Furnas conseguiu do BIRD, em outubro de 1958, um empréstimo de US$ 73 milhões, quantia impressionante para a época, o maior empréstimo feito pelo BIRD para um só empreendimento até então. Os recursos em moeda nacional vieram do BNDE e do Fundo Federal de Eletrificação. Na maior parte do tempo os residentes de Furnas na obra foram Rodrigo Mário Penna de Andrade e Franklin Fernandes Filho. A construção seguiu um projeto muito bem concebido que resultou em uma alta barragem de enrocamento com núcleo de terra no leito do rio, concentrando na margem esquerda as estruturas do vertedouro e da tomada d’água. O canal de adução a essas estruturas foi escavado em cota elevada, propiciando enrocamento para a barragem. Entretanto, para se can- didatar ao empréstimo do BIRD, foi enviado às pressas, no início dos estudos, um dos arranjos que estavam sendo considerados: barragem de concreto gravidade, mais convencional na época, e vertedouro com seis comportas de segmento com capacidade total de 13.000 m³/s. Com o aprofundamento dos estudos hidrológicos verificou-se que não seria possível a ocorrência de uma descarga superior a 10.500 m³/s no local da barragem. O diretor técnico propôs ao BIRD a eliminação de um vão do vertedouro, mas o enge- nheiro responsável por esse empreendimento no BIRD, traumatizado por já ter perdido uma barragem por ruptura causada por transbor- damento, não aceitou que a redução fosse efetuada. Com isso, além dos gastos com a escavação, o concreto e a comporta do vertedouro e do acréscimo de calha desnecessários, houve inflação de capacidade de descarga nos vertedouros a jusante. Um marco importante para a engenharia hidráulica brasileira foi a seleção do laboratório que deveria desenvolver os ensaios em modelo hidráulico reduzido. A indicação dos projetistas era de um laboratório nos Estados Unidos, uma vez que não havia experiên- cia nesse setor da engenharia no Brasil para encarar os ensaios de uma obra dessa magnitude. Flavio Lyra, conhecedor da capaci- dade do professor Theophilo Benedicto Ottoni Netto e de seus ex-alunos, assumiu a responsabilidade da execução dos ensaios no Brasil pelo Laboratório Saturnino de Brito. Como o laboratório era instalado no subsolo de um prédio situado na rua Araujo Porto Alegre, no Centro da cidade do Rio de Janeiro, houve a necessidade de se construir os modelos em área do laboratório do Departamen- to Nacional de Portos e Vias Navegáveis, situado no Caju. Esse foi o primeiro grande passo para a formação de várias gerações de excelentes engenheiros hidráulicos no País. Além da barragem principal e do conjunto tomada d’água e verte- douro, o reservatório é fechado com a barragem de terra de Pium-I que impede que as águas afluam para a área de drenagem do rio São Francisco. Inicialmente essa barragem seria construída nas cercanias da pequena cidade de Capitólio. O projeto teve que ser mudado devido à pressão da população da cidade, revoltada com a Figura 7 - Visita do presidente Juscelino Kubitscheck à hidroelétrica de Furnas no início de sua obra A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 195 possibilidade de ser impactada pela obra. Entretanto, com o pas- sar do tempo, a população verificou as muitas melhorias que Fur- nas havia introduzido em outras cidades na área do reservatório e pressionou em sentido contrário para que a barragem retornasse ao local originalmente selecionado para que houvesse em Capitó- lio os benefícios propiciados às outras cidades. Tarde demais, não mais havia tempo para alterações. A cidade de Capitólio ficou às margens do reservatório, sujeita à imagem desagradável das áreas que afloravam quando o reservatório era deplecionado. Cerca de vinte anos após o reservatório ter sido formado, assumiu a vice- presidência da República e o Ministério de Minas e Energia o político mineiro e engenheiro Aureliano Chaves que pressionou Furnas para construir a pequena barragem de Boa Esperança com a fina- lidade de manter o nível d’água constante em frente à cidade de Capitólio, um de seus redutos políticos. Durante a construção hou- ve uma ruptura da fundação em argila muito compressível, sendo o vertedouro, na reconstrução da barragem, sido deslocado para um local onde ocorria rocha competente. Figura 8 - Vista aérea de Furnas nos primeiros anos de operação. A montante do canal de acesso à tomada d’água e ao vertedouro, o morro dos Cabritos em fase inicial de erosão. C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s 196 A respeito da barragem de Pium-I um episódio interessante ocorreu muitos anos depois de sua construção. O governo Fer- nando Henrique Cardoso se propunha privatizar o setor elétrico estatal federal, inclusive a usina de Furnas. O ex-presidente Itamar Franco, na época governador de Minas Gerais, apesar de ter iniciado o programa de grandes privatizações quando era presiden- te, com a bem sucedida privatização da CSN, se colocou frontal- mente contrário à privatização do setor elétrico, principalmente de Furnas, concessionária de várias hidroelétricas em Minas Gerais, a começar por Furnas. No seu esforço político contra a privatização, mobilizou uma força policial para a região de Pium-I com equi- pamentos de terraplanagem e ameaçou abrir a barragem fazendo com que as águas do rio Grande represadas pela barragem de Furnas fossem afluir para a bacia do rio São Francisco. Ao adotar essa inédita postura afirmava que por ser engenheiro, saberia efe- tuar essa sabotagem com eficiência. A derivação do rio Grande, se realmente executada, prejudicaria enormemente todas as usinas a jusante de Furnas, três das quais concessões da CEMIG. A pressão política foi grande e a privatização de geradoras do setor elétrico nessa fase se limitou à Eletrosul. Voltando aos anos sessenta. Como havia oposição ao empreendi- mento mesmo depois dele já consolidado, o fechamento do reserva- tório foi sigilosamenteprogramado para o dia 9 de janeiro de 1961. No dia anterior membros da diretoria se deslocaram para a obra. O avião de Furnas não pôde decolar do aeroporto Santos Dumont. Foi acionado um avião da Líder que costumava fazer o trajeto entre Rio e Furnas. O piloto que naturalmente acompanhava as atividades de construção, vendo os VIPs congregados no avião, comentou que deveria ser para o fechamento do reservatório. Esse ingênuo comentário fez com que Cotrim entrasse em de- sespero dizendo que a operação já era do conhecimento geral. O piloto afirmou que ele não sabia de nada e que apenas supôs que o fechamento do reservatório iria ocorrer vendo quem eram os passageiros no avião. Na guarita da obra foi montado um esque- ma do tipo operação padrão para impedir ou retardar ao máximo a entrada de qualquer pessoa estranha. O esquema funcionou muito bem, pois até o carro que conduzia o Cotrim foi barrado, só tendo sido liberado quando Flavio Lyra, que vinha atrás em outro carro, disse para o guarda abrir a cancela. Quando foi impedido de en- trar, John Cotrim disse para o guarda: “Eu sou o Cotrim”. O guarda, que não conhecia o presidente da empresa e seguindo instru- ções disse: “Nem Cotrim nem Delphim, aqui não pode entrar ninguém.” Perto das 24 horas, Flavio Lyra com um megafone começou a comandar o fechamento dos dois túneis de desvio. A operação ocorreu com sucesso. Ainda não havia amanhecido quando chegou na portaria um oficial de justiça com um mandato para impedir o fechamento do reservatório. Depois de perder muito tempo na operação padrão da portaria, o oficial de justiça entregou o man- dato. Flavio Lyra disse a ele que ele havia chegado tarde pois não havia mais qualquer possibilidade física de retirar as comportas que já estavam com bem mais de 20 m de água sobre elas. O oficial de justiça se retirou, John Cotrim também saiu no meio da manhã. Flavio Lyra ficou na obra para acompanhar o desempenho do fe- chamento. No meio do dia chegou na obra o então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, que, ou comprometido com o mandato de segurança acima mencionado ou querendo ter colhi- do dividendos políticos na operação de fechamento, passou uma descompostura no diretor presente, Flavio Lyra, que aguentou firme tal estupidez. Tempos depois, por ocasião da inaugura- ção da usina, já sem problemas de oposição ao empreendimento, o governador Magalhães Pinto foi convidado junto a outros governa- dores, ministros e demais autoridades. Poucos dias depois começou o pesadelo na execução dos plugues dos dois túneis de desvio. Em cada um dos dois túneis, quando os plugues estavam quase concretados, ocorreram explosões que acar- retaram acréscimos substanciais e crescentes de vazão que indicavam que alguma coisa havia colapsado no túnel, na parte a montante dos plugues. Após extensos trabalhos, os vazamentos foram con- trolados pela colocação de tetrápodos, enrocamento grosso, enroca- mento fino, areia e argila, nessa ordem, a montante das comportas de desvio. Essa longa operação para solucionar o mais importante acidente que até então havia ocorrido em obras no País fez com que o engenheiro Flavio Lyra, ao final desse período tivesse fi- cado grisalho. Na conclusão dos serviços, o engenheiro Franklin A História das Barragens no Brasil - Séculos XIX, XX e XXI 197 Fernandes Filho, ao adentrar num túnel com outras pessoas, viu uma delas cair. Foi então descoberta a causa das explosões: mistura de oxigênio com gás metano acumulado nos túneis, proveniente da decomposição de matéria orgânica da área do reservatório. Com a elevação do nível d’água na área do reservatório, houve efetiva colaboração das Forças Armadas na retirada de algumas pes- soas que, embora avisadas, permaneciam na área que estava sendo alagada. Centros urbanos como a cidade de Guapé e a vila de São José da Barra haviam sido reconstruídas com melhores habita- ções e equipamentos urbanos às margens do reservatório. Entretanto, naquela vila, por exemplo, havia um habitante que teimava em permanecer na casa que já havia sido comprada e paga por Furnas. Dizia ele que “nem a cheia de 1930 trouxe água até aqui e não será essa tal de Furnas que fica a léguas de distância, que vai trazer água até a minha roça. Se a água vier até aqui eu bebo ela todinha.” Teve que ser tirado à força. Cenas como essas não eram incomuns na época. A Companhia Paulista de Força e Luz, do grupo AMFORP, para a visualização dos residentes antes do fechamento do reservatório de Peixoto, hidroelétrica anterior e a jusante de Furnas, fincou estacas brancas de madeira em diversos pontos onde a linha d’água iria atingir quando da formação do reservatório. Na última hora foi reporta- do que ainda havia um teimoso na área do reservatório. Aos que lá foram ter com ele, foi dito: “Seu Doutor, o senhor não garan- tiu que as águas iriam subir até a estaca branca?” Após a resposta afirmativa, ele acrescentou: “Pois assim seja. Eu peguei a estaca e finquei ela lá em baixo.” O projeto e a obra de Furnas foram executados com grande sucesso. A regularização promovida pelo reservatório beneficiou sobremodo os potenciais a jusante propiciando a ampliação da capacidade insta- lada de Peixoto (Mascarenhas de Moraes) e viabilizando os muitos e grandes aproveitamentos a jusante que foram todos construídos até Itaipu com exceção de Ilha Grande no rio Paraná que, apesar de ter tido iniciadas as obras, não foi construída por ter sido criado um parque nacional na área que seria o reservatório. Apesar do importante acidente nos túneis de desvio, a usina e seu sistema de transmissão associado entraram em operação como programado, tendo salvado o estado de São Paulo de uma concreta ameaça de forte racionamento. Nessa ocasião eram impressionantes as fotografias dos reservatórios em São Paulo completamente deple- cionados, principalmente os da São Paulo Light, com barcos enca- lhados na lama do fundo dos reservatórios. A usina foi inaugurada pelo presidente Castelo Branco em 12 de maio de 1965. Como consultores internacionais para o projeto e a obra, Furnas contou com o canadense Richard L. Hearn, o austríaco Arthur Casagrande e o americano Portland Port Fox. Muitos anos se passaram e a encosta do morro dos Cabritos, quase frontal à barragem apresentava constante e acelerada erosão com desplacamento de material. Um desses desplacamentos cau- sou uma onda que incidiu contra a barragem. Com o progresso da erosão foi se formando um grande monólito que, se incidisse no reservatório poderia, de acordo com o modelo hidráulico reduzi- do, provocar uma onda de até 30 m sobre a barragem. Toda a área instável foi então removida. A Companhia Paulista de Força e Luz detinha a concessão do aproveitamento hidroelétrico de Estreito situado no rio Grande a jusante da usina de Peixoto. A partir de acordo entre as duas com- panhias, a concessão foi transferida para Furnas que, naquela época, 1965, estava mais bem estruturada para executar a construção. A obtenção dessa concessão foi obtida graças ao elevado desempe- nho da empresa na construção de Furnas e quebrou a orientação governamental de que Furnas se limitaria à implantação da usi- na de Furnas e à sua operação. Mais uma vez houve uma corrida contra o tempo para que a usina de Estreito entrasse em opera- ção para evitar colapso no suprimento de energia elétrica à Região Sudeste. A barragem de enrocamento com núcleo de terra fe- cha o vale e as estruturas do vertedouro com capacidade de 12.950 m³/s e da tomada d’água foram implantadas cada uma em uma das margens, ambas com largos canais de acesso que pro- piciaram os enrocamentos necessários à barragem. Nessa obra C i n q u e n t a a n o s d o C o m i t ê B r a s i l e i r o d e B a r r a g e n s