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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA HIDRAÚLICA E AMBIENTAL PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA CIVIL (RECURSOS HÍDRICOS) COMPENSAÇÃO FINANCEIRA COMO MECANISMO DE GESTÃO DE RISCO NA ALOCAÇÃO DE ÁGUA SAMIRIA MARIA OLIVEIRA DA SILVA Fortaleza- Ceará- Brasil Julho de 2015 SAMIRIA MARIA OLIVEIRA DA SILVA COMPENSAÇÃO FINANCEIRA COMO MECANISMO DE GESTÃO DE RISCO NA ALOCAÇÃO DE ÁGUA Tese submetida à Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Engenharia Civil com Área de Concentração em Recursos Hídricos, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Engenharia Civil. Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis de Souza Filho. Fortaleza- Ceará- Brasil 2015 COMPENSAÇÃO FINANCEIRA COMO MECANISMO DE GESTÃO DE RISCO NA ALOCAÇÃO DE ÁGUA Tese submetida à Coordenação do Curso de Pós-Graduação em Engenharia Civil com Área de Concentração em Recursos Hídricos, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Engenharia Civil. AGRADECIMENTOS Para Deus que sempre me orienta e me dá força para vencer as batalhas da vida. Aos meus pais, Francisco das Chagas e Aila Maria pela educação e apoio aos meus estudos. A minha avó materna, Luzia Rodrigues de Oliveira, por todo amor e carinho que sempre me concedeu. E, as minhas irmãs, Sâmila Maria e Sâmia Maria, pelos meus momentos de ausência em função das minhas atividades acadêmicas. Ao meu querido marido, Anderson Brandão, por toda força, carinho, compreensão e companheirismo a mim dedicado. Ao grande orientador, Francisco de Assis de Souza Filho por todos os ensinamentos acadêmicos e da vida, pela dedicação e confiança já que “Somos livres no Um mas, não no Dois”. Aos meus companheiros de pesquisa e estudo Sandra Helena, Daniel Cid, Thalita, Talitha Rochanne, Cleiton Silveira, Wictor Edney, Luiz Junior, Thiago e Felipe. A Teresinha, Shirley e Neuza pela colaboração e auxílio ao longo do doutorado. A todos os professores que contribuíram de alguma forma com minha carreira acadêmica em especial, Rosemeiry Carvalho, minha ex-tutora do PET, que me norteou para o mundo dos recursos hídricos e Calíope de Freitas pelas muitas conversas e conselhos. A banca examinadora pela disponibilidade de estar presente na defesa da tese. https://www.facebook.com/profile.php?id=100002137466712 RESUMO O processo de alocação de água entre usos diferentes e conflitantes em um cenário de incerteza climática reforça a motivação para estudar a gestão de riscos em sistemas hídricos. Dessta forma, o presente estudo propõe a incorporação de um mecanismo de gestão de risco climático no processo de alocação de recursos hídricos visando o gerenciamento equitativo e eficiente desses recursos. Para isso, utilizou-se um modelo agregado composto por um reservatório de regularização e dois usuários abastecimento urbano e irrigação, para construir e avaliar o mecanismo financeiro. Em seguida, utilizou-se um modelo desagregado, com múltiplos reservatórios, para aplicar os conceitos definidos no modelo anterior. Inicialmente, foi definido um indicador para ser utilizado como gatilho do mecanismo financeiro. Esse gatilho acionou o mecanismo sempre que foi detectado algum estado de severidade seca no sistema hídrico, sendo utilizado quatro estados: seca moderada, seca severa, seca extrema e seca excepcional. O valor da compensação foi calculado com base nos benefícios alcançados pelo setor que perdeu garantia hídrica no período de escassez. Essa avaliação foi realizada por meio da aplicação de dois métodos de rateio das disponibilidades hídricas: rateio linear e sistema de prioridades. A vazão disponível para alocação foi determinada utilizando a estratégia de operação do reservatório com afluências zero no semestre do ano. Entretanto, também testou-se a incorporação da informação climática nesse processo. Foram propostos dois gatilhos para o mecanismo financeiro: Índices de seca e Nível de Racionamento. Os índices de seca foram construídos com base na precipitação média (Índice padronizado de precipitação), na vazão afluente (Índice padronizado de escoamento) e no volume final da operação do sistema (Índice sintético). O nível de racionamento possuiu como base a vazão disponível para alocação (retirada controlada). A escolha dessa variável deu-se pela relação existente entre ela e o volume armazenado Essa relação permite que o gatilho obtenha um bom desempenho tanto para a probabilidade de detecção de seca quanto para o falso alarme. Além disso, elaborou-se uma base conceitual para incorporar o mecanismo financeiro a cobrança pelo uso da água e avaliou-se o desempenho do sistema quanto à incorporação do mecanismo financeiro por meio de dois indicadores, eficiência econômica e equidade (justiça alocativa). A avaliação de desempenho mostrou que o pagamento da compensação em um período de seca devido à maior garantia (prioridade) de outros usos opera no sentido de uma maior equidade e eficiência na alocação de água. No intuito de guardar os recursos financeiros arrecadados pela cobrança para a cobertura das compensações propôs-se um fundo de regularização que possui parcelas de arrecadação anual realizadas pelo abastecimento urbano e pelo governo. O fundo de regularização garante a sustentabilidade financeira e a incorporação do mecanismo ao instrumento de cobrança uma boa capacidade de adaptação ao sistema. Assim, a compensação financeira é uma opção viável tanto para os gestores de recursos hídricos que terão maior flexibilidade nas suas decisões quanto para o sistema de recursos hídricos que terá maior equidade no seu processo de alocação de água. Palavras-chave: Alocação de água, Risco e Compensação. ABSTRACT The process of water allocation between different and competing uses in an uncertain climate scenario reinforces the motivation to study risk management of water systems. In this way, the purpose of this study is to propose the incorporation of a climate risk management mechanism in the process of water allocation, aiming an equitable and efficient management of these resources. For this, an aggregate model consisting of a reservoir of regulation and two users (urban supply and irrigation) was used to build and evaluate a financial mechanism. Afterwards, a disaggregation model consisting of multiple reservoirs was used to apply the concepts defined in the previous model. Initially, an indicator was chosen to be used as a trigger for the financial mechanism. This trigger started the mechanism whenever any rigorous state of drought in the water system was detected, which were classified in four different types: moderate drought, severe drought, extreme drought and exceptional drought. The amount of compensation was calculated based on the benefits achieved by the sector that lost water guarantee during the scarcity period. This evaluation was performed by the application of two methods for apportioning the water availability: linear apportionment and priority system. The available water flow for allocation was calculated using the reservoir operation strategy with inflows zero in the semester of the year. However, the incorporation of climate information in the process was also tested. Two triggers were proposed for the financial mechanism: Drought indices and Rationing level. The drought indices were built based on the average precipitation (standardized precipitation index), the inflow (standardized index flow) and the final volume of system operation(synthetic index). The rationing level mechanism is based on the available water flow for allocation and it was chosen due to its existing relation with the volume stored. This relationship allows the trigger to perform well both for the drought detection probability as for the false alarm. In addition, a conceptual framework for incorporating the financial mechanism to charge for the water use was elaborated, as well as an evaluation of the performance of the system as for the incorporation of the financial mechanism through two indicators: economic efficiency and equity (allocative justice). The performance evaluation showed that the payment of compensation in a period of drought due higher warranty (priority) of other uses operates to a greater equity and efficiency in water allocation. In order to keep the funds collected by the charge to cover the compensation, a regularization fund that has annual revenues of parcels carried out by the urban water supply and by the government was created. This regularization fund ensures the financial sustainability and also a good ability to adapt the incorporation mechanism to the collect instrument. Consequently, the financial compensation is a viable option for both water managers, who will have greater flexibility in their decisions, as well as for the water resources system, that will have more equity in their process of water allocation. Key-words: Water allocation, Risk and Compensation. LISTA DE TABELAS TABELA 1- CAPACIDADE DOS RESERVATÓRIOS UTILIZADOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA. .......................... 67 TABELA 2 - DEMANDA DE ABASTECIMENTO URBANO DA RMF. ................................................................................. 68 TABELA 3 - ESTIMATIVA DAS COMPENSAÇÕES FINANCEIRAS. .................................................................................... 75 TABELA 4 - ESTADO DO SISTEMA E LIMIARES DOS ÍNDICES. ....................................................................................... 78 TABELA 5 - MÉTODO DE ANÁLISE DE CONTINGÊNCIA. .............................................................................................. 79 TABELA 6 - LIMIARES DO GATILHO NÍVEL DE RACIONAMENTO. ................................................................................. 79 TABELA 7 – DESEMPENHO DA ALOCAÇÃO DE ÁGUA PARA O SETOR URBANO NO SISTEMA DE PRIORIDADE CONSIDERANDO O MODELO AGREGADO. ....................................................................................................................................... 91 TABELA 8 - DESEMPENHO DA ALOCAÇÃO DE ÁGUA PARA O SETOR DE IRRIGAÇÃO NO SISTEMA DE PRIORIDADE CONSIDERANDO O MODELO AGREGADO. .................................................................................................................................... 91 TABELA 9 - VARIAÇÃO DE RENDIMENTO E GARANTIA HÍDRICA ENTRE O MÉTODO DE RATEIO LINEAR E O SISTEMA DE PRIORIDADE CONSIDERANDO O MODELO AGREGADO. .............................................................................................................. 93 TABELA 10 - BENEFÍCIO MÉDIO DO SETOR DE ABASTECIMENTO URBANO E IRRIGAÇÃO EM MILHÕES DE REAIS. .................... 96 TABELA 11 – TRANSFERÊNCIA MÉDIA DE RISCO ENTRE A IRRIGAÇÃO E O ABASTECIMENTO URBANO. ................................. 96 TABELA 12 - ESTATÍSTICA DAS SÉRIES SINTÉTICAS DE VAZÃO AFLUENTE AO RESERVATÓRIO ORÓS NO PERÍODO DE 30 ANOS. . 98 TABELA 13 - TRANSFERÊNCIA DE RISCO ENTRE O ABASTECIMENTO E A IRRIGAÇÃO CONSIDERANDO AS SÉRIES SINTÉTICAS DE VAZÃO NÚMERO 11 E 21. ............................................................................................................................... 100 TABELA 14 - ANÁLISE DOS ÍNDICES DE SECA. ....................................................................................................... 102 TABELA 15 - LIMIARES DO GATILHO NÍVEL DE RACIONAMENTO. ............................................................................. 107 TABELA 16 - FREQUÊNCIA DE OCORRÊNCIA DOS ESTADOS DE SECA CONFORME O GATILHO NÍVEL DE RACIONAMENTO. ...... 109 TABELA 17 - RESULTADOS DA ANÁLISE DE SENSIBILIDADE DOS COEFICIENTES DE RACIONAMENTO. ................................. 109 TABELA 18 - BENEFÍCIOS DOS SETORES USUÁRIOS NO SISTEMA BASE E NO SISTEMA COM COMPENSAÇÃO (MILHÕES DE REAIS). .................................................................................................................................................................. 114 TABELA 19 - DEMANDAS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO POR FINALIDADE DE USO (M³/S). .......................... 118 TABELA 20 - VOLUMES CARACTERÍSTICOS DOS RESERVATÓRIOS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO. .................... 119 TABELA 21 – EVAPORAÇÃO MÉDIA PARA OS RESERVATÓRIOS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO. ....................... 119 TABELA 22 - VOLUME META E PRIORIDADES DOS RESERVATÓRIOS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO. ................. 120 TABELA 23 - ESTIMATIVA DAS COMPENSAÇÕES FINANCEIRAS PARA O SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO. ................. 121 TABELA 24 - FUNÇÃO BENEFÍCIO DA IRRIGAÇÃO POR SISTEMA. .............................................................................. 122 TABELA 25 - LIMIARES DO NÍVEL DE RACIONAMENTO PARA O SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO. ........................... 123 TABELA 26 - CENÁRIOS DE SIMULAÇÃO PARA DEFINIÇÃO DO ESTADO DAS ÁGUAS DOS RESERVATÓRIOS. .......................... 123 TABELA 27 - ESTADO DAS ÁGUAS DO RESERVATÓRIO PARA O PERÍODO DE 1930 A 1932. ............................................ 134 TABELA 28 - ESTADO DAS ÁGUAS DO RESERVTAÓRIO PARA O PERÍODO DE 1951 A 1953. ............................................ 135 TABELA 29 - ESTADOS DAS ÁGUAS DOS RESERVATÓRIO DO JAGUARIBE PARA O PERÍODO DE 1997 A 1999. .................... 140 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - CURVA DE DEMANDA DE UM BEM X EM CONDIÇÕES COETERIS PARIBUS. ...................................................... 21 FIGURA 2 - REPRESENTAÇÃO DE UMA CURVA DE DEMANDA DE ÁGUA ......................................................................... 21 FIGURA 3 - RELAÇÃO ENTRE A CURVA DE DEMANDA E OS BENEFÍCIOS ECONÔMICOS. ..................................................... 22 FIGURA 4 - CRITÉRIOS DE EFICIÊNCIA ECONÔMICA DE PARETO E KALDOR-HICKS. ......................................................... 25 FIGURA 5 - PROCESSO DE GESTÃO DE RISCOS. ...................................................................................................... 33 FIGURA 6 - PLANEJAMENTO DE SECA NA VISÃO DA GESTÃO DE RISCO. ........................................................................ 36 FIGURA 7 – CRONOLOGIA DA COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA BRUTA NO CEARÁ DE 1992 ATÉ O PRESENTE. ...................... 56 FIGURA 8 – MODELO DE REPRESENTAÇÃO DA ALOCAÇÃO DE ÁGUA. .......................................................................... 61 FIGURA 9 – FASES DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS. .................................................................................... 63 FIGURA 10 - REPRESENTAÇÃO DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO E TRECHOS DO EIXÃO DAS ÁGUAS. .................... 64 FIGURA 11 - CAPACIDADE DE ACUMULAÇÃO DOS RESERVATÓRIOS QUE PERENIZAM OS VALES DO JAGUARIBE E BANABUIÚ. .. 65 FIGURA 12 - POPULAÇÃO TOTAL RESIDENTE DO VALE PERENIZADO DO JAGUARIBE E BANABUIÚ (HABITANTES). ................. 66 FIGURA 13 - DIAGRAMA UNIFILAR DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO. ........................................................... 69 FIGURA 14 - FLUXOGRAMA DOS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A ALOCAÇÃO DE ÁGUA E ANÁLISE DA TRANSFERÊNCIA DE RISCO. ................................................................................................................................. 70 FIGURA 15 - CURVA DE DEMANDA DOS IRRIGANTES DA BACIA DO JAGUARIBE - CEARÁ. ................................................. 73 FIGURA 16 - PROCEDIMENTOSMETODOLÓGICOS DO MECANISMO DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA. ................................. 73 FIGURA 17 - REGRA DE OPERAÇÃO DO MECANISMO FINANCEIRO. ............................................................................. 74 FIGURA 18 - VARIAÇÃO SAZONAL DAS AFLUÊNCIAS AO RESERVATÓRIO ORÓS REPRESENTADA PELOS VALORES MENSAIS DA MÉDIA, MEDIANA E QUANTIS DE 25% E 75%. ....................................................................................................... 88 FIGURA 19 - VAZÃO MÉDIA ANUAL AFLUENTE DO RESERVATÓRIO DE ORÓS (1912 – 1996) EM PRETO E EM CINZA A MÉDIA MÓVEL DE 10 ANOS. ........................................................................................................................................ 89 FIGURA 20 - CURVA DE REGULARIZAÇÃO DO RESERVATÓRIO ORÓS. ........................................................................... 89 FIGURA 21 - VAZÃO ALOCADA COM O MECANISMO DE PRIORIDADE E RATEIO LINEAR (HM³/ANO) NO CENÁRIO DE VAZÃO ZERO UTILIZANDO A SÉRIE HISTÓRICA DE JULHO 1912 A JULHO 1996. .............................................................................. 90 FIGURA 22 - VAZÃO ALOCADA COM O MECANISMO DE PRIORIDADE (HM³/ANO) NO CENÁRIO DE PREVISÃO DE VAZÃO EM JULHO 1912 A JULHO 1996. ............................................................................................................................. 92 FIGURA 23 - BENEFÍCIO FINANCEIRO MÉDIO ANUAL DOS SETORES USUÁRIOS DE ÁGUA CONSIDERANDO AS FUNÇÕES BENEFÍCIO DE SOUZA FILHO E BROWN (2009) EM MILHÕES DE REAIS....................................................................................... 94 FIGURA 24 - BENEFÍCIO MÉDIO ANUAL OBTIDO PELO USO DA ÁGUA PELA IRRIGAÇÃO E ABASTECIMENTO URBANO NOS DOIS MECANISMOS DE ALOCAÇÃO NO CENÁRIO DE OPERAÇÃO COM VAZÃO ZERO. ................................................................ 95 FIGURA 25 – MÉDIA DA VAZÃO ALOCADA PARA O ABASTECIMENTO URBANO NO PERÍODO DE 30 ANOS (HM³/ANO). .......... 99 FIGURA 26 – MÉDIA DA VAZÃO ALOCADA PARA O SETOR DE IRRIGAÇÃO NO PERÍODO DE 30 ANOS (HM³/ANO). ................. 99 FIGURA 27 - MÉDIA DOS BENEFÍCIOS OBTIDOS PELOS DOIS SETORES USUÁRIOS DE ÁGUA POR MEIO DO SISTEMA DE PRIORIDADE. ................................................................................................................................................. 100 FIGURA 28 – ESTADO DE SECA APRESENTADO EM CADA ANO APLICANDO O ÍNDICE NORMALIZADO DE PRECIPITAÇÃO. ........ 103 FIGURA 29 - ESTADO DE SECA APRESENTADO EM CADA ANO APLICANDO O ÍNDICE NORMALIZADO DE ESCOAMENTO. ......... 104 FIGURA 30 - ESTADO DE SECA APRESENTADO EM CADA ANO APLICANDO O ÍNDICE SINTÉTICO........................................ 105 FIGURA 31 - RELAÇÃO ENTRE A RETIRADA CONTROLADA E O VOLUME ARMAZENADO NO RESERVATÓRIO. ........................ 106 FIGURA 32 - ESTADO DE SECA DO RESERVATÓRIO ORÓS DE ACORDO COM O GATILHO NÍVEL DE RACIONAMENTO PARA O PERÍODO DE JULHO DE 2012 A JULHO DE 1996 JULHO DE 1913 A JULHO DE 1996 CONSIDERANDO O CENÁRIO DE VAZÃO ZERO........................................................................................................................................................... 108 FIGURA 33- MONTANTE DAS COMPENSAÇÕES FINANCEIRAS PARA O PERÍODO DE JULHO DE 1912 A JULHO DE 1996. ....... 111 FIGURA 34 - BENEFÍCIOS DOS SETORES USUÁRIOS DE ÁGUA NO SISTEMA BASE (MILHÕES DE REAIS). .............................. 113 FIGURA 35 - BENEFÍCIOS DOS SETORES USUÁRIOS DE ÁGUA NO SISTEMA COM COMPENSÇÃO (MILHÕES DE REAIS)............ 113 FIGURA 36 - UTILIDADE AGREGADA DO SISTEMA.................................................................................................. 115 FIGURA 37 - DIFERENÇA DE BENEFÍCIO ENTRE O ABASTECIMENTO E A IRRIGAÇÃO (MILHÕES DE REAIS) ........................... 115 FIGURA 38 - DEMANDAS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO POR LOCALIZAÇÃO DOS USUÁRIOS (M³/S). .............. 117 FIGURA 39 - CURVA DE DEMANDA DESAGREGADA POR SISTEMA. ............................................................................ 122 FIGURA 40 - FLUXOGRAMA DE DECISÃO DO ESTADO DAS ÁGUAS DOS RESERVATÓRIOS. ................................................ 124 FIGURA 41 - VALORES DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA DA IRRIGAÇÃO ABASTECIDA PELOS RESERVATÓRIOS BANABUIÚ, CASTANHÃO E ORÓS COM EXCEÇÃO DA IRRIGAÇÃO DO CANAL DO TRABALHADOR E EIXÃO. .......................................... 125 FIGURA 42 - VALORES DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA DA IRRIGAÇÃO ATENDIDAS PELAS ÁGUAS DO CANAL DO TRABALHADOR E DO EIXÃO. .................................................................................................................................................... 126 FIGURA 43 - COMPORTAMENTO DA AFLUÊNCIA MÉDIA PARA OS BIÊNIOS CRÍTICOS. .................................................... 126 FIGURA 44 - VOLUME FINAIS DOS RESERVATÓRIOS DA BACIA DO JAGUARIBE APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 1 PARA O PERÍODO DE 1930 A 1932 COM O VOLUMES INICIAIS DE: (A) 2012, (B) 2013 (C) 2014 E (D) 2015............................ 128 FIGURA 45 - VOLUME FINAIS DOS RESERVATÓRIOS DA BACIA DO JAGUARIBE APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 1 PARA O PERÍODO DE 1930 A 1932 COM O VOLUMES INICIAIS DE: (A) 2012, (B) 2013 (C) 2014 E (D) 2015............................ 129 FIGURA 46 - COMPORTAMENTO DO VOLUME DOS RESERVATÓRIOS DA BACIA DO JAGUARIBE APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 2 (62% DA DEMANDA) PARA O PERÍODO DE 1930 A 1932 COM O VOLUME INICIAL DE 2014. ..................................... 130 FIGURA 47 - DÉFICIT DAS DEMANDAS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 1 (92% DA DEMANDA) COM O VOLUME INICIAL DE 2015 E O PERÍODO DE 1930 A 1932. .......................................................... 131 FIGURA 48 - DÉFICIT DAS DEMANDAS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 2 (62% DA DEMANDA) COM O VOLUME INICIAL DE 2015 E O PERÍODO DE 1930 A 1932. .......................................................... 132 FIGURA 49 - DÉFICIT DAS DEMANDAS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 3 (28% DA DEMANDA) COM O VOLUME INICIAL DE 2015 E O PERÍODO DE 1930 A 1932. .......................................................... 133 FIGURA 50 - COMPENSAÇÃO FINANCEIRA CONSIDERANDO O BIÊNIO DE 1930 A 1932. ............................................... 134 FIGURA 51 - VOLUME FINAIS DOS RESERVATÓRIOS DA BACIA DO JAGUARIBE APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 1 (92% DA DEMANDA) PARA O PERÍODO DE 1951 A 1953 COM O VOLUMES INICIAIS DE: (A) 2012, (B) 2013 (C) 2014 E (D) 2015. 136 FIGURA 52 - DÉFICIT DAS DEMANDAS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 1 (92% DA DEMANDA) COM O VOLUME INICIAL DE 2015 E O PERÍODO DE 1951 A 1953. .......................................................... 137 FIGURA 53 - DÉFICIT DAS DEMANDAS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 2 (62% DA DEMANDA) COM O VOLUME INICIAL DE 2015 E O PERÍODO DE 1951 A 1953. .......................................................... 138 FIGURA 54 - DÉFICIT DAS DEMANDAS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 3 (28% DA DEMANDA) COM O VOLUME INICIAL DE 2015 E O PERÍODO DE 1951 A 1953. .......................................................... 139 FIGURA 55 - VOLUME FINAIS DOS RESERVATÓRIOS DA BACIA DO JAGUARIBE APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 1 (92% DA DEMANDA) PARA O PERÍODO DE 1997 A 1999 COM O VOLUMES INICIAIS DE: (A) 2012, (B) 2013 (C) 2014 E (D) 2015. 141 FIGURA 56 - VOLUME FINAIS DOS RESERVATÓRIOS DA BACIA DO JAGUARIBE APÓS A SIMULAÇÃO DO CENÁRIO 1 (92% DA DEMANDA) PARA O PERÍODO DE 1937 A 1939 COM O VOLUMES INICIAIS DE: (A) 2012, (B) 2013 (C) 2014 E (D) 2015. 142 FIGURA 57 - DÉFICIT DAS DEMANDAS DO SISTEMA JAGUARIBE-METROPOLITANO, APÓS A IMPOSIÇÃO DA RESTRIÇÃO DE CAPACIDADE DO EIXÃO DAS ÁGUAS, CONSIDERANDO O PERÍODO DE 1930 A 1932 E O VOLUME DE 2012. ...................... 143 FIGURA 58 – VALOR DA COMPENSAÇÃO FINANCEIRA E MÉDIAMÓVEL DE 10 ANOS (EM PRETO) PARA O MODELO AGREGADO. .................................................................................................................................................................. 146 FIGURA 59 - SIMULAÇÃO DO FUNDO DE REGULARIZAÇÃO PARA O MODELO AGREGADO. .............................................. 148 LISTA DE SIGLAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas ANA – Agência Nacional das Águas CAGECE – Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará COGERH – Companhia de Gestão de Recursos Hídricos CONERH – Conselho Estadual de Recursos Hídricos DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra às Secas FUNCEME – Fundação Cearense Meteorologia e Recursos Hídricos OCDE – Organização para Economia Cooperação e Desenvolvimento PR – Sistema de Prioridade RL – Rateio Linear SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................13 1.1 OBJETIVOS ......................................................................................................................... 14 1.2 CONTRIBUIÇÃO CIENTÍFICA E TÉCNICA ..................................................................................... 15 1.3 ESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO .............................................................................................. 16 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................17 2.1 ALOCAÇÃO DE ÁGUA ........................................................................................................... 17 2.1.1 Mecanismos de alocação de água ....................................................................... 18 2.1.2 Economia e alocação de água .............................................................................. 20 2.1.2.1 Eficiência econômica..................................................................................................... 23 2.1.2.2 Equidade ....................................................................................................................... 25 2.1.2.3 Sustentabilidade ........................................................................................................... 27 2.2 GESTÃO DE RISCO ............................................................................................................... 29 2.2.1 O risco e o seu gerenciamento ............................................................................. 29 2.2.2 Gestão de risco de seca ........................................................................................ 34 2.2.3 Previsão Climática ................................................................................................ 36 2.2.4 Mecanismos de proteção ao risco ........................................................................ 38 2.2.4.1 Seguros tradicionais ...................................................................................................... 39 2.2.4.2 Seguros indexados ........................................................................................................ 41 2.2.4.3 Derivativos climáticos ................................................................................................... 43 2.3 COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA BRUTA .................................................................................... 48 2.4 TOMADA DE DECISÃO .......................................................................................................... 57 3 METODOLOGIA..................................................................................................60 3.1 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA ................................................................................................ 60 3.2 MODELO DE REPRESENTAÇÃO DA ALOCAÇÃO DE ÁGUA ............................................................... 61 3.3 SITUAÇÃO DE APLICAÇÃO ...................................................................................................... 63 3.3.1 Caracterização do Sistema Jaguaribe-Metropolitano .......................................... 63 3.3.1 Situação de Aplicação 1: Modelo Agregado ......................................................... 67 3.3.2 Situação de Aplicação 2: Modelo Desagregado ................................................... 68 3.4 ALOCAÇÃO DE ÁGUA E ANÁLISE DA TRANSFERÊNCIA DE RISCO ..................................................... 70 3.4.1 Alocação de Água ................................................................................................. 71 3.4.2 Análise da transferência de Risco ......................................................................... 71 3.5 MECANISMOS DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA ......................................................................... 73 3.5.1 Estimativa da Compensação Financeira ............................................................... 74 3.5.2 Limiares da Compensação Financeira: Estado do Sistema Hídrico ...................... 75 3.5.2.1 Índices de seca .............................................................................................................. 75 3.5.2.2 Nível de Racionamento ................................................................................................. 79 3.6 AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DO MECANISMO......................................................................... 80 3.7 MODELO DE INTEGRAÇÃO COBRANÇA-COMPENSAÇÃO FINANCEIRA ............................................. 81 4 MODELO AGREGADO ......................................................................................82 4.1 ALOCAÇÃO DE ÁGUA ............................................................................................................ 82 4.1.1 Operação do reservatório ..................................................................................... 82 4.1.1.1 Vazão Zero .................................................................................................................... 82 4.1.1.2 Previsão de Vazão ......................................................................................................... 83 4.1.2 Alocação de água entre usos ................................................................................ 84 4.1.2.1 Rateio Linear ................................................................................................................. 84 4.1.2.2 Sistema de prioridade ................................................................................................... 84 4.1.3 Desempenho da Alocação da Água ...................................................................... 85 4.1.4 Análise da Incerteza das Vazões Afluentes ........................................................... 86 4.2 RESULTADOS ...................................................................................................................... 88 4.2.1 Alocação de Água ................................................................................................. 88 4.2.2 Análise da Transferência de Risco ........................................................................ 93 4.2.3 Análise da incerteza nas vazões afluentes ........................................................... 97 4.2.4 Mecanismo de compensação financeira ............................................................ 101 4.2.4.1 Índices de seca ............................................................................................................ 101 4.2.4.2 Nível de racionamento ................................................................................................ 106 4.2.4.3 Valor da compensação ................................................................................................ 110 4.2.1 Avaliação do desempenho do mecanismo financeiro ........................................111 5 MODELO DESAGREGADO.............................................................................116 5.1 ALOCAÇÃO DE ÁGUA .......................................................................................................... 116 5.2 MECANISMO DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA ......................................................................... 121 5.2.1 Estimativa da compensação financeira .............................................................. 121 5.2.2 Gatilhos do mecanismo: Definição do estado das águas superficiais ................ 123 5.3 RESULTADOS .................................................................................................................... 124 6 MODELO DE INTEGRAÇÃO COBRANÇA-COMPENSAÇÃO FINANCEIRA ............................................................................................................. 144 7 CONCLUSÕES....................................................................................................149 8 REFERÊNCIAS ..................................................................................................152 APÊNDICE A – ÍNDICES DE SECA .....................................................................168 APÊNDICE B – INDICE SINTÉTICO MEDIANO ................................................171 ANEXO A - TARIFAÇÃO DE ÁGUA BRUTA .....................................................173 13 1 INTRODUÇÃO A variabilidade do clima interfere diretamente na oferta e na demanda hídrica por meio da redução ou do aumento das afluências e dos estoques de água dos reservatórios. Esse fato impõe um risco operacional nos sistemas de recursos hídricos e ressalta a necessidade do planejamento e do gerenciamento desses recursos ser realizado sob a ótica do risco e da adaptação. A adaptação é necessária para a sustentabilidade dos recursos hídricos e, consequentemente, dos hidrossistemas, uma vez que o clima, a água, os sistemas biofísicos e socioeconômicos estão conectados por caminhos complexos. O risco também está relacionado com a exposição do local (probabilidade de ocorrência) e a vulnerabilidade da sociedade. A exposição refere-se à localização das pessoas, aos meios de vida, aos recursos e serviços ambientais, à infraestrutura disponível e aos recursos econômicos, sociais ou culturais (LAVELL et al., 2012). Já a vulnerabilidade é considerada como o grau de susceptibilidade e de incapacidade do sistema lidar com os efeitos adversos da variabilidade climática (incluindo os eventos extremos), sendo função do seu caráter, da sua magnitude e de seu ritmo (IPCC, 2007). A gestão de risco em hidrossistemas pode ser realizada com medidas do tipo estrutural e não estrutural. De acordo com Grigg (1996), as medidas estruturais estão relacionadas com a alteração da infraestrutura para suportar os eventos extremos, como diques, barragens, canalização entre outros. As medidas não-estruturais são as que permitem conviver com o sistema sem precisar de instalações construídas tais como o seguro, a previsão e a realocação. As primeiras medidas envolvem maiores custos e estão limitadas quanto à segurança a um nível de risco. Brown e Carriquiry (2007) propuseram a adoção de mecanismos financeiros para gerir os riscos em hidrossistemas visando a transformar a variabilidade hidrológica em valores monetários de forma a possibilitar a garantia de renda a população na ocorrência de um evento hidrológico extremo. Nesse contexto, Courbage e Stahel (2012) advertem que uma das questões-chave em operacionalizar esses mecanismos para segurar eventos extremos é a quantidade de capital necessário para fornecer proteção contra esses eventos. Apesar dessa questão, a Rede de Conhecimento do Clima e Desenvolvimento (2012) ressalta que os mecanismos financeiros já têm sido reconhecidos 14 internacionalmente como instrumentos integrantes da adaptação e da gestão de riscos de desastres naturais. Por isso, diversas organizações internacionais já estão apoiando países para explorar o potencial de transferência de risco seja pelo desenvolvimento de instrumentos usualmente associados a um pagamento (como os seguros) ou por mecanismos usualmente informais e sem pagamento (como as compensações). Contudo, os mecanismos financeiros para gerir riscos de extremos hidrológicos são mais investigados e difundidos para proteção de perdas de inundações devido à grande frequência de ocorrência desse evento em nível mundial e o seu impacto sobre os centros urbanos (JHA, 2012). Na Austrália, por exemplo, além de seguros clássicos, o governo tem um sistema formal para compensar os estados e os usuários por perdas oriundas de inundação (MA, 2012). Com uma outra perspectiva, este estudo busca desenvolver um mecanismo de compensação financeira voltado para gerir riscos inerentes a eventos de seca, susceptível de proporcionar um significativo ganho em alternativa para o gerenciamento e o planejamento dos recursos hídricos. Para isso, neste esudo será realizada a alocação de água entre usos a fim de avaliar a transferência de risco e a perda de garantia hídrica. O pagamento da compensação financeira ocorrerá conforme o estado das águas superficiais do sistema hídrico. Para isso, será utilizado cinco estados: normal, seca moderada, seca severa, seca extrema e seca excepcional. O valor da compensação será estimada com base nos benefícios financeiros dos usuários de água. Esses benefícios serão oriundos de funções estimadas a partir da integração da curva de demanda dos usuários 1.1 Objetivos O objetivo geral é desenvolver um mecanismo de gestão de risco climático que possa ser incorporado no processo de alocação de recursos hídricos, visando à redução de conflitos e ao gerenciamento equitativo e eficiente desses recursos. Especificamente, pretende-se alcançar os seguintes objetivos: Analisar a questão da transferência de risco na alocação de água entre setores usuários; Construir um mecanismo de compensação financeira para a gestão do risco climático na alocação de água; Propor limiares que indiquem o estado de seca em sistemas plurianuais; 15 Analisar o desempenho do mecanismo de compensação financeira quanto à capacidade de gerar eficiência e equidade ao sistema hídrico; Propor um modelo conceitual de cobrança pelo uso da água para incorporar o mecanismo de compensação financeira; 1.2 Contribuição Científica e Técnica A crescente demanda por recursos hídricos e o desafio dos planejadores e gestores de recursos hídricos de alocar água entre usos diferentes e conflitantes em um cenário de incerteza climática, visto em todo o mundo, reforça a motivação para estudar e aprimorar o processo de alocação de água nos mais diversos sistemas hídricos. Um levantamento realizado com o conjunto de palavras-chave Risco climático- Alocação, Risco climático-Seguro e Compensação Financeira-Alocação na base de dados da Scorpus e no mecanismo de busca Google Acadêmico para o período de 2004 a setembro de 2014 destacou 54 trabalhos cientifícos publicados que poderiam ter alguma correspondência com o tema proposto nesta pesquisa. Desse total de trabalhos: 08 discutem e/ou propõem a utilização de seguros para gerir riscos de inundação; 27 discutem e/ou elaboram mecanismos de seguros para a gestão de risco climático na agricultura (sendo 02 estudos especifícos para a irrigação); 12 discutem conceitualmente a utilização de mecanismos financeiros para gerir riscos climáticos; 01 analisa a acoplagem de modelos hidrológicos com modelos de transferência de risco hidrológico; 01 discute e elabora uma compensação financeira para o município devido a exploração de recursos minerais; 02 avaliam a compensação financeira para a proteção ambiental; 02 analisam o impacto da compensação financeira de hidroelétricas em sedes municipais. 01 propõe um contrato de opção entre concessionáriasde abastecimento de água urbanas e usuários da agricultura associado a seguro baseado em vazões afluentes. Assim, a pouca existência de referências na linha de pesquisa deste estudo revela a pertinência de produzir conhecimento para instrumentalizar os gestores de recursos hídricos no processo de gestão de risco na alocação de água seja pela melhor 16 compreensão dos intrumentos de gestão já existentes ou pelo desenvolvimento de novos instrumentos e/ou novas ferramentas técnicas ou tecnológicas. Dessa forma, as apropriações científicas e técnicas, por parte da sociedade, dos elementos construídos neste estudo possibilitariam a melhoria do processo de alocação de água e, consequentemente, o desenvolvimento de um sistema de recursos hídricos com maior resiliência e capacidade de adaptação. 1.3 Estruturação do trabalho Este documento está organizado em sete capítulos além da introdução que inclui os objetivos e a contribuição cientifica e técnica da pesquisa. No segundo capítulo expõe-se o referencial teórico onde se apresenta uma base conceitual sobre a alocação de água e seus mecanismos seguindo com uma breve fundamentação sobre gestão de risco, cobrança pelo uso da água e tomada de decisão. A metodologia está exposta no capítulo três com explicitação da situação de aplicação, da elaboração dos limiares da compensação financeira, do método de análise da transferência de risco e da construção do mecanismo de compensação financeira além do método da avaliação de desempenho do sistema e da construção do modelo conceitual da incorporação do mecanismo financeiro a cobrança pelo uso da água. No capítulo seguinte, tem-se apresentação do sistema de alocação de água para o modelo agregado com a explicitação da operação do reservatório e dos métodos de alocação bem como, os resultados oriundos desse modelo. O capítulo cinco expõe a aplicação do mecanismo financeiro ao modelo desagregado levando em consideração as definições realizadas para o modelo agregado. No capítulo seis apresenta-se um modelo conceitual para implementar o mecanismo de compensação com parcela da cobrança pelo uso da água. Enquanto que, nos capítulos sete e oito têm-se as conclusões e as referências bibliográficas, respectivamente. Como capítulos extras, têm-se os apêndices em que é possível visualizar os índices construídos neste estudo bem como, os anexos em que se expõe a descrição de alguns modelos de tarifação de água bruta. 17 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Os conceitos apresentados buscam fundamentar a pesquisa e familiarizar o leitor com o campo de estudo bem como, construir uma base conceitual que embasasse os aspectos metodológicos. Este capítulo está dividido em quatro seções, são elas: (i) alocação de água; (ii) gestão de risco; (iii) cobrança pelo uso da água; e (iv) tomada de decisão. 2.1 Alocação de Água A alocação de água configura-se como uma tomada de decisão no gerenciamento de recursos hídricos e se refere às regras e aos procedimentos por meio dos quais a distribuição da água é decidida para uso individual ou coletivo, em relação à sua disponibilidade (ROA-GARCÍA, 2014). É um processo que, em muitas vezes, tende a ser marcado por conflitos em virtude da escassez do próprio recurso (em termos de quantidade, qualidade, tempo de disponibilidade ou confiabilidade), que gera, muitas vezes, o desequilíbrio entre a oferta e a demanda. Ela pode ocorrer de quatro formas: i) alocação entre usos ou intersetorial; ii) entre usuários ou intrasetorial; iii) intertemporal que estabelece a relação entre a alocação de curto prazo (enquanto a oferta é fixa) com o futuro próximo (intersazonal ou interanual) e deste com o futuro mais longínquo; iv) a alocação inter-regional ou interespacial (SOUZA FILHO, 2005). No processo de alocação de água, inicialmente, é realizado o desenvolvimento de infraestrutura hídrica e a definição do planejamento é, portanto, como essa infraestrutura será utilizada. Ao longo do tempo, a demanda hídrica pode torna-se superior ao total disponibilizado, mesmo com a nova infraestrutura. Além disso, uma consciência ambiental cresce, e vislumbra-se uma maior restrição na disponibilidade hídrica (SPEED et al., 2013). Sob essas circunstâncias, as crises econômicas e ambientais podem ocorrer e o planejamento da alocação passa a ter um novo contexto que inclui a gestão da demanda e dos conflitos. A gestão da demanda envolve todas as ações relacionadas aos usos econômicos e sociais da água e à sustentabilidade ambiental. Aspectos como a conservação da água (uso racional) e a flexibilidade dos usos são dimensões relevantes dessa gestão. Essa gestão é realizada por intermédio de instrumentos como a outorga e a cobrança. A 18 gestão de conflito pelos usos da água tem sua necessidade em decorrência da escassez relativa dos recursos hídricos que gera disputas de interesses que necessitam ser administrados. A abordagem sistêmica da alocação envolve significativa análise econômica, social, ambiental e avaliação de compensação entre usos competitivos. Assim, conforme Speed et al. (2013), um moderno processo de alocação de água é um exercício socioeconômico com base na hidrologia e na engenharia. Segundo Souza Filho (2007), essa nova abordagem possui uma dimensão natural (na disponibilidade hídrica e sustentabilidade dos ecossistemas), econômica (como insumo na produção), sociológica (no conflito entre os grupos sociais e regiões), jurídico-institucional (no direito de uso) e de política de desenvolvimento. E sua tomada de decisão é subsidiada pela aplicação de diferentes mecanismos que afetam, de forma diferenciada, os usuários de água. 2.1.1 Mecanismos de alocação de água Basicamente, a alocação de água pode ser realizada por meio de quatro mecanismos: i) mecanismo administrativo; ii) preço baseado no custo marginal; iii) mercado da água e iv) conferência de consenso (DINNAR, 1997). No mecanismo administrativo, o Poder Público é o responsável pelo gerenciamento dos recursos hídricos, definindo os volumes a serem utilizados, assim como sua distribuição entre os usuários do sistema. Esse é o mecanismo mais praticado ao longo dos anos em diversos países devido às características especiais da água que levam a falhas de mercado (WORLD BANK, 1993). Tem como fundamento o mecanismo de comando-e-controle que tem, como base, a distribuição de cotas do bem para os usuários, estabelecendo um sistema de direitos de uso. No Brasil, a outorga de uso da água é o mecanismo administrativo que garante o direito de uso da água, por um prazo determinado, nas condições expressas pela Política Nacional dos Recursos Hídricos. Conforme o Artigo 11 da Lei 9.433 de 1997, “o regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água” Desse modo, a outorga é uma autorização de uso pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a um particular, para que o explore segundo sua destinação especifica (AQUINO et al., 2013). 19 Conforme Dinnar (1997), o mecanismo do preço baseado no custo marginal da última unidade de água suprida pressupõe que o preço e o custo marginal sejam iguais. Com isso, a alocação é economicamente eficiente evitando a tendência de subvaloração dos recursos. Considerando que o custo marginal variará com o tempo de avaliação e com a demanda, sua aplicação torna-se difícil. Os mercados de água fazem parte de uma mudança de paradigma das políticas de água de muitos locais no Chile e nos Estados Unidos. A sua implementação tem sido promovida por importantes organizações internacionais como a Organizações das Nações Unidas, o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (LE QUESNE et al, 2007).A alocação via mercado tem por objetivo realocar água de usuários com menor capacidade de pagamento para usuários com maior capacidade de pagamento por curtos períodos, em anos de escassez, ou por longo prazo. Algumas vezes, o mercado requer intervenção ou controle estatal a fim de criar condições satisfatórias à sua ocorrência (DINNAR, 1997). De acordo com Le Quesne et al. (2007), há uma grande variedade de mercados de água. Dentre eles têm-se os mercados de água abertos e os mercados locais: a) Mercados de água abertos – Nele, os direitos de água são negociados em um mercado livre, em geral, sem interferência ou controle administrativo; Eles se aproximam da venda de outros produtos e serviços na economia de mercado como, por exemplo, a venda de terras; b) Mercados locais – São utilizados para negociar a água temporariamente, sendo importantes para permitir a flexibilidade nos sistemas de recursos hídricos. Esse é o tipo mais comum de mercado de água. Campos et al. (2002) relatam a existência de três condições necessárias para aplicação do mercado de água: i. A legislação deve permitir ao titular do uso o direito de transferi-lo; ii. Os sistemas hídricos devem ser organizados, permitindo-se a alocação e realocação e exercendo o controle por meio da outorga; iii. As transferências permanentes devem ser informadas e avaliadas pelo órgão gestor, que deverá emitir nova outorga para o novo usuário. A conferência de consensos consiste na negociação política do uso da água entre a sociedade civil, usuários e poder público. Esse mecanismo incorpora dois conceitos base: i) a arbitragem de conflito como forma de integração social e ii) a ampliação da 20 democracia no interior da sociedade, como forma de gerenciamento de conflitos. Esses dois conceitos são a base sociológica que legitima esse mecanismo de alocação de recursos (DINNAR, 1997). Na literatura, existem outras categorizações de mecanismos de alocação. Por exemplo, Sales (1999) enuncia três tipos racionais de modelos de alocação de água: centralismo administrativo, mercado de água e alocação via negociação. O fundamental é que os tomadores de decisão, além de terem acesso aos diversos mecanismos existentes, possam adaptá-los à realidade de cada local e aos objetivos da política de recursos hídricos desenvolvida nele. 2.1.2 Economia e alocação de água A integração entre aspectos hidrológicos e a economia tem ocorrido, em geral, por intermédio do desenvolvimento de modelos hidroeconômicos. Esses modelos assentam-se sobre uma plataforma conceitual (GISSER; MERCADO, 1972; NOEL et al. 1980) em que a água é alocada e gerida de forma a maximizar benefícios derivados de curvas econômicas de demanda de água. A demanda pode ser definida como a quantidade de certo bem ou serviço que os consumidores desejam adquirir em determinado período de tempo. Essa procura depende de variáveis que influenciam a escolha do consumidor, são elas: o preço do bem ou serviço, o preço dos outros bens, a renda do consumidor e o gosto ou preferência do indivíduo. Para se estudar a influência isolada dessas variáveis, utiliza-se a hipótese do coeteris paribus, ou seja, considera-se cada uma dessas variáveis afetando separadamente as decisões do consumidor (TAVARES; GIMENES, 2012). De acordo com a teoria elementar da demanda, a quantidade demandada de certo bem ou serviço varia inversamente a seu preço, permanecendo constantes a renda disponível do consumidor e o preço dos demais bens (coeteris paribus). Assim, toda vez que o preço do bem sobe, a quantidade demandada cai, e vice-versa. Na Figura 01, cada ponto da curva de demanda representa a quantidade total de bens ou serviços que os consumidores decidiram comprar a um determinado preço. Harou et al. (2009) expõem que a curva de demanda de água representa a disposição a pagar do consumidor para diferentes quantidades de água. A disposição a pagar está essencialmente relacionada com as preferências dos consumidores. 21 Figura 1 - Curva de demanda de um bem x em condições coeteris paribus. Fonte: Elaboração própria. Com a curva de demanda, é possível quantificar o valor de mercado (ABDE na Figura 2) e o excedente do consumidor (BCD na Figura 2), ou o utilitário adicional adquirido pelos consumidores acima do preço pago. Na Figura 2, o eixo y é o preço unitário e o eixo x é a quantidade de água disponível. A inclinação da curva indica o quanto um indivíduo está disposto a pagar por cada unidade extra do produto, ou seja, o benefício marginal. Figura 2 - Representação de uma curva de demanda de água Fonte: Adaptado de Bear et al. 1964 apud Harou et al. 2009. A soma do valor de mercado com o excedente do consumidor representa os benefícios econômicos brutos da alocação de água que podem ser obtidos integrando a curva de demanda de água (Figura 3). A função de benefício gerada com essa 22 integração apresenta retornos marginais decrescentes, isto é, a taxa de benefício diminui à medida que aumenta a quantidade de água. Figura 3 - Relação entre a curva de demanda e os benefícios econômicos. Fonte: Adaptado de Bear et al. 1964 apud Harou et al. 2009. A teoria elementar da demanda parte do princípio de que quanto maior for o preço do bem, menos unidades serão compradas, por duas razões importantes: porque isso aumenta o custo do consumo e o seu custo de oportunidade. Para Hall e Liberman (2003), o conceito de custo de oportunidade é usado para se referir ao valor de um recurso em seu melhor uso alternativo, isto é, refere-se ao valor da melhor alternativa sacrificada quando da prática de outra ação. Para um indivíduo, ele decorre da escassez de tempo ou dinheiro. Para a sociedade, ele surge da escassez dos recursos sociais. Na alocação de água, considera-se em termos de uma mudança na margem, ou seja, o custo marginal de oportunidade, porque as decisões de gestão geralmente implicam mudanças relativamente pequenas no uso dos recursos hídricos (FAO, 2004). 23 Conforme a FAO (2004), o custo de oportunidade marginal é uma ferramenta importante e útil para conceituar e medir os efeitos físicos do esgotamento de recursos e a degradação em termos econômicos. Ele busca medir o custo social total de uma opção/ação ou política que emprega um recurso natural como a água. Assim, ele compõe-se dos custos econômicos diretos de captação de água (tais como os custos de mão-de- obra, equipamento) e dos custos externos que surgem a partir do uso da água. No contexto da economia da alocação de água, um conceito relevante é o de escassez de água, isto é, quando a demanda excede a oferta hídrica. Isto porque quando a água é um recurso escasso, ela deve ser gerida e distribuída de forma eficiente, no sentido econômico. Para Moraes et al. (2009), além de uma alocação de água eficiente, é necessário distribuir o bem-estar entre todos os indivíduos e assegurar a sustentabilidade do recurso. Dessa forma, a alocação de água deve ser realizada para cumprir alguns objetivos globais que podem ou não estar explícitos na legislação. Esses objetivos, que giram em torno dos pilares do desenvolvimento sustentável (LAYRARGUES, 1997), são: equidade, eficiência econômica e sustentabilidade. 2.1.2.1 Eficiência econômica A eficiência econômica pode ser dividida em dois componentes: eficiência produtiva e eficiência alocativa. O primeiro componente envolve a organização da produção para obter seu valor máximo com todos os recursos disponíveis (HALL; LIEBERMAN, 2003). A eficiência alocativa, foco desta seção, explora todas as possibilidades de ganhos entre agentes sociais e econômicos por intermédio de trocas de bens e serviços. Uma alocação economicamente eficiente da água é desejável na medida em que maximiza o bem-estar que a sociedade obtém dos recursos hídricos disponíveis. Bem- estar, nessecontexto, refere-se ao bem-estar econômico da sociedade e é determinado pelo bem-estar agregado dos usuários de água (FAO, 2004). Um critério utilizado na economia para julgar se a alocação do recurso é ou não eficiente é o ótimo de Pareto. Ele foi originalmente concebido como um critério de avaliação do bem-estar social. A aplicação do seu conceito inaugurou uma nova linha de pensamento e desencadeou importantes mudanças no estudo da economia. Ele enuncia que o bem-estar máximo de uma sociedade é alcançado quando não existir outro estado 24 tal que seja possível aumentar o bem-estar de um indivíduo sem diminuir o bem-estar de outro (GARCIA, 1996). Ou seja, a alocação eficiente será aquela quando não existir mais trocas que possam aumentar o ganho de utilidade de um usuário sem diminuir a utilidade do outro (PINDYCK e RUBINFELD, 2005). Ao longo dos anos, o conceito de Ótimo de Pareto foi ampliado, mudando sua perspectiva de análise e passou a ser denominado de “Pareto Potencial" ou critério de Kaldor-Hicks. Esse critério diz que uma mudança na alocação é considerada desejável se aqueles indivíduos que ganham com a mudança puderem compensar aqueles que perdem e ainda ser melhor do que eram anteriormente (FAO, 2004). O critério de Kaldor-Hicks, diferentemente do “ótimo de Pareto”, possibilita a existência de prejudicados, contudo é imprescindível que os ganhos sejam maiores que as perdas e aqueles “perdedores” tenham a possibilidade de serem compensados suficientemente pelas perdas, mesmo que efetivamente não o sejam (POMPEU, 2013). Assim, esse critério aumenta a utilidade prática do conceito de eficiência de Pareto, viabilizando a sua aplicação ao caso concreto com o uso do princípio da compensação. Souza Filho (2005) ilustra graficamente a distinção entre o critério de Pareto e de Kaldor-Hicks (Figura 4) no contexto da alocação de água. Ele supõe uma posição inicial (ou um ponto de desacordo) entre dois usuários de água: Ponto1 na Figura 4. O segmento de curva A-B mostra o conjunto das soluções de compromisso que satisfazem a eficiência de Pareto. O Ponto 3 é uma solução de compromisso que satisfaz a condição de eficiência de Pareto, onde se consegue melhorar a situação dos agentes sem piorar a situação de nenhum deles com relação à situação inicial Ponto 1. Observe que o Ponto 2 não satisfaz a condição de eficiência de Pareto, pois o agente 1 fica com condição pior que na situação inicial. Este ponto 2, porém, é um ótimo de Kaldor-Hicks, pois o usuário 2 ganharia seis (6) unidades e o usuário 1 perderia uma (1) unidade, podendo o usuário 2 compensar o usuário1 por sua perda e, ainda ficar em situação melhor. O ponto 2 também é uma melhoria de Kaldor-Hicks com relação ao ponto 3. O princípio da compensação de Kaldor-Hicks também é base para a análise de benefício/custo que, é rotineiramente aplicada para orientar ações e investimentos públicos. Nessa análise, os benefícios englobam tudo o que representa aumento de bem- estar e os custos corresponde a tudo que o reduz (ROCHA; CASTRO, 2009). Outro critério de eficiência econômica é a Melhoria de Marshall. Essa melhoria ocorre quando o valor líquido do benefício da mudança é positivo, isto é, o valor ganho com a troca é maior que o valor perdido na mesma. 25 Figura 4 - Critérios de Eficiência Econômica de Pareto e Kaldor-Hicks. Fonte: Souza Filho (2005). Para Johanson et al. (2002), a alocação eficiente de recursos hídricos é a que maximiza o benefício social líquido usando as tecnologias e o suprimento de água existente. Em curto prazo, a alocação eficiente maximiza benefícios líquidos sobre custos variáveis e resulta na equalização do benefício marginal para o uso dos recursos entre os setores de forma a maximizar o bem-estar social, Porém, apesar de a eficiência econômica ser um fator importante, há outros critérios que os tomadores de decisão também precisam considerar tais como, a distribuição de custos e benefícios em toda a sociedade (equidade) e a sustentabilidade. 2.1.2.2 Equidade A equidade trata como a riqueza é distribuída na sociedade ou, mais especificamente, como se dá uma alocação justa entre os diferenciados setores usuários. Na alocação de recursos escassos, duas teorias da justiça oferecem perspectivas úteis, são elas: a justiça distributiva e a justiça processual. A primeira tem por objetivo responder à questão de como a sociedade ou um grupo poderia alocar recursos escassos ou produtos entre indivíduos com necessidades ou reivindicações diferentes (SOUZA FILHO, 2005); a justiça processual aborda as regras de tomada de decisão utilizadas para determinar os resultados da distribuição (JOST; KAY, 2010). 26 A justiça distributiva para recursos prioritários, como a água, mostra que as sociedades priorizam alguns critérios de consideração da justiça, tais como a maximização da utilidade e a distribuição igualitária. Estes critérios foram desenvolvidos na Teoria da Justiça Utilitarista de Jeremy Bentham (1789) e na Teoria da Justiça de John Rawls (1971 e 2002). Jeremy Bentham construiu o critério da Utilidade a partir da constatação de que as ações humanas são determinadas positivamente pela busca do prazer e negativamente pela fuga da dor. Além de considerar que o interesse comum é a soma dos anseios dos indivíduos que compõem o agrupamento social (ROSA, 2010). Com isso, ele define que as escolhas sociais são construídas a partir de utilidades (felicidades e tristezas) individuais numa escala de utilidades sociais; construção realizada através da agregação dessas utilidades individuais. Esta agregação, por sua vez, pressupõe a comparação das utilidades (necessidades, gostos ou vontades) entre os indivíduos (SOUZA FILHO, 2005). Assim, a distribuição eticamente correta de recursos escassos para os utilitaristas é aquela que eleva ao máximo o grau de satisfação dos beneficiários. Entretanto, com o surgimento da economia neoclássica, abandona-se a tentativa de medir diretamente o bem-estar social por meio da felicidade ou utilidade e adota-se o conceito de preferência. Nesse contexto, o critério de equidade é formulado como o critério de Kaldor-Hicks ou potencial de Pareto (descrito no item anterior). Com base nesse critério, para alcançar a equidade, deve-se adotar uma política que aumente o bem-estar dos beneficiados em um montante superior à perda dos prejudicados (MARTINEZ, 2009). Em um sistema econômico, o critério de eficiência de Marshall ou Kaldor-Hicks, pode ser igualmente definido com a maximização do benefício líquido. John Rawls, em 1971, reuniu uma série de conceitos de várias origens, inclusive do utilitarismo, e lançou a Teoria da Justiça com Equidade. Segundo Oliveira e Alves (2010), essa teoria não propõe a eliminação das diferenças em uma sociedade injustamente desigual, mas apresenta-se como uma referência na busca de uma ordem social mais justa, ou seja, capaz de articular as diferenças, amenizar as desigualdades e priorizar os anseios dos menos favorecidos. Para Souza Filho (2005), a justiça de Rawls estabelece que possa haver desigualdades entre os agentes desde que a desigualdade na alocação sirva para melhorar as condições do setor mais desfavorecido pela mesma. Os principais conceitos utilizados por Rawls nessa teoria são: o estado da natureza da situação imaginária; o conceito de pacto ou de contrato (para escapar à barbárie, a 27 humanidade teve de estabelecer um acordo político-social); a noção de “véu de ignorância” dos agentes que abstraem tudo que não seja o conhecimento imediatamente disponível, inclusive as condições econômicas, políticas e sociais e as antevisões sobre o futuro; e a concepção de que os agentes racionais decidem de acordo com os seus interesses, advinda do utilitarismo (THIRY-CHERQUES, 2011). Com esses conceitos, Rawls postula que a justiça com equidadeprovém de um acordo celebrado por aqueles comprometidos com ela. Esse acordo deve ser válido do ponto de vista da justiça política. Essas condições devem situar, de modo equitativo, as pessoas e não deve permitir que alguns tenham posição de negociação mais vantajosa que a de outros. Pode-se dizer que a teoria de Rawls concentra-se na busca de princípios de justiça aplicáveis aos membros de uma sociedade e suas principais instituições. Assim, por mais eficientes e organizadas que sejam as instituições sociais e suas normas, se estas não promovem ações justas nos relacionamentos entre esses membros, tais instituições e normas devem ser reformuladas ou, até mesmo, substituídas por outras que, de forma mais eficiente, busquem promover a justiça. 2.1.2.3 Sustentabilidade De acordo com Castello (2007), a noção mais remota de sustentabilidade é encontrada no contexto da exploração pesqueira. Nesse contexto, a sustentabilidade está associada ao objetivo maior da administração pesqueira que é obter o rendimento máximo (ou captura máxima) sustentável. Esse rendimento consiste na quantidade máxima de capturas que se pode retirar de uma unidade populacional de peixes ao longo dos anos sem colocar em risco a sua capacidade de regeneração no futuro Como adjetivo de desenvolvimento, o conceito de sustentabilidade surgiu em face da percepção de uma crise ambiental global causada pelo incessante padrão de crescimento a produção e do consumo nos países ricos (NASCIMENTO, 2012). Na dimensão política, três fatos marcaram e difundiram o termo sustentabilidade como adjetivo de desenvolvimento são eles: a publicação do relatório The Limits of Growth pelo Clube de Roma em 1972, a Conferência de Estocolmo na Suécia em 1972 e a publicação do relatório de Brundtland pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CMMAD em 1987. 28 Entretanto, as bases para colocar em prática o conceito de desenvolvimento sustentável só foram apresentadas na Agenda 21 1 , documento aprovado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, ocorrida em 1992 no Rio de Janeiro. Essa agenda fez ressurgir, no plano internacional, a necessidade do planejamento estratégico, descentralizado e participativo, em oposição ao modelo de desenvolvimento econômico atual, considerado injusto socialmente e perdulário do ponto de vista ambiental (MORAES, 2008). Segundo Isaias (2008), o termo sustentabilidade não significa um estágio harmônico fixo, mas um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais sejam consistentes tanto com as necessidades presentes quanto com as futuras. Dessa forma, ele deve ser considerado e alicerçado sob uma ótica multidisciplinar, a fim de que aperfeiçoe os estudos e as avaliações do processo de desenvolvimento de algo ou alguma coisa, segundo dimensões diferentes e interdependentes. De acordo com Sepúlveda e Edwards (1997), o tratamento multidimensional da sustentabilidade é apenas o reflexo da complexa realidade do sistema e de cada um de seus componentes. Nesse mesmo contexto, Carmo (2003) diz que o relevante é descobrir as melhores inter-relações entre as dimensões, visto que as realidades e os sistemas são dinâmicos. Em recursos hídricos, o alcance da sustentabilidade exige que a água seja usada e alocada de forma que os sistemas hídricos mantenham-se dentro de sua capacidade de regeneração, a fim de manter os ecossistemas e suas funções (ROA-GÁRCIA, 2014). Para isso, faz-se necessária a adoção de estratégias de conservação de água tendo em vista a garantia de atendimento das necessidades das gerações presentes, sem comprometer as das gerações futuras. A conservação da água refere-se a todas as políticas e medidas de gestão ou práticas do usuário que visam a conservar e combater a degradação dos recursos hídricos. Assim, ela envolve, de forma integrada, gestão, tecnologia, educação e economia. 1 A “Agenda 21” foi elaborada como um plano de ação estratégica para o desenvolvimento sustentável. Apresenta‐se como um instrumento que visa a identificar atores, parceiros e metodologias para a obtenção de consensos e os mecanismos institucionais necessários para sua implementação e o seu monitoramento (DAMASCENO, 2009). 29 A sustentabilidade de um sistema pode ser medida por meio de indicadores os quais devem considerar a premissa segundo a qual cada sistema co-evolui de forma diferente dentro da relação Natureza-Sociedade. Hashimoto et al. (1982) propuseram que a sustentabilidade dos sistemas hídricos fosse avaliada em relação ao risco de colapso através de três indicadores: confiabilidade, resiliência e vulnerabilidade. O primeiro indicador mede a percentagem do tempo em que o sistema funciona sem falhas. A resiliência irá medir o tempo que um sistema irá se recuperar de uma falha, caso ela venha a ocorrer. Algumas implicações podem advir ao sistema caso ocorram falhas prolongadas com uma recuperação lenta, desejando-se que o sistema retorne a um estado satisfatório o quão rápido. Enquanto que a vulnerabilidade mede a severidade das falhas (déficit de atendimento a uma determinada demanda) a que o sistema está sujeito. Nesse contexto, em síntese, a sustentabilidade hídrica remete à necessidade de uma governança 2 do recurso e de ações e/ou estratégias de gestão de risco. Vale lembrar que a conservação de água não deve ser implementada apenas em tempos de escassez, já que ela é importante para diminuir o estresse que a sociedade impõe sobre os recursos hídricos e ajudar o sistema de gestão a ser mais flexível. 2.2 Gestão de Risco 2.2.1 O risco e o seu gerenciamento O risco tem sido percebido pelo homem há muitos séculos e, desde o aparecimento do seu conceito, estudiosos têm procurado várias maneiras de mitigá-lo, seja por transferência ou por compartilhamento. Devido à amplitude deste conceito, muitas vezes, risco e incerteza foram citados como sinônimos. No entanto, fazer a devida distinção é importante para uma gestão efetiva do risco. Segundo Knight (1921), risco é a aleatoriedade mensurável dos eventos futuros, ou seja, pode ser usada alguma função de distribuição de probabilidade capaz 2 A governança (Dietz et al., 2003; Folke et al., 2005) refere-se ao contexto político e social, que são parte da gestão dos recursos naturais. Lebel et al. (2006) consideram a Participação e Deliberação como atributos relevantes para uma boa governança. A participação facilita a interação entre os agentes e a deliberação permite o intercâmbio de conhecimentos e informações sem a necessidade de atingir a um consenso. 30 de descrever o valor dos eventos futuros. Já a incerteza, para o mesmo autor, é a aleatoriedade não mensurável dos eventos futuros. Na hidrologia, risco corresponde à probabilidade ou possibilidade de ocorrência de eventos, fatos ou resultados indesejáveis (VIEIRA, 2005). Enquanto que, na teoria da decisão, o risco deve incluir tanto a probabilidade de ocorrência quanto as consequências desse evento. Com isso, a probabilidade de um grande terremoto pode ser pequena, mas, os danos tão catastróficos que o evento poderia ser classificado como de alto risco (DAMODARAN, 2009). Devido ao fato de os conceitos de risco estarem intimamente ligados à ideia de probabilidade, a maneira de mensurá-lo, segundo o mesmo autor, evoluiu de acordo com os avanços no campo da Estatística e da Economia, bem como, da disponibilidade de dados. O Quadro 1 expõe as principais evoluções da quantificação do risco ao longo do tempo. Para Almeida (2011), os riscos podem ser classificados, conforme a sua natureza e consequências em seis classes:riscos individuais, riscos sociais ou públicos, riscos de segurança, riscos de saúde, riscos ambientais e riscos de gestão. Dwyer et al. (2004) afirmam que o risco depende de três elementos: o perigo, a vulnerabilidade e a exposição. Para o mesmo autor, essa relação é proporcional, ou seja, se um destes elementos aumentar ou diminuir então, o risco aumenta ou diminui, respectivamente. O risco também depende dos processos de decisão e esses só podem ser realizados no presente. Além disso, ninguém consegue conhecer mais do que uma pequena fração dos riscos que se encontram em seu redor (AREOSA, 2008), pois, no limite, sempre haverá alguma incerteza em todos os eventos práticos e a sociedade será incapaz de mensurar precisamente todos os efeitos que afetam os eventos futuros (KNIGHT, 1921). Assim, a visão dos atores sociais sobre os riscos aos quais estão sujeitos é sempre parcial ou incompleta. Dessa forma, a percepção do risco está relacionada com o comportamento dos agentes expostos a ele. Segundo Gitman (2004), são três os comportamentos básicos em relação ao risco: indiferença, propensão e aversão. No caso de indiferença, não haveria nenhuma variação de retorno exigida em razão de uma variação nos níveis de risco. Em uma situação de propensão a risco, o agente estaria disposto a assumir até mesmo um retorno menor correlacionado a um risco maior. Em um comportamento de aversão ao risco, o agente exige um retorno mais alto em função da elevação do risco. 31 Quadro 1 - Evolução das medidas de risco. Período Principal evento Medida do risco Antes de 1494 Risco era definido como parte do destino e da Divina Providência. A intuição ou nenhuma 1494 Proposta do jogo de dois apostadores e do arremesso da moeda de Luca Pacioli. Probabilidades calculadas 1654 Pascal e Fermat resolvem o jogo de Luca Pacioli (Base para a teoria da probabilidade) 1711 Bernoulli lança a “lei dos grandes números”. Probabilidade baseada em amostras 1738 De Moivre deriva a distribuição Normal como aproximação da Distribuição Binomial que Gauss e Laplace aprimoram. Século XIX Desenvolvimento dos seguros e das medidas atuariais do risco. Perdas Esperadas 1900 Surgimento da teoria de que os preços têm caminhos aleatórios. Variância do preço 1952 Markowitz lança as bases para a diversificação das carteiras. Classificação dos riscos e das ações 1960 Surgimento dos modelos de risco e retorno e da distribuição da lei das potências. Beta dos Mercados* 1986 Surgimento dos modelos multifatoriais. Variáveis macroeconômicas como fatores de risco. Betas Macroeconômicos** 1992 Os índices são utilizados para avaliação dos riscos. Proxies Fonte: Adaptado de Damodaran (2009). *Este índice mede a variação de uma ação em relação a uma carteira de mercado, perfeitamente diversificada. ** Medida da sensibilidade de um investimento a qualquer fator macroeconômico. De acordo com National Institute of Standards and Technology (2011), são quatro os componentes de gestão de risco. O primeiro componente é estabelecer um contexto de risco com o objetivo de identificar as ameaças, as vulnerabilidades e as consequências do impacto. O segundo é avaliar o risco de acordo com o contexto definido. O terceiro componente de gestão de risco aborda como as pessoas ou as instituições respondem aos riscos. O último componente é monitorar o risco ao longo do tempo. Conforme a ISO 31000:2009 (ABNT, 2012), o processo de gestão de riscos compõe-se de cinco componentes estruturais (Figura 5): Comunicação e consulta, 32 Estabelecimento do contexto, Avaliação do Risco, Tratamento do Risco e Monitoramento e análise crítica. Cada um deles está descrito a seguir: i) Comunicação e consulta - tem o intuito de esclarecer os fundamentos sobre os quais as decisões são tomadas e as razões pelas quais ações específicas são requeridas bem como, para identificar as diferentes percepções de risco; ii) Estabelecimento do contexto – este item busca ajudar a organização a articular seus objetivos dentro do ambiente que ela pretende atingir. Além disso, a organização deverá definir os critérios a serem utilizados para avaliar a significância do risco; iii) Avaliação de riscos - procedimento de identificar, analisar e decidir quais riscos devem ser gerenciados primeiro. A identificação dos riscos é a etapa em que todos os riscos são listados, estando suas fontes sob o controle ou não da organização. Além de identificar os riscos, é necessário considerar possíveis causas e cenários que mostrem que consequências podem ocorrer. A análise de riscos é a fase em que se determina a magnitude do risco por meio da combinação das consequências e de suas probabilidades; iv) Tratamento do risco - medidas para modificar os riscos e as formas de implementar essas medidas. Com isso, pode-se eliminar a causa do risco e alterar a sua probabilidade de ocorrência e seu efeito; v) Monitoramento e análise crítica – deve ser realizado durante todo o processo de gestão de risco a fim de que ele seja eficiente e eficaz. Conforme World Bank (2011), a gestão deve ser planejada ex-ante para fornecer ações que serão adotadas ex-post (por exemplo, seguro e compensação financeira). Assim, podem ser consideradas três abordagens na gestão de risco: • Mitigar o risco – diminuição ou limitação do impacto do adverso. Um exemplo de estratégia para essa abordagem é a diversificação de atividades; • Transferir o risco – está relacionada com a transferência de recursos financeiros para o setor que adquiriu o sinistro que iria atingir outro setor; • Lidar com o adverso - refere-se a melhorar a resiliência para suportar e gerenciar riscos, por meio da preparação ex-ante e fazendo uso de mecanismos formais e informais a fim de sustentar a produção e subsistência após um evento. 33 Figura 5 - Processo de Gestão de Riscos. Fonte: ABNT (2012). A gestão de riscos climáticos, especificamente, requer o desenvolvimento de instrumentos e/ou estratégias que possam aumentar a resiliência do sistema. De acordo com Holling (1996), resiliência é a capacidade intrínseca de um sistema em manter sua integridade no decorrer do tempo, sobretudo em relação a pressões externas. A principal característica de um sistema resiliente é sua flexibilidade e capacidade de perceber ou eventualmente criar opções para enfrentar situações imprevistas e de risco. No entanto, a resiliência de sistemas sócio-naturais é, em muitas situações, dependente da capacidade das sociedades humanas envolvidas processarem no tempo disponível todas as informações necessárias para lidar eficazmente com a dinâmica complexa do sistema como um todo (VAN DER LEEUW; ASCHAN-LEYGONIE, 2002). Considerar a resiliência no processo de gestão dos recursos hídricos aumenta a capacidade do sistema sócio-natural sustentar-se em face da imprevisibilidade, da surpresa, dos riscos e da complexidade. Para Folke et al. (2002), duas ferramentas são úteis para construir um sistema sócio-natural resiliente: a estruturação de cenários e a gestão adaptativa. O uso de cenários futuros ajudam a alcançar ou evitar determinados resultados na gestão de seca. Em uma visão prospectiva, os cenários devem ser construídos de acordo com um conjunto de princípios para que possam ser concebidos como seus instrumentos privilegiados. Eles devem surgir de modo lógico (num encadeado de causas e efeitos) do passado e do presente e devem ser desenvolvidos segundo linhas de raciocínio 34 corretas. Desse modo, os cenários são uma etapa de um processo que tem como objetivo final a definição de uma estratégia robusta 3 e eficaz. A gestão adaptativa permite construir um contexto social com instituições flexíveis e abertas de forma a aumentar a capacidade de adaptação sem excluir o desenvolvimento. Ela é uma alternativa para