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Geomorfologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Adriana Furlan Revisão Textual: Profa. Esp. Márcia Ota Geomorfologia Fluvial • Introdução • Trabalho erosivo dos rios • Tipos de canal • Tipos de leito fluvial • A bacia hidrográfica (ou bacia de drenagem) · Discutir os conceitos e as dinâmicas referentes à Geomorfologia Fluvial. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta Unidade, vamos aprender um pouco mais sobre um importante tema: “Geomorfologia Fluvial”. Então, procure ler, com atenção, o conteúdo disponibilizado e o material complementar. Não esqueça! A leitura é um momento oportuno para registrar suas dúvidas; por isso, não deixe de registrá-las e transmiti-las ao professor-tutor. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, assim como realize as atividades de sistematização, essas que ajudarão você a verificar o quanto absorveu do conteúdo: são questões objetivas que pedem resoluções coerentes ao apresentado no material da respectiva Unidade para, então, prepará-lo (a) à realização das respectivas avaliações. Lembre-se: você é responsável pelo seu processo de estudo. Por isso, aproveite ao máximo esta vivência digital! ORIENTAÇÕES Geomorfologia Fluvial UNIDADE Geomorfologia Fluvial Contextualização É muito comum vermos e ouvirmos notícias sobre inundações, alagamentos e enchentes em áreas urbanas, rurais e outras, onde a subida do nível das águas dos rios provoca inúmeros prejuízos materiais e humanos. Os rios possuem uma dinâmica própria e, em muitos casos, observamos que a interferência antrópica, nessa dinâmica, causa muitos dos problemas que observamos no local, onde moramos ou em notícias veiculadas na mídia. Podemos citar, como exemplo, alagamentos e enchentes nas cidades (pequenas, médias e grandes), quando a população ocupa a área de várzea dos rios, colocando-se diretamente na área que o rio necessita para transbordar suas águas em períodos de cheias (fato que faz parte da dinâmica natural dos rios). Projetos de canalização, ocupação irregular das margens pela população e desmatamento que causa assoreamento (entulhamento) do canal fluvial são alguns dos exemplos da interferência humana na dinâmica fluvial nas cidades. Essa interferência, também, ocorre em outras áreas não urbanas. Nas área rurais há sérios problemas que afetam não somente um curso de água, mas uma área muito mais extensa (bacia hidrográfica), tais como a construção de barragens nos rios (a qual altera sua dinâmica, em relação a deposição de sedimentos) e a poluição das águas por fertilizantes e agrotóxicos. Desta forma, precisamos compreender essa dinâmica fluvial, como os rios são e se comportam (naturalmente) para entender os problemas referentes à interferência humana em sua dinâmica, com consequências, na maioria dos casos, bastante negativas. 6 7 Introdução A Geomorfologia fluvial engloba o estudo dos cursos de água e das bacias hidrográficas. O estudo dos cursos de água se refere, principalmente, aos processos fluviais, na participação dos rios na esculturação do relevo e as formas resultantes do trabalho realizado pelos cursos de água. No caso das bacias hidrográficas, o estudo envolve as principais características das bacias que condicionam o regime hidrológico. Essas características estão relacionadas aos aspectos geológicos, às características hidrológicas, à cobertura vegetal e à ocupação do solo em toda a bacia a ser considerada para os estudos. (GUERRA E CUNHA, 2003) Devemos considerar a importância da Geomorfologia fluvial no contexto da vida humana e lembrarmos que as civilizações antigas cresceram às margens de grandes rios. A presença de água foi uma condição fundamental para o desenvolvimento de civilizações, como por exemplo, a egípcia e a babilônica. Desde a Antiguidade, a humanidade tem adaptado os recursos fluviais às suas necessidades. Uma obra de engenharia notável, de tempos remotos, são os aquedutos romanos, através dos quais as águas eram canalizadas para as vilas e cidades e utilizadas no abastecimento e nas necessidades da população. Também são conhecidas as áreas agrícolas nas margens do rio Nilo, no Egito - um exemplo de aproveitamento das várzeas do rio para cultivo após as cheias que propiciam sedimentos novos e fertilidade nestas áreas. (GUERRA E CUNHA, 2003) Devido à importância das águas fluviais na vida humana, da antiguidade à pós- modernidade, a Geomorfologia fluvial tornou-se uma área de grande interesse. Vejamos de que forma o geomorfólogo Christofoletti define um rio e seu funcionamento. Os rios, definidos como uma corrente líquida resultante da concentração do lençol de água num vale, constituem os agentes mais importantes no transporte de materiais intemperizados de áreas elevadas para as mais baixas e dos continentes para o mar. Desta forma, sua importância é extremamente relevante entre todos os processos morfogenéticos (de esculturação do relevo). Os rios funcionam como canais de escoamento. O escoamento fluvial faz parte integrante do ciclo hidrológico e sua alimentação de processa através das águas superficiais e das subterrâneas. CHRISTOFOLETTI (2005) 7 UNIDADE Geomorfologia Fluvial Observe, na figura 1, a formação dos rios a partir do Ciclo hidrológico (Ciclo da água). As águas resultantes do escoamento superficial se concentram em uma corrente, formando cursos de água. As águas que infiltram (infiltração resultante de precipitação de chuva) abastecem o lençol freático, o qual abastece os cursos de água em condições determinadas e, também, podem aflorar em forma de nascente. Figura 1 – O Ciclo Hidrológico Fonte: Acervo do Autor Em linhas gerais, os rios se formam pelo afloramento do lençol freático (nascentes), pelo degelo (de neve e gelo nas montanhas), pelas chuvas ou como emissário de um lago. Se um rio tiver água em seu curso constantemente (durante todo o ano), é designado como rio perene. Se o canal se apresentar seco durante a maior parte do ano e comportar um fluxo de água só durante e imediatamente após uma chuva, é denominado rio efêmero. Os cursos de água que funcionam durante parte do ano, mas tornam-se secos no decorrer da outra parte são denominados rios intermitentes (os quais apresentam traçado tracejado nos mapas físicos ou hidrográficos). INTEMPERISMO – é conjunto de processos mecânicos (físicos), químicos e biológicos que ocasionam a desintegração e a decomposição das rochas. 8 9 Na figura 2, podemos verificar a característica de um rio intermitente (temporário) no Nordeste do Brasil. Figura 2 – Leito seco de um rio que é abastecido por água somente no período das chuvas Fonte: istock/getty images O curso de um rio pode ser definido em função de um fator predominante em determinada parte deste (erosão, transporte ou deposição). O Curso Superior de um rio está relacionado às áreas próximas as suas nascentes, em áreas mais elevadas, onde há, geralmente, predomínio do escavamento vertical, isto é, ocorre um processo de erosão intensiva do talvegue. Nesse processo erosivo, os materiais que são removidos das vertentes são transportados para áreas menos elevadas. No Curso Médio, há certo predomínio do transporte e um acentuado modelado das vertentes (rebaixamento das encostas). No Curso Inferior, por conta de o rio ter perdido sua energia potencial, ocorre o processo de sedimentação (fenômeno do aluvionamento) e surgimento de meandros (curvas). Importante! TALVEGUE – “caminho do vale”– é a linha de maior profundidade no leito de um rio, ou seja, é a linha sinuosa em fundo de vale, resultante da interseção dos planos de duas vertentes e na qual se concentram as águas que delas descem. Você Sabia? Observe, com atenção, a figura 3, a seguir. Nesta imagem, podemos identificar os elementos constituintes de cada parte que compõe o curso de um rio (Superior, Médio e Inferior ou, como também podemos encontrar na literatura específica da área,Alto, Médio e Baixo curso). 9 UNIDADE Geomorfologia Fluvial Figura 3 – Divisão de um rio em função de seu trabalho. Curso Superior, Médio e Inferior. Fonte: www.geografi a.seed.pr.gov.br No curso Superior, a velocidade das águas é maior do que no curso Inferior. Isso ocorre por conta do gradiente (diferença de altitude) no terreno que o rio atravessa. As vertentes (encostas) são mais inclinadas; o que proporciona maior velocidade no fluxo da água e, consequentemente, maior poder erosivo. Assim, os vales são mais profundos e em formato de um “V”. Já no curso Médio, o vale em forma de “V” torna-se mais aberto e menos profundo; o que significa que o rio não está mais cavando seu leito na vertical, mas sim exercendo, também, um trabalho erosivo na horizontal, ou seja, ampliando seu vale a partir do desgaste das vertentes e do transporte desse material para áreas mais baixas. Por fim, no curso Inferior, ocorre a formação da deposição do material transportado pelo rio, com a formação de planícies aluviais. Nesse ponto, o rio apresenta meandros (curvas) e os vales são pouco profundos (são bastante alargados). Importante! Um rio pode ser defi nido pelo talvegue, pelas vertentes e pelos terraços. O rio constitui, por conseguinte, a reunião do lençol de água numa calha, cujo declive contínuo permite uma hierarquização na rede hidrográfi ca. Geralmente, os rios possuem várias cabeceiras que lhes dão origem e recebem afl uentes ao longo de seu trajeto. São limitados lateralmente pelas margens e pelas vertentes às quais dão forma e podem chegar ao mar em forma de um canal (estuário) ou vários canais (delta). Importante! ALUVIÃO – material (argila, cascalho etc.) provenientes de erosão recente e que são transportados e depositados por correntes de água. 10 11 Trabalho erosivo dos rios Os rios escavam e esculpem seus vales, sendo estes definidos como corredores ou depressões de forma longitudinal (em relação ao relevo contíguo), que pode ter, por vezes, vários quilômetros de extensão. Os vales são formas topográficas constituídas por talvegues e duas vertentes com dois sistemas de declives convergentes. A forma e o traçado do vale fluvial refletem vários fatores, isolados ou inter-relacionados, destacando-se entre estes: a estrutura geológica, a friabilidade (dureza) das rochas, o volume do relevo, o clima e o estágio de desenvolvimento do relevo. A forma de vale, comumente, relacionada aos rios é o “Vale em V”. (GUERRA e GUERRA, 2005) Observe, na figura 4, os perfis transversais (um corte que possibilita observação do rio “visto de frente”) e longitudinal (visto em seu trajeto – do início ao seu final) do rio e a relação entre o entalhe do vale e o seu curso (superior = maior poder erosivo, médio = menor poder erosivo e maior poder de transporte, inferior = deposição de materiais). Figura 4 – Perfi l longitudinal e transversal de um rio. Fonte: Acervo do Autor O rio transporta além de água, materiais em suspensão e materiais de tamanho maior, dependendo de sua capacidade de fluxo de carga. O fluxo de água de um canal está condicionado à força gravitacional e à fricção. A força de gravidade atua de forma que a água das partes mais altas seja conduzida às partes mais baixas do relevo e a fricção está relacionada às condições do material no leito do rio. O fluxo, quanto a sua organização pode se apresentar como laminar ou turbulento. (CHRISTOFOLETTI, 1980) 11 UNIDADE Geomorfologia Fluvial O fluxo laminar é aquele onde a água escoa ao longo de um canal reto, suave, a baixas velocidades, fluindo em camadas (de água) paralelas acomodadas umas sobre as outras. Quando a velocidade do fluxo excede um valor crítico (determinado por cálculos matemáticos), as lâminas de escoamento de água são rompidas e misturadas e o fluxo torna-se caótico, com a formação de redemoinhos (vórtices) e movimentos irregulares, ou seja, transforma-se em um fluxo turbulento. (LELI et al., 2010, p. 48). Os fatores que afetam a velocidade crítica, permitindo que um fluxo laminar se torne turbulento, são a viscosidade e a densidade do fluido, a profundidade da água e a rugosidade da superfície do canal. O fluxo em rio turbulento pode ser de corrente ou encachoeirado. A velocidade das águas de um rio varia de um lugar para outro, mesmo ao longo do perfil transversal em determinado ponto. A velocidade e a turbulência estão intimamente relacionadas com o trabalho que o rio executa, isto é, erosão, transporte e deposição do material transportado. (CHRISTOFOLETTI, 1980) Observe, na figura 5, uma representação esquemática destes tipos de fluxo. Figura 5 – Fluxo laminar e fluxo turbulento. O fluxo do canal está acondicionado em um determinado espaço ocupado pelas águas, chamado de leito e cada canal pode ser definido em função de suas características. 12 13 Tipos de canal A fisionomia que o rio exibe ao longo de seu perfil longitudinal (da nascente a foz) pode ser caracterizada, basicamente, como retilínea, anastomosada e meândrica, constituindo o chamado padrão de canais. A geometria do sistema fluvial resulta das condições encontradas no trajeto do canal e reflete uma relação entre as variáveis: descarga líquida, carga sedimentar, declive do terreno percorrido, largura e profundidade do canal, velocidade do fluxo e rugosidade do leito. Importante! O leito de um rio não é necessariamente plano. Geralmente, há rugosidades (ondulações) em função da presença de blocos de rocha no fundo do canal. Quando o rio atinge uma área plana e ocorre a deposição dos sedimentos que ele carrega, o fundo tende a ser mais uniforme. Você Sabia? Os tipos de canais podem ocorrer em momentos distintos do corte longitudinal de um rio, ou seja, um mesmo rio em seu curso pode apresentar um trecho meândrico e outro retilíneo. Canais retilíneos Canais naturais retos são pouco frequentes, representando, somente, trechos de canais curtos, exceto aqueles canais controlados por linhas de falhas geológicas, diaclases ou fraturas nas formações rochosas e dos canais localizados em planícies de restinga. Os canais retilíneos são mais facilmente encontrados, onde houve intervenção antrópica, como obras de retificação do canal fluvial (figura 6). Figura 6 – trecho de canal retilíneo, resultando de obras de engenharia no canal fl uvial. Fonte: www.museudaenergia.org.br 13 UNIDADE Geomorfologia Fluvial Canais anastomosados Este tipo de canal possui como uma de suas principais características um grande volume de carga de fundo que ocasiona sucessivas ramificações ou diversos canais que se subdividem e se reencontram e são estes separados por ilhas e barras arenosas. O perfil transversal desse tipo de canal é largo, raso e apresenta pontos altos (topos de ilhas e dos bancos arenosos) e baixos (talvegue do canal) com contínuas migrações laterais, devido às flutuações das descargas e pelo rápido transporte de sedimentos (figura 7). Canais meandrantes Este tipo de canal é caracterizado por apresentar curvas sinuosas harmônicas e semelhantes entre si. A sequência de meandros (curvas) define as margens de erosão e de deposição; o que significa um estágio inicial de meandramento. Quando o trabalho de erosão e deposição se equipara, esse trabalho não ocorre mais. Os canais meandrantes transportam, basicamente, sedimentos finos e mais selecionados e sua capacidade de transporte é mais baixa e uniforme quando comparada com os canais anastomosados (figura 8). Figura 7 – Trecho de canal anastomosado. Fonte: wikimedia/commons Figura 8 – Canal meandrante. Observe que na margem interna ocorre a deposição do material transportado e na margem externa ocorre o processo erosivo. Fonte:istock/getty images 14 15 Tipos de leito fl uvial Há, na literatura, algumas possibilidades de classificação dos tipos de leito fluvial. Tricart (1966) propõe a seguinte classificação: leito menor, de vazante, maior e maior excepcional. Christofoletti (1980) afirmaque os leitos fluviais correspondem aos espaços, os quais podem ser ocupados pelo escoamento das águas e no que se refere ao perfil transversal nas planícies de inundação, o autor distingue e caracteriza cada leito da seguinte maneira (CHRISTOFOLETTI, 1980): a) leito de vazante, que está incluído no leito menor e é utilizado para o escoamento das águas baixas. Constantemente, ele serpenteia entre as margens do leito menor, acompanhando o talvegue; b) leito menor, que é bem delimitado, encaixado entre margens, geralmente, bem definidas. O escoamento das águas, nesse leito, tem a frequência suficiente para impedir o crescimento da vegetação; c) leito maior periódico ou sazonal, que é regularmente ocupado pelas cheias, pelo menos uma vez a cada ano, mantendo-se a precipitação pluviométrica dentro das médias; d) leito maior excepcional, que é por onde correm as cheias mais elevadas, as enchentes. É submerso em intervalos irregulares, mas por definição, nem todos os anos. O leito de vazante, também, pode ser chamado de leito de seca (ou canal de estiagem). O leito maior periódico ou sazonal é definido, por alguns autores, como leito de cheia. A área atingida pelas cheias em ambas margens, sendo, portanto, colmatada (coberta) regularmente, é a área denominada por várzea (ou planície de inundação). O leito maior excepcional, em alguns casos, devido ao grande intervalo temporal entre uma deposição e outra de sedimentos, configuram-se mais como baixos terraços fluviais. Observe essa representação na figura 9. REPRESENTAÇÃO DOS TIPOS DE LEITOS Leito excepcional Leito maior Leito menordique dique leito vazante Figura 9 – Representação esquemática dos tipos de leito 15 UNIDADE Geomorfologia Fluvial Leia o trecho a seguir e observe a figura 10. “A vazante do Rio Negro, no Amazonas, atingiu recorde, com o menor nível registrado desde o início do monitoramento, em 1902. A Agência Nacional de Águas (ANA) informou que o nível do curso d’água do rio chegou a 13,63 metros no domingo (25). Até agora, o menor volume registrado era de 13,64 metros, em 1963. O Rio Solimões, também, atingiu a vazante recorde em outubro e ficou 88 centímetros abaixo do nível do leito do rio no início do mês. A causa para a seca dos rios atingir níveis extremos é a falta de chuva na região. Em todo o estado do Amazonas, a estiagem levou, até agora, pelo menos 30 municípios a decretarem situação de emergência.” (Rio Negro registra maior vazante da história. Via Amazônia. 40ª ed. 26/10/2010.) Figura 10 – Leito de Vazante e leito menor – rio Negro na região amazônica do Brasil. Fonte: Acervo do Autor Você pode identificar, na figura 10, os leitos de vazante e o leito menor e relacionar com o fato descrito na notícia publicada pela Via Amazônia (citado acima)? Conforme explicado anteriormente, identificamos que o lugar, onde correm as águas regularmente, em seu menor fluxo, está representado pelo número 1 na figura, o qual está indicando a área ocupada pelo leito de vazante e o número 2 se refere ao leito menor, visível na imagem por conta da estiagem (seca), o qual é ocupado regularmente pelas águas, quando não está ocorrendo período de estiagem excepcional (como é o caso relatado na notícia acima). Importante! Imagine que, no ano seguinte, as chuvas, nesta região, foram acima da média e as águas ocuparam o leito menor e extravasaram para o leito maior e em algumas localidades (como a da imagem) atingiu o leito excepcional. Observe, novamente, a figura 10, e se atente para a ocupação urbana. O que podemos inferir que ocorreu com esta população, que vive nas margens deste rio? O problema é o rio que causa enchentes ou a população que ocupa irregularmente as margens dos rios? Será que esta população (geralmente de baixa renda) tem outras opções de moradia (considere as dificuldades financeiras e de conseguir uma moradia que enfrenta grande parte da população brasileira). Trocando ideias... 16 17 Faz parte da dinâmica fluvial a ocupação periódica ou sazonal dos diferentes leitos, pelas águas do rio. Desta forma, a ocupação dos leitos dos rios interfere nessa dinâmica e causa prejuízos materiais e humanos, tão comuns nas cidades brasileiras e, também, em áreas rurais e florestais. Interferência antrópica no canal fl uvial Podemos perceber que as atividades humanas têm aumentado sua influência sobre as bacias de drenagem e, por conseguinte, sobre os canais constituintes destas. Assim, é possível identificarmos dois grupos principais de mudanças fluviais induzidas pelo homem. O primeiro grupo refere-se a modificações ocorridas diretamente no canal fluvial para atender a algumas finalidades: controle da vazão (para armazenamento das águas em reservatórios ou desvio de águas, para irrigação, por exemplo) ou para alterar a forma do canal através de obras de engenharia, com o objetivo de estabilizar as margens, atenuar os efeitos das enchentes, inundações, erosão ou deposição de material, para retificar o canal e, até mesmo, para extração de areia e cascalho. Essas obras alteram a seção transversal, o perfil longitudinal do rio, o padrão do canal, entre outras modificações, que pode se refletir em consequências positivas, mas muitas vezes negativa para a população. (GUERRA e CUNHA, 2003) Um exemplo bastante ilustrativo desse tipo de modificações pode ser encontrado no rio Tietê, na cidade de São Paulo-SP. Observe, nos mapas da figura 11, a seguir, como era o traçado do rio (sua configuração natural) e as obras de retificação do rio (trecho que percorre uma grande parte da cidade de São Paulo). No mapa superior, podemos observar os meandros (curvas) do rio e a ocupação esparsa das margens. Os meandros permitiam que o rio percorresse a planície, presente nesta parte de São Paulo (área denominada por Bacia Sedimentar de São Paulo), “gastando” sua energia neste trajeto e a não ocupação das margens garantia uma “faixa de segurança” necessária para que o rio pudesse extravasar suas águas em períodos de cheias. Figura 11 – Rio Tietê antes e depois do projeto de retifi cação. 17 UNIDADE Geomorfologia Fluvial O projeto de retificação do rio (mapa inferior) eliminou os meandros do rio; o que acarretou consequências negativas, as quais a população dessa cidade enfrenta até os dias atuais: a retificação aumentou a velocidade de vazão do rio, causando enchentes em locais à jusante do rio e a retirada dos meandros possibilitou a ocupação das margens (construção das vias Marginais e várias edificações), deixando o rio sem sua “faixa de segurança” (causando as inundações que podemos acompanhar pela mídia). Salientamos que milhões de dólares já foram gastos para que: · o rio não transborde; e · não haja mais prejuízos para a população e para a cidade como um todo. Além disso, obras de aprofundamento da calha do rio, desassoreamento constante (para retirada do lixo e sedimentos que ficam depositados neste trecho do rio), contenção das margens (cobertura de concreto), entre tantas outras intervenções já foram realizadas com o objetivo de se tentar reparar o que foi feito no passado sem a devida consideração da dinâmica fluvial. Figura 12 – Inundação no rio Tietê na marginal Tietê na década de 60. Fonte: Acervo do Autor Figura 13 – Inundação na marginal Tietê em tempos recentes. Fonte: Acervo do Autor 18 19 O segundo grupo de mudanças fluviais, induzidas pelo homem, está relacionado às mudanças fluviais indiretas resultantes das atividades humanas, realizadas fora da área dos canais, mas que modificam o comportamento da descarga e da carga sólida do rio. Tais atividades estendem-se pela bacia hidrográfica e estão ligadas ao uso da terra, como a remoção da vegetação, desmatamento, emprego de práticas agrícolas indevidas, construção de prédios e urbanização. (GUERRA e CUNHA) A bacia hidrográfi ca (ou bacia de drenagem) bacia de hidrográfica ou de drenagem é uma área da superfície terrestre que drena água, sedimentos e materiais parauma saída comum, num determinado ponto do canal fluvial. O limite de uma bacia é denominado como divisor de águas. (GUERRA e GUERRA, 2003). Em alguns casos, é bastante complexo se delimitar com precisão os limites de uma bacia hidrográfica. Observe, na figura 14 , os aspectos de um divisor de águas. Figura 14 – Divisor de águas. Fonte: Acervo do Autor Pela observação atenta da imagem (figuras 14), podemos identificar que o ponto mais elevado do terreno será aquele que direcionará a direção do fluxo de água, ou seja, a partir do topo (ou elevação) as águas correrão para um lado ou para o outro formando assim distintas bacias hidrográficas. Percebemos, ainda, que a bacia hidrográfica é composta pelas drenagens e pelas terras adjacentes a estas drenagens. 19 UNIDADE Geomorfologia Fluvial Importante! As atividades humanas (ou até mesmo os fenômenos naturais) que ocorrerem em uma parte da bacia hidrográfi ca causarão impactos (positivos ou negativos) não somente em nível local, mas, como geralmente ocorre, em toda a parte da bacia que estiver a jusante (em direção a foz dos rios). Importante! Devemos considerar que as bacias hidrográficas são interligadas em diferentes escalas. As grandes bacias, como por exemplo, do rio Tietê, do rio São Francisco, do rio Amazonas, do rio Paraná, entre outras, se subdividem em dezenas de sub- bacias que possuem um rio principal como nível de base local (rever Unidade 1 para o conceito de nível de base). Ligam-se a esse rio principal diversos afluentes, os quais possuem uma ordem hierárquica dentro da bacia. Antes de entendermos a hierarquia da bacia hidrográfica, vamos nos deter um pouco mais na observação das imagens das figuras 16 e 17 a seguir. Na figura 16, podemos observar uma grande quantidade de espuma no rio Tietê na cidade de Pirapora do Bom Jesus, a cerca de 50 km da cidade de São Paulo-SP. Na figura 17, observamos uma quantidade de lixo acumulado nas margens desse mesmo rio na cidade de Salto, distante em torno de 105 km da capital paulista. O rio Tietê tem suas nascentes na Serra do Mar no Estado de São Paulo, na cidade de Salesópolis e corre em direção ao interior do estado de São Paulo, passando nesse caminho pela cidade de São Paulo, onde é lançada, nesse rio, uma quantidade imensa de esgotos residenciais e industriais e lixo de todo tipo (o lixo jogado nas ruas é levado para o rio em momentos de chuvas). Ao passar pela cidade de Bom Jesus de Pirapora, por conta de um desnível do terreno, as águas são remexidas e os detergentes e sabão de todo tipo contidos na água se transformam em espuma (figura 16), causando diversos outros transtornos a população (mal cheiro, doenças respiratórias entre outros). Seguindo seu trajeto, o rio atinge a cidade de Salto, onde, por conta da configuração do trajeto do rio (corredeiras e meandros), novamente, a espuma é produzida e o lixo fica acumulado nos meandros (figura 17). Esse é um exemplo de como o que é realizado como atividade humana em uma parte da bacia hidrográfica atinge outras partes que, nesse caso e em muitos outros, a população arca com os prejuízos de um problema que não foi causado por ela. Nas ações de planejamento do uso e ocupação do solo ou na adequação das atividades urbanas e rurais, a bacia hidrográfica deve ser considerada em sua totalidade, seja a bacia principal ou as sub- bacias, pois estas são interligadas. 20 21 Figura 16 – Espumas no rio Tietê na cidade de Pirapora do Bom Jesus, SP. Fonte: wikimedia/commons Figura 17 – Lixo acumulado nas margens do rio Tietê na cidade de Salto, SP. Outra forma de interferência na dinâmica fluvial é a construção de barragens, as quais são construídas, basicamente, com o objetivo de geração de energia, controle da vazão e enchentes a jusante e fornecimento de água para população. As consequências da construção de barragens podem ser tanto positivas, quanto negativas. Os impactos positivos são relativos à geração de energia, elemento indispensável para o conforto da vida na sociedade moderna, e controle de vazão dos rios a jusante; o que permite que sejam evitadas enchentes em momentos de maior precipitação nas áreas a montante dos rios. Mas há impactos negativos, como, por exemplo, o fato de que para a construção da barragem e a formação do lago, vilas, propriedades agrícolas, florestas e até mesmo cidades inteiras serão afetadas, havendo a necessidade de transferência desta população e suas atividades para outro local, onde terão que iniciar nova vida e nem sempre isso é positivo. 21 UNIDADE Geomorfologia Fluvial Hierarquia fl uvial da bacia hidrográfi ca A hierarquia da rede fluvial, segundo Christofoletti (1980), consiste no estabelecimento da classificação de determinado curso d�água no conjunto total da bacia hidrográfica na qual se encontra. Isso é realizado com a função de facilitar e tornar mais objetivos os estudos sobre as bacias hidrográficas. Os procedimentos adotados para o estabelecimento da hierarquia da rede fluvial de cada sub- bacia delimitada consistiram na adoção do esquema proposto por STRAHLER que, combinado ao de HORTON, permite a identificação do canal principal. (FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2015) A classificação de STRAHLER (1952) inicia-se com a identificação dos rios de 1ª ordem, que são aqueles que não recebem nenhum afluente. A partir da confluência de dois rios de 1ª ordem, forma-se um segmento de 2ª ordem. A confluência de dois rios de 2ª ordem define um rio de 3ª ordem e assim por diante. Quando dois rios de ordens diferentes juntam-se, prevalece a maior ordem. (FUNDAÇÃO FLORESTAL, 2015) Observe, na figura 18, a classificação proposta por Strahler. Rio de Primeira Ordem (Nascente do Rio) Rio de Segunda Ordem Rio de Terceira Ordem (Rio Principal da Bacia) Figura 18 – Classifi cação da hierarquia fl uvial de acordo com Strahler 1952. Fonte: wikimedia/commons Padrões de drenagem Podemos associar os padrões de drenagem aos tipos de relevo do entorno e ao longo do perfil longitudinal do canal. A drenagem se condiciona em função do relevo inicial e o molda ao longo da evolução da paisagem. Nesse processo, que ocorre com o passar dos anos (milhares de anos), o relevo e os cursos de água interagem, resultando a esculturação. Os padrões de drenagem são dependentes das características iniciais e evolutivas das estruturas geológicas e das características climáticas locais. Nas figuras 19 e 20 (associação com o tipo de relevo), estão indicados os principais padrões de drenagem. Conseguimos identificá-los somente ao analisarmos uma grande área da superfície terrestre, fazendo, para tanto, uso de cartas topográficas, fotos aéreas e imagens de satélite. 22 23 DENDRÍTICA TRELIÇA RADIAL PARALELA ANULAR RETANGULAR Figura 19: Padrões de drenagem – representação esquemática. Figura 20: Padrões de drenagem associados as formas de relevo. Fonte:Acervo do Autor Observe, na figura 21 (imagem de satélite), as drenagens e o relevo relacionado a elas. Você consegue identifi car o padrão de drenagem presente na fi gura 21? Ex pl or Então, observamos, na parte superior da imagem na figura 21, que o padrão de drenagem é dendrítico. Esse tipo de padrão de drenagem apresenta-se em forma de ramificações e as drenagens seguem as linhas de maior desgaste das rochas. Podemos considerar, em suma, que o tipo de relevo de condiciona o padrão de drenagem e determina a existência de tipos de canal, pois no caso dos trechos de canal (natural) retilíneo, por exemplo, concluímos que este pode correr em uma falha geológica (que condiciona o canal e define o seu tipo) e no caso dos canais meandrantes, estes estão condicionados a relevos de planícies (aluviais) em baixas altitudes. 23 UNIDADE Geomorfologia Fluvial Figura: 21 Fonte: Acervo do Autor Observe, novamente, a imagem de satélite da figura 21 e procure identificar a hierarquia fluvial. Você consegue identificar os rios de primeira, segunda e terceira ordem?Ex pl or Podemosconcluir, após nossos estudos de Geomorfologia Fluvial, que há uma estreita relação entre as os cursos de água e o ambiente (geológico, relevo, clima) onde estes se localizam e por onde passam. 24 25 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Doenças da vazante: descida das águas traz tantos problemas à saúde quanto a enchente dos rios Trata das consequências negativas das enchentes para além do invasão das casas, ruas e terrenos pelas águas http://goo.gl/i65Weo Leitura Delimitação das bacias hidrográficas da Ilha do Maranhão a partir de dados SRTM Para melhor compreensão sobre como é feito o trabalho de delimitação de uma bacia hidrográfica http://goo.gl/Nf6CXG 25 Referências CASSETI, V. Elementos de geomorfologia. Goiânia: UFG, 1994. CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. 2.ed. São Paulo: Edgar Blucher, 1980. FUNDAÇÃO Florestal. Parque Estadual Intervales. Hidrografia e Geomorfologia fluvial. Cap. 3.1.7, p. 263-310. Disponível em http://fflorestal.sp.gov.br Acesso em 20/09/2105. GUERRA, A. J. T.; CUNHA, S. B. (Orgs.) Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 5. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. GUERRA, A. T.; GUERRA, A. J. T. Novo dicionário geológico-geomorfológico. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. LELI, I. T.; STEVAUX, J. C.; NÓBREGA, M. T. da. Produção e transporte da carga suspensa fluvial: teoria e método para rios de médio porte. In: Boletim Geográfico Maringá, v. 28, n. 1, p. 43-58, 2010. STRAHLER, A. N. Hypsometric (area-altitude) analysis of erosional topology, Geological Society of America Bulletin 63 (11): 1117–1142, 1952. TRICART, Jean. Os tipos de leitos fluviais. Notícias Geomorfológicas, 6 (11): p. 41-49, 1966. 26