Buscar

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 5 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Curso: Psicologia
Disciplina: Abordagem Sócio Histórica
Filme “O bicho de Sete Cabeças”
 O filme conta a história de um jovem chamado Netinho, um adolescente rebelde, que teve experiências com drogas (maconha) e bebidas, que passa dois anos num hospital psiquiátrico, local onde também tratava de dependentes químicos. Tudo começa um dia, quando o rapaz deixa cair de sua camisa um cigarro de maconha e a família, desconfiada que o filho é um viciado. Sem preparo nem informação alguma o jovem é simplesmente deixado pelo pai em uma instituição psiquiátrica. O manicômio, que supostamente deveria cuidar e “curar” o paciente, promovendo sua reinserção social o mais rápido possível, acaba por deixá-lo de fato louco e mais alienado do que nunca.
 Segundo Pedro Combaroli (2013) a análise que a diretora Laís Bodanky faz dos dramas familiares, psíquicos e psicológicos que enfrentamos ao sofrer traumas na fase do início da vida adulta, ficam marcadas até o fim de nossas vidas, Combaroli (2013) usa conceitos do filosofo e escritor francês Michael Foucault estuda ao longo da sua obra: sufocamento. Que trata de todas essas questões inseridas no contexto do filme.
 No filme, com muita clareza e eficiência, são enfocadas três questões sociais que são de grande valia na realidade brasileira da atualidade: a relação cada vez mais tênue entre pais e filhos, o uso de drogas e a forma como o sistema cria e, mesmo assim, mantém à margem as pessoas mentalmente deficientes.
 Percebe–se, o fato social, que é o modo ou maneira de agir, pensar e sentir do indivíduo, como também vemos que a sociedade analisa e julga o indivíduo (E nos leva a questionar outro ponto. O que a sociedade faz ou como ela age quando a pessoa é diferente de seus padrões? E aí está um dos inúmeros defeitos da sociedade: a dificuldade de conviver como o que é diferente). O pai preocupa–se com o que a sociedade vai pensar ao descobrir que ele tem um filho “maconheiro”, uma “ovelha negra”, a “desgraça” da família e não prioriza procurar outros meios, como por exemplo uma conversa, um diálogo mais aberto para que o jovem sentisse mais à vontade e pudesse expor os seus receios, dúvidas e questionamentos. 
 O pai confia cegamente que a ciência vai salvar o seu filho. Dando continuidade ao filme, Netinho é internando com o propósito de se reabilitar, restaurar à normalidade, ou aos meios próximos dela, de forma e de função do organismo, após um trauma ou doença, recobramento de crédito, de estima ou do bom conceito perante a sociedade. Porém, a estrutura social ali presente visa o lucro, ou seja, a verba do governo que em repassada para aquela instituição, onde as pessoas são maltratadas, humilhadas e realmente são tratadas como animais, além de que a finalidade era prolongar o tratamento para que assim eles pudessem ganhar mais dinheiro do governo e da família do doente.
 Ao tratar dos abusos do sistema manicomial no filme, Laís Bodansky afirma:
 Não queria fazer uma ficção. Eu tinha medo de fazer um filme que se passasse nos anos 70 e que as pessoas fossem para casa felizes da vida imaginando que isso não acontece mais. Por isso, resolvi trazer o personagem para os anos 90, para cutucar o espectador, dar um alerta. Minha preocupação foi fazer com que o espectador saísse do cinema com vontade de mudar a realidade
 Nesta parte da história, pode–se discutir a questão dos papéis sociais (função que o indivíduo ou repartições assumem a nível social), mais especificamente o papel do hospício/sanatório retratado no filme como um local que ao invés de ajudar o paciente, faz é piorar o seu estado, o que condiz com a realidade brasileira daquele recinto. Destaca–se a questão do capitalismo, já que quanto mais pessoas estivessem internadas, mais lucro teriam, sem se preocupar com o ser humano, em ajudar o próximo.
 A solidariedade que é um laço ou vínculo recíproco de pessoas ou coisas independentes, sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses de uns grupos sociais, duma nação, ou da humanidade é substituída pela imoralidade. Depois de sofrer muito, Netinho volta para casa. Ele tenta viver normalmente, mais o trauma daquele lugar ainda o perturba. 
 A “sociedade” em vez de acolher e ajudar, começa a censurar o jovem (alguns amigos o abandonam porque seus pais não querem que seus filhos andem na companhia de um ex–viciado), uma verdadeira exclusão social. Em uma festa, Netinho bebe demais e completamente descontrolado, é novamente internado e passa por terríveis situações, chegando até a tentar cometer suicídio. Sobre esse tema, Durkheim diz: 
“[...] o suicídio é um ato da pessoa e que só a ela atinge, tudo indica que deva depender exclusivamente de fatores individuais e que sua explicação, por conseguinte, caiba tão somente à psicologia [...]”QUINTANEIRO, 2009, p. 83
 Em suas análises, os críticos trataram de comentar sobre a importante temática social, econômica e cultural abordada no filme, como a falta de informação sobre os centros de internação e a falta de diálogo entre as famílias. Segundo a análise de Sandra Etges, membro analista do CEL-RS, Instituição Psicanalítica do Rio Grande do Sul:
 O filme Bicho de 7 Cabeças apresenta o usuário de drogas típico dos anos 60-70, onde o que estava implícito no uso das drogas era, ainda, o caráter de contestação à severidade paterna, trazendo a bandeira do anti-asilamento, mas não adotando a bandeira anti-drogas, e poderíamos dizer que o asilamento repressivo como mostra o filme, e a dependência às drogas, são igualmente nocivos.
 Parece-me que, diante do absurdo daquele asilamento, o filme pode promover uma identificação com a vítima e, assim, ele passa a ter um caráter tolerante para com a droga dicção, banalizando, dessa forma, o uso da droga. Do ponto de vista lacaniano do "Kant com Sade", que é um texto de Lacan nos Escritos (1966), "a severidade repressiva gera a identificação à vítima e às suas razões", e o caráter de vitimação é o pior caminho para qualquer possibilidade de recuperação e/ou cura.
 É mostrado no filme o modo com que os internos interagem e criam vínculos entre si. Essa foi uma maneira que a diretora encontrou de transmitir uma ideia de humanidade, foi uma forma de mostrar que os internos, sejam eles loucos, viciados ou não, também são pessoas, vivem em grupo, discutindo entre si suas questões, formando laços afetivos, tendo eles noção de seu espaço na sociedade ou não. As personagens de Gero Camilo (interno Ceará) e Caco Ciocler (interno Rogério), com os quais a personagem principal se depara no manicômio e com elas interage, desempenham papéis muito importantes na construção dessa ideia, mostrando-se carentes de conversa, de brincadeiras em grupo e propensos a empatias e afeições. 
 Direitos de Personalidade (intimidade, nome, honra objetiva e subjetiva), tudo isso é ignorado: o garoto teve a chance de se enquadrar nos parâmetros sociais, desperdiçou-a, e no seio do claustro manicomial ou prisional, o Direito positivo faz tanto sentido como citar passagens do Alcorão para o Ku-Klux-Klan. 
Interna-se num mundo onde o que está em jogo é o mal e a punição, a libertinagem e a imoralidade, a penitência e a correção. Todo um mundo onde, sob essas sombras, ronda a liberdade (...) jogos perigosos da liberdade, onde a razão se arrisca na loucura (...) liberdade obstinada e precária, simultaneamente. Ela permanece sempre no horizonte da loucura, mas quando se quer delimitá-la, desaparece. Só é possível e só está presente na forma de uma abolição iminente. ” (FOUCAULT, 2002, p.506)
 O filme é um doloroso tapa na cara do espectador. Somos todos pais de Neto. Somos todos cúmplices dessa perversidade que se perfaz a meio palmo de nossos olhos e preferimos ignorar. Até que ponto o pai de Neto reconhece a perversidade panóptica ativa de que faz parte? Por que apenas consideramos nossa subjugação pelo sistema enquanto pacientes dessa estruturacomplexa de poder e denegamos nossa participação ativa nela? 
 Numa análise ao conteúdo do filme, a professora associada do Departamento de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, Mary Enice Ramalho, afirma que são abordados “temas tratados com a sensibilidade e a maturidade que o cinema brasileiro merecia. Laís Bodanzky consegue uma narrativa segura, direta e forte”. Sem sombra de dúvidas, foi essa “sensibilidade” citada pela professora da USP, que, aplicada a tal tema polêmico de forma cuidadosa, mas, ainda assim, “madura e direta”, consagrou o filme Bicho de Sete Cabeças como uma grande obra contemporânea do cinema brasileiro.
 O longa-metragem é pesadíssimo e desnuda sem pudores as atrocidades com que compactuamos, denuncia ferinamente o vilipêndio de Direitos Humanos e acima de tudo nos convida a refletir sobre nosso cinismo frente ao que é perpetrado, num meridianamente claro convite à luta, à revisão de preconcepções e ao desenvolvimento de um olhar crítico sem o qual seremos eternamente agentes e pacientes de uma intrincada rede de poder na qual nos identificamos no mais das vezes somente como pacientes e a aceitamos tacitamente.
BASAGLIA, F. (Org.). A Instituição Negada - Relato de um Hospital Psiquiátrico. Rio de Janeiro: Graal, 1991.
Bodanzky, Laís; Bolognesi, Luiz. 2002. Bicho de Sete Cabeças. Editora 34. 143 páginas.
CARDOSO, João Batista Freitas; SANTOS, Roberto Elísio dos  and  VARGAS, Herom. A personagem adolescente como protagonista em quatro filmes brasileiros contemporâneos. Intercom, Rev. Bras. Ciênc. Comun. 2014, vol.37, n.2, pp.263-283.
CLÁUDIA, IVAN (20 de junho de 2001). Um estranho no ninho. IstoÉ Gente (1655) Disponível em: < https://istoe.com.br/38273_UM+ESTRANHO+NO+NINHO/ > Acesso em: 14 out. 2019
ETGES, Sandra. Opinião Acadêmica: Bicho de Sete Cabeças. Rio Total. Disponível em: < http://www.riototal.com.br/coojornal/academicos027.htm > Acesso em: 14 out. 2019
FOUCAULT, M. História da loucura. São Paulo: Perspectiva, 2002.
FOUCAULT, M. História da sexualidade. Vol I: a vontade de saber. São Paulo: Graal, 2012.
LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 807-842. 
IZAR, Melina. Cinema e Políticas de Estado da Embrafilme à Ancine. São Paulo: Editora Escrituras, 2009.
BODANZKY, Laís (diretora) (2001). Bicho de Sete Cabeças (DVD). Brasil: Columbia TriStar, RioFilme
MENDONÇA, Mary Enice Ramalho de. Bicho de sete cabeças – um grito de alerta. Comunicação & Educação, São Paulo, n. 23, p. 91-93, jan. -abr. 2002. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/37019/39741 >. Acesso em: 15 out. 2019
MILANI, Robledo. Bicho de Sete Cabeças – Crítica. Papo de Cinema, 27 fev. 2013. Disponível em: < http://www.papodecinema.com.br/filmes/bicho-de-sete-cabecas >. Acesso em:  14 out. 2019
PIOVESAN, F. Direitos humanos e direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2009.
RAMALHO, Mary Enice. Bicho de Sete Cabeças – um grito de alerta. In: Comunicação & Educação, pp. 91-93, Jan/Abr 2002
Rev. Científica Eletrônica UNISEB, Ribeirão Preto, v.1, n.2, p. 71-76, ag/dez.2013
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977.